Cidade recuperada pela Ucrânia vê moradores se manterem leais à Rússia


Vizinhos vivem clima de desconfiança ao regressar a Sviatohirsk, no Donbass, após saída de tropas de Moscou

Por Thomas Gibbons Neff e Natalia Iermak

SVIATOHIRSK, Ucrânia ― Quando a gerente de obras Miroslava, de 36 anos, voltou para a cidade natal, Sviatohirsk, no leste da Ucrânia, esperava encontrar sua casa destruída por bombardeios. O lugar foi mesmo danificado, mas ela descobriu algo ainda mais perturbador: os vizinhos, que ficaram ali durante a ocupação russa, roubaram móveis, forros de isolamento e telhas da casa dela e de uma propriedade que ela administrava na cidade.

As telhas saqueadas eram visíveis no telhado do vizinho. “Eram pessoas que eu conhecia desde criança. Amigos não são mais amigos”, diz num dia frio, com o corpo pequeno envolto num casaco. “Os vizinhos não são vizinhos. Os parentes... Uma parte não é mais parente, porque ninguém esperava que a gente voltasse.”

Ansiedade semelhante têm surgido entre os moradores da cidade, ainda quase vazia, desde que as forças ucranianas a libertaram em setembro. A chegada dos russos meses antes impôs uma espécie de teste decisivo para Sviatohirsk e outras comunidades unidas no leste da Ucrânia, onde a igreja e a TV russas promoviam há anos a lealdade a Moscou.

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Myroslava encontrou uma Sviatohirsk diferente da que deixou após a retomada da região pelas tropas ucranianas. Foto: Tyler Hicks/The New York Times - 29/11/2022

Enquanto os civis que fugiram reencontram vizinhos que ficaram, os moradores dizem que agora se olham com desconfiança. E enquanto o inverno se aproxima, a cidade permanece dividida —não por linhas de trincheiras e artilharia, mas por onde está a lealdade das pessoas: com Moscou ou Kiev.

As suspeitas são tão fortes que não há consenso sequer sobre que lado, Rússia ou Ucrânia, é responsável pelos bombardeios que atingiram vários bairros, danificaram casas e mataram dezenas de pessoas.

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Uma cafeteria improvisada, chamada Bouchée, serve como espécie de território neutro: qualquer um pode comer alguma coisa sem ser incomodado —desde que não manifeste sua lealdade. O governo local recém-instalado reconhece o problema e espera que habitantes com sentimentos pró-Moscou acabem apoiando Kiev, especialmente porque as condições melhoraram depois de viverem sem energia e serviços básicos durante a ocupação.

“A conexão do celular voltou, a fábrica de pão funciona, o correio ucraniano também”, diz Volodimir Ribalkin, chefe da administração militar local, que atua como prefeito interino. “Até as pessoas que conscientemente permaneceram sob ocupação, esperando pela chamada ‘paz russa’, mais cedo ou mais tarde entenderão o quanto estavam enganadas.”

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Mas a conversão não será fácil. Mesmo antes da guerra, o mosteiro das Cavernas —leal à Igreja Ortodoxa Russa e considerado um dos cinco locais mais sagrados da designação— deu à cidade a reputação de pró-Moscou. A percepção foi agravada por Sviatohirsk estar no Donbass, região predominantemente russófona, onde Moscou promove há décadas a política de nostalgia soviética.

A propaganda, especialmente na TV, ajudou o Kremlin a influenciar civis, ao mesmo tempo que retrata falsamente a região como parte essencial da Rússia e cita a suposta opressão de russófonos como justificativa para a invasão.

Ainda não está claro como Sviatohirsk sairá de seu conturbado interlúdio de ocupação. Restam cerca de 650 pessoas de uma população de 4.000 antes da guerra, segundo autoridades locais. Pouco mais de 120 retornaram desde a retirada russa.

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Mesmo antes da guerra, o mosteiro em Sviatohirsk - leal à Rússia e considerado um dos cinco locais mais sagrados da Igreja Ortodoxa russa - deu à cidade a reputação de ser pró-Rússia. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Alguns, como Miroslava (que não quis revelar o sobrenome por temer represálias), acreditam que mais pessoas com inclinação pró-ucraniana voltarão quando o clima esquentar na primavera do hemisfério Norte, diluindo o sentimento favorável à Rússia. “Eles já começaram a voltar aos poucos, porque muitos não conseguem pagar o aluguel em outras cidades e voltam mesmo com a casa destruída”, diz.

