China e Rússia estão construindo bloco antiocidental, avalia diplomata Roberto Abdenur


O ex-embaixador em Pequim e Washington aponta que a entrada do Irã no Brics é negativa e questiona leniência do bloco em relação a guerra na Ucrânia

Por Daniel Gateno
Entrevista comRoberto AbdenurDiplomata e ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China

China e Rússia juntaram diversos países emergentes no Brics para formar uma frente que rivalize com o Ocidente”, avalia o diplomata e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur. O diplomata aponta que com a entrada de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia, o bloco econômico elevou o seu caráter antiocidental. Essa tendência será testada durante a reunião do G-20, que ocorre entre os dias 9 e 10 de setembro e deve contar com diversos participantes do Brics.

O ex-embaixador destaca que a entrada do Irã no Brics é negativa, por conta do isolamento do país asiático na arena internacional.

“A entrada do Irã no Brics reflete como o Brasil e os outros países do bloco tem uma postura leniente com a Rússia porque Teerã vende armamentos para Moscou, apoiando de forma militar a guerra injustificável contra a Ucrânia. Não faz sentido o Brics incorporar um país tão controverso”, indica Abdenur.

continua após a publicidade

A expansão é o principal resultado da 15ª Cúpula do Brics. O debate sobre o aumento no número de países do Brics, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, esteve no topo da agenda durante as reuniões que ocorreram entre os dias 22 e 24 de agosto em Johannesburgo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva participa de uma foto junto com o presidente da China, Xi Jinpíng, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Confira trechos da entrevista

continua após a publicidade

Como o senhor avalia a participação do Brasil na cúpula do Brics?

De modo geral os discursos do Lula no Brics foram muito bons, mas ele cometeu dois erros importantes no que diz respeito à Ucrânia.

Ele fez um gesto pobre e indireto em favor da Ucrânia ao dizer que o Brasil historicamente defende o princípio do respeito à soberania, integridade territorial dos Estados e aos princípios e normas das Nações Unidas e isso está correto, mas ele deveria ter sido explícito.

continua após a publicidade

Além disso, ele pede um cessar-fogo, que nas atuais circunstâncias seria congelar a situação atual do conflito na Ucrânia, que significaria que a Rússia iria manter as regiões que anexou de Kiev, o que não é possível para os ucranianos.

O Brasil pode se juntar a outros países que procuram uma solução pacífica. O plano da China é muito desequilibrado em favor da Rússia e os países africanos também propuseram algo vazio. O Brasil fala tanto em paz, mas quem fez mais até agora foi a Arábia Saudita, que reuniu diversos países árabes com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, responde a perguntas em coletiva de imprensa na 15° cúpula do Brics  Foto: Phill Magakoe/ AFP
continua após a publicidade

O segundo erro dele foi fazer ainda que implicitamente um contraponto ao G7. O Brics está se colocando, e ainda mais agora com essa ampliação, como um foro com um sentido antiocidental.

Mesmo assim, eu acredito que o bloco ainda faz muito sentido, diferentemente do que disse Jim O’Neill, o economista que criou o acrônimo Brics, que em uma entrevista ao Estadão afirmou que o Brics com mais países não faz sentido nenhum.

O Brics é mais uma ferramenta para o projeto do Brasil de ganho de influência, assim como outros fóruns como o Mercosul, Celac e o G20, além de organismos multilaterais que o Brasil tem uma presença forte como o Banco Mundial e a ONU.

continua após a publicidade

E a expansão do bloco. Acredita que será positiva para o Brics?

Em relação a expansão, acredito que muitos dos países que irão ingressar no bloco podem entregar contribuições importantes. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são duas potências financeiras que vão contribuir para o Novo Banco de Desenvolvimento.

