Quinze meses após o início da guerra mais longa e mortal de Israel, negociadores no Catar concordaram com um cessar-fogo e a liberação de reféns.
É importante destacar que as partes envolvidas — Israel, Hamas, Egito, Catar e Estados Unidos — parecem prontas para assinar apenas a primeira fase de um complicado acordo de paz, e que as conversas sobre a segunda ou terceira fases ainda nem começaram. Em outras palavras, o acordo — anunciado ao meio-dia de quarta-feira, 15, e que entrará em vigor no domingo, 19 — marca uma suspensão dos combates, mas não o fim do conflito, muito menos um caminho para uma paz duradoura entre Israel e os palestinos. O próprio governo israelense, na manhã desta quinta-feira, acusou o Hamas de voltar atrás no que foi acordado.
A poucos dias do fim da presidência de Joe Biden, ele e sua equipe de diplomatas estão comemorando o acordo como um último marco de seu legado. No entanto, eles são obrigados a compartilhar o momento com o presidente eleito Donald Trump, cujos assessores dizem que ele merece o crédito de duas maneiras.
Primeiro, observam, ele advertiu os líderes do Hamas de que eles teriam uma dura retaliação se os reféns não fossem libertados até sua posse. Segundo, Trump enviou seu futuro emissário para o Oriente Médio, Steve Witkoff, para pressionar o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, a assinar um acordo, mesmo correndo certo risco político.
Cada lado tem um argumento plausível. Os diplomatas de Biden passaram mais de um ano, enfrentando inúmeras viagens de ida e volta de Washington para as várias capitais do Oriente Médio, definindo os termos deste acordo. No entanto, pode não ser mera coincidência que o acordo — não muito diferente de uma proposta apresentada em maio passado — só tenha sido selado pouco antes de Trump assumir o cargo.
O Times of Israel, na terça-feira, citou “dois oficiais árabes” dizendo que o enviado de Trump — nas palavras do jornal — fez “mais para convencer [Netanyahu] em uma única reunião do que o presidente em fim de mandato, Joe Biden, fez o ano todo”.
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Ainda não se sabe o que Witkoff disse na reunião, mas Netanyahu esteve muito mais próximo de Trump do que de Biden ou qualquer presidente democrata, embora ele também possa perceber que precisa demonstrar lealdade ao presidente eleito. Trump certa vez disse que Netanyahu os “decepcionou” ao se retirar da trama dos EUA — executada durante seu primeiro mandato na Casa Branca — para assassinar o líder das forças especiais do Irã, Qassem Soleimani. O primeiro-ministro israelense pode ter sido informado de que deve um favor a Trump.
A iminente volta de Trump ao poder pode também ter aumentado a pressão sobre o Hamas, não apenas pela ameaça. Biden e sua equipe forçaram Netanyahu a abrir corredores humanitários, ao menos tentaram fazê-lo reduzir baixas civis, impuseram sanções aos colonos israelenses mais selvagens na Cisjordânia ocupada, e apoiaram o objetivo eventual de um Estado palestino.
Em contraste, Trump, meses atrás, aconselhou Netanyahu a “terminar” a guerra rapidamente, a qualquer custo; e seu embaixador em Israel, Mike Huckabee, negou a própria existência de um povo palestino ou “territórios ocupados”, dizendo que todos pertencem à Grande Israel.
Em outras palavras, Netanyahu tem motivos para acreditar que Trump lhe permitirá maior liberdade de ação na região do que Biden ou Kamala Harris, e que, portanto, pode se dar ao luxo de ceder um pouco em um acordo de cessar-fogo. Ao mesmo tempo, os líderes do Hamas podem ter concluído que fazer um acordo antes de Trump assumir o cargo pode poupá-los de mais devastação.
Biden e Trump não foram as únicas forças que tornaram um cessar-fogo em Gaza mais próximo. Vários outros eventos ocorreram nos últimos meses, nos quais Biden teve apenas um papel indireto e Trump não teve papel algum. Estes incluem o contínuo bombardeio de Israel ao Hamas e o assassinato do líder do grupo terrorista, Yahya Sinwar; a dizimação do Hezbollah no Líbano e o assassinato do líder do grupo, Hassan Nasrallah; o bombardeio dos sistemas de defesa aérea do Irã, deixando a infraestrutura vital da República Islâmica vulnerável à destruição se Teerã montasse mais ataques contra Israel; e o colapso do regime de Bashar al-Assad na Síria, esvaziando a aliança — que o Irã chamou de “eixo de resistência” — que coordenava ataques contra Israel no Oriente Médio.
