China tenta apagar política ‘covid-zero’ da História e frear dissidência no país


Analistas apontam que campanha tem como objetivo esmagar qualquer ressentimento quanto ao preço pago pela China para impor isolamento

Por Nicole Hong e Zixu Wang

O Partido Comunista da China quer que as pessoas se lembrem de como ele lidou com a pandemia de covid-19 da seguinte maneira: tratou-se de um “milagre na história humana”. Todas as medidas que o governo chinês impôs tiveram fundamento científico e foram apoiadas pelas massas — e, em última instância, “completamente corretas”.

O partido está empreendendo uma ambiciosa campanha de propaganda com objetivo de reescrever a história na memória do público a respeito da “covid-zero”, a distintiva política do líder chinês, Xi Jinping, que ajudou a conter o vírus por quase três anos — mas chegou a extremos que sufocaram a economia e ocasionaram ampla oposição. Em um decreto publicado após uma reunião recente entre autoridades graduadas e defendido por inúmeros editoriais da imprensa estatal, uma nova narrativa triunfante emergiu, destinada a impulsionar a autoridade de Xi e frear a dissidência.

O partido transmite sua mensagem em um momento de tensões elevadas com os Estados Unidos em razão da maneira com que a China lidou com a pandemia, incluindo o segredo com que Pequim cercou as investigações sobre as origens do novo coronavírus. O Departamento de Energia dos EUA concluiu recentemente com “baixa confiança” que o vírus causador da covid-19 provavelmente se originou em um vazamento acidental em um laboratório na China, uma hipótese que Pequim refuta e qualifica como campanha de difamação, enquanto alguns meios de comunicação de direita nos EUA a aceitem como fato.

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Entregadores deixam comida em bairro confinado durante a política da covid-zero em Xangai. Foto: The New York Times - 27/04/2022

E, forçada a defender suas políticas domesticamente, a narrativa oficial da China não reconhece nenhum extremo das políticas “covid-zero”, em que as autoridades colocaram centenas de milhões de pessoas sob alguma forma de lockdown, no ano passado, em alguns casos espancando cidadãos por sair de suas casas ou retirando-lhes os filhos. Também está ausente da narrativa o caos que se seguiu ao desmantelamento abrupto da política, no início de dezembro, que sobrecarregou hospitais e crematórios despreparados para a explosão dos números de novas infecções e mortes.

Em vez disso, conforme a onda pandêmica recua, o partido declarou que seus esforços levaram a China para uma “vitória decisiva” sobre o vírus, com o menor índice de mortes por covid entre todos os países do planeta, segundo afirma o partido. As autoridades têm buscado enquadrar o abandono da “covid-zero” como uma guinada cuidadosamente orquestrada, “otimizada” para priorizar a saúde de seus cidadãos. O próprio termo “covid-zero”, antes onipresente, desapareceu da retórica do partido.

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“O partido está apostando no fato de que, se enfatizar apenas as evidências positivas, com o passar dos anos de alguma forma as pessoas esquecerão tudo a respeito disso”, afirmou o analista de política chinesa Willy Lam, que atua como pesquisador-sênior da Fundação Jamestown, um instituto de análise. “Mas desta vez nós testemunhamos expressões muito disseminadas de dissenso.”

A China usa há muito tempo a propaganda para moldar momentos importantes na história que desafiaram a legitimidade do Partido Comunista, um exercício recorrente na amnésia promovida pelo Estado. Nos meses recentes, as autoridades têm silenciosamente prendido e detido várias pessoas que participaram dos protestos contra a “covid-zero” que espalharam pelo país em novembro, no maior desafio à liderança autoritária desde as manifestações pró-democracia na Praça Tiananmen, em 1989.

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Enterrar o desfecho da pandemia poderá ser especialmente desafiador para o partido, conforme sentimentos de reação, luto e frustração fermentam logo abaixo da superfície entre muitos cidadãos chineses.

Manifestante é preso durante protesto contra o governo e o lockdown em Xangai. Foto: AP - 27/11/2022

“Agora, quando eu vejo propaganda do governo sobre a pandemia, tenho vontade de vomitar”, afirmou Liu Zhiye, de 31 anos, que trabalha no setor imobiliário na cidade de Guangzhou, no sul do país. “Eu me esforço para não ler.”

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Analistas afirmam que a campanha tem como objetivo esmagar qualquer ressentimento a respeito do fato da China ter pagado um preço enorme em perdas econômicas e traumas para impor a “covid-zero” — mas mesmo assim sofreu consequências de saúde devastadoras, particularmente entre os adultos mais velhos.