Da África, a entrada do Egito é importante, um país que tem uma voz expressiva no mundo árabe e a Etiópia tem a condição de sede da União Africana, que vai ter uma representação coletiva no G20, o que é muito bom.

continua após a publicidade

Acredito que faltou a Nigéria como mais um país que poderia representar bem o continente africano e no caso da América Latina eu penso que a inclusão da Argentina foi ótima, que segue sendo um país de peso apesar dos vários problemas que enfrenta, mas faltou o México, que também tem uma economia forte.

Eu avalio que houve um momento de insensatez ao incluir o Irã no Brics. O país é relativamente isolado no plano internacional e é considerado perigoso, porque tudo leva a crer que está buscando a bomba atômica e prega a destruição completa de Israel.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, durante a cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

E o Ocidente no caso do Irã sempre apontou que Teerã está dando apoio militar para a Rússia, vendendo armamentos para que Moscou continue a sua guerra injustificável contra a Ucrânia. Convidar o Irã para entrar no Brics é um movimento de leniência em relação a isso. Não faz sentido incorporar um país tão controverso.

O Brasil teve alguma vitória com a expansão do Brics, ou saiu derrotado com essa expansão apoiada pela China?

Não acho que foi uma derrota e nem uma vitória. A China quer que o Brics se coloque de alguma maneira, ainda que indireta, como contraponto ao Ocidente junto com a Rússia, o que não é bom para o Brasil.

Mas a entrada de novos países no Brics era vista como quase certa para o Brasil, não só por conta da pressão de Pequim e Moscou, mas também por conta da candidatura de diversos países para o Brics.

Brasil e Índia eram relutantes no primeiro momento, mas tiveram que se dobrar a essa realidade. O que eu critico, mas não acho que seja uma derrota exatamente é o Lula ter colocado mal a questão da Ucrânia e a adesão do Irã ao Brics.

Outro erro do Brics foi marcar a próxima reunião para a Rússia. Moscou ainda estará em guerra com Kiev no ano que vem e fazer o encontro do Brics lá me parece fora de questão.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa de forma online na cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/ AP

O G7 é formado apenas por democracias. Já o Brics convidou 6 países, dos quais apenas um é uma democracia consolidada (a Argentina). Isso não é um problema do ponto de vista moral ou até para negociar uma eventual expansão do CS da ONU?

Em política externa existe um conceito que se chama realpolitik, que seria a política realista. Não é possível conduzir relações bilaterais apenas com base em seus valores. É preciso preservá-los. O Brasil, assim como os Estados Unidos, Alemanha e a França e muitos outros países têm relações normais e muitas vezes produtivas e positivas com países que não são democracias, como a China e a própria Rússia.

Qual é a sua avaliação sobre uma possível entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

Eu sempre fui ao longo da carreira muito favorável à entrada do Brasil no Conselho de Segurança que o Brasil possui todas as condições e o direito de entrar.

O Lula conseguiu uma extraordinária vitória diplomática ao obter do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em um comunicado conjunto uma declaração explícita e enfática do americano de que os Estados Unidos agora favorecem a ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para incluir países da América Latina e Caribe. Não fala especificamente do Brasil, mas eles estavam falando do País.

Eu sei que o Itamaraty procurou negociar um comunicado em que os demais membros do Brics defenderiam uma reforma do Conselho de Segurança e um apoio ao Brasil. A China já havia declarado que vê com bons olhos o aumento da projeção do Brasil no nível internacional e sinalizou isso durante o Brics.

Como o senhor avalia a política externa do governo Lula?

Eu quero enfatizar que o Lula deu uma volta por cima muito importante na política externa brasileira. Nos dois primeiros mandatos, ele teve uma política muito ativa, depois a política externa foi deixada de lado pela Dilma Rousseff e também por Michel Temer e foi completamente paralisada com Jair Bolsonaro, que fez o Brasil virar um pária internacional durante o mandato dele.

Então o Lula recuperou dois elementos importantes da nossa atuação internacional. A imagem do país e o protagonismo brasileiro no plano internacional.