O mosteiro, onde freiras e monges permaneceram leais à igreja russa, exerce influência significativa na cidade, o que acrescenta uma camada extra de complexidade.

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Nas últimas semanas, os serviços de inteligência de Kiev lançaram pelo menos uma operação e uma série de prisões com o objetivo de erradicar espiões na igreja, atraindo a condenação de Moscou. E o presidente Volodimir Zelenski propôs recentemente proibir o ramo da Igreja Ortodoxa Ucraniana leal a Moscou, dizendo que a medida é necessária para garantir que a Rússia não seja capaz de “enfraquecer a Ucrânia por dentro”.

Um dos monges, que não quis se identificar, disse que o oeste da Ucrânia e o Donbass estão pensando cada um à sua maneira.

Cafeteria Bouchée é considerado uma espécie de um território neutro em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times
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As autoridades locais ainda tentam determinar se alguns moradores colaboraram ativamente com os russos. O policial distrital Ruslan Tsimbal se recusou a discutir a questão, mas confirmou que há investigações em andamento. No caso dos pertences saqueados de Miroslava, agentes conseguiram recuperar alguns dos móveis roubados.

Moradores que enfrentaram grande parte da ocupação em abrigos nos porões ainda inspecionam partes da cidade destruída, e há opiniões muito diferentes entre alguns sobre qual Exército é culpado pela carnificina. Mais de 40 pessoas morreram durante a ocupação, segundo autoridades locais, muitas em bombardeios.

E vizinhos ainda discutem como se desenrolou a batalha por Sviatohirsk —que durou de junho, quando os russos ocuparam a cidade, até a retirada deles, em setembro. A luta se deu em fases, em ambos os lados do rio Siverski Donets, que divide a cidade. A ponte que ligava os dois lados, onde casais costumavam colocar cadeados nas grades, foi destruída quando as forças de Kiev recuaram.

Tanque destruído está em frente a uma Igreja Ortodoxa russa em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

Soldados russos no lado norte do rio dispararam contra as colinas ao sul, ocasionalmente atingindo o terreno do mosteiro. Ucranianos entrincheirados na margem alta atiraram de volta para a cidade do outro lado do rio.

O monge do mosteiro acusa os ucranianos de bombardear o local, matando várias pessoas, embora estivesse claro, pelos danos visíveis no exterior, que os projéteis vieram do lado russo do rio.

Miroslava minimiza as alegações de moradores que culpam os ucranianos pela destruição da cidade. “Eles gostam de dizer: ‘A Ucrânia estava atirando da montanha’. Mas ninguém teria atirado se sete tanques russos não estivessem estacionados perto do meu quintal”, diz.

Os cascos enferrujados de alguns desses veículos continuam na vizinhança, esculpidos por projéteis ucranianos, assim como as casas ao redor deles.

SVIATOHIRSK, Ucrânia ― Quando a gerente de obras Miroslava, de 36 anos, voltou para a cidade natal, Sviatohirsk, no leste da Ucrânia, esperava encontrar sua casa destruída por bombardeios. O lugar foi mesmo danificado, mas ela descobriu algo ainda mais perturbador: os vizinhos, que ficaram ali durante a ocupação russa, roubaram móveis, forros de isolamento e telhas da casa dela e de uma propriedade que ela administrava na cidade.

As telhas saqueadas eram visíveis no telhado do vizinho. “Eram pessoas que eu conhecia desde criança. Amigos não são mais amigos”, diz num dia frio, com o corpo pequeno envolto num casaco. “Os vizinhos não são vizinhos. Os parentes... Uma parte não é mais parente, porque ninguém esperava que a gente voltasse.”

Ansiedade semelhante têm surgido entre os moradores da cidade, ainda quase vazia, desde que as forças ucranianas a libertaram em setembro. A chegada dos russos meses antes impôs uma espécie de teste decisivo para Sviatohirsk e outras comunidades unidas no leste da Ucrânia, onde a igreja e a TV russas promoviam há anos a lealdade a Moscou.

Myroslava encontrou uma Sviatohirsk diferente da que deixou após a retomada da região pelas tropas ucranianas. Foto: Tyler Hicks/The New York Times - 29/11/2022

Enquanto os civis que fugiram reencontram vizinhos que ficaram, os moradores dizem que agora se olham com desconfiança. E enquanto o inverno se aproxima, a cidade permanece dividida —não por linhas de trincheiras e artilharia, mas por onde está a lealdade das pessoas: com Moscou ou Kiev.

