Chantagem econômica de Putin põe Europa de joelhos; leia a análise de Paul Krugman


Dependência energética do gás russo faz preços dispararem no continente, enquanto outros mercados atingidos pela guerra se estabilizam

Por Paul Krugman
Atualização:

Quatro décadas atrás, passei um ano trabalhando no governo dos Estados Unidos, na equipe do Conselho de Assessores Econômicos. (Para aqueles que se perguntam: sim, este foi o governo Reagan; não, eu não era republicano.) Era um trabalho tecnocrático. Eu era o principal economista internacional; o principal economista doméstico era um cara chamado Larry Summers. O que aconteceu com ele?

De qualquer forma, eu passava a maior parte do meu tempo no escritório, processando números. No entanto, participei de algumas reuniões de gabinete, e lembro-me em particular de uma envolvendo os planos europeus de construir um gasoduto que aumentaria muito as importações de gás da União Soviética. Alguns funcionários estavam procurando maneiras de impedir o projeto, mas ninguém tinha boas ideias.

Mas esses funcionários não estavam errados em se preocupar que a dependência do gás soviético – mais tarde russo – criaria uma vulnerabilidade estratégica. De fato, a dependência da Europa do gás russo se tornou o maior risco agora enfrentado pela economia mundial.

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Tubulações de gás nas instalações da "Nord Stream 1", gasoduto que liga a Rússia à Europa, em imagem registrada em Lubmin, Alemanha, em 8 de março deste ano Foto: Hannibal Hanschke/Reuters

A Rússia é uma potência econômica de terceira categoria, mas ela e a Ucrânia são, ou foram, grandes fornecedores de algumas commodities importantes. Quando Vladimir Putin invadiu seu vizinho, os preços do trigo – grande parte do qual é cultivado no cinturão da “Terra Negra” que se estende pela Ucrânia, Rússia e Cazaquistão – e do petróleo, grande parte extraído nos Montes Urais, dispararam.

Mais recentemente, no entanto, grande parte do choque de preços da guerra retrocedeu. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação, os preços mundiais dos alimentos desistiram da maior parte de seu aumento durante a guerra. E os preços do petróleo também caíram substancialmente em relação ao seu pico.

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O que está acontecendo nesses casos é que tanto as commodities agrícolas quanto o petróleo são essencialmente negociados nos mercados mundiais, o que, para melhor ou para pior, permite muita flexibilidade. Por exemplo, a Rússia pode vender seu petróleo para a Índia em vez da Europa, e a Europa pode, por sua vez, comprar petróleo do Oriente Médio que, de outra forma, teria ido para a Índia.

Adicione uma boa colheita de trigo nos EUA e fatores como a fraca demanda por petróleo de uma China conturbada, e o choque geral dos preços das commodities está se tornando menor do que muitos temiam. Há, no entanto, uma exceção, e isso é incrível: o gás natural europeu.

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Ao contrário dos mercados de petróleo e trigo, o mercado de gás não é totalmente global. A maneira mais barata de enviar gás é normalmente por meio de gasodutos, o que divide o mundo em mercados regionais separados definidos por onde os gasodutos passam. A principal alternativa é embarcar o gás liquefeito, que é como ele chega a mercados não atendidos por gasodutos, mas isso requer transporte marítimo e terminais especialmente projetados, que não podem ser adicionados rapidamente no meio de uma crise.

O que nos traz ao momento atual. As entregas de gás russo para a Europa caíram cerca de 75% em relação ao ano anterior. Os russos afirmam estar passando por dificuldades técnicas, mas ninguém acredita nisso; este é claramente um embargo de facto destinado a pressionar o Ocidente a cortar o apoio à Ucrânia. E o resultado foi um aumento incrível nos preços do gás na Europa.

Se você quiser uma comparação histórica, o recente aumento de aproximadamente dez vezes nos preços do gás europeu supera os choques do preço do petróleo de 1973-4 e 1979-80, que desempenharam um grande papel na estagflação da década de 1970.

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Provavelmente não é coincidência que o último aumento de preço tenha começado em meados de junho. Foi mais ou menos quando ficou claro que a segunda ofensiva da Rússia na Ucrânia – a que se seguiu à sua desastrosa tentativa inicial de tomar Kiev – não alcançaria resultados decisivos, e que o equilíbrio militar provavelmente mudaria a favor da Ucrânia à medida que as armas do Ocidente chegassem. Então, a Rússia voltou-se para a guerra econômica.

