China faz acordo de segurança com a Hungria e aprofunda desconfianças da Europa


Trata-se da primeira vez que um acordo nesta área é firmado entre a China e um membro da União Europeia e da Otan; preocupações de espionagem crescem

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Uma semana depois de autoridades chinesas viajarem para Budapeste, em fevereiro, a China anunciou uma série de acordos com a Hungria com a promessa de levar as relações entre os dois países a um novo patamar. Os acordos soaram naturais, exceto por um detalhe: uma cooperação na área de segurança, sendo a Hungria um membro da União Europeia e da Otan, duas organizações que possuem desconfianças crescentes com Pequim.

Até então, a China nunca havia firmado um acordo em assuntos de segurança com um país com o status da Hungria. O anúncio, como era de se esperar, não passou despercebido na Europa. O jornal britânico The Guardian e a agência de notícias Reuters classificaram o movimento chinês com a mesma palavra, “incomum”, e destacaram as preocupações da UE e da Otan com relação aos dois países.

Apesar de terem origens diferentes, essas preocupações cresceram por um motivo comum: a relação próxima que tanto a Hungria quanto a China possuem com a Rússia de Vladimir Putin, vista como grande ameaça à segurança europeia desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Enquanto o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, se tornou um incômodo para os planos ocidentais, a China tem sido classificada cada vez mais por agências europeias de segurança, a exemplo da Noruega, como ameaça e suspeita de espionagem.

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Imagem mostra ministro da segurança da China, Wang Xiaohong (esq.), ao lado do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em Budapeste. Os dois países aprofundaram relações bilaterais com acordos na área de segurança Foto: Vivien Cher / EFE

Os termos dos acordos são desconhecidos. Em Budapeste, o ministro da Segurança Pública chinês, Wang Xiaohong, disse apenas que estão relacionados a áreas de combate ao terrorismo e crimes transnacionais, segurança dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, que a Hungria aderiu para receber investimentos chineses, e “desenvolvimento da capacidade de aplicação da lei”.

Ou seja, assuntos de matéria interna, e não de segurança internacional – o que, segundo analistas, não diminuem os motivos de preocupação.

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A analista política Zsuzsanna Vegh, pesquisadora-associada do centro de estudos German Marshall Fund (GMF), cita a Sérvia, onde a China possui parcerias em assuntos de segurança há anos, para exemplificar os riscos. “Isso (a parceria) implicou que a polícia chinesa patrulhasse as áreas frequentadas por cidadãos chineses, com a instalação de câmeras de vigilância chinesas (da Huawei) na capital sérvia, Belgrado”, disse.

“As câmeras são particularmente problemáticas, uma vez que podem utilizar a tecnologia de reconhecimento facial, o que levanta preocupações legais e tem sido motivo de contestação na Sérvia. Autoridades dizem que a função não foi ativada, mas ela existe”, acrescentou Vegh.

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Presença da China na Europa é vista como ameaça

Os acordos sino-húngaros não se restringem a segurança. Os chineses também irão aumentar os investimentos na infraestrutura do país dentro da Iniciativa Cinturão e Rota, o que deve auxiliar a produção dos veículos elétricos da montadora chinesa BYD na sua primeira fábrica na Europa, a ser instalada na cidade húngara de Szeged. Apesar do investimento, a presença da BYD é outro incômodo para os europeus e torna a China uma ameaça não apenas na área de segurança, mas também econômica.

Um artigo da revista britânica The Economist publicado em janeiro deste ano explica por que a presença da BYD é um risco na visão da União Europeia: a montadora lidera o mercado de automóveis elétricos no continente, e os líderes europeus temem um choque na indústria semelhante ao sofrido pelos Estados Unidos entre 1997 e 2011, quando a concorrência chinesa se tornou mais forte. Cerca de um milhão de americanos perderam seus empregos no período.

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A preocupação em assuntos econômicos começou na década passada e, após a guerra na Ucrânia, passou a estar associada a questões de segurança. Os europeus colocaram sob escrutínio a ação das empresas chinesas por causa da proximidade entre Pequim e Moscou e passou a buscar mais independência da China para, ao mesmo tempo, não ter a sua indústria enfraquecida e os seus assuntos sensíveis vigiados.

Diretor da BYD na Europa apresenta novo veículo elétrico da montadora durante evento em Genebra, na Suíça. Montadora chinesa lidera mercado europeu de veículos elétricos Foto: Cyril Zingaro / EFE

Em dezembro de 2023, um relatório apresentado no Parlamento Europeu externou a preocupação do bloco com os acionistas chineses que possuem portos instalados próximos a bases navais da Otan. “Os três maiores acionistas da China nos portos europeus têm ativos em quase metade dos portos localizados pertos de bases navais ou prestam apoio logístico às forças da Otan, o que aumenta consideravelmente o risco de espionagem”, afirma o documento.

