China dissemina desinformação sobre incêndios no Havaí usando novas técnicas


A campanha de influência de Pequim usando inteligência artificial é uma súbita mudança de tática, afirmam pesquisadores da Microsoft e de outras organizações

Por David E. Sanger e Steven Lee Myers

THE NEW YORK TIMES - Quando incêndios florestais varreram Maui no mês passado, com fúria destrutiva, guerreiros da informação da China cada vez mais inventivos se lançaram.

O desastre não foi natural, afirmaram eles em enxurradas de posts falaciosos que se espalharam pela internet, mas resultado de uma “arma climática” secreta sendo testada pelos Estados Unidos. Para robustecer a plausibilidade, os posts eram ilustrados com fotos que pareciam geradas por programas de inteligência artificial, tornando-os uns dos primeiros a usar essas novas ferramentas para reforçar a aura de autenticidade de uma campanha de desinformação.

Para a China, que praticamente só observou de fora as eleições presidenciais de 2016 e 2020 nos EUA, enquanto a Rússia coordenou operações hackers e campanhas de desinformação, o esforço de classificar os incêndios florestais como um ato deliberado de agências de inteligência e das Forças Armadas americanas foi uma súbita mudança de tática.

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Casas e carros incendiados no Havaí, Estados Unidos, 19 de agosto de 2023. Foto: The Washington Post /Tamir Kalifa.

Até aqui, as campanhas de influência da China tinham como foco amplificar a propaganda em defesa de suas políticas em relação a Taiwan e outros temas. O esforço mais recente, revelado por pesquisadores da Microsoft e de uma série de outras organizações, sugere que Pequim está realizando tentativas mais diretas de semear discórdia nos EUA.

O movimento também ocorre num momento em que o governo Biden e o Congresso debatem maneiras de conter a China sem empurrar os países para um conflito aberto e como reduzir o risco de que inteligência artificial seja usada para amplificar desinformação.

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O impacto da campanha chinesa — identificada por pesquisadores de Microsoft, Recorded Future, RAND Corporation, NewsGuard e Universidade de Maryland — é difícil de mensurar, mas indicações preliminares sugerem que poucos usuários de redes sociais acessaram as teorias conspiratórias mais bizarras.

Brad Smith, vice-presidente e diretor-executivo da Microsoft, cujos pesquisadores analisaram a campanha secreta, criticou a China duramente por explorar um desastre natural por ganho político. “Eu simplesmente não acho que isso seja digno para nenhum país, muito menos um país que aspire ser grande”, afirmou Smith em entrevista, na segunda-feira.

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A China não foi o único país a fazer uso político dos incêndios de Maui. A Rússia fez o mesmo, disseminando posts que enfatizaram quanto dinheiro os EUA estão gastando na guerra na Ucrânia e sugerindo que o montante seria mais bem aplicado domesticamente, em ajuda a vítimas de desastres.

Os pesquisadores sugeriram que a China estava construindo uma rede de perfis que poderia usar em futuras operações de informação, incluindo na próxima eleição presidencial americana. Foi esse o padrão que a Rússia estabeleceu cerca de um ano antes da eleição de 2016.

“A coisa está indo para uma nova direção, um tipo de amplificação de teorias conspiratórias que não são relacionadas diretamente com interesses seus, como Taiwan”, afirmou o pesquisador Brian Liston, da empresa de cibersegurança Recorded Future, de Massachusetts.

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Se a China realizar operações de influência na eleição do próximo ano, constataram autoridades de inteligência americanas nos meses recentes, as campanhas deverão tentar prejudicar o presidente Joe Biden e promover o ex-presidente Donald Trump. Ainda que isso possa parecer contraintuitivo para americanos que se lembram do esforço de Trump para culpar Pequim pelo que ele chamou de “vírus chinês”, as autoridades de inteligência concluíram que os líderes chineses preferem Trump — que pediu a retirada dos americanos do Japão, da Coreia do Sul e de outras partes da Ásia; enquanto Biden cortou o acesso da China aos chips mais avançados e aos equipamentos para fabricá-los.

A China promover uma teoria conspiratória sobre os incêndios no Havaí ocorreu após Biden ter conversado com o presidente chinês, Xi Jinping, em Bali, no outono (Hemisfério Norte) do ano passado, a respeito do papel de Pequim na disseminação desse tipo de desinformação. De acordo com autoridades do governo, Biden criticou Xi furiosamente pela disseminação de acusações falsas de que os EUA operavam laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.

