China pode mediar a crise na Ucrânia; leia o artigo


Negociar uma saída é arriscado, mas não há país em melhor posição para fazê-lo do que a China

Por Wang Huiyao

As mortes estão aumentando na Ucrânia. As bombas continuam caindo. Os combates já fizeram mais de 2 milhões de refugiados. Vladimir Putin parece ter partido do pressuposto de que conseguiria uma vitória rápida, subestimando a resistência dos ucranianos. Agora, nos encontramos em uma espiral de escaladas.

Assim, por mais desagradável que seja para o Ocidente, está na hora de oferecer uma saída à Rússia, com ajuda da China. Os EUA podem ficar relutantes ao ver os chineses desempenhando um papel na crise, pois veem Pequim como um rival estratégico. Mas é um olhar tolo e míope: os perigos imediatos superam quaisquer considerações competitivas.

A China tem interesse em uma resolução rápida para a guerra. O país tem fortes laços com Rússia e Ucrânia, que são cruciais no programa de infraestrutura do Cinturão da Rota da Seda, bem como canais para o comércio com a Europa. O transporte ferroviário China-Europa cresceu cem vezes desde o início da década de 2010, mas o conflito ameaça interromper esses fluxos.

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Putin precisa encontrar aliados e China pode oferecer uma saída a ele Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik, Kremlin via AP

A China também ocupa uma posição única para atuar como mediador neutro. Sim, Pequim e Moscou têm uma relação forte, sobretudo no âmbito econômico. A demanda chinesa por recursos que a Rússia tem (alimentos e energia), além da insatisfação comum com a ordem mundial liderada pelos EUA, aproxima os dois países.

Parcerias

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Mas não é do interesse de Pequim contar apenas com uma aliança antiocidental com Moscou. A Rússia pode ter um Exército poderoso, mas sua economia está em declínio, com um PIB não muito maior do que o da Espanha. Apesar dos laços com Moscou, os interesses da China com a Rússia são ofuscados por aqueles que Pequim têm com o Ocidente. Em 2021, o comércio entre China e Rússia saltou 36% em relação ao ano anterior, para US$ 147 bilhões – mas ainda é menos de um décimo do comércio com EUA (US$ 657 bilhões) e UE (US$ 828 bilhões).

Mesmo que a China não esteja se juntando às sanções, é possível que empresas e bancos chineses diminuam o envolvimento com a Rússia para evitar uma reação em mercados importantes. Se a Rússia continuar se isolando, a China não vai arcar sozinha com o fardo econômico dos russos.

A perspectiva de uma relação econômica crescente entre Moscou e Pequim pode ser ameaçadora para o Ocidente, mas dá à China uma vantagem em negociações potenciais. Como Putin vem enfrentando crescente isolamento, ele não pode se dar ao luxo de perder também a China.

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Existem também razões políticas para a China querer o fim do conflito. Quanto mais a guerra durar, mais revigorará a aliança ocidental em torno da ideia de um confronto de valores entre Oriente e Ocidente, aproximando ainda mais EUA e UE, aumentando os orçamentos militares em todo o mundo. Esse cenário não é bom para a China, que prefere manter laços econômicos lucrativos e concentrar seus recursos no desenvolvimento interno.

No momento em que a China enfrenta críticas por violações de direitos humanos, mediar o fim do conflito pode ajudar a melhorar a imagem do país no Ocidente. Pequim há muito tenta convencer americanos e europeus de que não representa uma ameaça. O apoio à agressão russa é um risco para esse argumento. Além disso, desempenhar um papel construtivo pode ajudar a apresentar a China como um parceiro estratégico, e não apenas econômico.

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Ideologicamente, Pequim tem pontos em comum com Ucrânia e Rússia. A China valoriza o princípio da soberania e há muito se opõe à interferência em assuntos internos, como Taiwan. No mês passado, o chanceler chinês, Wang Yi, pediu respeito à integridade territorial. Pelo menos nesse aspecto, a invasão de Putin prejudica um dos principais valores da China.

Preocupação

A China – a exemplo da Rússia – desconfia da influência ocidental pró-democrática em todo o globo. Os dois países compartilham queixas sobre o que veem com hipocrisia ocidental. Mas, quanto mais a guerra se estender, a China pode começar a ver desvantagens em seu relacionamento com a Rússia, o que deixará ainda mais convincente o argumento para que Pequim assuma um papel na mediação.

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A China pode ajudar a intermediar um cessar-fogo como prelúdio para negociações entre Rússia, Ucrânia, EUA e UE. O objetivo seria encontrar uma solução que dê a Putin garantias de segurança suficientes que possam ser apresentadas como uma vitória para seu público doméstico, protegendo a soberania da Ucrânia e a política de portas abertas da Otan. Encontrar uma zona de aterrissagem para tal acordo é desafiador, mas não impossível.