As suspeitas são tão fortes que não há consenso sequer sobre que lado, Rússia ou Ucrânia, é responsável pelos bombardeios que atingiram vários bairros, danificaram casas e mataram dezenas de pessoas.

Uma cafeteria improvisada, chamada Bouchée, serve como espécie de território neutro: qualquer um pode comer alguma coisa sem ser incomodado —desde que não manifeste sua lealdade. O governo local recém-instalado reconhece o problema e espera que habitantes com sentimentos pró-Moscou acabem apoiando Kiev, especialmente porque as condições melhoraram depois de viverem sem energia e serviços básicos durante a ocupação.

“A conexão do celular voltou, a fábrica de pão funciona, o correio ucraniano também”, diz Volodimir Ribalkin, chefe da administração militar local, que atua como prefeito interino. “Até as pessoas que conscientemente permaneceram sob ocupação, esperando pela chamada ‘paz russa’, mais cedo ou mais tarde entenderão o quanto estavam enganadas.”

Mas a conversão não será fácil. Mesmo antes da guerra, o mosteiro das Cavernas —leal à Igreja Ortodoxa Russa e considerado um dos cinco locais mais sagrados da designação— deu à cidade a reputação de pró-Moscou. A percepção foi agravada por Sviatohirsk estar no Donbass, região predominantemente russófona, onde Moscou promove há décadas a política de nostalgia soviética.

A propaganda, especialmente na TV, ajudou o Kremlin a influenciar civis, ao mesmo tempo que retrata falsamente a região como parte essencial da Rússia e cita a suposta opressão de russófonos como justificativa para a invasão.

Ainda não está claro como Sviatohirsk sairá de seu conturbado interlúdio de ocupação. Restam cerca de 650 pessoas de uma população de 4.000 antes da guerra, segundo autoridades locais. Pouco mais de 120 retornaram desde a retirada russa.

Mesmo antes da guerra, o mosteiro em Sviatohirsk - leal à Rússia e considerado um dos cinco locais mais sagrados da Igreja Ortodoxa russa - deu à cidade a reputação de ser pró-Rússia. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Alguns, como Miroslava (que não quis revelar o sobrenome por temer represálias), acreditam que mais pessoas com inclinação pró-ucraniana voltarão quando o clima esquentar na primavera do hemisfério Norte, diluindo o sentimento favorável à Rússia. “Eles já começaram a voltar aos poucos, porque muitos não conseguem pagar o aluguel em outras cidades e voltam mesmo com a casa destruída”, diz.

O mosteiro, onde freiras e monges permaneceram leais à igreja russa, exerce influência significativa na cidade, o que acrescenta uma camada extra de complexidade.

Nas últimas semanas, os serviços de inteligência de Kiev lançaram pelo menos uma operação e uma série de prisões com o objetivo de erradicar espiões na igreja, atraindo a condenação de Moscou. E o presidente Volodimir Zelenski propôs recentemente proibir o ramo da Igreja Ortodoxa Ucraniana leal a Moscou, dizendo que a medida é necessária para garantir que a Rússia não seja capaz de “enfraquecer a Ucrânia por dentro”.

Um dos monges, que não quis se identificar, disse que o oeste da Ucrânia e o Donbass estão pensando cada um à sua maneira.

Cafeteria Bouchée é considerado uma espécie de um território neutro em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

As autoridades locais ainda tentam determinar se alguns moradores colaboraram ativamente com os russos. O policial distrital Ruslan Tsimbal se recusou a discutir a questão, mas confirmou que há investigações em andamento. No caso dos pertences saqueados de Miroslava, agentes conseguiram recuperar alguns dos móveis roubados.

Moradores que enfrentaram grande parte da ocupação em abrigos nos porões ainda inspecionam partes da cidade destruída, e há opiniões muito diferentes entre alguns sobre qual Exército é culpado pela carnificina. Mais de 40 pessoas morreram durante a ocupação, segundo autoridades locais, muitas em bombardeios.

E vizinhos ainda discutem como se desenrolou a batalha por Sviatohirsk —que durou de junho, quando os russos ocuparam a cidade, até a retirada deles, em setembro. A luta se deu em fases, em ambos os lados do rio Siverski Donets, que divide a cidade. A ponte que ligava os dois lados, onde casais costumavam colocar cadeados nas grades, foi destruída quando as forças de Kiev recuaram.