Epidemiologistas estimaram que a onda de covid na China matou entre 1 milhão e 1,5 milhão de pessoas. Mas o número oficial de mortes no país desde o início da pandemia é de aproximadamente 83 mil, que pesquisadores — e até muitos comentaristas chineses em redes sociais — afirmam ser severamente subnotificado. Um índice de mortes menor ajuda a impulsionar a afirmação repetida pelo governo chinês durante toda a pandemia de que seu modelo de controle político monopartidário é superior à democracia.

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Filas nos crematórios e hospitais lotados. A China sofre com as consequências da flexibilização das medidas anticovid

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“O governo quer dizer para as pessoas que o sacrifício delas valeu a pena”, afirmou Yanzhong Huang, especialista em saúde global do Council on Foreign Relations.

Durante a maior parte da pandemia, a ameaça iminente do vírus pontuou a retórica oficial em todos os níveis do governo chinês. Xi mobilizou o país declarando uma “guerra do povo” contra o vírus, e um graduado comitê do partido alertou que autoridades locais que escondessem infecções seriam “pregadas eternamente ao pilar da vergonha da história”. Meios de comunicação estatais chamaram os lockdowns de Wuhan, em 2020, e Xangai, no ano passado, de “resguardos”, como se as autoridades estivessem protegendo os cidadãos de uma força invasora.

Quando a abrupta mudança de direção em relação à política “covid-zero” acelerou o ritmo das infecções e mortes, os censores do governo inicialmente tiveram dificuldades para encontrar uma narrativa coerente.

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Funcionários do governo chinês trabalham em rua quase deserta durante quarentena em Xangai. Foto: The New York Times - 25/04/2022

E então veio a declaração do partido, em fevereiro, de que suas políticas pandêmicas foram “completamente corretas”, pronunciada após uma reunião a portas fechadas do mais graduado organismo decisório do país, o Comitê Permanente do Politburo, que é liderado por Xi. O extenso decreto soou como a conclusão oficial de um capítulo na história do país, sem espaço para mais debate.

Minxin Pei, professor da Faculdade Claremont McKenna estudioso de política chinesa, afirmou que a reunião sinalizou uma mudança dramática na narrativa do partido de reversão da “covid-zero”. “Antes disso, a mensagem era tímida. Agora é bastante agressiva. As palavras que eles estão usando agora são realmente impressionantes”, afirmou Pei. “Acho que nas próximas semanas nós veremos uma campanha específica acentuando essa mensagem triunfante”, acrescentou ele.

Em um sinal do grau em que o partido pretende controlar o debate, um post em rede social de uma rede de TV estatal a respeito da reunião censurou milhares de comentários abaixo da mensagem, permitindo a exibição apenas de poucas dezenas de textos que elogiavam o partido.

Tentativas de relembrar momentos dolorosos da era “covid-zero” têm sido censuradas online. Slogans como, “Nós queremos comida, não testes de covid”, um dos gritos de protesto nas manifestações do ano passado, também têm sido extirpados da internet chinesa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O Partido Comunista da China quer que as pessoas se lembrem de como ele lidou com a pandemia de covid-19 da seguinte maneira: tratou-se de um “milagre na história humana”. Todas as medidas que o governo chinês impôs tiveram fundamento científico e foram apoiadas pelas massas — e, em última instância, “completamente corretas”.

O partido está empreendendo uma ambiciosa campanha de propaganda com objetivo de reescrever a história na memória do público a respeito da “covid-zero”, a distintiva política do líder chinês, Xi Jinping, que ajudou a conter o vírus por quase três anos — mas chegou a extremos que sufocaram a economia e ocasionaram ampla oposição. Em um decreto publicado após uma reunião recente entre autoridades graduadas e defendido por inúmeros editoriais da imprensa estatal, uma nova narrativa triunfante emergiu, destinada a impulsionar a autoridade de Xi e frear a dissidência.

O partido transmite sua mensagem em um momento de tensões elevadas com os Estados Unidos em razão da maneira com que a China lidou com a pandemia, incluindo o segredo com que Pequim cercou as investigações sobre as origens do novo coronavírus. O Departamento de Energia dos EUA concluiu recentemente com “baixa confiança” que o vírus causador da covid-19 provavelmente se originou em um vazamento acidental em um laboratório na China, uma hipótese que Pequim refuta e qualifica como campanha de difamação, enquanto alguns meios de comunicação de direita nos EUA a aceitem como fato.