Talvez seja necessária uma diplomacia criativa: por exemplo, uma fórmula para a expansão da Otan que exclua a Ucrânia, na prática, mas preserve a soberania do país e os princípios da Otan, na teoria. Garantir uma solução multilateral para a crise é arriscado, mas não há país em melhor posição para fazê-lo do que a China. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

* É presidente do Center for China and Globalization

As mortes estão aumentando na Ucrânia. As bombas continuam caindo. Os combates já fizeram mais de 2 milhões de refugiados. Vladimir Putin parece ter partido do pressuposto de que conseguiria uma vitória rápida, subestimando a resistência dos ucranianos. Agora, nos encontramos em uma espiral de escaladas.

Assim, por mais desagradável que seja para o Ocidente, está na hora de oferecer uma saída à Rússia, com ajuda da China. Os EUA podem ficar relutantes ao ver os chineses desempenhando um papel na crise, pois veem Pequim como um rival estratégico. Mas é um olhar tolo e míope: os perigos imediatos superam quaisquer considerações competitivas.

A China tem interesse em uma resolução rápida para a guerra. O país tem fortes laços com Rússia e Ucrânia, que são cruciais no programa de infraestrutura do Cinturão da Rota da Seda, bem como canais para o comércio com a Europa. O transporte ferroviário China-Europa cresceu cem vezes desde o início da década de 2010, mas o conflito ameaça interromper esses fluxos.

Putin precisa encontrar aliados e China pode oferecer uma saída a ele Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik, Kremlin via AP

A China também ocupa uma posição única para atuar como mediador neutro. Sim, Pequim e Moscou têm uma relação forte, sobretudo no âmbito econômico. A demanda chinesa por recursos que a Rússia tem (alimentos e energia), além da insatisfação comum com a ordem mundial liderada pelos EUA, aproxima os dois países.

Parcerias

Mas não é do interesse de Pequim contar apenas com uma aliança antiocidental com Moscou. A Rússia pode ter um Exército poderoso, mas sua economia está em declínio, com um PIB não muito maior do que o da Espanha. Apesar dos laços com Moscou, os interesses da China com a Rússia são ofuscados por aqueles que Pequim têm com o Ocidente. Em 2021, o comércio entre China e Rússia saltou 36% em relação ao ano anterior, para US$ 147 bilhões – mas ainda é menos de um décimo do comércio com EUA (US$ 657 bilhões) e UE (US$ 828 bilhões).

Mesmo que a China não esteja se juntando às sanções, é possível que empresas e bancos chineses diminuam o envolvimento com a Rússia para evitar uma reação em mercados importantes. Se a Rússia continuar se isolando, a China não vai arcar sozinha com o fardo econômico dos russos.

A perspectiva de uma relação econômica crescente entre Moscou e Pequim pode ser ameaçadora para o Ocidente, mas dá à China uma vantagem em negociações potenciais. Como Putin vem enfrentando crescente isolamento, ele não pode se dar ao luxo de perder também a China.

Existem também razões políticas para a China querer o fim do conflito. Quanto mais a guerra durar, mais revigorará a aliança ocidental em torno da ideia de um confronto de valores entre Oriente e Ocidente, aproximando ainda mais EUA e UE, aumentando os orçamentos militares em todo o mundo. Esse cenário não é bom para a China, que prefere manter laços econômicos lucrativos e concentrar seus recursos no desenvolvimento interno.

No momento em que a China enfrenta críticas por violações de direitos humanos, mediar o fim do conflito pode ajudar a melhorar a imagem do país no Ocidente. Pequim há muito tenta convencer americanos e europeus de que não representa uma ameaça. O apoio à agressão russa é um risco para esse argumento. Além disso, desempenhar um papel construtivo pode ajudar a apresentar a China como um parceiro estratégico, e não apenas econômico.

Ideologicamente, Pequim tem pontos em comum com Ucrânia e Rússia. A China valoriza o princípio da soberania e há muito se opõe à interferência em assuntos internos, como Taiwan. No mês passado, o chanceler chinês, Wang Yi, pediu respeito à integridade territorial. Pelo menos nesse aspecto, a invasão de Putin prejudica um dos principais valores da China.

Preocupação

A China – a exemplo da Rússia – desconfia da influência ocidental pró-democrática em todo o globo. Os dois países compartilham queixas sobre o que veem com hipocrisia ocidental. Mas, quanto mais a guerra se estender, a China pode começar a ver desvantagens em seu relacionamento com a Rússia, o que deixará ainda mais convincente o argumento para que Pequim assuma um papel na mediação.

A China pode ajudar a intermediar um cessar-fogo como prelúdio para negociações entre Rússia, Ucrânia, EUA e UE. O objetivo seria encontrar uma solução que dê a Putin garantias de segurança suficientes que possam ser apresentadas como uma vitória para seu público doméstico, protegendo a soberania da Ucrânia e a política de portas abertas da Otan. Encontrar uma zona de aterrissagem para tal acordo é desafiador, mas não impossível.

