China versus EUA: como Xi Jinping planeja reduzir sua desvantagem militar


De submarinos a bombas nucleares, ele aumenta o poder de fogo apesar do ritmo mais lento da economia

Por The Economist

Desde que as tropas britânicas derrotaram as forças da dinastia Qing nas Guerras do Ópio, no século 19, modernizadores chineses sonharam em construir Forças Armadas de nível mundial em torno de uma Marinha forte. As lanças e os barcos chineses não eram páreo para as canhoneiras a vapor, escreveu Li Hongzhang, um acadêmico a serviço do governo que ajudou a montar o primeiro arsenal moderno e o primeiro estaleiro da China, em Xangai, em 1865. Se Pequim estudasse sistematicamente a tecnologia ocidental, como Rússia e Japão tinham estudado, poderia “ser autossuficiente em cem anos”, escreveu ele.

Levou mais tempo do que Li imaginou, mas hoje os sonhos dele estão no horizonte. A Marinha chinesa superou a americana enquanto a maior corporação naval do mundo por volta de 2020 e agora é a peça central de uma força de combate que o Pentágono considera seu “desafio em marcha”. A dúvida que atormenta comandantes militares da China e do Ocidente é a seguinte: a China é capaz de continuar no mesmo caminho, expandindo implacavelmente sua capacidade para desafiar o domínio americano? Ou a economia chinesa em ritmo mais lento de crescimento e o Ocidente unificado — e mais hostil — significam que o poder relativo da China atingiu seu auge?

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Nos meses recentes, alguns acadêmicos americanos argumentaram pela segunda hipótese, afirmando que a China poderá proximamente atacar Taiwan, a ilha autogovernada que Pequim reivindica, conforme suas vantagens relativas se erodem. “Nós vivemos na era da ‘China no auge’”, escreveram Hal Brands e Michael Beckley, dois cientistas políticos americanos, em um livro lançado em agosto. “Pequim é uma potência revisionista, que pretende reordenar o mundo, mas seu tempo para fazer isso já começa a se esgotar.”

O líder-supremo da China, Xi Jinping, certamente enfrenta desafios severos, incluindo uma população que envelhece, uma dívida pública interna descontrolada e um governo americano dedicado a conter o acesso do Exército de Libertação Popular (ELP) a tecnologias avançadas produzidas pelo Ocidente. Os Estados Unidos também estão reformando suas Forças Armadas e forjando alianças para se preparar para uma guerra por Taiwan. Mas ainda há bastante evidência de que, em termos militares, o poderio chinês está longe de ter chegado ao seu auge.

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Considere o orçamento de defesa da China — que cresce a uma média de mais de 9% anualmente desde que os líderes chineses lançaram um ambicioso programa de modernização militar no fim dos anos 90. Em 2023, o orçamento militar projetado oficialmente na China é de US$ 224 bilhões, atrás apenas do gasto americano na área, aproximadamente quatro vezes maior. Aumentar o gasto em defesa em tamanha magnitude é mais difícil com uma economia que diminui o ritmo de crescimento.

Não obstante, a China projeta que seu gasto em defesa este ano crescerá 7,2%, aproximadamente em linha com sua projeção da taxa de crescimento nominal do PIB. O orçamento militar exclui alguns elementos críticos, como desenvolvimento de armamentos. Ainda assim, serve como um indicador útil de tendência, sugerindo que Xi está atrelando gastos cruciais em defesa a uma taxa equivalente a 1,6% a 1,7% do PIB — aproximadamente a mesma proporção da década recente.

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Se ele for capaz de seguir nessa toada, com base nas atuais previsões do FMI, o gasto militar anual da China ainda será muito menor do que o americano até 2030, de acordo com o Índice de Potências da Ásia, do Instituto Lowy, um centro de análise australiano. A China terá diminuído a distância substancialmente até lá, prevê o instituto, aumentando a força militar em termos de paridade do poder de compra em US$ 155 bilhões, contra US$ 123 bilhões dos EUA.

Mesmo que sua economia cresça mais vagarosamente do que o projetado, Xi tem uma margem considerável para destinar recursos da economia civil para as Forças Armadas. E dentro das corporações militares, ele pode priorizar áreas que considera mais importantes estrategicamente, por exemplo diminuindo o Exército, cujo contingente corresponde a mais da metade dos 2,2 milhões de militares na ativa do ELP.