Entregadores deixam comida em bairro confinado durante a política da covid-zero em Xangai. Foto: The New York Times - 27/04/2022

E, forçada a defender suas políticas domesticamente, a narrativa oficial da China não reconhece nenhum extremo das políticas “covid-zero”, em que as autoridades colocaram centenas de milhões de pessoas sob alguma forma de lockdown, no ano passado, em alguns casos espancando cidadãos por sair de suas casas ou retirando-lhes os filhos. Também está ausente da narrativa o caos que se seguiu ao desmantelamento abrupto da política, no início de dezembro, que sobrecarregou hospitais e crematórios despreparados para a explosão dos números de novas infecções e mortes.

Em vez disso, conforme a onda pandêmica recua, o partido declarou que seus esforços levaram a China para uma “vitória decisiva” sobre o vírus, com o menor índice de mortes por covid entre todos os países do planeta, segundo afirma o partido. As autoridades têm buscado enquadrar o abandono da “covid-zero” como uma guinada cuidadosamente orquestrada, “otimizada” para priorizar a saúde de seus cidadãos. O próprio termo “covid-zero”, antes onipresente, desapareceu da retórica do partido.

“O partido está apostando no fato de que, se enfatizar apenas as evidências positivas, com o passar dos anos de alguma forma as pessoas esquecerão tudo a respeito disso”, afirmou o analista de política chinesa Willy Lam, que atua como pesquisador-sênior da Fundação Jamestown, um instituto de análise. “Mas desta vez nós testemunhamos expressões muito disseminadas de dissenso.”

A China usa há muito tempo a propaganda para moldar momentos importantes na história que desafiaram a legitimidade do Partido Comunista, um exercício recorrente na amnésia promovida pelo Estado. Nos meses recentes, as autoridades têm silenciosamente prendido e detido várias pessoas que participaram dos protestos contra a “covid-zero” que espalharam pelo país em novembro, no maior desafio à liderança autoritária desde as manifestações pró-democracia na Praça Tiananmen, em 1989.

Enterrar o desfecho da pandemia poderá ser especialmente desafiador para o partido, conforme sentimentos de reação, luto e frustração fermentam logo abaixo da superfície entre muitos cidadãos chineses.

Manifestante é preso durante protesto contra o governo e o lockdown em Xangai. Foto: AP - 27/11/2022

“Agora, quando eu vejo propaganda do governo sobre a pandemia, tenho vontade de vomitar”, afirmou Liu Zhiye, de 31 anos, que trabalha no setor imobiliário na cidade de Guangzhou, no sul do país. “Eu me esforço para não ler.”

Analistas afirmam que a campanha tem como objetivo esmagar qualquer ressentimento a respeito do fato da China ter pagado um preço enorme em perdas econômicas e traumas para impor a “covid-zero” — mas mesmo assim sofreu consequências de saúde devastadoras, particularmente entre os adultos mais velhos.

Epidemiologistas estimaram que a onda de covid na China matou entre 1 milhão e 1,5 milhão de pessoas. Mas o número oficial de mortes no país desde o início da pandemia é de aproximadamente 83 mil, que pesquisadores — e até muitos comentaristas chineses em redes sociais — afirmam ser severamente subnotificado. Um índice de mortes menor ajuda a impulsionar a afirmação repetida pelo governo chinês durante toda a pandemia de que seu modelo de controle político monopartidário é superior à democracia.

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Filas nos crematórios e hospitais lotados. A China sofre com as consequências da flexibilização das medidas anticovid

“O governo quer dizer para as pessoas que o sacrifício delas valeu a pena”, afirmou Yanzhong Huang, especialista em saúde global do Council on Foreign Relations.

Durante a maior parte da pandemia, a ameaça iminente do vírus pontuou a retórica oficial em todos os níveis do governo chinês. Xi mobilizou o país declarando uma “guerra do povo” contra o vírus, e um graduado comitê do partido alertou que autoridades locais que escondessem infecções seriam “pregadas eternamente ao pilar da vergonha da história”. Meios de comunicação estatais chamaram os lockdowns de Wuhan, em 2020, e Xangai, no ano passado, de “resguardos”, como se as autoridades estivessem protegendo os cidadãos de uma força invasora.

Quando a abrupta mudança de direção em relação à política “covid-zero” acelerou o ritmo das infecções e mortes, os censores do governo inicialmente tiveram dificuldades para encontrar uma narrativa coerente.