Presidentes Joe Biden e Xi Jinping se encontraram às margens da cúpula do G-20 em Bali, Indonésia, 14 de novembro de 2022.  Foto: REUTERS/Kevin Lamarque/Arquivo
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Não há indicação de que Rússia e China estejam trabalhando conjuntamente em operações de informação, de acordo com pesquisadores e autoridades do governo, mas seus governos com frequência ecoam mensagens um do outro, particularmente quando se trata de criticar políticas dos EUA. Seus esforços combinados sugerem que uma nova fase de guerras de desinformação, reforçadas pelo uso de ferramentas de inteligência artificial, está prestes a começar.

“Nós não temos evidência direta de coordenação entre China e Rússia nessas campanhas, mas certamente encontramos alinhamentos e um tipo de sincronização”, afirmou o pesquisador William Marcellino, da RAND Corporation, autor de um novo relatório alertando que a inteligência artificial possibilitará um “crítico salto adiante” nas operações globais de influência.

Os incêndios no Havaí — como muitos outros desastres naturais hoje em dia — passaram a ser objeto de numerosos rumores, relatos falsos e teorias conspiratórias pouco depois que começaram.

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A pesquisadora Caroline Bueno, do Laboratório de Pesquisa Aplicada em Inteligência e Segurança da Universidade de Maryland, relatou que uma campanha russa coordenada começou no Twitter, a rede social atualmente conhecida como X, em 9 de agosto, um dia depois de os incêndios serem detectados.

A campanha espalhava a expressão, “Havaí, não Ucrânia”, a partir de um perfil obscuro, com poucos seguidores, por meio de uma séria de perfis conservadores ou de direita, como Breitbart, e por fim nas contas dos meios de comunicação russos, alcançando milhares de usuários com uma mensagem pregando o fim da assistência militar dos EUA à Ucrânia.

O aparato dos meios de comunicação estatais da China com frequência ecoa temas russos, especialmente animosidades em relação aos EUA. Mas neste caso, houve também uma campanha de desinformação distinta.

A Recorded Future relatou inicialmente que o governo chinês montou uma campanha secreta para culpar uma “arma climática” pelos incêndios no Havaí identificando numerosos posts de meados de agosto que afirmavam falsamente que o MI6, o serviço de inteligência externa do Reino Unido, tinha revelado “a verdade surpreendente por trás do incêndio florestal”. Posts com exatamente a mesma terminologia apareceram em diversas redes sociais, incluindo Pinterest, Tumblr, Medium e Pixiv, uma plataforma japonesa usada por artistas.

Outros perfis falsos disseminaram conteúdo similar, em posts com frequência acompanhados de vídeos sem tarja de identificação — incluindo um imagens publicadas em uma conta popular no TikTok, The Paranormal Chic, da explosão de um transformador no Chile. De acordo com a Recorded Future, o conteúdo chinês com frequência ecoava — e amplificava — posts de teoristas conspiratórios e extremistas radicados nos EUA, incluindo supremacistas brancos.

A campanha chinesa operou em muitas das maiores redes sociais — e em várias línguas, sugerindo que foi destinada a alcançar audiência global. O Centro de Análise de Ameaças da Microsoft identificou posts falaciosos em 31 línguas, incluindo francês, alemão e italiano, e também em línguas menos difundidas, como igbo, odia e guarani.

As imagens geradas artificialmente de incêndios florestais no Havaí identificadas pelos pesquisadores da Microsoft apareceram em várias plataformas, incluindo num post em holandês no Reddit. “Essas imagens específicas geradas por IA parecem ser usadas exclusivamente” por perfis chineses nesta campanha, afirmou a Microsoft em um relatório, “não parecem estar presentes em outros lugares online”.

Clint Watts, gerente-geral do Centro da Análises de Ameaças da Microsoft, afirmou que a China parece ter adotado a cartilha russa para operações de influência, pavimentando o caminho para influenciar a política dos EUA e de outros países.

“Seria como a Rússia em 2015″, afirmou ele, referindo-se aos bots e perfis falsos criados pela Rússia anteriormente à sua extensa campanha de influência na eleição de 2016. “Se considerarmos a maneira que outros atores fizeram isso, eles estão construindo capacidades. Neste momento eles estão construindo perfis furtivos.”

Desastres naturais sempre foram foco de campanhas de desinformação, permitindo a atores mal intencionados explorar emoções para acusar governos de inconformidades seja em preparações ou respostas. O objetivo pode ser minar a confiança em políticas específicas, como o apoio americano à Ucrânia, ou semear discórdia interna mais genericamente. Ao sugerir que Washington estava testando armas secretas em seus próprios cidadãos, ou usando-as contra eles, o esforço chinês também pareceu ter intenção de retratar os EUA como uma potência militarista e irresponsável.