Olhar naval

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Gasto em defesa nem sempre se traduz em poderio militar — que depende de muitos outros fatores, incluindo tecnologia, alianças e objetivos. Mas no caso da China outro indicador útil é a Marinha — que usa vários tipos de equipamentos, incluindo mísseis e aeronaves, e estaria na vanguarda de qualquer esforço de tomar Taiwan ou projetar poder globalmente. Construir navios é caro e requer uma base industrial forte, portanto reflete saúde econômica. Também é possível comparar os planos de construção naval da China com os americanos, que são publicados.

Então o que os números mostram? A Marinha chinesa cresceu nas últimas duas décadas, passando de uma guarda costeira insignificante, composta por embarcações antiquadas, a uma força naval moderna, fabricada com recursos internos e capaz de conduzir missões em pontos distantes das águas chinesas, como na retirada de cidadãos do Sudão, em abril. Mas a Marinha chinesa ainda não atente às necessidades de Xi de várias maneiras críticas — particularmente por não possuir embarcações com capacidades anfíbias o suficiente para garantir uma invasão bem-sucedida a Taiwan.

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Essa situação mudará ao longo da década atual, segundo prevê o Pentágono, à medida que a Marinha chinesa aposentar seus últimos navios mais velhos e acrescentar embarcações maiores, mais modernas e multifuncionais. Hoje a China possui cerca de 340 navios em “força de batalha” (capazes de colaborar em combate), incluindo porta-aviões, submarinos, fragatas e destróieres. Esse número deverá chegar a 400 até 2025 e a 440 até 2030, de acordo com o Pentágono. Entre os novos navios haverá cerca de uma dúzia mais de grandes embarcações com capacidades anfíbias.

Mesmo sob a previsão de um baixo crescimento no orçamento de defesa, a Marinha chinesa ainda cresceria para estimados 356 navios até 2033, acrescentando três porta-aviões e nove embarcações com capacidades anfíbias, de acordo com o Centro de Análises Estratégicas e Orçamentárias (CSBA), um instituto de estudos de Washington que desenvolveu uma ferramenta digital para analisar as escolhas de contratos de compras militares da China. “Eu não acho que as restrições de recursos sejam tão formidáveis ao ponto de fazer com que os líderes chineses comecem a pensar que suas vantagens em poder relativo erodiram”, afirma Jack Bianchi, do CSBA.

A Marinha americana, em comparação, possuía uma força de batalha de 296 embarcações em abril (cerca da metade do auge, durante a Guerra Fria) e tem expectativa de que esse número caia para cerca de 290 até o fim desta década. Depois disso, os EUA poderão começar a aumentar a frota. Sua Marinha ainda tem um objetivo oficial de chegar a 355 embarcações. Mas restrições de orçamento, mudanças políticas e outros fatores dificultam essa meta para 2040. E enquanto a China coloca foco no fortalecimento militar em relação a Taiwan, os EUA têm de manter sua presença global.

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Números de navios podem enganar. As embarcações americanas ainda são maiores e mais capazes. Mas a China deverá alcançar os EUA nesse sentido também na próxima década. A força naval chinesa já é “composta majoritariamente de plataformas multifuncionais modernas com avançados armamentos e sensores anti navios, antiaéreos e antissubmarinos”, afirma o Pentágono. O Escritório de Inteligência Naval afirma que os projetos navais chineses e a qualidade de seus materiais são, em muitos casos, comparáveis aos dos EUA, “e a China está se aproximando rapidamente em muitas áreas deficientes”.

Uma foto fornecida pela Marinha dos EUA do porta-avião USS Carl Vinson durante um exercício na costa do Havaí em 26 de julho de 2018 Foto: Marinha dos Estados Unidos / NYT

Uma das vantagens da China é sua vasta indústria de estaleiros, que é uma das maiores do mundo, responsável por 44% de todos os navios comerciais fabricados no mundo em 2021. Uma única estatal, a China State Shipbuilding Corporation (CSSC), atendeu a mais de um quinto de todas as encomendas globais naquele ano. Mas a empresa também fabrica a maioria dos navios da Marinha chinesa — e com frequência nos mesmos estaleiros em que as embarcações comerciais são fabricadas. Por exemplo, o estaleiro Jiangnan, da CSSC, (aquele fundado por Li Hongzhang, em 1865) finalizou o terceiro porta-aviões chinês em 2022 enquanto também fabricou dezenas de navios cargueiros, incluindo para clientes taiwaneses. Combinar a produção dessa maneira ajuda a sustentar os estaleiros durante quedas na economia, aplicar tecnologia civil e técnicas de produção em massa e contornar as sanções em torno do ELP, afirma Monty Khanna, um contra-almirante aposentado da Marinha indiana. Os estaleiros navais dos EUA, enquanto isso, colocam foco quase exclusivo em contratos de defesa, o que dificulta aumentar a produção ou sustentar uma oferta estável de trabalhadores capacitados.