Tanque destruído está em frente a uma Igreja Ortodoxa russa em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

Soldados russos no lado norte do rio dispararam contra as colinas ao sul, ocasionalmente atingindo o terreno do mosteiro. Ucranianos entrincheirados na margem alta atiraram de volta para a cidade do outro lado do rio.

O monge do mosteiro acusa os ucranianos de bombardear o local, matando várias pessoas, embora estivesse claro, pelos danos visíveis no exterior, que os projéteis vieram do lado russo do rio.

Miroslava minimiza as alegações de moradores que culpam os ucranianos pela destruição da cidade. “Eles gostam de dizer: ‘A Ucrânia estava atirando da montanha’. Mas ninguém teria atirado se sete tanques russos não estivessem estacionados perto do meu quintal”, diz.

Os cascos enferrujados de alguns desses veículos continuam na vizinhança, esculpidos por projéteis ucranianos, assim como as casas ao redor deles.

SVIATOHIRSK, Ucrânia ― Quando a gerente de obras Miroslava, de 36 anos, voltou para a cidade natal, Sviatohirsk, no leste da Ucrânia, esperava encontrar sua casa destruída por bombardeios. O lugar foi mesmo danificado, mas ela descobriu algo ainda mais perturbador: os vizinhos, que ficaram ali durante a ocupação russa, roubaram móveis, forros de isolamento e telhas da casa dela e de uma propriedade que ela administrava na cidade.

As telhas saqueadas eram visíveis no telhado do vizinho. “Eram pessoas que eu conhecia desde criança. Amigos não são mais amigos”, diz num dia frio, com o corpo pequeno envolto num casaco. “Os vizinhos não são vizinhos. Os parentes... Uma parte não é mais parente, porque ninguém esperava que a gente voltasse.”

Ansiedade semelhante têm surgido entre os moradores da cidade, ainda quase vazia, desde que as forças ucranianas a libertaram em setembro. A chegada dos russos meses antes impôs uma espécie de teste decisivo para Sviatohirsk e outras comunidades unidas no leste da Ucrânia, onde a igreja e a TV russas promoviam há anos a lealdade a Moscou.

Myroslava encontrou uma Sviatohirsk diferente da que deixou após a retomada da região pelas tropas ucranianas. Foto: Tyler Hicks/The New York Times - 29/11/2022

Enquanto os civis que fugiram reencontram vizinhos que ficaram, os moradores dizem que agora se olham com desconfiança. E enquanto o inverno se aproxima, a cidade permanece dividida —não por linhas de trincheiras e artilharia, mas por onde está a lealdade das pessoas: com Moscou ou Kiev.

As suspeitas são tão fortes que não há consenso sequer sobre que lado, Rússia ou Ucrânia, é responsável pelos bombardeios que atingiram vários bairros, danificaram casas e mataram dezenas de pessoas.

Uma cafeteria improvisada, chamada Bouchée, serve como espécie de território neutro: qualquer um pode comer alguma coisa sem ser incomodado —desde que não manifeste sua lealdade. O governo local recém-instalado reconhece o problema e espera que habitantes com sentimentos pró-Moscou acabem apoiando Kiev, especialmente porque as condições melhoraram depois de viverem sem energia e serviços básicos durante a ocupação.

“A conexão do celular voltou, a fábrica de pão funciona, o correio ucraniano também”, diz Volodimir Ribalkin, chefe da administração militar local, que atua como prefeito interino. “Até as pessoas que conscientemente permaneceram sob ocupação, esperando pela chamada ‘paz russa’, mais cedo ou mais tarde entenderão o quanto estavam enganadas.”

Mas a conversão não será fácil. Mesmo antes da guerra, o mosteiro das Cavernas —leal à Igreja Ortodoxa Russa e considerado um dos cinco locais mais sagrados da designação— deu à cidade a reputação de pró-Moscou. A percepção foi agravada por Sviatohirsk estar no Donbass, região predominantemente russófona, onde Moscou promove há décadas a política de nostalgia soviética.

A propaganda, especialmente na TV, ajudou o Kremlin a influenciar civis, ao mesmo tempo que retrata falsamente a região como parte essencial da Rússia e cita a suposta opressão de russófonos como justificativa para a invasão.