“Nós sempre tivemos capacidade de nos unir em desastres humanitários e fornecer ajuda após terremotos, furacões ou incêndios”, afirmou Smith, que apresentaria ao Congresso algumas das constatações da Microsoft na terça-feira. “E eu considero esse tipo de esforço tanto profundamente perturbador quanto algo que a comunidade internacional deveria impedir e proibir.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Quando incêndios florestais varreram Maui no mês passado, com fúria destrutiva, guerreiros da informação da China cada vez mais inventivos se lançaram.

O desastre não foi natural, afirmaram eles em enxurradas de posts falaciosos que se espalharam pela internet, mas resultado de uma “arma climática” secreta sendo testada pelos Estados Unidos. Para robustecer a plausibilidade, os posts eram ilustrados com fotos que pareciam geradas por programas de inteligência artificial, tornando-os uns dos primeiros a usar essas novas ferramentas para reforçar a aura de autenticidade de uma campanha de desinformação.

Para a China, que praticamente só observou de fora as eleições presidenciais de 2016 e 2020 nos EUA, enquanto a Rússia coordenou operações hackers e campanhas de desinformação, o esforço de classificar os incêndios florestais como um ato deliberado de agências de inteligência e das Forças Armadas americanas foi uma súbita mudança de tática.

Casas e carros incendiados no Havaí, Estados Unidos, 19 de agosto de 2023. Foto: The Washington Post /Tamir Kalifa.

Até aqui, as campanhas de influência da China tinham como foco amplificar a propaganda em defesa de suas políticas em relação a Taiwan e outros temas. O esforço mais recente, revelado por pesquisadores da Microsoft e de uma série de outras organizações, sugere que Pequim está realizando tentativas mais diretas de semear discórdia nos EUA.

O movimento também ocorre num momento em que o governo Biden e o Congresso debatem maneiras de conter a China sem empurrar os países para um conflito aberto e como reduzir o risco de que inteligência artificial seja usada para amplificar desinformação.

O impacto da campanha chinesa — identificada por pesquisadores de Microsoft, Recorded Future, RAND Corporation, NewsGuard e Universidade de Maryland — é difícil de mensurar, mas indicações preliminares sugerem que poucos usuários de redes sociais acessaram as teorias conspiratórias mais bizarras.

Brad Smith, vice-presidente e diretor-executivo da Microsoft, cujos pesquisadores analisaram a campanha secreta, criticou a China duramente por explorar um desastre natural por ganho político. “Eu simplesmente não acho que isso seja digno para nenhum país, muito menos um país que aspire ser grande”, afirmou Smith em entrevista, na segunda-feira.

A China não foi o único país a fazer uso político dos incêndios de Maui. A Rússia fez o mesmo, disseminando posts que enfatizaram quanto dinheiro os EUA estão gastando na guerra na Ucrânia e sugerindo que o montante seria mais bem aplicado domesticamente, em ajuda a vítimas de desastres.

Os pesquisadores sugeriram que a China estava construindo uma rede de perfis que poderia usar em futuras operações de informação, incluindo na próxima eleição presidencial americana. Foi esse o padrão que a Rússia estabeleceu cerca de um ano antes da eleição de 2016.

“A coisa está indo para uma nova direção, um tipo de amplificação de teorias conspiratórias que não são relacionadas diretamente com interesses seus, como Taiwan”, afirmou o pesquisador Brian Liston, da empresa de cibersegurança Recorded Future, de Massachusetts.

Se a China realizar operações de influência na eleição do próximo ano, constataram autoridades de inteligência americanas nos meses recentes, as campanhas deverão tentar prejudicar o presidente Joe Biden e promover o ex-presidente Donald Trump. Ainda que isso possa parecer contraintuitivo para americanos que se lembram do esforço de Trump para culpar Pequim pelo que ele chamou de “vírus chinês”, as autoridades de inteligência concluíram que os líderes chineses preferem Trump — que pediu a retirada dos americanos do Japão, da Coreia do Sul e de outras partes da Ásia; enquanto Biden cortou o acesso da China aos chips mais avançados e aos equipamentos para fabricá-los.

A China promover uma teoria conspiratória sobre os incêndios no Havaí ocorreu após Biden ter conversado com o presidente chinês, Xi Jinping, em Bali, no outono (Hemisfério Norte) do ano passado, a respeito do papel de Pequim na disseminação desse tipo de desinformação. De acordo com autoridades do governo, Biden criticou Xi furiosamente pela disseminação de acusações falsas de que os EUA operavam laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.