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Um mês depois, o bloco publicou uma série de iniciativas com a intenção de proteger suas tecnologias de países estrangeiros, implementando mudanças na análise de investimentos externos, controles de exportações e bens de dupla utilização. Apesar de não citar a China de maneira direta, as medidas foram vistas como parte do esforço dos europeus para diminuir a presença chinesa.

Para o cientista político e atual coordenador de Relações Internacionais na ESPM, Alexandre Uehara, os planos de proteger a indústria e tecnologia europeia frente a competitividade chinesa também miram evitar o crescimento da influência política de Pequim sobre a UE. “Se a Europa se torna dependente de outra economia, a influência dessa outra economia, no caso a chinesa, pode aumentar a influência política de Pequim sobre esses países”, disse.

Ao fazer os acordos com a Hungria, diz Uehara, a China responde a esse afastamento que parte dos líderes europeus buscam. “Ao ter iniciativas mais restritas em nações mais ocidentais, como Alemanha e Itália, a China se aproxima dos países do centro, mais abertos a fazerem negócios, e aproveita isso para projetar poder econômico”, afirmou.

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Reconstrução de laços

Ciente da desconfiança e interessado em manter os negócios na Europa, a China busca reconstruir os laços com os países do continente. O líder chinês Xi Jinping deve viajar para a Sérvia e para a França, a fim de retribuir a visita do presidente francês Emmanuel Macron em Pequim há um ano.

A viagem de Xi a Sérvia foi anunciado pelo presidente sérvio Aleksandar Vucic, mas não foi confirmada por Pequim. Se confirmada, trata-se da primeira viagem do líder chinês pelo continente desde o fim da pandemia de covid-19.

Nos últimos meses, diplomatas chineses e europeus tem trabalhado por uma cooperação mais pragmática para a confiança bilateral crescer. Apesar das preocupações e desconfianças com os chineses, a Europa não tem interesse, no momento, de impor um bloqueio ao investimentos e comércio chinês, cruciais para a transição energética que o continente tenta fazer.

Em contrapartida, a China também tem suas preocupações. Com dificuldades internas causadas por uma recuperação econômica mais lenta que o esperado após a pandemia e uma sociedade cada vez mais exigente, manter as relações internacionais em bom estado é crucial para os planos do país. “A China precisa ter estabilidade internacional para realizar o ‘China Dream’, entendido aí como esse sonho chinês de se tornar um país de ponta”, resumiu Uehara.

Se o movimento chinês com a Hungria é considerado incomum, também não seria estranho chamá-lo de audacioso. Pequim conseguiu estreitar laços com um país da União Europeia no pior momento em décadas da sua relação com o bloco, quando é vista como uma ameaça tanto econômica quanto na área de segurança, e agora se prepara para o próximo passo.

Uma semana depois de autoridades chinesas viajarem para Budapeste, em fevereiro, a China anunciou uma série de acordos com a Hungria com a promessa de levar as relações entre os dois países a um novo patamar. Os acordos soaram naturais, exceto por um detalhe: uma cooperação na área de segurança, sendo a Hungria um membro da União Europeia e da Otan, duas organizações que possuem desconfianças crescentes com Pequim.

Até então, a China nunca havia firmado um acordo em assuntos de segurança com um país com o status da Hungria. O anúncio, como era de se esperar, não passou despercebido na Europa. O jornal britânico The Guardian e a agência de notícias Reuters classificaram o movimento chinês com a mesma palavra, “incomum”, e destacaram as preocupações da UE e da Otan com relação aos dois países.

Apesar de terem origens diferentes, essas preocupações cresceram por um motivo comum: a relação próxima que tanto a Hungria quanto a China possuem com a Rússia de Vladimir Putin, vista como grande ameaça à segurança europeia desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Enquanto o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, se tornou um incômodo para os planos ocidentais, a China tem sido classificada cada vez mais por agências europeias de segurança, a exemplo da Noruega, como ameaça e suspeita de espionagem.

Imagem mostra ministro da segurança da China, Wang Xiaohong (esq.), ao lado do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em Budapeste. Os dois países aprofundaram relações bilaterais com acordos na área de segurança Foto: Vivien Cher / EFE

Os termos dos acordos são desconhecidos. Em Budapeste, o ministro da Segurança Pública chinês, Wang Xiaohong, disse apenas que estão relacionados a áreas de combate ao terrorismo e crimes transnacionais, segurança dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, que a Hungria aderiu para receber investimentos chineses, e “desenvolvimento da capacidade de aplicação da lei”.

