THE NEW YORK TIMES - Um grupo de israelenses que esperam viver na Faixa de Gaza ao final da guerra já publicou mapas imaginando como seriam as cidades majoritariamente judaicas ao redor do território. Parlamentares de extrema direita esboçam planos para legalizar esses assentamentos, e o ministro da Segurança Nacional disse para os moradores árabes saírem dali para que os judeus ocupem a área costeira.
Após quatro meses de uma guerra que deixou 28 mil mortos, de acordo com as autoridades de Gaza, a pressão internacional está aumentando para que Israel deixe o território palestino. Alguns israelenses querem exatamente o contrário: que Israel mantenha o controle do enclave, do qual o grupo terrorista Hamas lançou o mais mortal ataque na história de Israel, e que restabeleça os assentamentos judaicos desmantelados após a saída israelense de Gaza em 2005.
“Assim que a guerra acabar, vamos construir casas ali”, disse Yair Cohen, soldado da reserva e que alega que sua família foi expulsa de Gaza em 2005. “A questão não é se vamos retornar quando as batalhas terminarem, mas sim se haverá uma Gaza”.
Aos palestinos, os planos dos colonos pode terminar em deslocamentos em massa e no fim do sonho de um Estado palestino — um sonho que a maior parte do mundo também quer ver realizado.
“Israel quer que o povo palestino escolha entre a destruição e o deslocamento”, disse, no mês passado, o embaixador palestino na ONU, Riyad Mansour.
Mas por mais improvável que os assentamentos pareçam ao exterior, a ideia está sendo promovida no momento em que Israel ainda terá que decidir como a Gaza pós-guerra será governada.
Mesmo com os EUA e outras potências pressionando para que Gaza faça parte de um eventual Estado palestino, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tem outras prioridades, incluindo permanecer no poder e agradar seus parceiros de extrema direita na coalizão de governo. Sem um plano para o pós-guerra, as conversas sobre os assentamentos preenchem o vácuo e alarmam aliados de Israel.
O movimento para ocupar Gaza é motivado por um fervor nacionalista, zelo religioso e preocupações de segurança após os ataques de 7 de outubro, quando os combatentes do Hamas atacaram a fronteira israelense com Gaza, matando 1,2 mil pessoas e levando outras 240 como reféns, de acordo com o governo de Israel.
A guerra subsequente, e a ausência de um plano alternativo para o futuro de Gaza, oferece o que os colonos veem como uma oportunidade. Por quase duas décadas, eles e seus apoiadores afirmam que a retirada de 2005 foi um recuo catastrófico.
O primeiro-ministro de Israel e o ministro da Defesa afastaram a possibilidade de um reassentamento, e a ideia não tem o apoio da maior parte dos israelenses. Uma pesquisa da Universidade Hebraica, de dezembro, apontou que 56% dos entrevistados são contra uma reocupação de Gaza. Mas uma minoria barulhenta tenta criar uma base para seu projeto, com o apoio de parlamentares da coalizão de extrema direita de Netanyahu.
O sonho dos colonos de Israel retornar a Gaza significaria que todos os palestinos vivendo na área teriam que sair, e enquanto o movimento pró-assentamento ainda está dividido sobre como fazer isso, alguns extremistas defendem a deportação.
Radicalismo ao vivo
Recentemente, em uma conferência de colonos em Jerusalém, acompanhada por 3,5 mil pessoas, incluindo alguns dos ministros mais radicais de Netanyahu, um grupo levantava um cartaz que dizia “somente a transferência trará paz”. Uma aparente defesa da retirada dos palestinos de Gaza.
Enquanto fazia seu discurso, Itamar Ben-Gvir, o radical que ocupa o Ministério da Segurança Nacional, viu os cartazes e disse ao grupo que “estão certos”. Sobre os palestinos que vivem hoje em Gaza, ele foi direto: “Eles deveriam sair dali”, bradou, acompanhado por gritos de “expulsão” vindos do público.