Presidentes Joe Biden e Xi Jinping se encontraram às margens da cúpula do G-20 em Bali, Indonésia, 14 de novembro de 2022.  Foto: REUTERS/Kevin Lamarque/Arquivo

Não há indicação de que Rússia e China estejam trabalhando conjuntamente em operações de informação, de acordo com pesquisadores e autoridades do governo, mas seus governos com frequência ecoam mensagens um do outro, particularmente quando se trata de criticar políticas dos EUA. Seus esforços combinados sugerem que uma nova fase de guerras de desinformação, reforçadas pelo uso de ferramentas de inteligência artificial, está prestes a começar.

“Nós não temos evidência direta de coordenação entre China e Rússia nessas campanhas, mas certamente encontramos alinhamentos e um tipo de sincronização”, afirmou o pesquisador William Marcellino, da RAND Corporation, autor de um novo relatório alertando que a inteligência artificial possibilitará um “crítico salto adiante” nas operações globais de influência.

Os incêndios no Havaí — como muitos outros desastres naturais hoje em dia — passaram a ser objeto de numerosos rumores, relatos falsos e teorias conspiratórias pouco depois que começaram.

A pesquisadora Caroline Bueno, do Laboratório de Pesquisa Aplicada em Inteligência e Segurança da Universidade de Maryland, relatou que uma campanha russa coordenada começou no Twitter, a rede social atualmente conhecida como X, em 9 de agosto, um dia depois de os incêndios serem detectados.

A campanha espalhava a expressão, “Havaí, não Ucrânia”, a partir de um perfil obscuro, com poucos seguidores, por meio de uma séria de perfis conservadores ou de direita, como Breitbart, e por fim nas contas dos meios de comunicação russos, alcançando milhares de usuários com uma mensagem pregando o fim da assistência militar dos EUA à Ucrânia.

O aparato dos meios de comunicação estatais da China com frequência ecoa temas russos, especialmente animosidades em relação aos EUA. Mas neste caso, houve também uma campanha de desinformação distinta.

A Recorded Future relatou inicialmente que o governo chinês montou uma campanha secreta para culpar uma “arma climática” pelos incêndios no Havaí identificando numerosos posts de meados de agosto que afirmavam falsamente que o MI6, o serviço de inteligência externa do Reino Unido, tinha revelado “a verdade surpreendente por trás do incêndio florestal”. Posts com exatamente a mesma terminologia apareceram em diversas redes sociais, incluindo Pinterest, Tumblr, Medium e Pixiv, uma plataforma japonesa usada por artistas.

Outros perfis falsos disseminaram conteúdo similar, em posts com frequência acompanhados de vídeos sem tarja de identificação — incluindo um imagens publicadas em uma conta popular no TikTok, The Paranormal Chic, da explosão de um transformador no Chile. De acordo com a Recorded Future, o conteúdo chinês com frequência ecoava — e amplificava — posts de teoristas conspiratórios e extremistas radicados nos EUA, incluindo supremacistas brancos.

A campanha chinesa operou em muitas das maiores redes sociais — e em várias línguas, sugerindo que foi destinada a alcançar audiência global. O Centro de Análise de Ameaças da Microsoft identificou posts falaciosos em 31 línguas, incluindo francês, alemão e italiano, e também em línguas menos difundidas, como igbo, odia e guarani.

As imagens geradas artificialmente de incêndios florestais no Havaí identificadas pelos pesquisadores da Microsoft apareceram em várias plataformas, incluindo num post em holandês no Reddit. “Essas imagens específicas geradas por IA parecem ser usadas exclusivamente” por perfis chineses nesta campanha, afirmou a Microsoft em um relatório, “não parecem estar presentes em outros lugares online”.

Clint Watts, gerente-geral do Centro da Análises de Ameaças da Microsoft, afirmou que a China parece ter adotado a cartilha russa para operações de influência, pavimentando o caminho para influenciar a política dos EUA e de outros países.

“Seria como a Rússia em 2015″, afirmou ele, referindo-se aos bots e perfis falsos criados pela Rússia anteriormente à sua extensa campanha de influência na eleição de 2016. “Se considerarmos a maneira que outros atores fizeram isso, eles estão construindo capacidades. Neste momento eles estão construindo perfis furtivos.”

Desastres naturais sempre foram foco de campanhas de desinformação, permitindo a atores mal intencionados explorar emoções para acusar governos de inconformidades seja em preparações ou respostas. O objetivo pode ser minar a confiança em políticas específicas, como o apoio americano à Ucrânia, ou semear discórdia interna mais genericamente. Ao sugerir que Washington estava testando armas secretas em seus próprios cidadãos, ou usando-as contra eles, o esforço chinês também pareceu ter intenção de retratar os EUA como uma potência militarista e irresponsável.