Ou seja, assuntos de matéria interna, e não de segurança internacional – o que, segundo analistas, não diminuem os motivos de preocupação.

A analista política Zsuzsanna Vegh, pesquisadora-associada do centro de estudos German Marshall Fund (GMF), cita a Sérvia, onde a China possui parcerias em assuntos de segurança há anos, para exemplificar os riscos. “Isso (a parceria) implicou que a polícia chinesa patrulhasse as áreas frequentadas por cidadãos chineses, com a instalação de câmeras de vigilância chinesas (da Huawei) na capital sérvia, Belgrado”, disse.

“As câmeras são particularmente problemáticas, uma vez que podem utilizar a tecnologia de reconhecimento facial, o que levanta preocupações legais e tem sido motivo de contestação na Sérvia. Autoridades dizem que a função não foi ativada, mas ela existe”, acrescentou Vegh.

Presença da China na Europa é vista como ameaça

Os acordos sino-húngaros não se restringem a segurança. Os chineses também irão aumentar os investimentos na infraestrutura do país dentro da Iniciativa Cinturão e Rota, o que deve auxiliar a produção dos veículos elétricos da montadora chinesa BYD na sua primeira fábrica na Europa, a ser instalada na cidade húngara de Szeged. Apesar do investimento, a presença da BYD é outro incômodo para os europeus e torna a China uma ameaça não apenas na área de segurança, mas também econômica.

Um artigo da revista britânica The Economist publicado em janeiro deste ano explica por que a presença da BYD é um risco na visão da União Europeia: a montadora lidera o mercado de automóveis elétricos no continente, e os líderes europeus temem um choque na indústria semelhante ao sofrido pelos Estados Unidos entre 1997 e 2011, quando a concorrência chinesa se tornou mais forte. Cerca de um milhão de americanos perderam seus empregos no período.

A preocupação em assuntos econômicos começou na década passada e, após a guerra na Ucrânia, passou a estar associada a questões de segurança. Os europeus colocaram sob escrutínio a ação das empresas chinesas por causa da proximidade entre Pequim e Moscou e passou a buscar mais independência da China para, ao mesmo tempo, não ter a sua indústria enfraquecida e os seus assuntos sensíveis vigiados.

Diretor da BYD na Europa apresenta novo veículo elétrico da montadora durante evento em Genebra, na Suíça. Montadora chinesa lidera mercado europeu de veículos elétricos Foto: Cyril Zingaro / EFE

Em dezembro de 2023, um relatório apresentado no Parlamento Europeu externou a preocupação do bloco com os acionistas chineses que possuem portos instalados próximos a bases navais da Otan. “Os três maiores acionistas da China nos portos europeus têm ativos em quase metade dos portos localizados pertos de bases navais ou prestam apoio logístico às forças da Otan, o que aumenta consideravelmente o risco de espionagem”, afirma o documento.

Um mês depois, o bloco publicou uma série de iniciativas com a intenção de proteger suas tecnologias de países estrangeiros, implementando mudanças na análise de investimentos externos, controles de exportações e bens de dupla utilização. Apesar de não citar a China de maneira direta, as medidas foram vistas como parte do esforço dos europeus para diminuir a presença chinesa.

Para o cientista político e atual coordenador de Relações Internacionais na ESPM, Alexandre Uehara, os planos de proteger a indústria e tecnologia europeia frente a competitividade chinesa também miram evitar o crescimento da influência política de Pequim sobre a UE. “Se a Europa se torna dependente de outra economia, a influência dessa outra economia, no caso a chinesa, pode aumentar a influência política de Pequim sobre esses países”, disse.

Ao fazer os acordos com a Hungria, diz Uehara, a China responde a esse afastamento que parte dos líderes europeus buscam. “Ao ter iniciativas mais restritas em nações mais ocidentais, como Alemanha e Itália, a China se aproxima dos países do centro, mais abertos a fazerem negócios, e aproveita isso para projetar poder econômico”, afirmou.

Reconstrução de laços

Ciente da desconfiança e interessado em manter os negócios na Europa, a China busca reconstruir os laços com os países do continente. O líder chinês Xi Jinping deve viajar para a Sérvia e para a França, a fim de retribuir a visita do presidente francês Emmanuel Macron em Pequim há um ano.

A viagem de Xi a Sérvia foi anunciado pelo presidente sérvio Aleksandar Vucic, mas não foi confirmada por Pequim. Se confirmada, trata-se da primeira viagem do líder chinês pelo continente desde o fim da pandemia de covid-19.