A Europa está compensando o déficit em parte importando gás natural liquefeito, especialmente dos Estados Unidos, que produz muito gás natural de xisto. Mas a capacidade para o transporte de LNG é limitada, e é por isso que os preços do gás natural nos EUA, embora em alta, não subiram tanto quanto os preços europeus.

Como tudo isso vai se desenrolar? As economias sofisticadas e avançadas têm enorme capacidade de adaptação, e a Europa vem acumulando seus estoques de gás para enfrentar o inverno; o continente encontrará maneiras de administrar, mesmo que esteja recebendo muito pouco gás russo. Mas um surto de inflação alta é inevitável, e uma recessão europeia parece extremamente provável.

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Isso dito, as considerações macroeconômicas são provavelmente secundárias à questão de como a Europa lidará com as extremas dificuldades que muitas famílias enfrentarão com o aumento das contas de energia. Os governos terão que encontrar maneiras de aliviar esse fardo – um problema complicado quando também querem preservar os incentivos para economizar energia. A política dos preços do gás provavelmente será extremamente turbulenta nos próximos meses.

A chantagem econômica de Putin conseguirá minar a oposição ocidental à sua agressão? Provavelmente não. Entre outras coisas, os países que parecem menos resolutos diante da pressão russa – olá, Alemanha – também têm feito o mínimo para apoiar a Ucrânia, então não importa muito se perderem a coragem.

Mas aconteça o que acontecer agora, estamos recebendo uma lição prática sobre os perigos de nos tornarmos economicamente dependentes de regimes autoritários. Os economistas há muito são céticos em relação aos argumentos de segurança nacional para limitar o comércio internacional, os quais muitas vezes foram abusados no passado. Mas as ações da Rússia deram muito mais força a esses argumentos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Quatro décadas atrás, passei um ano trabalhando no governo dos Estados Unidos, na equipe do Conselho de Assessores Econômicos. (Para aqueles que se perguntam: sim, este foi o governo Reagan; não, eu não era republicano.) Era um trabalho tecnocrático. Eu era o principal economista internacional; o principal economista doméstico era um cara chamado Larry Summers. O que aconteceu com ele?

De qualquer forma, eu passava a maior parte do meu tempo no escritório, processando números. No entanto, participei de algumas reuniões de gabinete, e lembro-me em particular de uma envolvendo os planos europeus de construir um gasoduto que aumentaria muito as importações de gás da União Soviética. Alguns funcionários estavam procurando maneiras de impedir o projeto, mas ninguém tinha boas ideias.

Mas esses funcionários não estavam errados em se preocupar que a dependência do gás soviético – mais tarde russo – criaria uma vulnerabilidade estratégica. De fato, a dependência da Europa do gás russo se tornou o maior risco agora enfrentado pela economia mundial.

Tubulações de gás nas instalações da "Nord Stream 1", gasoduto que liga a Rússia à Europa, em imagem registrada em Lubmin, Alemanha, em 8 de março deste ano Foto: Hannibal Hanschke/Reuters

A Rússia é uma potência econômica de terceira categoria, mas ela e a Ucrânia são, ou foram, grandes fornecedores de algumas commodities importantes. Quando Vladimir Putin invadiu seu vizinho, os preços do trigo – grande parte do qual é cultivado no cinturão da “Terra Negra” que se estende pela Ucrânia, Rússia e Cazaquistão – e do petróleo, grande parte extraído nos Montes Urais, dispararam.

Mais recentemente, no entanto, grande parte do choque de preços da guerra retrocedeu. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação, os preços mundiais dos alimentos desistiram da maior parte de seu aumento durante a guerra. E os preços do petróleo também caíram substancialmente em relação ao seu pico.

O que está acontecendo nesses casos é que tanto as commodities agrícolas quanto o petróleo são essencialmente negociados nos mercados mundiais, o que, para melhor ou para pior, permite muita flexibilidade. Por exemplo, a Rússia pode vender seu petróleo para a Índia em vez da Europa, e a Europa pode, por sua vez, comprar petróleo do Oriente Médio que, de outra forma, teria ido para a Índia.

Adicione uma boa colheita de trigo nos EUA e fatores como a fraca demanda por petróleo de uma China conturbada, e o choque geral dos preços das commodities está se tornando menor do que muitos temiam. Há, no entanto, uma exceção, e isso é incrível: o gás natural europeu.