Forjados na batalha

Mas há uma área crucial na qual a China terá dificuldade em se equiparar aos EUA por muitos anos: experiência. A China não trava uma guerra desde que combateu o Vietnã, em um conflito principalmente terrestre, em 1979; ainda não aperfeiçoou suas operações de porta-aviões em tempos de paz, quem dirá em combate; e não dominou a arte de manter submarinos ocultos ao mesmo tempo que rastreiam outras embarcações hostis. Os EUA, em comparação, aperfeiçoaram essas capacidades ao longo de décadas. A China também enfrenta dificuldades em atrair recrutas mais escolarizados para operar seus novos navios.

Ainda existe, evidentemente, um risco de que Xi opte pela guerra antes de suas Forças Armadas estarem prontas. Os gatilhos mais prováveis para isso seriam Taiwan declarar independência formalmente ou os EUA darem passos no sentido de melhorar significativamente o status ou as defesas da ilha. À medida que Xi envelhecer e ficar mais vulnerável a problemas de saúde e afrontas políticas, haverá a possibilidade dele errar algum cálculo ou ficar impaciente — da mesma maneira que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ficou, aparentemente , em relação à Ucrânia.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam após uma reunião em Moscou, Rùssia  Foto: Maxim Shipenkov / REUTERS

Há quem já perceba sinais de impaciência em Xi, que, segundo afirmam autoridades americanas, ordenou que suas Forças Armadas desenvolvam a capacidade de tomar Taiwan até 2027, no centenário do ELP. Mas isso não significa que ele planeje atacar naquele ano, afirma a CIA. Muitos especialistas no ELP acreditam que 2027 é um marco a curto prazo projetado para manter o ímpeto para uma meta a médio prazo de completar a modernização do ELP até 2035. Seu objetivo definitivo ainda é construir uma força de combate de “nível mundial” até 2049, o centenário do governo comunista.

Jogos de guerra recentes sugerem que a China talvez seja capaz de vencer um conflito por Taiwan nesta década, mas isso não é uma certeza, e derrotas em todos os campos seria algo devastador. Quanto mais Xi esperar, mais o equilíbrio militar penderá a favor da China — e não somente em termos convencionais. O Pentágono prevê que o arsenal nuclear chinês quase quadruplicará em tamanho até 2035. Estrategistas chineses esperam que isso facilite uma solução pacífica convencendo tanto Taiwan quanto os EUA de que um conflito sairia caro demais. Os proponentes da “China no auge” podem estar prevendo corretamente uma década tensa adiante. Mas Xi ainda tem o tempo ao seu lado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Desde que as tropas britânicas derrotaram as forças da dinastia Qing nas Guerras do Ópio, no século 19, modernizadores chineses sonharam em construir Forças Armadas de nível mundial em torno de uma Marinha forte. As lanças e os barcos chineses não eram páreo para as canhoneiras a vapor, escreveu Li Hongzhang, um acadêmico a serviço do governo que ajudou a montar o primeiro arsenal moderno e o primeiro estaleiro da China, em Xangai, em 1865. Se Pequim estudasse sistematicamente a tecnologia ocidental, como Rússia e Japão tinham estudado, poderia “ser autossuficiente em cem anos”, escreveu ele.

Levou mais tempo do que Li imaginou, mas hoje os sonhos dele estão no horizonte. A Marinha chinesa superou a americana enquanto a maior corporação naval do mundo por volta de 2020 e agora é a peça central de uma força de combate que o Pentágono considera seu “desafio em marcha”. A dúvida que atormenta comandantes militares da China e do Ocidente é a seguinte: a China é capaz de continuar no mesmo caminho, expandindo implacavelmente sua capacidade para desafiar o domínio americano? Ou a economia chinesa em ritmo mais lento de crescimento e o Ocidente unificado — e mais hostil — significam que o poder relativo da China atingiu seu auge?