Nos últimos meses, diplomatas chineses e europeus tem trabalhado por uma cooperação mais pragmática para a confiança bilateral crescer. Apesar das preocupações e desconfianças com os chineses, a Europa não tem interesse, no momento, de impor um bloqueio ao investimentos e comércio chinês, cruciais para a transição energética que o continente tenta fazer.

Em contrapartida, a China também tem suas preocupações. Com dificuldades internas causadas por uma recuperação econômica mais lenta que o esperado após a pandemia e uma sociedade cada vez mais exigente, manter as relações internacionais em bom estado é crucial para os planos do país. “A China precisa ter estabilidade internacional para realizar o ‘China Dream’, entendido aí como esse sonho chinês de se tornar um país de ponta”, resumiu Uehara.

Se o movimento chinês com a Hungria é considerado incomum, também não seria estranho chamá-lo de audacioso. Pequim conseguiu estreitar laços com um país da União Europeia no pior momento em décadas da sua relação com o bloco, quando é vista como uma ameaça tanto econômica quanto na área de segurança, e agora se prepara para o próximo passo.

Uma semana depois de autoridades chinesas viajarem para Budapeste, em fevereiro, a China anunciou uma série de acordos com a Hungria com a promessa de levar as relações entre os dois países a um novo patamar. Os acordos soaram naturais, exceto por um detalhe: uma cooperação na área de segurança, sendo a Hungria um membro da União Europeia e da Otan, duas organizações que possuem desconfianças crescentes com Pequim.

Até então, a China nunca havia firmado um acordo em assuntos de segurança com um país com o status da Hungria. O anúncio, como era de se esperar, não passou despercebido na Europa. O jornal britânico The Guardian e a agência de notícias Reuters classificaram o movimento chinês com a mesma palavra, “incomum”, e destacaram as preocupações da UE e da Otan com relação aos dois países.

Apesar de terem origens diferentes, essas preocupações cresceram por um motivo comum: a relação próxima que tanto a Hungria quanto a China possuem com a Rússia de Vladimir Putin, vista como grande ameaça à segurança europeia desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Enquanto o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, se tornou um incômodo para os planos ocidentais, a China tem sido classificada cada vez mais por agências europeias de segurança, a exemplo da Noruega, como ameaça e suspeita de espionagem.

Imagem mostra ministro da segurança da China, Wang Xiaohong (esq.), ao lado do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em Budapeste. Os dois países aprofundaram relações bilaterais com acordos na área de segurança Foto: Vivien Cher / EFE

Os termos dos acordos são desconhecidos. Em Budapeste, o ministro da Segurança Pública chinês, Wang Xiaohong, disse apenas que estão relacionados a áreas de combate ao terrorismo e crimes transnacionais, segurança dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, que a Hungria aderiu para receber investimentos chineses, e “desenvolvimento da capacidade de aplicação da lei”.

Ou seja, assuntos de matéria interna, e não de segurança internacional – o que, segundo analistas, não diminuem os motivos de preocupação.

A analista política Zsuzsanna Vegh, pesquisadora-associada do centro de estudos German Marshall Fund (GMF), cita a Sérvia, onde a China possui parcerias em assuntos de segurança há anos, para exemplificar os riscos. “Isso (a parceria) implicou que a polícia chinesa patrulhasse as áreas frequentadas por cidadãos chineses, com a instalação de câmeras de vigilância chinesas (da Huawei) na capital sérvia, Belgrado”, disse.

“As câmeras são particularmente problemáticas, uma vez que podem utilizar a tecnologia de reconhecimento facial, o que levanta preocupações legais e tem sido motivo de contestação na Sérvia. Autoridades dizem que a função não foi ativada, mas ela existe”, acrescentou Vegh.

Presença da China na Europa é vista como ameaça

Os acordos sino-húngaros não se restringem a segurança. Os chineses também irão aumentar os investimentos na infraestrutura do país dentro da Iniciativa Cinturão e Rota, o que deve auxiliar a produção dos veículos elétricos da montadora chinesa BYD na sua primeira fábrica na Europa, a ser instalada na cidade húngara de Szeged. Apesar do investimento, a presença da BYD é outro incômodo para os europeus e torna a China uma ameaça não apenas na área de segurança, mas também econômica.

Um artigo da revista britânica The Economist publicado em janeiro deste ano explica por que a presença da BYD é um risco na visão da União Europeia: a montadora lidera o mercado de automóveis elétricos no continente, e os líderes europeus temem um choque na indústria semelhante ao sofrido pelos Estados Unidos entre 1997 e 2011, quando a concorrência chinesa se tornou mais forte. Cerca de um milhão de americanos perderam seus empregos no período.