Ainda não está claro como Sviatohirsk sairá de seu conturbado interlúdio de ocupação. Restam cerca de 650 pessoas de uma população de 4.000 antes da guerra, segundo autoridades locais. Pouco mais de 120 retornaram desde a retirada russa.

Mesmo antes da guerra, o mosteiro em Sviatohirsk - leal à Rússia e considerado um dos cinco locais mais sagrados da Igreja Ortodoxa russa - deu à cidade a reputação de ser pró-Rússia. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Alguns, como Miroslava (que não quis revelar o sobrenome por temer represálias), acreditam que mais pessoas com inclinação pró-ucraniana voltarão quando o clima esquentar na primavera do hemisfério Norte, diluindo o sentimento favorável à Rússia. “Eles já começaram a voltar aos poucos, porque muitos não conseguem pagar o aluguel em outras cidades e voltam mesmo com a casa destruída”, diz.

O mosteiro, onde freiras e monges permaneceram leais à igreja russa, exerce influência significativa na cidade, o que acrescenta uma camada extra de complexidade.

Nas últimas semanas, os serviços de inteligência de Kiev lançaram pelo menos uma operação e uma série de prisões com o objetivo de erradicar espiões na igreja, atraindo a condenação de Moscou. E o presidente Volodimir Zelenski propôs recentemente proibir o ramo da Igreja Ortodoxa Ucraniana leal a Moscou, dizendo que a medida é necessária para garantir que a Rússia não seja capaz de “enfraquecer a Ucrânia por dentro”.

Um dos monges, que não quis se identificar, disse que o oeste da Ucrânia e o Donbass estão pensando cada um à sua maneira.

Cafeteria Bouchée é considerado uma espécie de um território neutro em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

As autoridades locais ainda tentam determinar se alguns moradores colaboraram ativamente com os russos. O policial distrital Ruslan Tsimbal se recusou a discutir a questão, mas confirmou que há investigações em andamento. No caso dos pertences saqueados de Miroslava, agentes conseguiram recuperar alguns dos móveis roubados.

Moradores que enfrentaram grande parte da ocupação em abrigos nos porões ainda inspecionam partes da cidade destruída, e há opiniões muito diferentes entre alguns sobre qual Exército é culpado pela carnificina. Mais de 40 pessoas morreram durante a ocupação, segundo autoridades locais, muitas em bombardeios.

E vizinhos ainda discutem como se desenrolou a batalha por Sviatohirsk —que durou de junho, quando os russos ocuparam a cidade, até a retirada deles, em setembro. A luta se deu em fases, em ambos os lados do rio Siverski Donets, que divide a cidade. A ponte que ligava os dois lados, onde casais costumavam colocar cadeados nas grades, foi destruída quando as forças de Kiev recuaram.

Tanque destruído está em frente a uma Igreja Ortodoxa russa em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

Soldados russos no lado norte do rio dispararam contra as colinas ao sul, ocasionalmente atingindo o terreno do mosteiro. Ucranianos entrincheirados na margem alta atiraram de volta para a cidade do outro lado do rio.

O monge do mosteiro acusa os ucranianos de bombardear o local, matando várias pessoas, embora estivesse claro, pelos danos visíveis no exterior, que os projéteis vieram do lado russo do rio.

Miroslava minimiza as alegações de moradores que culpam os ucranianos pela destruição da cidade. “Eles gostam de dizer: ‘A Ucrânia estava atirando da montanha’. Mas ninguém teria atirado se sete tanques russos não estivessem estacionados perto do meu quintal”, diz.

Os cascos enferrujados de alguns desses veículos continuam na vizinhança, esculpidos por projéteis ucranianos, assim como as casas ao redor deles.

SVIATOHIRSK, Ucrânia ― Quando a gerente de obras Miroslava, de 36 anos, voltou para a cidade natal, Sviatohirsk, no leste da Ucrânia, esperava encontrar sua casa destruída por bombardeios. O lugar foi mesmo danificado, mas ela descobriu algo ainda mais perturbador: os vizinhos, que ficaram ali durante a ocupação russa, roubaram móveis, forros de isolamento e telhas da casa dela e de uma propriedade que ela administrava na cidade.

As telhas saqueadas eram visíveis no telhado do vizinho. “Eram pessoas que eu conhecia desde criança. Amigos não são mais amigos”, diz num dia frio, com o corpo pequeno envolto num casaco. “Os vizinhos não são vizinhos. Os parentes... Uma parte não é mais parente, porque ninguém esperava que a gente voltasse.”