Talvez seja necessária uma diplomacia criativa: por exemplo, uma fórmula para a expansão da Otan que exclua a Ucrânia, na prática, mas preserve a soberania do país e os princípios da Otan, na teoria. Garantir uma solução multilateral para a crise é arriscado, mas não há país em melhor posição para fazê-lo do que a China. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

* É presidente do Center for China and Globalization

As mortes estão aumentando na Ucrânia. As bombas continuam caindo. Os combates já fizeram mais de 2 milhões de refugiados. Vladimir Putin parece ter partido do pressuposto de que conseguiria uma vitória rápida, subestimando a resistência dos ucranianos. Agora, nos encontramos em uma espiral de escaladas.

Assim, por mais desagradável que seja para o Ocidente, está na hora de oferecer uma saída à Rússia, com ajuda da China. Os EUA podem ficar relutantes ao ver os chineses desempenhando um papel na crise, pois veem Pequim como um rival estratégico. Mas é um olhar tolo e míope: os perigos imediatos superam quaisquer considerações competitivas.

A China tem interesse em uma resolução rápida para a guerra. O país tem fortes laços com Rússia e Ucrânia, que são cruciais no programa de infraestrutura do Cinturão da Rota da Seda, bem como canais para o comércio com a Europa. O transporte ferroviário China-Europa cresceu cem vezes desde o início da década de 2010, mas o conflito ameaça interromper esses fluxos.

Putin precisa encontrar aliados e China pode oferecer uma saída a ele Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik, Kremlin via AP

A China também ocupa uma posição única para atuar como mediador neutro. Sim, Pequim e Moscou têm uma relação forte, sobretudo no âmbito econômico. A demanda chinesa por recursos que a Rússia tem (alimentos e energia), além da insatisfação comum com a ordem mundial liderada pelos EUA, aproxima os dois países.

Parcerias

Mas não é do interesse de Pequim contar apenas com uma aliança antiocidental com Moscou. A Rússia pode ter um Exército poderoso, mas sua economia está em declínio, com um PIB não muito maior do que o da Espanha. Apesar dos laços com Moscou, os interesses da China com a Rússia são ofuscados por aqueles que Pequim têm com o Ocidente. Em 2021, o comércio entre China e Rússia saltou 36% em relação ao ano anterior, para US$ 147 bilhões – mas ainda é menos de um décimo do comércio com EUA (US$ 657 bilhões) e UE (US$ 828 bilhões).

Mesmo que a China não esteja se juntando às sanções, é possível que empresas e bancos chineses diminuam o envolvimento com a Rússia para evitar uma reação em mercados importantes. Se a Rússia continuar se isolando, a China não vai arcar sozinha com o fardo econômico dos russos.

A perspectiva de uma relação econômica crescente entre Moscou e Pequim pode ser ameaçadora para o Ocidente, mas dá à China uma vantagem em negociações potenciais. Como Putin vem enfrentando crescente isolamento, ele não pode se dar ao luxo de perder também a China.

Existem também razões políticas para a China querer o fim do conflito. Quanto mais a guerra durar, mais revigorará a aliança ocidental em torno da ideia de um confronto de valores entre Oriente e Ocidente, aproximando ainda mais EUA e UE, aumentando os orçamentos militares em todo o mundo. Esse cenário não é bom para a China, que prefere manter laços econômicos lucrativos e concentrar seus recursos no desenvolvimento interno.

No momento em que a China enfrenta críticas por violações de direitos humanos, mediar o fim do conflito pode ajudar a melhorar a imagem do país no Ocidente. Pequim há muito tenta convencer americanos e europeus de que não representa uma ameaça. O apoio à agressão russa é um risco para esse argumento. Além disso, desempenhar um papel construtivo pode ajudar a apresentar a China como um parceiro estratégico, e não apenas econômico.

Ideologicamente, Pequim tem pontos em comum com Ucrânia e Rússia. A China valoriza o princípio da soberania e há muito se opõe à interferência em assuntos internos, como Taiwan. No mês passado, o chanceler chinês, Wang Yi, pediu respeito à integridade territorial. Pelo menos nesse aspecto, a invasão de Putin prejudica um dos principais valores da China.

Preocupação

A China – a exemplo da Rússia – desconfia da influência ocidental pró-democrática em todo o globo. Os dois países compartilham queixas sobre o que veem com hipocrisia ocidental. Mas, quanto mais a guerra se estender, a China pode começar a ver desvantagens em seu relacionamento com a Rússia, o que deixará ainda mais convincente o argumento para que Pequim assuma um papel na mediação.

A China pode ajudar a intermediar um cessar-fogo como prelúdio para negociações entre Rússia, Ucrânia, EUA e UE. O objetivo seria encontrar uma solução que dê a Putin garantias de segurança suficientes que possam ser apresentadas como uma vitória para seu público doméstico, protegendo a soberania da Ucrânia e a política de portas abertas da Otan. Encontrar uma zona de aterrissagem para tal acordo é desafiador, mas não impossível.

Talvez seja necessária uma diplomacia criativa: por exemplo, uma fórmula para a expansão da Otan que exclua a Ucrânia, na prática, mas preserve a soberania do país e os princípios da Otan, na teoria. Garantir uma solução multilateral para a crise é arriscado, mas não há país em melhor posição para fazê-lo do que a China. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

* É presidente do Center for China and Globalization

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