A preocupação em assuntos econômicos começou na década passada e, após a guerra na Ucrânia, passou a estar associada a questões de segurança. Os europeus colocaram sob escrutínio a ação das empresas chinesas por causa da proximidade entre Pequim e Moscou e passou a buscar mais independência da China para, ao mesmo tempo, não ter a sua indústria enfraquecida e os seus assuntos sensíveis vigiados.

Diretor da BYD na Europa apresenta novo veículo elétrico da montadora durante evento em Genebra, na Suíça. Montadora chinesa lidera mercado europeu de veículos elétricos Foto: Cyril Zingaro / EFE

Em dezembro de 2023, um relatório apresentado no Parlamento Europeu externou a preocupação do bloco com os acionistas chineses que possuem portos instalados próximos a bases navais da Otan. “Os três maiores acionistas da China nos portos europeus têm ativos em quase metade dos portos localizados pertos de bases navais ou prestam apoio logístico às forças da Otan, o que aumenta consideravelmente o risco de espionagem”, afirma o documento.

Um mês depois, o bloco publicou uma série de iniciativas com a intenção de proteger suas tecnologias de países estrangeiros, implementando mudanças na análise de investimentos externos, controles de exportações e bens de dupla utilização. Apesar de não citar a China de maneira direta, as medidas foram vistas como parte do esforço dos europeus para diminuir a presença chinesa.

Para o cientista político e atual coordenador de Relações Internacionais na ESPM, Alexandre Uehara, os planos de proteger a indústria e tecnologia europeia frente a competitividade chinesa também miram evitar o crescimento da influência política de Pequim sobre a UE. “Se a Europa se torna dependente de outra economia, a influência dessa outra economia, no caso a chinesa, pode aumentar a influência política de Pequim sobre esses países”, disse.

Ao fazer os acordos com a Hungria, diz Uehara, a China responde a esse afastamento que parte dos líderes europeus buscam. “Ao ter iniciativas mais restritas em nações mais ocidentais, como Alemanha e Itália, a China se aproxima dos países do centro, mais abertos a fazerem negócios, e aproveita isso para projetar poder econômico”, afirmou.

Reconstrução de laços

Ciente da desconfiança e interessado em manter os negócios na Europa, a China busca reconstruir os laços com os países do continente. O líder chinês Xi Jinping deve viajar para a Sérvia e para a França, a fim de retribuir a visita do presidente francês Emmanuel Macron em Pequim há um ano.

A viagem de Xi a Sérvia foi anunciado pelo presidente sérvio Aleksandar Vucic, mas não foi confirmada por Pequim. Se confirmada, trata-se da primeira viagem do líder chinês pelo continente desde o fim da pandemia de covid-19.

Nos últimos meses, diplomatas chineses e europeus tem trabalhado por uma cooperação mais pragmática para a confiança bilateral crescer. Apesar das preocupações e desconfianças com os chineses, a Europa não tem interesse, no momento, de impor um bloqueio ao investimentos e comércio chinês, cruciais para a transição energética que o continente tenta fazer.

Em contrapartida, a China também tem suas preocupações. Com dificuldades internas causadas por uma recuperação econômica mais lenta que o esperado após a pandemia e uma sociedade cada vez mais exigente, manter as relações internacionais em bom estado é crucial para os planos do país. “A China precisa ter estabilidade internacional para realizar o ‘China Dream’, entendido aí como esse sonho chinês de se tornar um país de ponta”, resumiu Uehara.

Se o movimento chinês com a Hungria é considerado incomum, também não seria estranho chamá-lo de audacioso. Pequim conseguiu estreitar laços com um país da União Europeia no pior momento em décadas da sua relação com o bloco, quando é vista como uma ameaça tanto econômica quanto na área de segurança, e agora se prepara para o próximo passo.

Uma semana depois de autoridades chinesas viajarem para Budapeste, em fevereiro, a China anunciou uma série de acordos com a Hungria com a promessa de levar as relações entre os dois países a um novo patamar. Os acordos soaram naturais, exceto por um detalhe: uma cooperação na área de segurança, sendo a Hungria um membro da União Europeia e da Otan, duas organizações que possuem desconfianças crescentes com Pequim.

Até então, a China nunca havia firmado um acordo em assuntos de segurança com um país com o status da Hungria. O anúncio, como era de se esperar, não passou despercebido na Europa. O jornal britânico The Guardian e a agência de notícias Reuters classificaram o movimento chinês com a mesma palavra, “incomum”, e destacaram as preocupações da UE e da Otan com relação aos dois países.