Ansiedade semelhante têm surgido entre os moradores da cidade, ainda quase vazia, desde que as forças ucranianas a libertaram em setembro. A chegada dos russos meses antes impôs uma espécie de teste decisivo para Sviatohirsk e outras comunidades unidas no leste da Ucrânia, onde a igreja e a TV russas promoviam há anos a lealdade a Moscou.

Myroslava encontrou uma Sviatohirsk diferente da que deixou após a retomada da região pelas tropas ucranianas. Foto: Tyler Hicks/The New York Times - 29/11/2022

Enquanto os civis que fugiram reencontram vizinhos que ficaram, os moradores dizem que agora se olham com desconfiança. E enquanto o inverno se aproxima, a cidade permanece dividida —não por linhas de trincheiras e artilharia, mas por onde está a lealdade das pessoas: com Moscou ou Kiev.

As suspeitas são tão fortes que não há consenso sequer sobre que lado, Rússia ou Ucrânia, é responsável pelos bombardeios que atingiram vários bairros, danificaram casas e mataram dezenas de pessoas.

Uma cafeteria improvisada, chamada Bouchée, serve como espécie de território neutro: qualquer um pode comer alguma coisa sem ser incomodado —desde que não manifeste sua lealdade. O governo local recém-instalado reconhece o problema e espera que habitantes com sentimentos pró-Moscou acabem apoiando Kiev, especialmente porque as condições melhoraram depois de viverem sem energia e serviços básicos durante a ocupação.

“A conexão do celular voltou, a fábrica de pão funciona, o correio ucraniano também”, diz Volodimir Ribalkin, chefe da administração militar local, que atua como prefeito interino. “Até as pessoas que conscientemente permaneceram sob ocupação, esperando pela chamada ‘paz russa’, mais cedo ou mais tarde entenderão o quanto estavam enganadas.”

Mas a conversão não será fácil. Mesmo antes da guerra, o mosteiro das Cavernas —leal à Igreja Ortodoxa Russa e considerado um dos cinco locais mais sagrados da designação— deu à cidade a reputação de pró-Moscou. A percepção foi agravada por Sviatohirsk estar no Donbass, região predominantemente russófona, onde Moscou promove há décadas a política de nostalgia soviética.

A propaganda, especialmente na TV, ajudou o Kremlin a influenciar civis, ao mesmo tempo que retrata falsamente a região como parte essencial da Rússia e cita a suposta opressão de russófonos como justificativa para a invasão.

Ainda não está claro como Sviatohirsk sairá de seu conturbado interlúdio de ocupação. Restam cerca de 650 pessoas de uma população de 4.000 antes da guerra, segundo autoridades locais. Pouco mais de 120 retornaram desde a retirada russa.

Mesmo antes da guerra, o mosteiro em Sviatohirsk - leal à Rússia e considerado um dos cinco locais mais sagrados da Igreja Ortodoxa russa - deu à cidade a reputação de ser pró-Rússia. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Alguns, como Miroslava (que não quis revelar o sobrenome por temer represálias), acreditam que mais pessoas com inclinação pró-ucraniana voltarão quando o clima esquentar na primavera do hemisfério Norte, diluindo o sentimento favorável à Rússia. “Eles já começaram a voltar aos poucos, porque muitos não conseguem pagar o aluguel em outras cidades e voltam mesmo com a casa destruída”, diz.

O mosteiro, onde freiras e monges permaneceram leais à igreja russa, exerce influência significativa na cidade, o que acrescenta uma camada extra de complexidade.

Nas últimas semanas, os serviços de inteligência de Kiev lançaram pelo menos uma operação e uma série de prisões com o objetivo de erradicar espiões na igreja, atraindo a condenação de Moscou. E o presidente Volodimir Zelenski propôs recentemente proibir o ramo da Igreja Ortodoxa Ucraniana leal a Moscou, dizendo que a medida é necessária para garantir que a Rússia não seja capaz de “enfraquecer a Ucrânia por dentro”.

Um dos monges, que não quis se identificar, disse que o oeste da Ucrânia e o Donbass estão pensando cada um à sua maneira.

Cafeteria Bouchée é considerado uma espécie de um território neutro em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

As autoridades locais ainda tentam determinar se alguns moradores colaboraram ativamente com os russos. O policial distrital Ruslan Tsimbal se recusou a discutir a questão, mas confirmou que há investigações em andamento. No caso dos pertences saqueados de Miroslava, agentes conseguiram recuperar alguns dos móveis roubados.

