À medida que os países começam a restabelecer controles de fronteira em meio a preocupações com a variante Ômicron, a China comemora sua decisão de ter mantido regras restritivas para viagens internacionais como parte de sua estratégia "covid zero".
Antes da detecção da nova cepa, o compromisso inabalável de Pequim com uma política de eliminação total do coronavírus tornou o país um caso isolado quando a maioria dos países seguia em direção à abertura gradual das fronteiras com a queda dos contágios e aumento das taxas de vacinação.
Agora, enquanto os países voltam atrás e reforçam as restrições de fronteira, as autoridades chinesas estão alegando, com pitadas de ironia e satisfação, que sua abordagem estava certa o tempo todo, afastando a ideia da necessidade de mudanças drásticas para combater a variante.
Zhong Nanshan, um importante especialista em doenças infecciosas e conselheiro do governo, disse em uma entrevista à mídia local que é improvável que a China tome medidas adicionais enquanto espera por mais resultados de testes.
Um comunicado oficial sobre a Ômicron divulgado pela Comissão Nacional de Saúde na segunda-feira dizia que a abordagem da China para prevenir novos surtos ainda funciona.
A chegada da variante Delta na China este ano gerou um debate entre os especialistas chineses sobre se era hora de abandonar a "covid zero" e mudar para uma estratégia de mitigação para evitar colapsos econômicos e sociais a cada novo surto do vírus.
Reclamações de bloqueios contínuos que afetam a vida diária em locais duramente atingidos, como a cidade de Ruili, na fronteira sudoeste, alimentaram a sensação de que a China logo precisaria aceitar a coexistência com o vírus.
Embora 76% da população da China esteja totalmente vacinada, o país provavelmente manterá sua estratégia "até que as autoridades estejam mais confiantes de que o aumento do contágio não afete a rede de saúde ou até que se torne insustentável em face de uma variante mais transmissível", disse em nota Mark Williams, economista-chefe para o Leste Asiático da Capital Economics.
Um estudo divulgado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China na semana passada pesou fortemente a favor de não mudar o curso quando descobriu que a adoção de uma estratégia de mitigação resultaria em casos graves que ultrapassariam o pico do início de 2020 dentro de um a dois dias e teria "um impacto devastador no sistema médico da China e causaria um grande desastre".
"Por enquanto, não estamos prontos para adotar estratégias de abertura", concluiu.
"A política de cercar e eliminar a covid é uma ferramenta indispensável para a China manter a pandemia sob controle", disse Wu Zunyou, epidemiologista-chefe do CDC da China, em uma conferência organizada pela agência de mídia financeira Caijing no domingo.
Wu estimou que a China preveniu até 260 milhões de infecções e 3 milhões de mortes ao se recusar a adotar a abordagem mais flexível adotada por países como Estados Unidos e Reino Unido.
A quarentena rígida para entrada na China e a política de tolerância zero devem permanecer em vigor pelo menos até o inverno ou a primavera do Hemisfério Norte, porque a China não pode se dar ao luxo de "derrubar" seus sucessos anteriores cometendo um erro, disse ele.
Para alguns comentaristas chineses, estar certo sobre as políticas relacionadas à covid-19 é mais do que uma vitória para a saúde pública; é uma questão de sistemas políticos concorrentes, e a variante Ômicron serve apenas para reforçar as alegações de propaganda da superioridade do Partido Comunista Chinês.
À medida que a ideia de viver com o vírus se tornou mais comum na Europa e na América do Norte, "a mídia ocidental maculou de forma maliciosa a política de 'dinâmica zero covid' da China, acreditando que os custos dessa abordagem eram muito altos e não poderiam ser sustentados. Este ponto de vista é totalmente incorreto", diz um texto publicado no People’s Daily Overseas Edition, um jornal oficial do PCC, nesta terça-feira.
Para serem eficazes, os bloqueios em massa, os testes swab e o rastreamento de contatos da China exigiram a adesão do público, mas "a dificuldade comparativa dos países ocidentais em implementar políticas de quarentena, um grande revés para a prevenção de epidemias, deve-se fundamentalmente às diferenças nos sistemas de governança", escreveu Zhou Xinfa, um estudioso da Academia Chinesa de Ciências Sociais e autor do artigo.
As críticas ao "nacionalismo vacinal" das nações mais ricas, na esteira da chegada da Ômicron, também representam uma vantagem potencial para a ambição da China de ser vista como um fornecedor líder de doses para países de baixa e média renda.
No Fórum para Cooperação China-África na segunda-feira, o presidente chinês Xi Jinping anunciou que mais de 1 bilhão de doses de vacinas chinesas seriam fornecidas à África no próximo ano, incluindo 600 milhões como doações, como um esforço para "curar a lacuna de imunidade" no continente.
Isso representaria um aumento significativo em relação às 107 milhões de doses entregues até agora, de acordo com a Bridge Consulting, uma empresa de pesquisa com sede em Pequim.