Ele começou essa virada com o discurso histórico que ele teve no Egito, na COP 27, na qual ele colocou a questão climática como o maior desafio para a humanidade e para o Brasil. Depois ele fez visitas estratégicas para a Argentina, Estados Unidos e China e anunciou que o País irá retomar este aspecto importante da nossa política externa de olhar mais para o continente africano. Acredito que estamos no caminho certo, apesar dos exageros retóricos do presidente brasileiro.

China e Rússia juntaram diversos países emergentes no Brics para formar uma frente que rivalize com o Ocidente”, avalia o diplomata e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur. O diplomata aponta que com a entrada de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia, o bloco econômico elevou o seu caráter antiocidental. Essa tendência será testada durante a reunião do G-20, que ocorre entre os dias 9 e 10 de setembro e deve contar com diversos participantes do Brics.

O ex-embaixador destaca que a entrada do Irã no Brics é negativa, por conta do isolamento do país asiático na arena internacional.

“A entrada do Irã no Brics reflete como o Brasil e os outros países do bloco tem uma postura leniente com a Rússia porque Teerã vende armamentos para Moscou, apoiando de forma militar a guerra injustificável contra a Ucrânia. Não faz sentido o Brics incorporar um país tão controverso”, indica Abdenur.

A expansão é o principal resultado da 15ª Cúpula do Brics. O debate sobre o aumento no número de países do Brics, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, esteve no topo da agenda durante as reuniões que ocorreram entre os dias 22 e 24 de agosto em Johannesburgo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva participa de uma foto junto com o presidente da China, Xi Jinpíng, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Confira trechos da entrevista

Como o senhor avalia a participação do Brasil na cúpula do Brics?

De modo geral os discursos do Lula no Brics foram muito bons, mas ele cometeu dois erros importantes no que diz respeito à Ucrânia.

Ele fez um gesto pobre e indireto em favor da Ucrânia ao dizer que o Brasil historicamente defende o princípio do respeito à soberania, integridade territorial dos Estados e aos princípios e normas das Nações Unidas e isso está correto, mas ele deveria ter sido explícito.

Além disso, ele pede um cessar-fogo, que nas atuais circunstâncias seria congelar a situação atual do conflito na Ucrânia, que significaria que a Rússia iria manter as regiões que anexou de Kiev, o que não é possível para os ucranianos.

O Brasil pode se juntar a outros países que procuram uma solução pacífica. O plano da China é muito desequilibrado em favor da Rússia e os países africanos também propuseram algo vazio. O Brasil fala tanto em paz, mas quem fez mais até agora foi a Arábia Saudita, que reuniu diversos países árabes com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, responde a perguntas em coletiva de imprensa na 15° cúpula do Brics  Foto: Phill Magakoe/ AFP

O segundo erro dele foi fazer ainda que implicitamente um contraponto ao G7. O Brics está se colocando, e ainda mais agora com essa ampliação, como um foro com um sentido antiocidental.

Mesmo assim, eu acredito que o bloco ainda faz muito sentido, diferentemente do que disse Jim O’Neill, o economista que criou o acrônimo Brics, que em uma entrevista ao Estadão afirmou que o Brics com mais países não faz sentido nenhum.

O Brics é mais uma ferramenta para o projeto do Brasil de ganho de influência, assim como outros fóruns como o Mercosul, Celac e o G20, além de organismos multilaterais que o Brasil tem uma presença forte como o Banco Mundial e a ONU.

E a expansão do bloco. Acredita que será positiva para o Brics?

Em relação a expansão, acredito que muitos dos países que irão ingressar no bloco podem entregar contribuições importantes. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são duas potências financeiras que vão contribuir para o Novo Banco de Desenvolvimento.

Da África, a entrada do Egito é importante, um país que tem uma voz expressiva no mundo árabe e a Etiópia tem a condição de sede da União Africana, que vai ter uma representação coletiva no G20, o que é muito bom.