Apesar de terem origens diferentes, essas preocupações cresceram por um motivo comum: a relação próxima que tanto a Hungria quanto a China possuem com a Rússia de Vladimir Putin, vista como grande ameaça à segurança europeia desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Enquanto o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, se tornou um incômodo para os planos ocidentais, a China tem sido classificada cada vez mais por agências europeias de segurança, a exemplo da Noruega, como ameaça e suspeita de espionagem.

Imagem mostra ministro da segurança da China, Wang Xiaohong (esq.), ao lado do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em Budapeste. Os dois países aprofundaram relações bilaterais com acordos na área de segurança Foto: Vivien Cher / EFE

Os termos dos acordos são desconhecidos. Em Budapeste, o ministro da Segurança Pública chinês, Wang Xiaohong, disse apenas que estão relacionados a áreas de combate ao terrorismo e crimes transnacionais, segurança dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, que a Hungria aderiu para receber investimentos chineses, e “desenvolvimento da capacidade de aplicação da lei”.

Ou seja, assuntos de matéria interna, e não de segurança internacional – o que, segundo analistas, não diminuem os motivos de preocupação.

A analista política Zsuzsanna Vegh, pesquisadora-associada do centro de estudos German Marshall Fund (GMF), cita a Sérvia, onde a China possui parcerias em assuntos de segurança há anos, para exemplificar os riscos. “Isso (a parceria) implicou que a polícia chinesa patrulhasse as áreas frequentadas por cidadãos chineses, com a instalação de câmeras de vigilância chinesas (da Huawei) na capital sérvia, Belgrado”, disse.

“As câmeras são particularmente problemáticas, uma vez que podem utilizar a tecnologia de reconhecimento facial, o que levanta preocupações legais e tem sido motivo de contestação na Sérvia. Autoridades dizem que a função não foi ativada, mas ela existe”, acrescentou Vegh.

Presença da China na Europa é vista como ameaça

Os acordos sino-húngaros não se restringem a segurança. Os chineses também irão aumentar os investimentos na infraestrutura do país dentro da Iniciativa Cinturão e Rota, o que deve auxiliar a produção dos veículos elétricos da montadora chinesa BYD na sua primeira fábrica na Europa, a ser instalada na cidade húngara de Szeged. Apesar do investimento, a presença da BYD é outro incômodo para os europeus e torna a China uma ameaça não apenas na área de segurança, mas também econômica.

Um artigo da revista britânica The Economist publicado em janeiro deste ano explica por que a presença da BYD é um risco na visão da União Europeia: a montadora lidera o mercado de automóveis elétricos no continente, e os líderes europeus temem um choque na indústria semelhante ao sofrido pelos Estados Unidos entre 1997 e 2011, quando a concorrência chinesa se tornou mais forte. Cerca de um milhão de americanos perderam seus empregos no período.

A preocupação em assuntos econômicos começou na década passada e, após a guerra na Ucrânia, passou a estar associada a questões de segurança. Os europeus colocaram sob escrutínio a ação das empresas chinesas por causa da proximidade entre Pequim e Moscou e passou a buscar mais independência da China para, ao mesmo tempo, não ter a sua indústria enfraquecida e os seus assuntos sensíveis vigiados.

Diretor da BYD na Europa apresenta novo veículo elétrico da montadora durante evento em Genebra, na Suíça. Montadora chinesa lidera mercado europeu de veículos elétricos Foto: Cyril Zingaro / EFE

Em dezembro de 2023, um relatório apresentado no Parlamento Europeu externou a preocupação do bloco com os acionistas chineses que possuem portos instalados próximos a bases navais da Otan. “Os três maiores acionistas da China nos portos europeus têm ativos em quase metade dos portos localizados pertos de bases navais ou prestam apoio logístico às forças da Otan, o que aumenta consideravelmente o risco de espionagem”, afirma o documento.

Um mês depois, o bloco publicou uma série de iniciativas com a intenção de proteger suas tecnologias de países estrangeiros, implementando mudanças na análise de investimentos externos, controles de exportações e bens de dupla utilização. Apesar de não citar a China de maneira direta, as medidas foram vistas como parte do esforço dos europeus para diminuir a presença chinesa.

Para o cientista político e atual coordenador de Relações Internacionais na ESPM, Alexandre Uehara, os planos de proteger a indústria e tecnologia europeia frente a competitividade chinesa também miram evitar o crescimento da influência política de Pequim sobre a UE. “Se a Europa se torna dependente de outra economia, a influência dessa outra economia, no caso a chinesa, pode aumentar a influência política de Pequim sobre esses países”, disse.