“Nós sempre tivemos capacidade de nos unir em desastres humanitários e fornecer ajuda após terremotos, furacões ou incêndios”, afirmou Smith, que apresentaria ao Congresso algumas das constatações da Microsoft na terça-feira. “E eu considero esse tipo de esforço tanto profundamente perturbador quanto algo que a comunidade internacional deveria impedir e proibir.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Quando incêndios florestais varreram Maui no mês passado, com fúria destrutiva, guerreiros da informação da China cada vez mais inventivos se lançaram.

O desastre não foi natural, afirmaram eles em enxurradas de posts falaciosos que se espalharam pela internet, mas resultado de uma “arma climática” secreta sendo testada pelos Estados Unidos. Para robustecer a plausibilidade, os posts eram ilustrados com fotos que pareciam geradas por programas de inteligência artificial, tornando-os uns dos primeiros a usar essas novas ferramentas para reforçar a aura de autenticidade de uma campanha de desinformação.

Para a China, que praticamente só observou de fora as eleições presidenciais de 2016 e 2020 nos EUA, enquanto a Rússia coordenou operações hackers e campanhas de desinformação, o esforço de classificar os incêndios florestais como um ato deliberado de agências de inteligência e das Forças Armadas americanas foi uma súbita mudança de tática.

Casas e carros incendiados no Havaí, Estados Unidos, 19 de agosto de 2023. Foto: The Washington Post /Tamir Kalifa.

Até aqui, as campanhas de influência da China tinham como foco amplificar a propaganda em defesa de suas políticas em relação a Taiwan e outros temas. O esforço mais recente, revelado por pesquisadores da Microsoft e de uma série de outras organizações, sugere que Pequim está realizando tentativas mais diretas de semear discórdia nos EUA.

O movimento também ocorre num momento em que o governo Biden e o Congresso debatem maneiras de conter a China sem empurrar os países para um conflito aberto e como reduzir o risco de que inteligência artificial seja usada para amplificar desinformação.

O impacto da campanha chinesa — identificada por pesquisadores de Microsoft, Recorded Future, RAND Corporation, NewsGuard e Universidade de Maryland — é difícil de mensurar, mas indicações preliminares sugerem que poucos usuários de redes sociais acessaram as teorias conspiratórias mais bizarras.

Brad Smith, vice-presidente e diretor-executivo da Microsoft, cujos pesquisadores analisaram a campanha secreta, criticou a China duramente por explorar um desastre natural por ganho político. “Eu simplesmente não acho que isso seja digno para nenhum país, muito menos um país que aspire ser grande”, afirmou Smith em entrevista, na segunda-feira.

A China não foi o único país a fazer uso político dos incêndios de Maui. A Rússia fez o mesmo, disseminando posts que enfatizaram quanto dinheiro os EUA estão gastando na guerra na Ucrânia e sugerindo que o montante seria mais bem aplicado domesticamente, em ajuda a vítimas de desastres.

Os pesquisadores sugeriram que a China estava construindo uma rede de perfis que poderia usar em futuras operações de informação, incluindo na próxima eleição presidencial americana. Foi esse o padrão que a Rússia estabeleceu cerca de um ano antes da eleição de 2016.

“A coisa está indo para uma nova direção, um tipo de amplificação de teorias conspiratórias que não são relacionadas diretamente com interesses seus, como Taiwan”, afirmou o pesquisador Brian Liston, da empresa de cibersegurança Recorded Future, de Massachusetts.

Se a China realizar operações de influência na eleição do próximo ano, constataram autoridades de inteligência americanas nos meses recentes, as campanhas deverão tentar prejudicar o presidente Joe Biden e promover o ex-presidente Donald Trump. Ainda que isso possa parecer contraintuitivo para americanos que se lembram do esforço de Trump para culpar Pequim pelo que ele chamou de “vírus chinês”, as autoridades de inteligência concluíram que os líderes chineses preferem Trump — que pediu a retirada dos americanos do Japão, da Coreia do Sul e de outras partes da Ásia; enquanto Biden cortou o acesso da China aos chips mais avançados e aos equipamentos para fabricá-los.

A China promover uma teoria conspiratória sobre os incêndios no Havaí ocorreu após Biden ter conversado com o presidente chinês, Xi Jinping, em Bali, no outono (Hemisfério Norte) do ano passado, a respeito do papel de Pequim na disseminação desse tipo de desinformação. De acordo com autoridades do governo, Biden criticou Xi furiosamente pela disseminação de acusações falsas de que os EUA operavam laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.

Presidentes Joe Biden e Xi Jinping se encontraram às margens da cúpula do G-20 em Bali, Indonésia, 14 de novembro de 2022.  Foto: REUTERS/Kevin Lamarque/Arquivo

Não há indicação de que Rússia e China estejam trabalhando conjuntamente em operações de informação, de acordo com pesquisadores e autoridades do governo, mas seus governos com frequência ecoam mensagens um do outro, particularmente quando se trata de criticar políticas dos EUA. Seus esforços combinados sugerem que uma nova fase de guerras de desinformação, reforçadas pelo uso de ferramentas de inteligência artificial, está prestes a começar.