Acredito que faltou a Nigéria como mais um país que poderia representar bem o continente africano e no caso da América Latina eu penso que a inclusão da Argentina foi ótima, que segue sendo um país de peso apesar dos vários problemas que enfrenta, mas faltou o México, que também tem uma economia forte.

Eu avalio que houve um momento de insensatez ao incluir o Irã no Brics. O país é relativamente isolado no plano internacional e é considerado perigoso, porque tudo leva a crer que está buscando a bomba atômica e prega a destruição completa de Israel.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, durante a cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

E o Ocidente no caso do Irã sempre apontou que Teerã está dando apoio militar para a Rússia, vendendo armamentos para que Moscou continue a sua guerra injustificável contra a Ucrânia. Convidar o Irã para entrar no Brics é um movimento de leniência em relação a isso. Não faz sentido incorporar um país tão controverso.

O Brasil teve alguma vitória com a expansão do Brics, ou saiu derrotado com essa expansão apoiada pela China?

Não acho que foi uma derrota e nem uma vitória. A China quer que o Brics se coloque de alguma maneira, ainda que indireta, como contraponto ao Ocidente junto com a Rússia, o que não é bom para o Brasil.

Mas a entrada de novos países no Brics era vista como quase certa para o Brasil, não só por conta da pressão de Pequim e Moscou, mas também por conta da candidatura de diversos países para o Brics.

Brasil e Índia eram relutantes no primeiro momento, mas tiveram que se dobrar a essa realidade. O que eu critico, mas não acho que seja uma derrota exatamente é o Lula ter colocado mal a questão da Ucrânia e a adesão do Irã ao Brics.

Outro erro do Brics foi marcar a próxima reunião para a Rússia. Moscou ainda estará em guerra com Kiev no ano que vem e fazer o encontro do Brics lá me parece fora de questão.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa de forma online na cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/ AP

O G7 é formado apenas por democracias. Já o Brics convidou 6 países, dos quais apenas um é uma democracia consolidada (a Argentina). Isso não é um problema do ponto de vista moral ou até para negociar uma eventual expansão do CS da ONU?

Em política externa existe um conceito que se chama realpolitik, que seria a política realista. Não é possível conduzir relações bilaterais apenas com base em seus valores. É preciso preservá-los. O Brasil, assim como os Estados Unidos, Alemanha e a França e muitos outros países têm relações normais e muitas vezes produtivas e positivas com países que não são democracias, como a China e a própria Rússia.

Qual é a sua avaliação sobre uma possível entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

Eu sempre fui ao longo da carreira muito favorável à entrada do Brasil no Conselho de Segurança que o Brasil possui todas as condições e o direito de entrar.

O Lula conseguiu uma extraordinária vitória diplomática ao obter do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em um comunicado conjunto uma declaração explícita e enfática do americano de que os Estados Unidos agora favorecem a ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para incluir países da América Latina e Caribe. Não fala especificamente do Brasil, mas eles estavam falando do País.

Eu sei que o Itamaraty procurou negociar um comunicado em que os demais membros do Brics defenderiam uma reforma do Conselho de Segurança e um apoio ao Brasil. A China já havia declarado que vê com bons olhos o aumento da projeção do Brasil no nível internacional e sinalizou isso durante o Brics.

Como o senhor avalia a política externa do governo Lula?

Eu quero enfatizar que o Lula deu uma volta por cima muito importante na política externa brasileira. Nos dois primeiros mandatos, ele teve uma política muito ativa, depois a política externa foi deixada de lado pela Dilma Rousseff e também por Michel Temer e foi completamente paralisada com Jair Bolsonaro, que fez o Brasil virar um pária internacional durante o mandato dele.

Então o Lula recuperou dois elementos importantes da nossa atuação internacional. A imagem do país e o protagonismo brasileiro no plano internacional.

