As tatuagens no rosto fino de Helena Rosa foram feitas em 1989 para afastar da menina recém-nascida os demônios e os espíritos infelizes dos que morrem sem conhecer Imana. Não funcionou. Cinco anos mais tarde, a adolescente Ruza foi envolvida na luta de 100 dias que resultou na morte de 800 mil pessoas em seu país, Ruanda. A cidade de 60 mil habitantes em que vivia, Byumba, cerca de 60 km ao norte da capital, Kigali, foi invadida pelos grupos radicais da etnia hutu – muita gente fugiu; talvez um terço das pessoas tenham sido dizimadas pelos milicianos.
A garota perdeu a família, caminhou pela mata, cruzou rios e com outros poucos refugiados pediu asilo, primeiro na Tanzânia e depois em Moçambique. Sob o abrigo de um grupo de freiras estudou e, feita professora, dedica a vida a auxiliar vítimas de ditaduras e desterrados pela miséria. De nome novo, Helena está no Brasil cadastrando exilados africanos para um programa da ONU. É uma mulher sem sorrisos e de gestos tensos. Conta sua história com poucos detalhes.
A voluntária é o personagem mais típico produzido pela África, o continente dos conflitos. Em março de 2018, organismos internacionais dedicados aos estudos da paz registravam a existência de 15 guerras ativas, aquelas em que há combates, rola sangue e os civis sofrem. Mesmo em países tecnicamente pacificados, como Ruanda, há choques isolados entre determinados grupos, fora do controle dos frágeis governos locais, nos quais a corrupção bate forte.
Os motivos cobrem um largo espectro, da exploração de minerais raros à extração de diamantes, urânio e jazidas de petróleo. O mercado de armas age na área livremente. A Rússia é o principal fornecedor, ocupando 35% de todas as encomendas. Um catálogo gigante: fuzis, pistolas, munições, foguetes, blindados, mísseis, aviões de ataque, helicópteros. Só no ano passado, foram US$ 10 bilhões em novos contratos formais.