Nos meses recentes, alguns acadêmicos americanos argumentaram pela segunda hipótese, afirmando que a China poderá proximamente atacar Taiwan, a ilha autogovernada que Pequim reivindica, conforme suas vantagens relativas se erodem. “Nós vivemos na era da ‘China no auge’”, escreveram Hal Brands e Michael Beckley, dois cientistas políticos americanos, em um livro lançado em agosto. “Pequim é uma potência revisionista, que pretende reordenar o mundo, mas seu tempo para fazer isso já começa a se esgotar.”

O líder-supremo da China, Xi Jinping, certamente enfrenta desafios severos, incluindo uma população que envelhece, uma dívida pública interna descontrolada e um governo americano dedicado a conter o acesso do Exército de Libertação Popular (ELP) a tecnologias avançadas produzidas pelo Ocidente. Os Estados Unidos também estão reformando suas Forças Armadas e forjando alianças para se preparar para uma guerra por Taiwan. Mas ainda há bastante evidência de que, em termos militares, o poderio chinês está longe de ter chegado ao seu auge.

Considere o orçamento de defesa da China — que cresce a uma média de mais de 9% anualmente desde que os líderes chineses lançaram um ambicioso programa de modernização militar no fim dos anos 90. Em 2023, o orçamento militar projetado oficialmente na China é de US$ 224 bilhões, atrás apenas do gasto americano na área, aproximadamente quatro vezes maior. Aumentar o gasto em defesa em tamanha magnitude é mais difícil com uma economia que diminui o ritmo de crescimento.

Não obstante, a China projeta que seu gasto em defesa este ano crescerá 7,2%, aproximadamente em linha com sua projeção da taxa de crescimento nominal do PIB. O orçamento militar exclui alguns elementos críticos, como desenvolvimento de armamentos. Ainda assim, serve como um indicador útil de tendência, sugerindo que Xi está atrelando gastos cruciais em defesa a uma taxa equivalente a 1,6% a 1,7% do PIB — aproximadamente a mesma proporção da década recente.

Se ele for capaz de seguir nessa toada, com base nas atuais previsões do FMI, o gasto militar anual da China ainda será muito menor do que o americano até 2030, de acordo com o Índice de Potências da Ásia, do Instituto Lowy, um centro de análise australiano. A China terá diminuído a distância substancialmente até lá, prevê o instituto, aumentando a força militar em termos de paridade do poder de compra em US$ 155 bilhões, contra US$ 123 bilhões dos EUA.

Mesmo que sua economia cresça mais vagarosamente do que o projetado, Xi tem uma margem considerável para destinar recursos da economia civil para as Forças Armadas. E dentro das corporações militares, ele pode priorizar áreas que considera mais importantes estrategicamente, por exemplo diminuindo o Exército, cujo contingente corresponde a mais da metade dos 2,2 milhões de militares na ativa do ELP.

Olhar naval

Gasto em defesa nem sempre se traduz em poderio militar — que depende de muitos outros fatores, incluindo tecnologia, alianças e objetivos. Mas no caso da China outro indicador útil é a Marinha — que usa vários tipos de equipamentos, incluindo mísseis e aeronaves, e estaria na vanguarda de qualquer esforço de tomar Taiwan ou projetar poder globalmente. Construir navios é caro e requer uma base industrial forte, portanto reflete saúde econômica. Também é possível comparar os planos de construção naval da China com os americanos, que são publicados.

Então o que os números mostram? A Marinha chinesa cresceu nas últimas duas décadas, passando de uma guarda costeira insignificante, composta por embarcações antiquadas, a uma força naval moderna, fabricada com recursos internos e capaz de conduzir missões em pontos distantes das águas chinesas, como na retirada de cidadãos do Sudão, em abril. Mas a Marinha chinesa ainda não atente às necessidades de Xi de várias maneiras críticas — particularmente por não possuir embarcações com capacidades anfíbias o suficiente para garantir uma invasão bem-sucedida a Taiwan.

Essa situação mudará ao longo da década atual, segundo prevê o Pentágono, à medida que a Marinha chinesa aposentar seus últimos navios mais velhos e acrescentar embarcações maiores, mais modernas e multifuncionais. Hoje a China possui cerca de 340 navios em “força de batalha” (capazes de colaborar em combate), incluindo porta-aviões, submarinos, fragatas e destróieres. Esse número deverá chegar a 400 até 2025 e a 440 até 2030, de acordo com o Pentágono. Entre os novos navios haverá cerca de uma dúzia mais de grandes embarcações com capacidades anfíbias.

