TEL AVIV — Ari Krauss, um reservista da elite militar Brigada Golani, do Exército israelense, disse que passava seus dias dentro de Gaza explodindo túneis subterrâneos. À noite, ele recordou, juntava-se a outros pais fardados em uma colina arenosa, tentando conseguir sinal suficiente no celular para fazer FaceTime com sua filha bebê.
Seu emprego regular parecia uma memória distante. Logo no início da guerra, a brigada enviou uma carta à sua companhia pedindo desculpas por convocá-lo, mas sem comprometer-se com uma data para seu retorno definitivo. Ser um soldado, deixava claro a carta, era agora sua principal vocação.
“Houve um tempo em que eu tinha minha carreira em alta tecnologia e minha vida familiar, e eu tinha que encontrar um equilíbrio”, disse Krauss, que passou quatro meses combatendo militantes do Hamas em Gaza e está se preparando para retornar no próximo mês. “Agora eu tenho que inserir na equação o fato de que estou desaparecendo por semanas, ou meses, a fio.”
Leia também
O dilema de Krauss, ou alguma versão dele, é compartilhado por cerca de 80 mil reservistas israelenses que planejam deixar, ou já deixaram, famílias, empregos e estudos para servir na linha de frente das desgastantes guerras de Israel em Gaza e no Líbano. Cada vez mais, alguns estão escolhendo não se apresentar ao serviço, colocando ainda mais pressão sobre um exército sobrecarregado em meio a uma guerra regional que se amplia cada vez mais.
Nadav Shoshani, porta-voz das Forças de Defesa de Israel, disse em um briefing na semana passada que os números de alistamento no Exército caíram cerca de 15% desde o período após os ataques de 7 de outubro de 2023, quando centenas de milhares de israelenses de todos os estratos sociais se apresentaram para lutar, muitos sem serem convocados.
Historicamente, o país manteve um exército permanente pequeno, contando com reservistas para completar suas fileiras durante uma série de guerras de curta duração. Mas a onda de ataques liderada pelo Hamas pelo sul de Israel, na qual cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e cerca de 250 feitas reféns, levou Israel ao conflito mais longo de sua história. Nos primeiros meses da guerra, cerca de 350 mil israelenses foram convocados, um número impressionante em um país de menos de 10 milhões.
As perdas, também, foram sem precedentes. Mais de 800 soldados foram mortos desde outubro de 2023. O número de palestinos mortos em Gaza passa de 40 mil.
“Onde quer que você olhe — a crise econômica, o impacto sobre os reservistas e suas famílias, e claro, os mortos e os feridos — a sociedade israelense está definitivamente no limite de sua capacidade,” disse Gayil Talshir, uma analista política da Universidade Hebraica.
Reservistas preparam despedidas caso não sobrevivam: mensagens em vídeo para os filhos, senhas do banco para seus parceiros.
Chava Landau Zenilman, cujo marido, Ari, lutou contra militantes em 7 de outubro e foi morto em combate dois meses depois em Khan Younis, no sul de Gaza, lembra do medo visceral após os ataques.
“Imaginávamos os terroristas entrando em nossa casa, para matar as crianças em suas camas”, ela recordou.
Ari havia sido convocado para o serviço de reserva a cada três meses nos últimos anos; às vezes, ele precisava convencê-la. Desta vez não havia dúvida de que ele iria.
“Esses dilemas são a nossa realidade de antes, mas esta guerra é extrema”, disse ela. Ela mal comia ou dormia quando ele estava em Gaza, disse, e tentava se impedir de imaginar “a batida na porta”. Quando ela veio, ela ficou desolada, mas disse que não tem arrependimentos: “Ele estava lutando pelos nossos filhos.”