Ele começou essa virada com o discurso histórico que ele teve no Egito, na COP 27, na qual ele colocou a questão climática como o maior desafio para a humanidade e para o Brasil. Depois ele fez visitas estratégicas para a Argentina, Estados Unidos e China e anunciou que o País irá retomar este aspecto importante da nossa política externa de olhar mais para o continente africano. Acredito que estamos no caminho certo, apesar dos exageros retóricos do presidente brasileiro.

China e Rússia juntaram diversos países emergentes no Brics para formar uma frente que rivalize com o Ocidente”, avalia o diplomata e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur. O diplomata aponta que com a entrada de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia, o bloco econômico elevou o seu caráter antiocidental. Essa tendência será testada durante a reunião do G-20, que ocorre entre os dias 9 e 10 de setembro e deve contar com diversos participantes do Brics.

O ex-embaixador destaca que a entrada do Irã no Brics é negativa, por conta do isolamento do país asiático na arena internacional.

“A entrada do Irã no Brics reflete como o Brasil e os outros países do bloco tem uma postura leniente com a Rússia porque Teerã vende armamentos para Moscou, apoiando de forma militar a guerra injustificável contra a Ucrânia. Não faz sentido o Brics incorporar um país tão controverso”, indica Abdenur.

A expansão é o principal resultado da 15ª Cúpula do Brics. O debate sobre o aumento no número de países do Brics, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, esteve no topo da agenda durante as reuniões que ocorreram entre os dias 22 e 24 de agosto em Johannesburgo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva participa de uma foto junto com o presidente da China, Xi Jinpíng, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Confira trechos da entrevista

Como o senhor avalia a participação do Brasil na cúpula do Brics?

De modo geral os discursos do Lula no Brics foram muito bons, mas ele cometeu dois erros importantes no que diz respeito à Ucrânia.

Ele fez um gesto pobre e indireto em favor da Ucrânia ao dizer que o Brasil historicamente defende o princípio do respeito à soberania, integridade territorial dos Estados e aos princípios e normas das Nações Unidas e isso está correto, mas ele deveria ter sido explícito.

Além disso, ele pede um cessar-fogo, que nas atuais circunstâncias seria congelar a situação atual do conflito na Ucrânia, que significaria que a Rússia iria manter as regiões que anexou de Kiev, o que não é possível para os ucranianos.

O Brasil pode se juntar a outros países que procuram uma solução pacífica. O plano da China é muito desequilibrado em favor da Rússia e os países africanos também propuseram algo vazio. O Brasil fala tanto em paz, mas quem fez mais até agora foi a Arábia Saudita, que reuniu diversos países árabes com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, responde a perguntas em coletiva de imprensa na 15° cúpula do Brics  Foto: Phill Magakoe/ AFP

O segundo erro dele foi fazer ainda que implicitamente um contraponto ao G7. O Brics está se colocando, e ainda mais agora com essa ampliação, como um foro com um sentido antiocidental.

Mesmo assim, eu acredito que o bloco ainda faz muito sentido, diferentemente do que disse Jim O’Neill, o economista que criou o acrônimo Brics, que em uma entrevista ao Estadão afirmou que o Brics com mais países não faz sentido nenhum.

O Brics é mais uma ferramenta para o projeto do Brasil de ganho de influência, assim como outros fóruns como o Mercosul, Celac e o G20, além de organismos multilaterais que o Brasil tem uma presença forte como o Banco Mundial e a ONU.

E a expansão do bloco. Acredita que será positiva para o Brics?

Em relação a expansão, acredito que muitos dos países que irão ingressar no bloco podem entregar contribuições importantes. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são duas potências financeiras que vão contribuir para o Novo Banco de Desenvolvimento.

Da África, a entrada do Egito é importante, um país que tem uma voz expressiva no mundo árabe e a Etiópia tem a condição de sede da União Africana, que vai ter uma representação coletiva no G20, o que é muito bom.

Acredito que faltou a Nigéria como mais um país que poderia representar bem o continente africano e no caso da América Latina eu penso que a inclusão da Argentina foi ótima, que segue sendo um país de peso apesar dos vários problemas que enfrenta, mas faltou o México, que também tem uma economia forte.