Ao contrário dos mercados de petróleo e trigo, o mercado de gás não é totalmente global. A maneira mais barata de enviar gás é normalmente por meio de gasodutos, o que divide o mundo em mercados regionais separados definidos por onde os gasodutos passam. A principal alternativa é embarcar o gás liquefeito, que é como ele chega a mercados não atendidos por gasodutos, mas isso requer transporte marítimo e terminais especialmente projetados, que não podem ser adicionados rapidamente no meio de uma crise.

O que nos traz ao momento atual. As entregas de gás russo para a Europa caíram cerca de 75% em relação ao ano anterior. Os russos afirmam estar passando por dificuldades técnicas, mas ninguém acredita nisso; este é claramente um embargo de facto destinado a pressionar o Ocidente a cortar o apoio à Ucrânia. E o resultado foi um aumento incrível nos preços do gás na Europa.

Se você quiser uma comparação histórica, o recente aumento de aproximadamente dez vezes nos preços do gás europeu supera os choques do preço do petróleo de 1973-4 e 1979-80, que desempenharam um grande papel na estagflação da década de 1970.

Provavelmente não é coincidência que o último aumento de preço tenha começado em meados de junho. Foi mais ou menos quando ficou claro que a segunda ofensiva da Rússia na Ucrânia – a que se seguiu à sua desastrosa tentativa inicial de tomar Kiev – não alcançaria resultados decisivos, e que o equilíbrio militar provavelmente mudaria a favor da Ucrânia à medida que as armas do Ocidente chegassem. Então, a Rússia voltou-se para a guerra econômica.

A Europa está compensando o déficit em parte importando gás natural liquefeito, especialmente dos Estados Unidos, que produz muito gás natural de xisto. Mas a capacidade para o transporte de LNG é limitada, e é por isso que os preços do gás natural nos EUA, embora em alta, não subiram tanto quanto os preços europeus.

Como tudo isso vai se desenrolar? As economias sofisticadas e avançadas têm enorme capacidade de adaptação, e a Europa vem acumulando seus estoques de gás para enfrentar o inverno; o continente encontrará maneiras de administrar, mesmo que esteja recebendo muito pouco gás russo. Mas um surto de inflação alta é inevitável, e uma recessão europeia parece extremamente provável.

Isso dito, as considerações macroeconômicas são provavelmente secundárias à questão de como a Europa lidará com as extremas dificuldades que muitas famílias enfrentarão com o aumento das contas de energia. Os governos terão que encontrar maneiras de aliviar esse fardo – um problema complicado quando também querem preservar os incentivos para economizar energia. A política dos preços do gás provavelmente será extremamente turbulenta nos próximos meses.

A chantagem econômica de Putin conseguirá minar a oposição ocidental à sua agressão? Provavelmente não. Entre outras coisas, os países que parecem menos resolutos diante da pressão russa – olá, Alemanha – também têm feito o mínimo para apoiar a Ucrânia, então não importa muito se perderem a coragem.

Mas aconteça o que acontecer agora, estamos recebendo uma lição prática sobre os perigos de nos tornarmos economicamente dependentes de regimes autoritários. Os economistas há muito são céticos em relação aos argumentos de segurança nacional para limitar o comércio internacional, os quais muitas vezes foram abusados no passado. Mas as ações da Rússia deram muito mais força a esses argumentos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Quatro décadas atrás, passei um ano trabalhando no governo dos Estados Unidos, na equipe do Conselho de Assessores Econômicos. (Para aqueles que se perguntam: sim, este foi o governo Reagan; não, eu não era republicano.) Era um trabalho tecnocrático. Eu era o principal economista internacional; o principal economista doméstico era um cara chamado Larry Summers. O que aconteceu com ele?

De qualquer forma, eu passava a maior parte do meu tempo no escritório, processando números. No entanto, participei de algumas reuniões de gabinete, e lembro-me em particular de uma envolvendo os planos europeus de construir um gasoduto que aumentaria muito as importações de gás da União Soviética. Alguns funcionários estavam procurando maneiras de impedir o projeto, mas ninguém tinha boas ideias.

Mas esses funcionários não estavam errados em se preocupar que a dependência do gás soviético – mais tarde russo – criaria uma vulnerabilidade estratégica. De fato, a dependência da Europa do gás russo se tornou o maior risco agora enfrentado pela economia mundial.

Tubulações de gás nas instalações da "Nord Stream 1", gasoduto que liga a Rússia à Europa, em imagem registrada em Lubmin, Alemanha, em 8 de março deste ano Foto: Hannibal Hanschke/Reuters

A Rússia é uma potência econômica de terceira categoria, mas ela e a Ucrânia são, ou foram, grandes fornecedores de algumas commodities importantes. Quando Vladimir Putin invadiu seu vizinho, os preços do trigo – grande parte do qual é cultivado no cinturão da “Terra Negra” que se estende pela Ucrânia, Rússia e Cazaquistão – e do petróleo, grande parte extraído nos Montes Urais, dispararam.