Mesmo sob a previsão de um baixo crescimento no orçamento de defesa, a Marinha chinesa ainda cresceria para estimados 356 navios até 2033, acrescentando três porta-aviões e nove embarcações com capacidades anfíbias, de acordo com o Centro de Análises Estratégicas e Orçamentárias (CSBA), um instituto de estudos de Washington que desenvolveu uma ferramenta digital para analisar as escolhas de contratos de compras militares da China. “Eu não acho que as restrições de recursos sejam tão formidáveis ao ponto de fazer com que os líderes chineses comecem a pensar que suas vantagens em poder relativo erodiram”, afirma Jack Bianchi, do CSBA.

A Marinha americana, em comparação, possuía uma força de batalha de 296 embarcações em abril (cerca da metade do auge, durante a Guerra Fria) e tem expectativa de que esse número caia para cerca de 290 até o fim desta década. Depois disso, os EUA poderão começar a aumentar a frota. Sua Marinha ainda tem um objetivo oficial de chegar a 355 embarcações. Mas restrições de orçamento, mudanças políticas e outros fatores dificultam essa meta para 2040. E enquanto a China coloca foco no fortalecimento militar em relação a Taiwan, os EUA têm de manter sua presença global.

Números de navios podem enganar. As embarcações americanas ainda são maiores e mais capazes. Mas a China deverá alcançar os EUA nesse sentido também na próxima década. A força naval chinesa já é “composta majoritariamente de plataformas multifuncionais modernas com avançados armamentos e sensores anti navios, antiaéreos e antissubmarinos”, afirma o Pentágono. O Escritório de Inteligência Naval afirma que os projetos navais chineses e a qualidade de seus materiais são, em muitos casos, comparáveis aos dos EUA, “e a China está se aproximando rapidamente em muitas áreas deficientes”.

Uma foto fornecida pela Marinha dos EUA do porta-avião USS Carl Vinson durante um exercício na costa do Havaí em 26 de julho de 2018 Foto: Marinha dos Estados Unidos / NYT

Uma das vantagens da China é sua vasta indústria de estaleiros, que é uma das maiores do mundo, responsável por 44% de todos os navios comerciais fabricados no mundo em 2021. Uma única estatal, a China State Shipbuilding Corporation (CSSC), atendeu a mais de um quinto de todas as encomendas globais naquele ano. Mas a empresa também fabrica a maioria dos navios da Marinha chinesa — e com frequência nos mesmos estaleiros em que as embarcações comerciais são fabricadas. Por exemplo, o estaleiro Jiangnan, da CSSC, (aquele fundado por Li Hongzhang, em 1865) finalizou o terceiro porta-aviões chinês em 2022 enquanto também fabricou dezenas de navios cargueiros, incluindo para clientes taiwaneses. Combinar a produção dessa maneira ajuda a sustentar os estaleiros durante quedas na economia, aplicar tecnologia civil e técnicas de produção em massa e contornar as sanções em torno do ELP, afirma Monty Khanna, um contra-almirante aposentado da Marinha indiana. Os estaleiros navais dos EUA, enquanto isso, colocam foco quase exclusivo em contratos de defesa, o que dificulta aumentar a produção ou sustentar uma oferta estável de trabalhadores capacitados.

Forjados na batalha

Mas há uma área crucial na qual a China terá dificuldade em se equiparar aos EUA por muitos anos: experiência. A China não trava uma guerra desde que combateu o Vietnã, em um conflito principalmente terrestre, em 1979; ainda não aperfeiçoou suas operações de porta-aviões em tempos de paz, quem dirá em combate; e não dominou a arte de manter submarinos ocultos ao mesmo tempo que rastreiam outras embarcações hostis. Os EUA, em comparação, aperfeiçoaram essas capacidades ao longo de décadas. A China também enfrenta dificuldades em atrair recrutas mais escolarizados para operar seus novos navios.