Ao fazer os acordos com a Hungria, diz Uehara, a China responde a esse afastamento que parte dos líderes europeus buscam. “Ao ter iniciativas mais restritas em nações mais ocidentais, como Alemanha e Itália, a China se aproxima dos países do centro, mais abertos a fazerem negócios, e aproveita isso para projetar poder econômico”, afirmou.

Reconstrução de laços

Ciente da desconfiança e interessado em manter os negócios na Europa, a China busca reconstruir os laços com os países do continente. O líder chinês Xi Jinping deve viajar para a Sérvia e para a França, a fim de retribuir a visita do presidente francês Emmanuel Macron em Pequim há um ano.

A viagem de Xi a Sérvia foi anunciado pelo presidente sérvio Aleksandar Vucic, mas não foi confirmada por Pequim. Se confirmada, trata-se da primeira viagem do líder chinês pelo continente desde o fim da pandemia de covid-19.

Nos últimos meses, diplomatas chineses e europeus tem trabalhado por uma cooperação mais pragmática para a confiança bilateral crescer. Apesar das preocupações e desconfianças com os chineses, a Europa não tem interesse, no momento, de impor um bloqueio ao investimentos e comércio chinês, cruciais para a transição energética que o continente tenta fazer.

Em contrapartida, a China também tem suas preocupações. Com dificuldades internas causadas por uma recuperação econômica mais lenta que o esperado após a pandemia e uma sociedade cada vez mais exigente, manter as relações internacionais em bom estado é crucial para os planos do país. “A China precisa ter estabilidade internacional para realizar o ‘China Dream’, entendido aí como esse sonho chinês de se tornar um país de ponta”, resumiu Uehara.

Se o movimento chinês com a Hungria é considerado incomum, também não seria estranho chamá-lo de audacioso. Pequim conseguiu estreitar laços com um país da União Europeia no pior momento em décadas da sua relação com o bloco, quando é vista como uma ameaça tanto econômica quanto na área de segurança, e agora se prepara para o próximo passo.

Uma semana depois de autoridades chinesas viajarem para Budapeste, em fevereiro, a China anunciou uma série de acordos com a Hungria com a promessa de levar as relações entre os dois países a um novo patamar. Os acordos soaram naturais, exceto por um detalhe: uma cooperação na área de segurança, sendo a Hungria um membro da União Europeia e da Otan, duas organizações que possuem desconfianças crescentes com Pequim.

Até então, a China nunca havia firmado um acordo em assuntos de segurança com um país com o status da Hungria. O anúncio, como era de se esperar, não passou despercebido na Europa. O jornal britânico The Guardian e a agência de notícias Reuters classificaram o movimento chinês com a mesma palavra, “incomum”, e destacaram as preocupações da UE e da Otan com relação aos dois países.

Apesar de terem origens diferentes, essas preocupações cresceram por um motivo comum: a relação próxima que tanto a Hungria quanto a China possuem com a Rússia de Vladimir Putin, vista como grande ameaça à segurança europeia desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Enquanto o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, se tornou um incômodo para os planos ocidentais, a China tem sido classificada cada vez mais por agências europeias de segurança, a exemplo da Noruega, como ameaça e suspeita de espionagem.

Imagem mostra ministro da segurança da China, Wang Xiaohong (esq.), ao lado do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em Budapeste. Os dois países aprofundaram relações bilaterais com acordos na área de segurança Foto: Vivien Cher / EFE

Os termos dos acordos são desconhecidos. Em Budapeste, o ministro da Segurança Pública chinês, Wang Xiaohong, disse apenas que estão relacionados a áreas de combate ao terrorismo e crimes transnacionais, segurança dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, que a Hungria aderiu para receber investimentos chineses, e “desenvolvimento da capacidade de aplicação da lei”.

Ou seja, assuntos de matéria interna, e não de segurança internacional – o que, segundo analistas, não diminuem os motivos de preocupação.

A analista política Zsuzsanna Vegh, pesquisadora-associada do centro de estudos German Marshall Fund (GMF), cita a Sérvia, onde a China possui parcerias em assuntos de segurança há anos, para exemplificar os riscos. “Isso (a parceria) implicou que a polícia chinesa patrulhasse as áreas frequentadas por cidadãos chineses, com a instalação de câmeras de vigilância chinesas (da Huawei) na capital sérvia, Belgrado”, disse.

“As câmeras são particularmente problemáticas, uma vez que podem utilizar a tecnologia de reconhecimento facial, o que levanta preocupações legais e tem sido motivo de contestação na Sérvia. Autoridades dizem que a função não foi ativada, mas ela existe”, acrescentou Vegh.

