Em 1999, ano em que Hugo Chávez assumiu o poder, os eleitores venezuelanos apoiaram amplamente sua investida para reescrever a Constituição. Chávez gostou tanto da nova versão que mandou distribuir milhões de cópias em formato de livro de bolso. Ele gostava de brandir um exemplar durante seus discursos, como um pregador exibindo a Bíblia. A Constituição tinha capa azul, mas se tornou o Pequeno Livro Vermelho da “revolução” socialista de Chávez.
Essa é uma das razões pelas quais os venezuelanos ficaram surpresos – e irritados – quando Nicolás Maduro, que sucedeu a Chávez após sua morte, em 2013, anunciou na segunda-feira que pretende reescrever a Constituição. A tática de Maduro é um pouco diferente daquela de Chávez.
A Venezuela enfrenta profunda crise econômica e política, mas Maduro, em vez de buscar a aprovação dos eleitores para mudar a Constituição, determinou que a mudança ocorra por decreto. Os integrantes da Assembleia Constituinte deverão vir esmagadoramente de comunidades e grupos sociais leais ao governo.
O propósito do novo documento é promover o que Maduro e apoiadores chamam de “Estado comunitário”. Seu objetivo básico é canalizar a riqueza do petróleo para um sistema de “conselhos comunitários” eleitos localmente, que assumiriam parte dos poderes hoje exercidos por prefeitos, governadores e pela Assembleia Nacional.
Para os críticos, o sistema comunitário é simplesmente um meio de o governo socialista dar dinheiro aos apoiadores e substituir instituições democráticas tradicionais por outras mais flexíveis.
Analistas dizem que a intenção de escrever uma nova Constituição pode atender a necessidades prementes de Maduro – de adiar eleições estaduais, nas quais é quase certo que seu partido será derrotado e possivelmente também as eleições presidenciais previstas para 2018.
“É uma tentativa canhestra de fugir de eleições regionais e presidenciais”, disse Eugenio Martínez, cientista político da Universidade Católica Andrés Bello. “No projeto apresentado por Maduro, pelo menos metade dos delegados para a Constituinte viria de grupos que apoiam o governo”, disse Martínez. “O que significará que a iniciativa não levará a eleições justas, diretas e secretas”.
A Constituinte marginalizaria ainda mais a Assembleia Nacional, de maioria opositora, único ramo do governo que Maduro não controla. Também acentuaria o status de pária da Venezuela na região, onde os maiores países acusam Maduro de cair no autoritarismo. A oposição venezuelana tornou-se majoritária no Legislativo em 2015. Desde então, Maduro tenta amordaçar os rivais, enquanto o país sofre com a criminalidade e a fome crescentes.
Líderes opositores dizem que os planos de Maduro são um complô para consolidar um governo ditatorial, mesmo à custa da Constituição venerada por Chávez. Para analistas, os planos de Maduro para uma nova Constituição vão depender do apoio das Forças Armadas. Não está claro como a proposta vem sendo recebida por outros membros do movimento chavista, cada vez mais incomodados com a radicalização do governo.
Se a Constituinte avançar, a oposição pode se ver confrontada com uma escolha difícil. Ela pagou um alto preço, em 2005, por boicotar eleições em protesto contra o governo Chávez, perdendo o pouco poder institucional que tinha. Maduro pode estar apostando em preparar uma armadilha semelhante, levando os adversários a se abster. A diferença é que, em 2005, Chávez continuava popular. A aprovação a Maduro está abaixo dos 20%. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ SÃO JORNALISTAS