Funcionários do governo chinês trabalham em rua quase deserta durante quarentena em Xangai. Foto: The New York Times - 25/04/2022

E então veio a declaração do partido, em fevereiro, de que suas políticas pandêmicas foram “completamente corretas”, pronunciada após uma reunião a portas fechadas do mais graduado organismo decisório do país, o Comitê Permanente do Politburo, que é liderado por Xi. O extenso decreto soou como a conclusão oficial de um capítulo na história do país, sem espaço para mais debate.

Minxin Pei, professor da Faculdade Claremont McKenna estudioso de política chinesa, afirmou que a reunião sinalizou uma mudança dramática na narrativa do partido de reversão da “covid-zero”. “Antes disso, a mensagem era tímida. Agora é bastante agressiva. As palavras que eles estão usando agora são realmente impressionantes”, afirmou Pei. “Acho que nas próximas semanas nós veremos uma campanha específica acentuando essa mensagem triunfante”, acrescentou ele.

Em um sinal do grau em que o partido pretende controlar o debate, um post em rede social de uma rede de TV estatal a respeito da reunião censurou milhares de comentários abaixo da mensagem, permitindo a exibição apenas de poucas dezenas de textos que elogiavam o partido.

Tentativas de relembrar momentos dolorosos da era “covid-zero” têm sido censuradas online. Slogans como, “Nós queremos comida, não testes de covid”, um dos gritos de protesto nas manifestações do ano passado, também têm sido extirpados da internet chinesa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O Partido Comunista da China quer que as pessoas se lembrem de como ele lidou com a pandemia de covid-19 da seguinte maneira: tratou-se de um “milagre na história humana”. Todas as medidas que o governo chinês impôs tiveram fundamento científico e foram apoiadas pelas massas — e, em última instância, “completamente corretas”.

O partido está empreendendo uma ambiciosa campanha de propaganda com objetivo de reescrever a história na memória do público a respeito da “covid-zero”, a distintiva política do líder chinês, Xi Jinping, que ajudou a conter o vírus por quase três anos — mas chegou a extremos que sufocaram a economia e ocasionaram ampla oposição. Em um decreto publicado após uma reunião recente entre autoridades graduadas e defendido por inúmeros editoriais da imprensa estatal, uma nova narrativa triunfante emergiu, destinada a impulsionar a autoridade de Xi e frear a dissidência.

O partido transmite sua mensagem em um momento de tensões elevadas com os Estados Unidos em razão da maneira com que a China lidou com a pandemia, incluindo o segredo com que Pequim cercou as investigações sobre as origens do novo coronavírus. O Departamento de Energia dos EUA concluiu recentemente com “baixa confiança” que o vírus causador da covid-19 provavelmente se originou em um vazamento acidental em um laboratório na China, uma hipótese que Pequim refuta e qualifica como campanha de difamação, enquanto alguns meios de comunicação de direita nos EUA a aceitem como fato.

Entregadores deixam comida em bairro confinado durante a política da covid-zero em Xangai. Foto: The New York Times - 27/04/2022

E, forçada a defender suas políticas domesticamente, a narrativa oficial da China não reconhece nenhum extremo das políticas “covid-zero”, em que as autoridades colocaram centenas de milhões de pessoas sob alguma forma de lockdown, no ano passado, em alguns casos espancando cidadãos por sair de suas casas ou retirando-lhes os filhos. Também está ausente da narrativa o caos que se seguiu ao desmantelamento abrupto da política, no início de dezembro, que sobrecarregou hospitais e crematórios despreparados para a explosão dos números de novas infecções e mortes.

Em vez disso, conforme a onda pandêmica recua, o partido declarou que seus esforços levaram a China para uma “vitória decisiva” sobre o vírus, com o menor índice de mortes por covid entre todos os países do planeta, segundo afirma o partido. As autoridades têm buscado enquadrar o abandono da “covid-zero” como uma guinada cuidadosamente orquestrada, “otimizada” para priorizar a saúde de seus cidadãos. O próprio termo “covid-zero”, antes onipresente, desapareceu da retórica do partido.

“O partido está apostando no fato de que, se enfatizar apenas as evidências positivas, com o passar dos anos de alguma forma as pessoas esquecerão tudo a respeito disso”, afirmou o analista de política chinesa Willy Lam, que atua como pesquisador-sênior da Fundação Jamestown, um instituto de análise. “Mas desta vez nós testemunhamos expressões muito disseminadas de dissenso.”

