Após 10 dias de combates mortíferos entre dois generais, que causaram mais de 400 mortos, mais uma tentativa de cessar-fogo fracassou no Sudão nesta terça-feira, 25, poucas horas após iniciar. A trégua prevista de 72 horas foi anunciada pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, com concordância das Forças Armadas Sudanesas (SAF) e das Forças de Apoio Rápido (RSF), na segunda-feira, 24, mas bombardeios foram registrados em Cartum.
As Forças Armadas Sudanesas (SAF), comandada pelo general Abdel Fatah al-Burhan, e as FAR, o grupo paramilitar liderado pelo general Mohamed Hamdan Daglo, entraram em conflito nos arredores da capital sudanesa, segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias France-Press.
Outras testemunhas relataram o bombardeio de veículos das FAR no norte de Cartum. Um vídeo mostra um representante do grupo paramilitar afirmando ter assumido o controle de uma refinaria e de uma usina hidrelétrica distante 70 quilômetros ao norte da capital.
Blinken havia anunciado o cessar-fogo com duração de três dias na noite desta segunda-feira após “intensas negociações” entre as duas forças, mas, assim como outras três tentativas anteriores, o plano fracassou. As partes em guerra se acusam mutuamente de quebrar a trégua.
As FAR confirmaram e anunciaram uma “trégua dedicada à abertura de corredores humanitários e à facilitação da deslocação de civis”. Numa declaração no Facebook, o exército afirmou que respeitará o cessar-fogo se os seus rivais também o fizerem.
As Forças para a Liberdade e a Mudança, o principal bloco civil que os dois generais, agora em luta, expulsaram do poder num golpe em 2021, esperavam que a trégua permitisse “o diálogo sobre as modalidades de um cessar-fogo permanente”.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou na segunda-feira, 24, que os combates entre o exército do general Abdel Fatah al Burhan e os paramilitares do general Mohamed Hamdan Daglo levaram o Sudão “à beira do abismo”.
Retirada de estrangeiros
Explosões, bombardeamentos e tiroteios têm continuado nos últimos dez dias em Cartum, capital do Sudão, e outras regiões, matando pelo menos 427 pessoas e ferindo mais de 3.700, segundo as agências da ONU.
Aqueles que não conseguem escapar ao fogo cruzado tentam sobreviver sem água e eletricidade, com escassez de alimentos e cortes na Internet e no telefone. Esta espiral “arrisca-se a provocar uma conflagração catastrófica no Sudão, que poderá engolir toda a região e não só”, afirmou Guterres.
Apesar deste aviso, o emissário da ONU no Sudão, Volker Perthes, vai permanecer no país da África Oriental, ao contrário de muitos diplomatas e outros cidadãos estrangeiros.
Mais de mil cidadãos da União Europeia foram evacuados, conforme o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell. A Espanha anunciou a partida de 100 pessoas, incluindo latino-americanos. A China, os Estados Unidos, o Japão e vários países árabes também anunciaram a retirada de centenas de pessoas.
Além disso, cerca de 700 funcionários da ONU, embaixadas e organizações internacionais “foram evacuados para Porto Sudão”, uma cidade no Mar Vermelho, informou a ONU.
Refugiados
Mas “à medida que os estrangeiros, que estão em condições de o fazer, fogem, o impacto da violência numa situação humanitária já crítica no Sudão, agrava-se”, alertou a ONU. Apanhadas no fogo cruzado, as suas agências e muitas outras organizações humanitárias suspenderam as suas atividades no país.
Cinco trabalhadores humanitários, incluindo quatro da ONU, foram mortos e, segundo o sindicato dos médicos, quase três quartos dos hospitais estão fora de serviço. As duas partes acusam-se mutuamente de atacar as prisões para libertar centenas de prisioneiros, saquear casas e fábricas.
Foram igualmente registados confrontos em torno de bancos, que foram esvaziados.
Num país onde a inflação já atinge os três dígitos em tempos normais, o preço do arroz ou da gasolina é elevadíssimo. E o combustível é crucial para fugir para o Egito, cerca de mil km a norte, ou para chegar a Porto Sudão e embarcar num navio.
Muitos já fugiram para o Egito ou para o Sudão do Sul. Alguns dos 800 mil refugiados sul-sudaneses no vizinho do norte estão agora fazendo o caminho inverso, segundo a agência de refugiados da ONU, o Acnur.
Além disso, 20 mil sudaneses refugiaram-se no Chade, que faz fronteira com a região de Darfur (oeste), onde também se registam fortes combates.
A disputa entre Burhan e Daglo, que se aliaram para expulsar os civis do poder, teve origem nos planos para integrar as FAR no exército regular./AFP