Segundo os termos do acordo, o Hamas libertará 33 reféns em um período de 42 dias, incluindo mulheres, crianças, doentes e homens com mais de 55 anos. Três desses reféns serão libertados no primeiro dia, outros quatro no segundo dia, depois três de cada vez a cada semana, com os últimos 14 libertados na última semana.
Ainda não está claro se a exigência de Trump para a libertação dos reféns foi destinada ou interpretada para especificar os americanos. Também ainda não foi relatado — e possivelmente não foi ainda acordado — quantos prisioneiros palestinos os israelenses libertarão em troca.
Durante os mesmos 42 dias, o exército israelense permitirá o retorno de palestinos que foram expulsos de suas casas na parte norte de Gaza.
Finalmente, no 16º dia, começarão as negociações sobre a segunda fase do cessar-fogo. Se tudo correr bem, essa fase resultará na libertação de mais 65 reféns (que pode incluir o total de sobreviventes), enquanto todas as tropas israelenses se retirarão para uma faixa estreita de terra — uma “zona tampão” — no norte de Gaza, logo abaixo da fronteira com Israel.
Ninguém pode adivinhar quanto tempo levará para concluir esta segunda fase. Tampouco está claro se alguma das partes está comprometida em iniciar uma terceira fase — que, segundo o esboço apresentado há quase um ano, envolveria a reconstrução de Gaza, assegurando a segurança de Israel e estabelecendo as condições para uma solução para o conflito antigo entre Israel e os palestinos.
Também vale observar que certos detalhes da primeira fase ainda não estão completamente definidos. Há também um possível obstáculo político dentro de Israel. Os parceiros de coalizão de Netanyahu incluem partidos de extrema direita, liderados por Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que disseram que sairiam do governo se Netanyahu assinasse qualquer acordo que deixasse o Hamas ao menos um pouco intacto.
Se cumprissem essa ameaça, o governo de Netanyahu colapsaria, levando a novas eleições, que ele pode perder. O gabinete israelense revisará o acordo na quinta-feira. O que os extremistas farão, se o acordo for aprovado, permanece um mistério. Alguns acreditam que sua ameaça é um blefe; eles sabem que nunca poderiam pertencer a qualquer outro governo israelense, então permanecerão com Netanyahu, por mais desagradável que seja.
A guerra começou em 7 de outubro de 2023, quando terroristas do Hamas cruzaram a fronteira mal defendida e mataram mais de 1.200 israelenses, o maior número de judeus mortos em um único dia desde o Holocausto, quase todos civis, muitos dos quais ajudaram palestinos em Gaza ao longo dos anos. Israel respondeu com uma invasão e bombardeio aéreo, destinados a destruir o Hamas, embora executados com regras de engajamento muito relaxadas sobre danos a civis.
Mais de 46.000 palestinos foram relatados mortos, provavelmente cerca da metade deles civis (as estatísticas não fazem distinções), muitos deles mulheres e crianças — provocando protestos em todo o mundo e alienando até muitos apoiadores ocidentais de Israel, incluindo dentro do Congresso dos EUA.
A guerra também destruiu um acordo iminente em que a Arábia Saudita “normalizaria” as relações com Israel — um acordo que teria melhorado a posição de Israel não apenas no Oriente Médio, mas em todo o mundo muçulmano. Na verdade, uma das razões para o ataque do Hamas em 7 de outubro foi para interromper esse acordo e, assim — como um dos líderes do grupo colocou na época — “colocar a questão palestina de volta à mesa”.
Os países árabes sunitas nunca se importaram muito com os palestinos, defendendo sua causa apenas retoricamente. Se os sauditas tivessem assinado um acordo com Israel, até esse apoio retórico teria desaparecido. Mas as pessoas nesses países apoiam a causa palestina, então os governantes não poderiam abraçar os israelenses enquanto estavam matando milhares.
Uma grande questão geopolítica é se o cessar-fogo, por mais breve que seja, dará aos sauditas espaço suficiente para retomar as negociações rumo à normalização.