Horas depois de a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, firmar um acordo de princípio para uma coalizão com o líder social-democrata Martin Schulz, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse estar “feliz e satisfeito” por um governo de coalizão “que será útil e esperado pela Europa e pela França”.
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Na prática, o alívio expressado pelo chefe de Estado tem uma razão fundamental: com os social-democratas no poder em Berlim, a reforma da União Europeia pretendida em Paris poderá, enfim, decolar.
Para o presidente francês, a aliança entre a União Democrata-Cristã (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD) na Alemanha é o melhor cenário possível após as eleições de setembro, que Merkel venceu, mas sem obter maioria no Parlamento. A primeira coalizão negociada pela chanceler, com o Partido Liberal-Democrata (FDP), levaria ao poder uma legenda que flerta com o euroceticismo.
Em contrapartida, o SPD é um partido francamente favorável à ideia de mais federalismo em Bruxelas. E, nas negociações da semana passada, Schulz conseguiu colocar a Europa e suas instituições no centro do projeto de governo da futura coalizão.
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No documento de 28 páginas, o capítulo sobre “reformar” e “reforçar” a UE e a zona do euro é o mais extenso, prevendo reformas em economia, investimentos na economia digital e combate à burocracia. Entre as possibilidades evocadas, está a criação de um Ministério Europeu de Finanças, que teria um orçamento próprio e disporia ainda de um Fundo Monetário Europeu, a exemplo do FMI.
Em seu discurso, Merkel foi taxativa. “O mundo não nos esperará. Precisamos de um novo início para a Europa”, resumiu, prometendo “buscar soluções com a França”. Macron vê na coalizão a marca favorável de um grande avanço sobre os temas europeus que defende.
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Para analistas políticos alemães ouvidos pelo Estado, as condições são de fato mais favoráveis do que nunca para a reforma da UE. “Pela primeira vez há uma verdadeira reação positiva da Alemanha ao discurso de Macron, e pode ser uma base para a negociação entre França-Alemanha e outros parceiros. É, enfim, uma resposta de Merkel”, entende Dominik Grillmayer, cientista político do Instituto Franco-alemão.
Para Stefan Seidendorf, cientista político e diretor adjunto do Instituto de Ludwigsburg, a provável coalizão entre Merkel e Schulz mostra que o governo está disposto a mergulhar na refundação da UE. “A Europa era um dos temas mais sensíveis do acordo, e ela retoma pelo essencial as posições do SPD, em especial a criação de um orçamento da zona do euro”, disse. “O governo se mostra bastante pró-europeu e pronto a contribuir para o debate das reformas.”
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Para tanto, a aliança terá de enfrentar a resistência de parte da opinião pública avessa a mais integração e ao fantasma da transferência de recursos da Alemanha para países menos desenvolvidos da Europa, usado pelos partidos de extrema direita para denunciar Bruxelas. “A proposta de Schulz foi muito incisiva, mas ao mesmo tempo não é muito popular na Alemanha”, explica Heinrich Oberreuter, cientista político e diretor da Academia para Educação Política de Tutzing, na Baviera. “Mais integração da Europa não é o tema mais popular na opinião pública alemã e os partidos políticos também não são unânimes sobre o assunto.”
Para ser confirmada, a coalizão entre Merkel e Schulz deverá antes ser aprovada em conferência dos 600 delegados do SPD, no dia 21, e a seguir pelo voto dos militantes do partido.