Eu avalio que houve um momento de insensatez ao incluir o Irã no Brics. O país é relativamente isolado no plano internacional e é considerado perigoso, porque tudo leva a crer que está buscando a bomba atômica e prega a destruição completa de Israel.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, durante a cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

E o Ocidente no caso do Irã sempre apontou que Teerã está dando apoio militar para a Rússia, vendendo armamentos para que Moscou continue a sua guerra injustificável contra a Ucrânia. Convidar o Irã para entrar no Brics é um movimento de leniência em relação a isso. Não faz sentido incorporar um país tão controverso.

O Brasil teve alguma vitória com a expansão do Brics, ou saiu derrotado com essa expansão apoiada pela China?

Não acho que foi uma derrota e nem uma vitória. A China quer que o Brics se coloque de alguma maneira, ainda que indireta, como contraponto ao Ocidente junto com a Rússia, o que não é bom para o Brasil.

Mas a entrada de novos países no Brics era vista como quase certa para o Brasil, não só por conta da pressão de Pequim e Moscou, mas também por conta da candidatura de diversos países para o Brics.

Brasil e Índia eram relutantes no primeiro momento, mas tiveram que se dobrar a essa realidade. O que eu critico, mas não acho que seja uma derrota exatamente é o Lula ter colocado mal a questão da Ucrânia e a adesão do Irã ao Brics.

Outro erro do Brics foi marcar a próxima reunião para a Rússia. Moscou ainda estará em guerra com Kiev no ano que vem e fazer o encontro do Brics lá me parece fora de questão.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa de forma online na cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/ AP

O G7 é formado apenas por democracias. Já o Brics convidou 6 países, dos quais apenas um é uma democracia consolidada (a Argentina). Isso não é um problema do ponto de vista moral ou até para negociar uma eventual expansão do CS da ONU?

Em política externa existe um conceito que se chama realpolitik, que seria a política realista. Não é possível conduzir relações bilaterais apenas com base em seus valores. É preciso preservá-los. O Brasil, assim como os Estados Unidos, Alemanha e a França e muitos outros países têm relações normais e muitas vezes produtivas e positivas com países que não são democracias, como a China e a própria Rússia.

Qual é a sua avaliação sobre uma possível entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

Eu sempre fui ao longo da carreira muito favorável à entrada do Brasil no Conselho de Segurança que o Brasil possui todas as condições e o direito de entrar.

O Lula conseguiu uma extraordinária vitória diplomática ao obter do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em um comunicado conjunto uma declaração explícita e enfática do americano de que os Estados Unidos agora favorecem a ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para incluir países da América Latina e Caribe. Não fala especificamente do Brasil, mas eles estavam falando do País.

Eu sei que o Itamaraty procurou negociar um comunicado em que os demais membros do Brics defenderiam uma reforma do Conselho de Segurança e um apoio ao Brasil. A China já havia declarado que vê com bons olhos o aumento da projeção do Brasil no nível internacional e sinalizou isso durante o Brics.

Como o senhor avalia a política externa do governo Lula?

Eu quero enfatizar que o Lula deu uma volta por cima muito importante na política externa brasileira. Nos dois primeiros mandatos, ele teve uma política muito ativa, depois a política externa foi deixada de lado pela Dilma Rousseff e também por Michel Temer e foi completamente paralisada com Jair Bolsonaro, que fez o Brasil virar um pária internacional durante o mandato dele.

Então o Lula recuperou dois elementos importantes da nossa atuação internacional. A imagem do país e o protagonismo brasileiro no plano internacional.

Ele começou essa virada com o discurso histórico que ele teve no Egito, na COP 27, na qual ele colocou a questão climática como o maior desafio para a humanidade e para o Brasil. Depois ele fez visitas estratégicas para a Argentina, Estados Unidos e China e anunciou que o País irá retomar este aspecto importante da nossa política externa de olhar mais para o continente africano. Acredito que estamos no caminho certo, apesar dos exageros retóricos do presidente brasileiro.