Presença da China na Europa é vista como ameaça

Os acordos sino-húngaros não se restringem a segurança. Os chineses também irão aumentar os investimentos na infraestrutura do país dentro da Iniciativa Cinturão e Rota, o que deve auxiliar a produção dos veículos elétricos da montadora chinesa BYD na sua primeira fábrica na Europa, a ser instalada na cidade húngara de Szeged. Apesar do investimento, a presença da BYD é outro incômodo para os europeus e torna a China uma ameaça não apenas na área de segurança, mas também econômica.

Um artigo da revista britânica The Economist publicado em janeiro deste ano explica por que a presença da BYD é um risco na visão da União Europeia: a montadora lidera o mercado de automóveis elétricos no continente, e os líderes europeus temem um choque na indústria semelhante ao sofrido pelos Estados Unidos entre 1997 e 2011, quando a concorrência chinesa se tornou mais forte. Cerca de um milhão de americanos perderam seus empregos no período.

A preocupação em assuntos econômicos começou na década passada e, após a guerra na Ucrânia, passou a estar associada a questões de segurança. Os europeus colocaram sob escrutínio a ação das empresas chinesas por causa da proximidade entre Pequim e Moscou e passou a buscar mais independência da China para, ao mesmo tempo, não ter a sua indústria enfraquecida e os seus assuntos sensíveis vigiados.

Diretor da BYD na Europa apresenta novo veículo elétrico da montadora durante evento em Genebra, na Suíça. Montadora chinesa lidera mercado europeu de veículos elétricos Foto: Cyril Zingaro / EFE

Em dezembro de 2023, um relatório apresentado no Parlamento Europeu externou a preocupação do bloco com os acionistas chineses que possuem portos instalados próximos a bases navais da Otan. “Os três maiores acionistas da China nos portos europeus têm ativos em quase metade dos portos localizados pertos de bases navais ou prestam apoio logístico às forças da Otan, o que aumenta consideravelmente o risco de espionagem”, afirma o documento.

Um mês depois, o bloco publicou uma série de iniciativas com a intenção de proteger suas tecnologias de países estrangeiros, implementando mudanças na análise de investimentos externos, controles de exportações e bens de dupla utilização. Apesar de não citar a China de maneira direta, as medidas foram vistas como parte do esforço dos europeus para diminuir a presença chinesa.

Para o cientista político e atual coordenador de Relações Internacionais na ESPM, Alexandre Uehara, os planos de proteger a indústria e tecnologia europeia frente a competitividade chinesa também miram evitar o crescimento da influência política de Pequim sobre a UE. “Se a Europa se torna dependente de outra economia, a influência dessa outra economia, no caso a chinesa, pode aumentar a influência política de Pequim sobre esses países”, disse.

Ao fazer os acordos com a Hungria, diz Uehara, a China responde a esse afastamento que parte dos líderes europeus buscam. “Ao ter iniciativas mais restritas em nações mais ocidentais, como Alemanha e Itália, a China se aproxima dos países do centro, mais abertos a fazerem negócios, e aproveita isso para projetar poder econômico”, afirmou.

Reconstrução de laços

Ciente da desconfiança e interessado em manter os negócios na Europa, a China busca reconstruir os laços com os países do continente. O líder chinês Xi Jinping deve viajar para a Sérvia e para a França, a fim de retribuir a visita do presidente francês Emmanuel Macron em Pequim há um ano.

A viagem de Xi a Sérvia foi anunciado pelo presidente sérvio Aleksandar Vucic, mas não foi confirmada por Pequim. Se confirmada, trata-se da primeira viagem do líder chinês pelo continente desde o fim da pandemia de covid-19.

Nos últimos meses, diplomatas chineses e europeus tem trabalhado por uma cooperação mais pragmática para a confiança bilateral crescer. Apesar das preocupações e desconfianças com os chineses, a Europa não tem interesse, no momento, de impor um bloqueio ao investimentos e comércio chinês, cruciais para a transição energética que o continente tenta fazer.

Em contrapartida, a China também tem suas preocupações. Com dificuldades internas causadas por uma recuperação econômica mais lenta que o esperado após a pandemia e uma sociedade cada vez mais exigente, manter as relações internacionais em bom estado é crucial para os planos do país. “A China precisa ter estabilidade internacional para realizar o ‘China Dream’, entendido aí como esse sonho chinês de se tornar um país de ponta”, resumiu Uehara.

Se o movimento chinês com a Hungria é considerado incomum, também não seria estranho chamá-lo de audacioso. Pequim conseguiu estreitar laços com um país da União Europeia no pior momento em décadas da sua relação com o bloco, quando é vista como uma ameaça tanto econômica quanto na área de segurança, e agora se prepara para o próximo passo.

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