O alistamento universal do país exige que a maioria dos homens judeus sirva por aproximadamente três anos e mulheres judias por dois. Membros da minoria árabe, incluindo cidadãos beduínos e drusos, também se alistam. Mas a comunidade ultraortodoxa, que está crescendo e tem influência política, é amplamente isenta, um problema que tem causado tumulto na sociedade israelense nas últimas semanas.
O Supremo Tribunal decidiu este ano que estudantes de yeshivas ultraortodoxas devem ser recrutados para o serviço militar, ameaçando a frágil coalizão política de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Quando o ministro da Defesa aprovou as primeiras notificações de recrutamento este mês, Netanyahu o demitiu.
O Exército, enfrentando uma possível escassez de tropas, está planejando estender o serviço obrigatório no Exército regular e aumentar a idade máxima para reservistas. Muitos soldados já estão no limite.
“Eu sinto que o governo está me fazendo pedir à minha esposa um fim de semana com os amigos em Vegas, mas na verdade é para ir por semanas ao Líbano para defender o país”, disse um reservista das forças especiais que serviu por quase 300 dias no último ano. Ele falou sob condição de anonimato, em conformidade com o protocolo militar.
Sua unidade de 12 homens está reduzida a cinco depois que sete se recusaram a aparecer. “Nunca imaginamos uma guerra que iria tão fundo e duraria tanto tempo”, disse ele. “E também, que não há ninguém para nos substituir.”
Soldados trocam histórias de parceiros ameaçando divórcio e de chefes — muitos deles próprios reservistas — perdendo a paciência. Muitas mulheres estão lutando como mães solteiras, reduzindo suas horas de trabalho para atender às necessidades de cuidado das crianças, enquanto a produtividade cai em todos os setores.
O crescimento econômico de Israel caiu 2% no último ano e espera-se que diminua mais 1,5% em 2024, disse Benjamin Bental, presidente do Programa de Política Econômica no Centro Taub para Políticas Sociais em Israel.
Antes da guerra, uma média de 3,2 mil trabalhadores faltava ao trabalho cada mês para o serviço militar de reserva, geralmente por apenas parte da semana, segundo um estudo do Instituto Democracia de Israel em Jerusalém. Entre outubro e dezembro do ano passado, a média ficou em torno de 130 mil por mês, com a maioria dos trabalhadores totalmente ausente.
Pequenos negócios estão fechando, startups estão perdendo capital e empresas potencialmente bem-sucedidas estão pensando em se realocar.
“Estamos esgotados”, disse Shmulik Moskovitz, consultor de negócios freelancer e reservista. O pai de quatro crianças pequenas passou mais de 250 dias na linha de frente, em um período coincidindo com seu irmão, em Gaza.
Moskovitz perdeu clientes depois de ser convocado, e disse que os programas de assistência governamental têm sido inadequados. Ainda assim, “estar envolvido foi mais importante do que estar em casa”, ele concluiu.
“Nós somos o país”, disse Moskovitz. “Se não aparecermos, não há país.”
Para muitos israelenses, os crescentes custos sociais, econômicos e humanos das guerras apenas aumentam a urgência de alcançar seus objetivos: a derrota do Hamas em Gaza, a libertação dos mais de 100 reféns ainda mantidos lá, e o retorno dos 60 mil israelenses forçados a deixar suas casas no norte.
Histórias como a de Dor Zimel, major da reserva, são emblemáticas da determinação do país. Em 7 de outubro, Zimel correu para a fronteira com o Líbano para se juntar ao resto de sua companhia. Algumas semanas depois, ele pediu sua namorada em casamento com um anel de diamante dado a ele por um joalheiro cujo filho foi assassinado nos ataques do Hamas. Em abril, Zimel morreu em um bombardeio de drones e mísseis do Hezbollah no norte de Israel.
O pai de Zimel, Alon, quer que as IDF continuem a luta no Líbano e estabeleçam uma “zona tampão" no sul do país — para proteger Israel dos tipos de ataques que mataram seu filho.
“Senão, para que foi tudo isso?” ele perguntou.