China e Rússia juntaram diversos países emergentes no Brics para formar uma frente que rivalize com o Ocidente”, avalia o diplomata e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur. O diplomata aponta que com a entrada de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia, o bloco econômico elevou o seu caráter antiocidental. Essa tendência será testada durante a reunião do G-20, que ocorre entre os dias 9 e 10 de setembro e deve contar com diversos participantes do Brics.

O ex-embaixador destaca que a entrada do Irã no Brics é negativa, por conta do isolamento do país asiático na arena internacional.

“A entrada do Irã no Brics reflete como o Brasil e os outros países do bloco tem uma postura leniente com a Rússia porque Teerã vende armamentos para Moscou, apoiando de forma militar a guerra injustificável contra a Ucrânia. Não faz sentido o Brics incorporar um país tão controverso”, indica Abdenur.

A expansão é o principal resultado da 15ª Cúpula do Brics. O debate sobre o aumento no número de países do Brics, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, esteve no topo da agenda durante as reuniões que ocorreram entre os dias 22 e 24 de agosto em Johannesburgo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva participa de uma foto junto com o presidente da China, Xi Jinpíng, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Confira trechos da entrevista

Como o senhor avalia a participação do Brasil na cúpula do Brics?

De modo geral os discursos do Lula no Brics foram muito bons, mas ele cometeu dois erros importantes no que diz respeito à Ucrânia.

Ele fez um gesto pobre e indireto em favor da Ucrânia ao dizer que o Brasil historicamente defende o princípio do respeito à soberania, integridade territorial dos Estados e aos princípios e normas das Nações Unidas e isso está correto, mas ele deveria ter sido explícito.

Além disso, ele pede um cessar-fogo, que nas atuais circunstâncias seria congelar a situação atual do conflito na Ucrânia, que significaria que a Rússia iria manter as regiões que anexou de Kiev, o que não é possível para os ucranianos.

O Brasil pode se juntar a outros países que procuram uma solução pacífica. O plano da China é muito desequilibrado em favor da Rússia e os países africanos também propuseram algo vazio. O Brasil fala tanto em paz, mas quem fez mais até agora foi a Arábia Saudita, que reuniu diversos países árabes com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, responde a perguntas em coletiva de imprensa na 15° cúpula do Brics  Foto: Phill Magakoe/ AFP

O segundo erro dele foi fazer ainda que implicitamente um contraponto ao G7. O Brics está se colocando, e ainda mais agora com essa ampliação, como um foro com um sentido antiocidental.

Mesmo assim, eu acredito que o bloco ainda faz muito sentido, diferentemente do que disse Jim O’Neill, o economista que criou o acrônimo Brics, que em uma entrevista ao Estadão afirmou que o Brics com mais países não faz sentido nenhum.

O Brics é mais uma ferramenta para o projeto do Brasil de ganho de influência, assim como outros fóruns como o Mercosul, Celac e o G20, além de organismos multilaterais que o Brasil tem uma presença forte como o Banco Mundial e a ONU.

E a expansão do bloco. Acredita que será positiva para o Brics?

Em relação a expansão, acredito que muitos dos países que irão ingressar no bloco podem entregar contribuições importantes. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são duas potências financeiras que vão contribuir para o Novo Banco de Desenvolvimento.

Da África, a entrada do Egito é importante, um país que tem uma voz expressiva no mundo árabe e a Etiópia tem a condição de sede da União Africana, que vai ter uma representação coletiva no G20, o que é muito bom.

Acredito que faltou a Nigéria como mais um país que poderia representar bem o continente africano e no caso da América Latina eu penso que a inclusão da Argentina foi ótima, que segue sendo um país de peso apesar dos vários problemas que enfrenta, mas faltou o México, que também tem uma economia forte.