“Nós não temos evidência direta de coordenação entre China e Rússia nessas campanhas, mas certamente encontramos alinhamentos e um tipo de sincronização”, afirmou o pesquisador William Marcellino, da RAND Corporation, autor de um novo relatório alertando que a inteligência artificial possibilitará um “crítico salto adiante” nas operações globais de influência.

Os incêndios no Havaí — como muitos outros desastres naturais hoje em dia — passaram a ser objeto de numerosos rumores, relatos falsos e teorias conspiratórias pouco depois que começaram.

A pesquisadora Caroline Bueno, do Laboratório de Pesquisa Aplicada em Inteligência e Segurança da Universidade de Maryland, relatou que uma campanha russa coordenada começou no Twitter, a rede social atualmente conhecida como X, em 9 de agosto, um dia depois de os incêndios serem detectados.

A campanha espalhava a expressão, “Havaí, não Ucrânia”, a partir de um perfil obscuro, com poucos seguidores, por meio de uma séria de perfis conservadores ou de direita, como Breitbart, e por fim nas contas dos meios de comunicação russos, alcançando milhares de usuários com uma mensagem pregando o fim da assistência militar dos EUA à Ucrânia.

O aparato dos meios de comunicação estatais da China com frequência ecoa temas russos, especialmente animosidades em relação aos EUA. Mas neste caso, houve também uma campanha de desinformação distinta.

A Recorded Future relatou inicialmente que o governo chinês montou uma campanha secreta para culpar uma “arma climática” pelos incêndios no Havaí identificando numerosos posts de meados de agosto que afirmavam falsamente que o MI6, o serviço de inteligência externa do Reino Unido, tinha revelado “a verdade surpreendente por trás do incêndio florestal”. Posts com exatamente a mesma terminologia apareceram em diversas redes sociais, incluindo Pinterest, Tumblr, Medium e Pixiv, uma plataforma japonesa usada por artistas.

Outros perfis falsos disseminaram conteúdo similar, em posts com frequência acompanhados de vídeos sem tarja de identificação — incluindo um imagens publicadas em uma conta popular no TikTok, The Paranormal Chic, da explosão de um transformador no Chile. De acordo com a Recorded Future, o conteúdo chinês com frequência ecoava — e amplificava — posts de teoristas conspiratórios e extremistas radicados nos EUA, incluindo supremacistas brancos.

A campanha chinesa operou em muitas das maiores redes sociais — e em várias línguas, sugerindo que foi destinada a alcançar audiência global. O Centro de Análise de Ameaças da Microsoft identificou posts falaciosos em 31 línguas, incluindo francês, alemão e italiano, e também em línguas menos difundidas, como igbo, odia e guarani.

As imagens geradas artificialmente de incêndios florestais no Havaí identificadas pelos pesquisadores da Microsoft apareceram em várias plataformas, incluindo num post em holandês no Reddit. “Essas imagens específicas geradas por IA parecem ser usadas exclusivamente” por perfis chineses nesta campanha, afirmou a Microsoft em um relatório, “não parecem estar presentes em outros lugares online”.

Clint Watts, gerente-geral do Centro da Análises de Ameaças da Microsoft, afirmou que a China parece ter adotado a cartilha russa para operações de influência, pavimentando o caminho para influenciar a política dos EUA e de outros países.

“Seria como a Rússia em 2015″, afirmou ele, referindo-se aos bots e perfis falsos criados pela Rússia anteriormente à sua extensa campanha de influência na eleição de 2016. “Se considerarmos a maneira que outros atores fizeram isso, eles estão construindo capacidades. Neste momento eles estão construindo perfis furtivos.”

Desastres naturais sempre foram foco de campanhas de desinformação, permitindo a atores mal intencionados explorar emoções para acusar governos de inconformidades seja em preparações ou respostas. O objetivo pode ser minar a confiança em políticas específicas, como o apoio americano à Ucrânia, ou semear discórdia interna mais genericamente. Ao sugerir que Washington estava testando armas secretas em seus próprios cidadãos, ou usando-as contra eles, o esforço chinês também pareceu ter intenção de retratar os EUA como uma potência militarista e irresponsável.

“Nós sempre tivemos capacidade de nos unir em desastres humanitários e fornecer ajuda após terremotos, furacões ou incêndios”, afirmou Smith, que apresentaria ao Congresso algumas das constatações da Microsoft na terça-feira. “E eu considero esse tipo de esforço tanto profundamente perturbador quanto algo que a comunidade internacional deveria impedir e proibir.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Quando incêndios florestais varreram Maui no mês passado, com fúria destrutiva, guerreiros da informação da China cada vez mais inventivos se lançaram.