A China usa há muito tempo a propaganda para moldar momentos importantes na história que desafiaram a legitimidade do Partido Comunista, um exercício recorrente na amnésia promovida pelo Estado. Nos meses recentes, as autoridades têm silenciosamente prendido e detido várias pessoas que participaram dos protestos contra a “covid-zero” que espalharam pelo país em novembro, no maior desafio à liderança autoritária desde as manifestações pró-democracia na Praça Tiananmen, em 1989.

Enterrar o desfecho da pandemia poderá ser especialmente desafiador para o partido, conforme sentimentos de reação, luto e frustração fermentam logo abaixo da superfície entre muitos cidadãos chineses.

Manifestante é preso durante protesto contra o governo e o lockdown em Xangai. Foto: AP - 27/11/2022

“Agora, quando eu vejo propaganda do governo sobre a pandemia, tenho vontade de vomitar”, afirmou Liu Zhiye, de 31 anos, que trabalha no setor imobiliário na cidade de Guangzhou, no sul do país. “Eu me esforço para não ler.”

Analistas afirmam que a campanha tem como objetivo esmagar qualquer ressentimento a respeito do fato da China ter pagado um preço enorme em perdas econômicas e traumas para impor a “covid-zero” — mas mesmo assim sofreu consequências de saúde devastadoras, particularmente entre os adultos mais velhos.

Epidemiologistas estimaram que a onda de covid na China matou entre 1 milhão e 1,5 milhão de pessoas. Mas o número oficial de mortes no país desde o início da pandemia é de aproximadamente 83 mil, que pesquisadores — e até muitos comentaristas chineses em redes sociais — afirmam ser severamente subnotificado. Um índice de mortes menor ajuda a impulsionar a afirmação repetida pelo governo chinês durante toda a pandemia de que seu modelo de controle político monopartidário é superior à democracia.

Seu navegador não suporta esse video.

Filas nos crematórios e hospitais lotados. A China sofre com as consequências da flexibilização das medidas anticovid

“O governo quer dizer para as pessoas que o sacrifício delas valeu a pena”, afirmou Yanzhong Huang, especialista em saúde global do Council on Foreign Relations.

Durante a maior parte da pandemia, a ameaça iminente do vírus pontuou a retórica oficial em todos os níveis do governo chinês. Xi mobilizou o país declarando uma “guerra do povo” contra o vírus, e um graduado comitê do partido alertou que autoridades locais que escondessem infecções seriam “pregadas eternamente ao pilar da vergonha da história”. Meios de comunicação estatais chamaram os lockdowns de Wuhan, em 2020, e Xangai, no ano passado, de “resguardos”, como se as autoridades estivessem protegendo os cidadãos de uma força invasora.

Quando a abrupta mudança de direção em relação à política “covid-zero” acelerou o ritmo das infecções e mortes, os censores do governo inicialmente tiveram dificuldades para encontrar uma narrativa coerente.

Funcionários do governo chinês trabalham em rua quase deserta durante quarentena em Xangai. Foto: The New York Times - 25/04/2022

E então veio a declaração do partido, em fevereiro, de que suas políticas pandêmicas foram “completamente corretas”, pronunciada após uma reunião a portas fechadas do mais graduado organismo decisório do país, o Comitê Permanente do Politburo, que é liderado por Xi. O extenso decreto soou como a conclusão oficial de um capítulo na história do país, sem espaço para mais debate.

Minxin Pei, professor da Faculdade Claremont McKenna estudioso de política chinesa, afirmou que a reunião sinalizou uma mudança dramática na narrativa do partido de reversão da “covid-zero”. “Antes disso, a mensagem era tímida. Agora é bastante agressiva. As palavras que eles estão usando agora são realmente impressionantes”, afirmou Pei. “Acho que nas próximas semanas nós veremos uma campanha específica acentuando essa mensagem triunfante”, acrescentou ele.

Em um sinal do grau em que o partido pretende controlar o debate, um post em rede social de uma rede de TV estatal a respeito da reunião censurou milhares de comentários abaixo da mensagem, permitindo a exibição apenas de poucas dezenas de textos que elogiavam o partido.

Tentativas de relembrar momentos dolorosos da era “covid-zero” têm sido censuradas online. Slogans como, “Nós queremos comida, não testes de covid”, um dos gritos de protesto nas manifestações do ano passado, também têm sido extirpados da internet chinesa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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