Eu avalio que houve um momento de insensatez ao incluir o Irã no Brics. O país é relativamente isolado no plano internacional e é considerado perigoso, porque tudo leva a crer que está buscando a bomba atômica e prega a destruição completa de Israel.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu com o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, durante a cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

E o Ocidente no caso do Irã sempre apontou que Teerã está dando apoio militar para a Rússia, vendendo armamentos para que Moscou continue a sua guerra injustificável contra a Ucrânia. Convidar o Irã para entrar no Brics é um movimento de leniência em relação a isso. Não faz sentido incorporar um país tão controverso.

O Brasil teve alguma vitória com a expansão do Brics, ou saiu derrotado com essa expansão apoiada pela China?

Não acho que foi uma derrota e nem uma vitória. A China quer que o Brics se coloque de alguma maneira, ainda que indireta, como contraponto ao Ocidente junto com a Rússia, o que não é bom para o Brasil.

Mas a entrada de novos países no Brics era vista como quase certa para o Brasil, não só por conta da pressão de Pequim e Moscou, mas também por conta da candidatura de diversos países para o Brics.

Brasil e Índia eram relutantes no primeiro momento, mas tiveram que se dobrar a essa realidade. O que eu critico, mas não acho que seja uma derrota exatamente é o Lula ter colocado mal a questão da Ucrânia e a adesão do Irã ao Brics.

Outro erro do Brics foi marcar a próxima reunião para a Rússia. Moscou ainda estará em guerra com Kiev no ano que vem e fazer o encontro do Brics lá me parece fora de questão.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa de forma online na cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/ AP

O G7 é formado apenas por democracias. Já o Brics convidou 6 países, dos quais apenas um é uma democracia consolidada (a Argentina). Isso não é um problema do ponto de vista moral ou até para negociar uma eventual expansão do CS da ONU?

Em política externa existe um conceito que se chama realpolitik, que seria a política realista. Não é possível conduzir relações bilaterais apenas com base em seus valores. É preciso preservá-los. O Brasil, assim como os Estados Unidos, Alemanha e a França e muitos outros países têm relações normais e muitas vezes produtivas e positivas com países que não são democracias, como a China e a própria Rússia.

Qual é a sua avaliação sobre uma possível entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

Eu sempre fui ao longo da carreira muito favorável à entrada do Brasil no Conselho de Segurança que o Brasil possui todas as condições e o direito de entrar.

O Lula conseguiu uma extraordinária vitória diplomática ao obter do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em um comunicado conjunto uma declaração explícita e enfática do americano de que os Estados Unidos agora favorecem a ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para incluir países da América Latina e Caribe. Não fala especificamente do Brasil, mas eles estavam falando do País.

Eu sei que o Itamaraty procurou negociar um comunicado em que os demais membros do Brics defenderiam uma reforma do Conselho de Segurança e um apoio ao Brasil. A China já havia declarado que vê com bons olhos o aumento da projeção do Brasil no nível internacional e sinalizou isso durante o Brics.

Como o senhor avalia a política externa do governo Lula?

Eu quero enfatizar que o Lula deu uma volta por cima muito importante na política externa brasileira. Nos dois primeiros mandatos, ele teve uma política muito ativa, depois a política externa foi deixada de lado pela Dilma Rousseff e também por Michel Temer e foi completamente paralisada com Jair Bolsonaro, que fez o Brasil virar um pária internacional durante o mandato dele.

Então o Lula recuperou dois elementos importantes da nossa atuação internacional. A imagem do país e o protagonismo brasileiro no plano internacional.

Ele começou essa virada com o discurso histórico que ele teve no Egito, na COP 27, na qual ele colocou a questão climática como o maior desafio para a humanidade e para o Brasil. Depois ele fez visitas estratégicas para a Argentina, Estados Unidos e China e anunciou que o País irá retomar este aspecto importante da nossa política externa de olhar mais para o continente africano. Acredito que estamos no caminho certo, apesar dos exageros retóricos do presidente brasileiro.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.