O desastre não foi natural, afirmaram eles em enxurradas de posts falaciosos que se espalharam pela internet, mas resultado de uma “arma climática” secreta sendo testada pelos Estados Unidos. Para robustecer a plausibilidade, os posts eram ilustrados com fotos que pareciam geradas por programas de inteligência artificial, tornando-os uns dos primeiros a usar essas novas ferramentas para reforçar a aura de autenticidade de uma campanha de desinformação.

Para a China, que praticamente só observou de fora as eleições presidenciais de 2016 e 2020 nos EUA, enquanto a Rússia coordenou operações hackers e campanhas de desinformação, o esforço de classificar os incêndios florestais como um ato deliberado de agências de inteligência e das Forças Armadas americanas foi uma súbita mudança de tática.

Casas e carros incendiados no Havaí, Estados Unidos, 19 de agosto de 2023. Foto: The Washington Post /Tamir Kalifa.

Até aqui, as campanhas de influência da China tinham como foco amplificar a propaganda em defesa de suas políticas em relação a Taiwan e outros temas. O esforço mais recente, revelado por pesquisadores da Microsoft e de uma série de outras organizações, sugere que Pequim está realizando tentativas mais diretas de semear discórdia nos EUA.

O movimento também ocorre num momento em que o governo Biden e o Congresso debatem maneiras de conter a China sem empurrar os países para um conflito aberto e como reduzir o risco de que inteligência artificial seja usada para amplificar desinformação.

O impacto da campanha chinesa — identificada por pesquisadores de Microsoft, Recorded Future, RAND Corporation, NewsGuard e Universidade de Maryland — é difícil de mensurar, mas indicações preliminares sugerem que poucos usuários de redes sociais acessaram as teorias conspiratórias mais bizarras.

Brad Smith, vice-presidente e diretor-executivo da Microsoft, cujos pesquisadores analisaram a campanha secreta, criticou a China duramente por explorar um desastre natural por ganho político. “Eu simplesmente não acho que isso seja digno para nenhum país, muito menos um país que aspire ser grande”, afirmou Smith em entrevista, na segunda-feira.

A China não foi o único país a fazer uso político dos incêndios de Maui. A Rússia fez o mesmo, disseminando posts que enfatizaram quanto dinheiro os EUA estão gastando na guerra na Ucrânia e sugerindo que o montante seria mais bem aplicado domesticamente, em ajuda a vítimas de desastres.

Os pesquisadores sugeriram que a China estava construindo uma rede de perfis que poderia usar em futuras operações de informação, incluindo na próxima eleição presidencial americana. Foi esse o padrão que a Rússia estabeleceu cerca de um ano antes da eleição de 2016.

“A coisa está indo para uma nova direção, um tipo de amplificação de teorias conspiratórias que não são relacionadas diretamente com interesses seus, como Taiwan”, afirmou o pesquisador Brian Liston, da empresa de cibersegurança Recorded Future, de Massachusetts.

Se a China realizar operações de influência na eleição do próximo ano, constataram autoridades de inteligência americanas nos meses recentes, as campanhas deverão tentar prejudicar o presidente Joe Biden e promover o ex-presidente Donald Trump. Ainda que isso possa parecer contraintuitivo para americanos que se lembram do esforço de Trump para culpar Pequim pelo que ele chamou de “vírus chinês”, as autoridades de inteligência concluíram que os líderes chineses preferem Trump — que pediu a retirada dos americanos do Japão, da Coreia do Sul e de outras partes da Ásia; enquanto Biden cortou o acesso da China aos chips mais avançados e aos equipamentos para fabricá-los.

A China promover uma teoria conspiratória sobre os incêndios no Havaí ocorreu após Biden ter conversado com o presidente chinês, Xi Jinping, em Bali, no outono (Hemisfério Norte) do ano passado, a respeito do papel de Pequim na disseminação desse tipo de desinformação. De acordo com autoridades do governo, Biden criticou Xi furiosamente pela disseminação de acusações falsas de que os EUA operavam laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.

Presidentes Joe Biden e Xi Jinping se encontraram às margens da cúpula do G-20 em Bali, Indonésia, 14 de novembro de 2022.  Foto: REUTERS/Kevin Lamarque/Arquivo

Não há indicação de que Rússia e China estejam trabalhando conjuntamente em operações de informação, de acordo com pesquisadores e autoridades do governo, mas seus governos com frequência ecoam mensagens um do outro, particularmente quando se trata de criticar políticas dos EUA. Seus esforços combinados sugerem que uma nova fase de guerras de desinformação, reforçadas pelo uso de ferramentas de inteligência artificial, está prestes a começar.