Ainda existe, evidentemente, um risco de que Xi opte pela guerra antes de suas Forças Armadas estarem prontas. Os gatilhos mais prováveis para isso seriam Taiwan declarar independência formalmente ou os EUA darem passos no sentido de melhorar significativamente o status ou as defesas da ilha. À medida que Xi envelhecer e ficar mais vulnerável a problemas de saúde e afrontas políticas, haverá a possibilidade dele errar algum cálculo ou ficar impaciente — da mesma maneira que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ficou, aparentemente , em relação à Ucrânia.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam após uma reunião em Moscou, Rùssia  Foto: Maxim Shipenkov / REUTERS

Há quem já perceba sinais de impaciência em Xi, que, segundo afirmam autoridades americanas, ordenou que suas Forças Armadas desenvolvam a capacidade de tomar Taiwan até 2027, no centenário do ELP. Mas isso não significa que ele planeje atacar naquele ano, afirma a CIA. Muitos especialistas no ELP acreditam que 2027 é um marco a curto prazo projetado para manter o ímpeto para uma meta a médio prazo de completar a modernização do ELP até 2035. Seu objetivo definitivo ainda é construir uma força de combate de “nível mundial” até 2049, o centenário do governo comunista.

Jogos de guerra recentes sugerem que a China talvez seja capaz de vencer um conflito por Taiwan nesta década, mas isso não é uma certeza, e derrotas em todos os campos seria algo devastador. Quanto mais Xi esperar, mais o equilíbrio militar penderá a favor da China — e não somente em termos convencionais. O Pentágono prevê que o arsenal nuclear chinês quase quadruplicará em tamanho até 2035. Estrategistas chineses esperam que isso facilite uma solução pacífica convencendo tanto Taiwan quanto os EUA de que um conflito sairia caro demais. Os proponentes da “China no auge” podem estar prevendo corretamente uma década tensa adiante. Mas Xi ainda tem o tempo ao seu lado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Desde que as tropas britânicas derrotaram as forças da dinastia Qing nas Guerras do Ópio, no século 19, modernizadores chineses sonharam em construir Forças Armadas de nível mundial em torno de uma Marinha forte. As lanças e os barcos chineses não eram páreo para as canhoneiras a vapor, escreveu Li Hongzhang, um acadêmico a serviço do governo que ajudou a montar o primeiro arsenal moderno e o primeiro estaleiro da China, em Xangai, em 1865. Se Pequim estudasse sistematicamente a tecnologia ocidental, como Rússia e Japão tinham estudado, poderia “ser autossuficiente em cem anos”, escreveu ele.

Levou mais tempo do que Li imaginou, mas hoje os sonhos dele estão no horizonte. A Marinha chinesa superou a americana enquanto a maior corporação naval do mundo por volta de 2020 e agora é a peça central de uma força de combate que o Pentágono considera seu “desafio em marcha”. A dúvida que atormenta comandantes militares da China e do Ocidente é a seguinte: a China é capaz de continuar no mesmo caminho, expandindo implacavelmente sua capacidade para desafiar o domínio americano? Ou a economia chinesa em ritmo mais lento de crescimento e o Ocidente unificado — e mais hostil — significam que o poder relativo da China atingiu seu auge?

Nos meses recentes, alguns acadêmicos americanos argumentaram pela segunda hipótese, afirmando que a China poderá proximamente atacar Taiwan, a ilha autogovernada que Pequim reivindica, conforme suas vantagens relativas se erodem. “Nós vivemos na era da ‘China no auge’”, escreveram Hal Brands e Michael Beckley, dois cientistas políticos americanos, em um livro lançado em agosto. “Pequim é uma potência revisionista, que pretende reordenar o mundo, mas seu tempo para fazer isso já começa a se esgotar.”

O líder-supremo da China, Xi Jinping, certamente enfrenta desafios severos, incluindo uma população que envelhece, uma dívida pública interna descontrolada e um governo americano dedicado a conter o acesso do Exército de Libertação Popular (ELP) a tecnologias avançadas produzidas pelo Ocidente. Os Estados Unidos também estão reformando suas Forças Armadas e forjando alianças para se preparar para uma guerra por Taiwan. Mas ainda há bastante evidência de que, em termos militares, o poderio chinês está longe de ter chegado ao seu auge.

Considere o orçamento de defesa da China — que cresce a uma média de mais de 9% anualmente desde que os líderes chineses lançaram um ambicioso programa de modernização militar no fim dos anos 90. Em 2023, o orçamento militar projetado oficialmente na China é de US$ 224 bilhões, atrás apenas do gasto americano na área, aproximadamente quatro vezes maior. Aumentar o gasto em defesa em tamanha magnitude é mais difícil com uma economia que diminui o ritmo de crescimento.

