Cerca de dois terços dos 23 milhões de eleitores da África do Sul devem votar mais uma vez no Congresso Nacional Africano (CNA), partido que está no poder há 15 anos e ainda colhe os frutos da luta contra o apartheid. Essa avalanche de votos faz com que seja só uma questão de tempo para que Jacob Zuma, líder do CNA, se torne o homem mais poderoso da África. A votação na África do Sul é indireta: os eleitores elegem o Parlamento, que escolhe o presidente. No entanto, tudo parece mera formalidade para oficializar o nome de Zuma. Com quase 90% da população negra, o CNA tem uma fatia cativa de 65% do eleitorado.
Com a fundação do Congresso do Povo (Cope) por dissidentes do CNA, no início do ano, a grande dúvida era saber se o partido governista manteria a mesma votação. Fundado por aliados do ex-presidente Thabo Mbeki, o partido não decolou em razão da falta de dinheiro e da forte identificação com o ex-líder, bastante impopular. Sem concorrentes à altura, a questão é saber se o CNA elege ou não mais de dois terços do Parlamento, o que lhe permitiria fazer o que quiser com a Constituição. Veja os principais candidatos desta eleição e os principais desafios do país:
Jacob Zuma (CNA)
Ex-guerrilheiro, 67 anos, nunca foi à escola, mas é muito carismático, um dos poucos que conseguem falar para negros e brancos ao mesmo tempo. É favorito e deve vencer com facilidade
FRASE
"O povo nos dará um mandato robusto e decisivo"
Mvume Dandala (Cope)
Bispo metodista, ganhou fama lutando contra o apartheid. Seu maior problema é ser identificado com o impopular ex-presidente Thabo Mbeki. Deve chegar em segundo, bem atrás do CNA
FRASE
"O Cope foi criado para barrar os abusos do CNA"
Hellen Zille (Aliança Democrática)
Prefeita branca de Cidade do Cabo, é chamada de ''Godzille'' por falar grosso com rivais. Sua popularidade é restrita à Província de Western Cape e seu partido ainda sente o peso de ter sustentado o apartheid
FRASE
"Decidimos entre a democracia ou um Estado falido"
Mangosuthu Buthelezi (Inkhata)
Aos 80 anos, ainda é muito identificado com o nacionalismo zulu. Vinha mantendo o controle da Província de KwaZulu-Natal, mas como Zuma também é zulu, pode perder o poder em seu reduto
FRASE
"CNA fez um governo arrogante e incompetente"
DESAFIOS
Crime - Apesar de estar em queda desde o fim do apartheid, a África do Sul ainda tem uma das mais altas taxas de criminalidade do mundo - quase o dobro da brasileira
Pobreza - Um quarto da população vive em barracos e cerca de 1,3 milhão de casas não tem acesso a serviços básicos, como água encanada
Aids - Cerca de 5,7 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus do HIV, 12% da população. São 500 mil novas infecções todos os anos, incluindo 100 mil crianças. Diariamente, 1.000 pessoas morrem de doenças relacionadas à aids
Desemprego - Segundo dados oficiais, o índice de desemprego é de 30% - mais de 4 milhões de pessoas, mas economistas estimam que 40% dos sul-africanos não tenham trabalho regular
Corrupção - A prática tem minado a credibilidade dos políticos sul-africanos, principalmente do partido governista, o CNA. Na linha de frente está Jacob Zuma, que foi acusado de corrupção, sonegação e lavagem de dinheiro. As acusações foram retiradas, mas muitos acreditam que ele esteja envolvido em esquemas ilegais
Economia - A maior economia da África caminha para sua primeira recessão em 16 anos. A indústria decresceu 15% em fevereiro, quando a inflação anual atingiu 8,6%
Zimbábue - O governo sul-africano é acusado de conivência com o ditador zimbabuano, Robert Mugabe. O CNA teve apoio de Mugabe durante o apartheid. Por isso, hesita em pressionar pelo fim do regime
Energia - Em janeiro do ano passado, o sistema de geração de energia do país quase entrou em colapso, levando a estatal Eskom a racionar eletricidade para a indústria. O caos é resultado da falta de investimentos no setor
Imigração - As leis sul-africanas e a política do CNA são bastante liberais e transformaram o país em um paraíso dos imigrantes. A crise no Zimbábue só agravou a situação: 3 milhões de zimbabuanos vivem na África do Sul, aumentando as tensões sociais e os ataques xenófobos
Política de inclusão racial - O CNA disse que continua comprometido com uma política de inclusão dos negros em uma economia ainda dominada por brancos. Mas os críticos acusam o governo de enriquecer apenas um pequeno grupo de correligionários
(Com Cristiano Dias, de O Estado de S. Paulo)