Moradores que enfrentaram grande parte da ocupação em abrigos nos porões ainda inspecionam partes da cidade destruída, e há opiniões muito diferentes entre alguns sobre qual Exército é culpado pela carnificina. Mais de 40 pessoas morreram durante a ocupação, segundo autoridades locais, muitas em bombardeios.

E vizinhos ainda discutem como se desenrolou a batalha por Sviatohirsk —que durou de junho, quando os russos ocuparam a cidade, até a retirada deles, em setembro. A luta se deu em fases, em ambos os lados do rio Siverski Donets, que divide a cidade. A ponte que ligava os dois lados, onde casais costumavam colocar cadeados nas grades, foi destruída quando as forças de Kiev recuaram.

Tanque destruído está em frente a uma Igreja Ortodoxa russa em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

Soldados russos no lado norte do rio dispararam contra as colinas ao sul, ocasionalmente atingindo o terreno do mosteiro. Ucranianos entrincheirados na margem alta atiraram de volta para a cidade do outro lado do rio.

O monge do mosteiro acusa os ucranianos de bombardear o local, matando várias pessoas, embora estivesse claro, pelos danos visíveis no exterior, que os projéteis vieram do lado russo do rio.

Miroslava minimiza as alegações de moradores que culpam os ucranianos pela destruição da cidade. “Eles gostam de dizer: ‘A Ucrânia estava atirando da montanha’. Mas ninguém teria atirado se sete tanques russos não estivessem estacionados perto do meu quintal”, diz.

Os cascos enferrujados de alguns desses veículos continuam na vizinhança, esculpidos por projéteis ucranianos, assim como as casas ao redor deles.

SVIATOHIRSK, Ucrânia ― Quando a gerente de obras Miroslava, de 36 anos, voltou para a cidade natal, Sviatohirsk, no leste da Ucrânia, esperava encontrar sua casa destruída por bombardeios. O lugar foi mesmo danificado, mas ela descobriu algo ainda mais perturbador: os vizinhos, que ficaram ali durante a ocupação russa, roubaram móveis, forros de isolamento e telhas da casa dela e de uma propriedade que ela administrava na cidade.

As telhas saqueadas eram visíveis no telhado do vizinho. “Eram pessoas que eu conhecia desde criança. Amigos não são mais amigos”, diz num dia frio, com o corpo pequeno envolto num casaco. “Os vizinhos não são vizinhos. Os parentes... Uma parte não é mais parente, porque ninguém esperava que a gente voltasse.”

Ansiedade semelhante têm surgido entre os moradores da cidade, ainda quase vazia, desde que as forças ucranianas a libertaram em setembro. A chegada dos russos meses antes impôs uma espécie de teste decisivo para Sviatohirsk e outras comunidades unidas no leste da Ucrânia, onde a igreja e a TV russas promoviam há anos a lealdade a Moscou.

Myroslava encontrou uma Sviatohirsk diferente da que deixou após a retomada da região pelas tropas ucranianas. Foto: Tyler Hicks/The New York Times - 29/11/2022

Enquanto os civis que fugiram reencontram vizinhos que ficaram, os moradores dizem que agora se olham com desconfiança. E enquanto o inverno se aproxima, a cidade permanece dividida —não por linhas de trincheiras e artilharia, mas por onde está a lealdade das pessoas: com Moscou ou Kiev.

As suspeitas são tão fortes que não há consenso sequer sobre que lado, Rússia ou Ucrânia, é responsável pelos bombardeios que atingiram vários bairros, danificaram casas e mataram dezenas de pessoas.

Uma cafeteria improvisada, chamada Bouchée, serve como espécie de território neutro: qualquer um pode comer alguma coisa sem ser incomodado —desde que não manifeste sua lealdade. O governo local recém-instalado reconhece o problema e espera que habitantes com sentimentos pró-Moscou acabem apoiando Kiev, especialmente porque as condições melhoraram depois de viverem sem energia e serviços básicos durante a ocupação.

“A conexão do celular voltou, a fábrica de pão funciona, o correio ucraniano também”, diz Volodimir Ribalkin, chefe da administração militar local, que atua como prefeito interino. “Até as pessoas que conscientemente permaneceram sob ocupação, esperando pela chamada ‘paz russa’, mais cedo ou mais tarde entenderão o quanto estavam enganadas.”