Não obstante, a China projeta que seu gasto em defesa este ano crescerá 7,2%, aproximadamente em linha com sua projeção da taxa de crescimento nominal do PIB. O orçamento militar exclui alguns elementos críticos, como desenvolvimento de armamentos. Ainda assim, serve como um indicador útil de tendência, sugerindo que Xi está atrelando gastos cruciais em defesa a uma taxa equivalente a 1,6% a 1,7% do PIB — aproximadamente a mesma proporção da década recente.

Se ele for capaz de seguir nessa toada, com base nas atuais previsões do FMI, o gasto militar anual da China ainda será muito menor do que o americano até 2030, de acordo com o Índice de Potências da Ásia, do Instituto Lowy, um centro de análise australiano. A China terá diminuído a distância substancialmente até lá, prevê o instituto, aumentando a força militar em termos de paridade do poder de compra em US$ 155 bilhões, contra US$ 123 bilhões dos EUA.

Mesmo que sua economia cresça mais vagarosamente do que o projetado, Xi tem uma margem considerável para destinar recursos da economia civil para as Forças Armadas. E dentro das corporações militares, ele pode priorizar áreas que considera mais importantes estrategicamente, por exemplo diminuindo o Exército, cujo contingente corresponde a mais da metade dos 2,2 milhões de militares na ativa do ELP.

Olhar naval

Gasto em defesa nem sempre se traduz em poderio militar — que depende de muitos outros fatores, incluindo tecnologia, alianças e objetivos. Mas no caso da China outro indicador útil é a Marinha — que usa vários tipos de equipamentos, incluindo mísseis e aeronaves, e estaria na vanguarda de qualquer esforço de tomar Taiwan ou projetar poder globalmente. Construir navios é caro e requer uma base industrial forte, portanto reflete saúde econômica. Também é possível comparar os planos de construção naval da China com os americanos, que são publicados.

Então o que os números mostram? A Marinha chinesa cresceu nas últimas duas décadas, passando de uma guarda costeira insignificante, composta por embarcações antiquadas, a uma força naval moderna, fabricada com recursos internos e capaz de conduzir missões em pontos distantes das águas chinesas, como na retirada de cidadãos do Sudão, em abril. Mas a Marinha chinesa ainda não atente às necessidades de Xi de várias maneiras críticas — particularmente por não possuir embarcações com capacidades anfíbias o suficiente para garantir uma invasão bem-sucedida a Taiwan.

Essa situação mudará ao longo da década atual, segundo prevê o Pentágono, à medida que a Marinha chinesa aposentar seus últimos navios mais velhos e acrescentar embarcações maiores, mais modernas e multifuncionais. Hoje a China possui cerca de 340 navios em “força de batalha” (capazes de colaborar em combate), incluindo porta-aviões, submarinos, fragatas e destróieres. Esse número deverá chegar a 400 até 2025 e a 440 até 2030, de acordo com o Pentágono. Entre os novos navios haverá cerca de uma dúzia mais de grandes embarcações com capacidades anfíbias.

Mesmo sob a previsão de um baixo crescimento no orçamento de defesa, a Marinha chinesa ainda cresceria para estimados 356 navios até 2033, acrescentando três porta-aviões e nove embarcações com capacidades anfíbias, de acordo com o Centro de Análises Estratégicas e Orçamentárias (CSBA), um instituto de estudos de Washington que desenvolveu uma ferramenta digital para analisar as escolhas de contratos de compras militares da China. “Eu não acho que as restrições de recursos sejam tão formidáveis ao ponto de fazer com que os líderes chineses comecem a pensar que suas vantagens em poder relativo erodiram”, afirma Jack Bianchi, do CSBA.

A Marinha americana, em comparação, possuía uma força de batalha de 296 embarcações em abril (cerca da metade do auge, durante a Guerra Fria) e tem expectativa de que esse número caia para cerca de 290 até o fim desta década. Depois disso, os EUA poderão começar a aumentar a frota. Sua Marinha ainda tem um objetivo oficial de chegar a 355 embarcações. Mas restrições de orçamento, mudanças políticas e outros fatores dificultam essa meta para 2040. E enquanto a China coloca foco no fortalecimento militar em relação a Taiwan, os EUA têm de manter sua presença global.