“Nós não temos evidência direta de coordenação entre China e Rússia nessas campanhas, mas certamente encontramos alinhamentos e um tipo de sincronização”, afirmou o pesquisador William Marcellino, da RAND Corporation, autor de um novo relatório alertando que a inteligência artificial possibilitará um “crítico salto adiante” nas operações globais de influência.

Os incêndios no Havaí — como muitos outros desastres naturais hoje em dia — passaram a ser objeto de numerosos rumores, relatos falsos e teorias conspiratórias pouco depois que começaram.

A pesquisadora Caroline Bueno, do Laboratório de Pesquisa Aplicada em Inteligência e Segurança da Universidade de Maryland, relatou que uma campanha russa coordenada começou no Twitter, a rede social atualmente conhecida como X, em 9 de agosto, um dia depois de os incêndios serem detectados.

A campanha espalhava a expressão, “Havaí, não Ucrânia”, a partir de um perfil obscuro, com poucos seguidores, por meio de uma séria de perfis conservadores ou de direita, como Breitbart, e por fim nas contas dos meios de comunicação russos, alcançando milhares de usuários com uma mensagem pregando o fim da assistência militar dos EUA à Ucrânia.

O aparato dos meios de comunicação estatais da China com frequência ecoa temas russos, especialmente animosidades em relação aos EUA. Mas neste caso, houve também uma campanha de desinformação distinta.

A Recorded Future relatou inicialmente que o governo chinês montou uma campanha secreta para culpar uma “arma climática” pelos incêndios no Havaí identificando numerosos posts de meados de agosto que afirmavam falsamente que o MI6, o serviço de inteligência externa do Reino Unido, tinha revelado “a verdade surpreendente por trás do incêndio florestal”. Posts com exatamente a mesma terminologia apareceram em diversas redes sociais, incluindo Pinterest, Tumblr, Medium e Pixiv, uma plataforma japonesa usada por artistas.

Outros perfis falsos disseminaram conteúdo similar, em posts com frequência acompanhados de vídeos sem tarja de identificação — incluindo um imagens publicadas em uma conta popular no TikTok, The Paranormal Chic, da explosão de um transformador no Chile. De acordo com a Recorded Future, o conteúdo chinês com frequência ecoava — e amplificava — posts de teoristas conspiratórios e extremistas radicados nos EUA, incluindo supremacistas brancos.

A campanha chinesa operou em muitas das maiores redes sociais — e em várias línguas, sugerindo que foi destinada a alcançar audiência global. O Centro de Análise de Ameaças da Microsoft identificou posts falaciosos em 31 línguas, incluindo francês, alemão e italiano, e também em línguas menos difundidas, como igbo, odia e guarani.

As imagens geradas artificialmente de incêndios florestais no Havaí identificadas pelos pesquisadores da Microsoft apareceram em várias plataformas, incluindo num post em holandês no Reddit. “Essas imagens específicas geradas por IA parecem ser usadas exclusivamente” por perfis chineses nesta campanha, afirmou a Microsoft em um relatório, “não parecem estar presentes em outros lugares online”.

Clint Watts, gerente-geral do Centro da Análises de Ameaças da Microsoft, afirmou que a China parece ter adotado a cartilha russa para operações de influência, pavimentando o caminho para influenciar a política dos EUA e de outros países.

“Seria como a Rússia em 2015″, afirmou ele, referindo-se aos bots e perfis falsos criados pela Rússia anteriormente à sua extensa campanha de influência na eleição de 2016. “Se considerarmos a maneira que outros atores fizeram isso, eles estão construindo capacidades. Neste momento eles estão construindo perfis furtivos.”

Desastres naturais sempre foram foco de campanhas de desinformação, permitindo a atores mal intencionados explorar emoções para acusar governos de inconformidades seja em preparações ou respostas. O objetivo pode ser minar a confiança em políticas específicas, como o apoio americano à Ucrânia, ou semear discórdia interna mais genericamente. Ao sugerir que Washington estava testando armas secretas em seus próprios cidadãos, ou usando-as contra eles, o esforço chinês também pareceu ter intenção de retratar os EUA como uma potência militarista e irresponsável.

“Nós sempre tivemos capacidade de nos unir em desastres humanitários e fornecer ajuda após terremotos, furacões ou incêndios”, afirmou Smith, que apresentaria ao Congresso algumas das constatações da Microsoft na terça-feira. “E eu considero esse tipo de esforço tanto profundamente perturbador quanto algo que a comunidade internacional deveria impedir e proibir.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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