Mais recentemente, no entanto, grande parte do choque de preços da guerra retrocedeu. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação, os preços mundiais dos alimentos desistiram da maior parte de seu aumento durante a guerra. E os preços do petróleo também caíram substancialmente em relação ao seu pico.

O que está acontecendo nesses casos é que tanto as commodities agrícolas quanto o petróleo são essencialmente negociados nos mercados mundiais, o que, para melhor ou para pior, permite muita flexibilidade. Por exemplo, a Rússia pode vender seu petróleo para a Índia em vez da Europa, e a Europa pode, por sua vez, comprar petróleo do Oriente Médio que, de outra forma, teria ido para a Índia.

Adicione uma boa colheita de trigo nos EUA e fatores como a fraca demanda por petróleo de uma China conturbada, e o choque geral dos preços das commodities está se tornando menor do que muitos temiam. Há, no entanto, uma exceção, e isso é incrível: o gás natural europeu.

Ao contrário dos mercados de petróleo e trigo, o mercado de gás não é totalmente global. A maneira mais barata de enviar gás é normalmente por meio de gasodutos, o que divide o mundo em mercados regionais separados definidos por onde os gasodutos passam. A principal alternativa é embarcar o gás liquefeito, que é como ele chega a mercados não atendidos por gasodutos, mas isso requer transporte marítimo e terminais especialmente projetados, que não podem ser adicionados rapidamente no meio de uma crise.

O que nos traz ao momento atual. As entregas de gás russo para a Europa caíram cerca de 75% em relação ao ano anterior. Os russos afirmam estar passando por dificuldades técnicas, mas ninguém acredita nisso; este é claramente um embargo de facto destinado a pressionar o Ocidente a cortar o apoio à Ucrânia. E o resultado foi um aumento incrível nos preços do gás na Europa.

Se você quiser uma comparação histórica, o recente aumento de aproximadamente dez vezes nos preços do gás europeu supera os choques do preço do petróleo de 1973-4 e 1979-80, que desempenharam um grande papel na estagflação da década de 1970.

Provavelmente não é coincidência que o último aumento de preço tenha começado em meados de junho. Foi mais ou menos quando ficou claro que a segunda ofensiva da Rússia na Ucrânia – a que se seguiu à sua desastrosa tentativa inicial de tomar Kiev – não alcançaria resultados decisivos, e que o equilíbrio militar provavelmente mudaria a favor da Ucrânia à medida que as armas do Ocidente chegassem. Então, a Rússia voltou-se para a guerra econômica.

A Europa está compensando o déficit em parte importando gás natural liquefeito, especialmente dos Estados Unidos, que produz muito gás natural de xisto. Mas a capacidade para o transporte de LNG é limitada, e é por isso que os preços do gás natural nos EUA, embora em alta, não subiram tanto quanto os preços europeus.

Como tudo isso vai se desenrolar? As economias sofisticadas e avançadas têm enorme capacidade de adaptação, e a Europa vem acumulando seus estoques de gás para enfrentar o inverno; o continente encontrará maneiras de administrar, mesmo que esteja recebendo muito pouco gás russo. Mas um surto de inflação alta é inevitável, e uma recessão europeia parece extremamente provável.

Isso dito, as considerações macroeconômicas são provavelmente secundárias à questão de como a Europa lidará com as extremas dificuldades que muitas famílias enfrentarão com o aumento das contas de energia. Os governos terão que encontrar maneiras de aliviar esse fardo – um problema complicado quando também querem preservar os incentivos para economizar energia. A política dos preços do gás provavelmente será extremamente turbulenta nos próximos meses.

A chantagem econômica de Putin conseguirá minar a oposição ocidental à sua agressão? Provavelmente não. Entre outras coisas, os países que parecem menos resolutos diante da pressão russa – olá, Alemanha – também têm feito o mínimo para apoiar a Ucrânia, então não importa muito se perderem a coragem.

Mas aconteça o que acontecer agora, estamos recebendo uma lição prática sobre os perigos de nos tornarmos economicamente dependentes de regimes autoritários. Os economistas há muito são céticos em relação aos argumentos de segurança nacional para limitar o comércio internacional, os quais muitas vezes foram abusados no passado. Mas as ações da Rússia deram muito mais força a esses argumentos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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