Números de navios podem enganar. As embarcações americanas ainda são maiores e mais capazes. Mas a China deverá alcançar os EUA nesse sentido também na próxima década. A força naval chinesa já é “composta majoritariamente de plataformas multifuncionais modernas com avançados armamentos e sensores anti navios, antiaéreos e antissubmarinos”, afirma o Pentágono. O Escritório de Inteligência Naval afirma que os projetos navais chineses e a qualidade de seus materiais são, em muitos casos, comparáveis aos dos EUA, “e a China está se aproximando rapidamente em muitas áreas deficientes”.

Uma foto fornecida pela Marinha dos EUA do porta-avião USS Carl Vinson durante um exercício na costa do Havaí em 26 de julho de 2018 Foto: Marinha dos Estados Unidos / NYT

Uma das vantagens da China é sua vasta indústria de estaleiros, que é uma das maiores do mundo, responsável por 44% de todos os navios comerciais fabricados no mundo em 2021. Uma única estatal, a China State Shipbuilding Corporation (CSSC), atendeu a mais de um quinto de todas as encomendas globais naquele ano. Mas a empresa também fabrica a maioria dos navios da Marinha chinesa — e com frequência nos mesmos estaleiros em que as embarcações comerciais são fabricadas. Por exemplo, o estaleiro Jiangnan, da CSSC, (aquele fundado por Li Hongzhang, em 1865) finalizou o terceiro porta-aviões chinês em 2022 enquanto também fabricou dezenas de navios cargueiros, incluindo para clientes taiwaneses. Combinar a produção dessa maneira ajuda a sustentar os estaleiros durante quedas na economia, aplicar tecnologia civil e técnicas de produção em massa e contornar as sanções em torno do ELP, afirma Monty Khanna, um contra-almirante aposentado da Marinha indiana. Os estaleiros navais dos EUA, enquanto isso, colocam foco quase exclusivo em contratos de defesa, o que dificulta aumentar a produção ou sustentar uma oferta estável de trabalhadores capacitados.

Forjados na batalha

Mas há uma área crucial na qual a China terá dificuldade em se equiparar aos EUA por muitos anos: experiência. A China não trava uma guerra desde que combateu o Vietnã, em um conflito principalmente terrestre, em 1979; ainda não aperfeiçoou suas operações de porta-aviões em tempos de paz, quem dirá em combate; e não dominou a arte de manter submarinos ocultos ao mesmo tempo que rastreiam outras embarcações hostis. Os EUA, em comparação, aperfeiçoaram essas capacidades ao longo de décadas. A China também enfrenta dificuldades em atrair recrutas mais escolarizados para operar seus novos navios.

Ainda existe, evidentemente, um risco de que Xi opte pela guerra antes de suas Forças Armadas estarem prontas. Os gatilhos mais prováveis para isso seriam Taiwan declarar independência formalmente ou os EUA darem passos no sentido de melhorar significativamente o status ou as defesas da ilha. À medida que Xi envelhecer e ficar mais vulnerável a problemas de saúde e afrontas políticas, haverá a possibilidade dele errar algum cálculo ou ficar impaciente — da mesma maneira que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ficou, aparentemente , em relação à Ucrânia.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam após uma reunião em Moscou, Rùssia  Foto: Maxim Shipenkov / REUTERS

Há quem já perceba sinais de impaciência em Xi, que, segundo afirmam autoridades americanas, ordenou que suas Forças Armadas desenvolvam a capacidade de tomar Taiwan até 2027, no centenário do ELP. Mas isso não significa que ele planeje atacar naquele ano, afirma a CIA. Muitos especialistas no ELP acreditam que 2027 é um marco a curto prazo projetado para manter o ímpeto para uma meta a médio prazo de completar a modernização do ELP até 2035. Seu objetivo definitivo ainda é construir uma força de combate de “nível mundial” até 2049, o centenário do governo comunista.

Jogos de guerra recentes sugerem que a China talvez seja capaz de vencer um conflito por Taiwan nesta década, mas isso não é uma certeza, e derrotas em todos os campos seria algo devastador. Quanto mais Xi esperar, mais o equilíbrio militar penderá a favor da China — e não somente em termos convencionais. O Pentágono prevê que o arsenal nuclear chinês quase quadruplicará em tamanho até 2035. Estrategistas chineses esperam que isso facilite uma solução pacífica convencendo tanto Taiwan quanto os EUA de que um conflito sairia caro demais. Os proponentes da “China no auge” podem estar prevendo corretamente uma década tensa adiante. Mas Xi ainda tem o tempo ao seu lado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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