Mas a conversão não será fácil. Mesmo antes da guerra, o mosteiro das Cavernas —leal à Igreja Ortodoxa Russa e considerado um dos cinco locais mais sagrados da designação— deu à cidade a reputação de pró-Moscou. A percepção foi agravada por Sviatohirsk estar no Donbass, região predominantemente russófona, onde Moscou promove há décadas a política de nostalgia soviética.

A propaganda, especialmente na TV, ajudou o Kremlin a influenciar civis, ao mesmo tempo que retrata falsamente a região como parte essencial da Rússia e cita a suposta opressão de russófonos como justificativa para a invasão.

Ainda não está claro como Sviatohirsk sairá de seu conturbado interlúdio de ocupação. Restam cerca de 650 pessoas de uma população de 4.000 antes da guerra, segundo autoridades locais. Pouco mais de 120 retornaram desde a retirada russa.

Mesmo antes da guerra, o mosteiro em Sviatohirsk - leal à Rússia e considerado um dos cinco locais mais sagrados da Igreja Ortodoxa russa - deu à cidade a reputação de ser pró-Rússia. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Alguns, como Miroslava (que não quis revelar o sobrenome por temer represálias), acreditam que mais pessoas com inclinação pró-ucraniana voltarão quando o clima esquentar na primavera do hemisfério Norte, diluindo o sentimento favorável à Rússia. “Eles já começaram a voltar aos poucos, porque muitos não conseguem pagar o aluguel em outras cidades e voltam mesmo com a casa destruída”, diz.

O mosteiro, onde freiras e monges permaneceram leais à igreja russa, exerce influência significativa na cidade, o que acrescenta uma camada extra de complexidade.

Nas últimas semanas, os serviços de inteligência de Kiev lançaram pelo menos uma operação e uma série de prisões com o objetivo de erradicar espiões na igreja, atraindo a condenação de Moscou. E o presidente Volodimir Zelenski propôs recentemente proibir o ramo da Igreja Ortodoxa Ucraniana leal a Moscou, dizendo que a medida é necessária para garantir que a Rússia não seja capaz de “enfraquecer a Ucrânia por dentro”.

Um dos monges, que não quis se identificar, disse que o oeste da Ucrânia e o Donbass estão pensando cada um à sua maneira.

Cafeteria Bouchée é considerado uma espécie de um território neutro em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

As autoridades locais ainda tentam determinar se alguns moradores colaboraram ativamente com os russos. O policial distrital Ruslan Tsimbal se recusou a discutir a questão, mas confirmou que há investigações em andamento. No caso dos pertences saqueados de Miroslava, agentes conseguiram recuperar alguns dos móveis roubados.

Moradores que enfrentaram grande parte da ocupação em abrigos nos porões ainda inspecionam partes da cidade destruída, e há opiniões muito diferentes entre alguns sobre qual Exército é culpado pela carnificina. Mais de 40 pessoas morreram durante a ocupação, segundo autoridades locais, muitas em bombardeios.

E vizinhos ainda discutem como se desenrolou a batalha por Sviatohirsk —que durou de junho, quando os russos ocuparam a cidade, até a retirada deles, em setembro. A luta se deu em fases, em ambos os lados do rio Siverski Donets, que divide a cidade. A ponte que ligava os dois lados, onde casais costumavam colocar cadeados nas grades, foi destruída quando as forças de Kiev recuaram.

Tanque destruído está em frente a uma Igreja Ortodoxa russa em Sviatohirsk. Foto: Tyler Hicks/ The New York Times

Soldados russos no lado norte do rio dispararam contra as colinas ao sul, ocasionalmente atingindo o terreno do mosteiro. Ucranianos entrincheirados na margem alta atiraram de volta para a cidade do outro lado do rio.

O monge do mosteiro acusa os ucranianos de bombardear o local, matando várias pessoas, embora estivesse claro, pelos danos visíveis no exterior, que os projéteis vieram do lado russo do rio.

Miroslava minimiza as alegações de moradores que culpam os ucranianos pela destruição da cidade. “Eles gostam de dizer: ‘A Ucrânia estava atirando da montanha’. Mas ninguém teria atirado se sete tanques russos não estivessem estacionados perto do meu quintal”, diz.

Os cascos enferrujados de alguns desses veículos continuam na vizinhança, esculpidos por projéteis ucranianos, assim como as casas ao redor deles.

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