O movimento de colonos tem uma história antiga e apoiadores poderosos, incluindo Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças de Israel. Os dois têm grande influência porque seus pequenos partidos são cruciais para manter a coalizão de governo de Netanyahu no poder.
O governo de Israel começou a construir assentamentos depois da guerra Árabe-Israelense de 1967, quando Israel capturou a Cisjordânia da Jordânia e Gaza do Egito. A maior parte dos países considera os assentamentos ilegais, e os veem como um obstáculo à criação de um Estado palestino soberano. Apesar de Israel ter saído de Gaza, mais de 200 assentamentos, com mais de 500 mil moradores, permanecem na Cisjordânia ocupada.
Além dos políticos de extrema direita, o movimento inclui ainda israelenses que moravam em Gaza antes de 2005, assim como religiosos linha-dura de assentamentos na Cisjordânia. Uma figura conhecida em protestos, Uzi Sharbav, foi condenado pela participação no assassinato de três palestinos em 1980. Apesar de ser condenado a algumas décadas de prisão, foi perdoado em 1990.
Alguns colonos veem o retorno a Gaza por uma ótica religiosa, e querem voltar a habitar a terra de seus ancestrais, cumprindo o que acreditam ser uma promessa feita por Deus nos tempos bíblicos. Outros dizem que os assentamentos são essenciais para a segurança de Israel, argumentando que sua presença entre os palestinos dificulta o planejamento de ataques.
Avishai Bar-Yehuda, de 67 anos, foi forçado a deixar a Faixa de Gaza com sua família há quase 20 anos. Agora, com um câncer em estágio avançado, seu último desejo é ser enterrado nas areias de Gaza. “Nós rezamos pelo retorno”, disse na reunião dos colonos.
Provocação
A pressão para reassentar Gaza ocorre através de canais políticos, pelos quais os políticos de extrema direita tentam lhe dar o apoio legal, e através dos movimentos de base. Em uma provocação no mês passado, colonos enviaram, por um curto período, suas crianças através das linhas militares para brincar dentro de uma zona tampão perto da Faixa de Gaza.
Em novembro, 11 membros do parlamento israelense, em sua maior parte do partido de Netanyahu, o Likud, propuseram uma lei proibindo a entrada de cidadãos israelenses em Gaza. O plano não avançou, e Netanyahu disse que a reocupação é um “objetivo irreal”. Os EUA recentemente impuseram sanções contra quatro colonos na Cisjordânia, em meio ao aumento de ataques contra palestinos no território, ressaltando a oposição estrangeira aos planos de novos assentamentos.
Mas o movimento dos colonos tem um histórico de ignorar críticas do exterior e as políticas internas, por vezes construindo primeiro e depois buscando legalizar o local. Lideranças dos assentamentos já fazem planos para infiltrar Gaza, na esperança de que vilarejos não autorizados possam eventualmente ser reconhecidos.
No começo de fevereiro, cerca de 100 ativistas entraram em uma zona militar perto da fronteira, tentando invadir Gaza. Eles foram barrados pelos soldados, e um deles, Amos Azaria, explicou como os apoiadores começariam com pequenas ocupações.
“Continuaremos a tentar entrar”, disse, em uma entrevista pouco depois da operação fracassada. “Deveríamos ter tido mais sucesso hoje, provavelmente seremos removidos rapidamente. Mas vamos dar passos mais concretos. Vamos chegar com tendas e tentar iniciar a ocupação. Muitas famílias estão prontas para isso, custe o que custar.”
Alguns acreditam que os soldados israelenses já em Gaza poderão ajudar os colonos. E muitos soldados postaram vídeos de dentro do território palestino expressando apoio aos assentamentos. “É nosso país, todo ele, Gaza também”, Avihai Friedman, um rabino militar, disse a um grupo de soldados em Gaza, uma fala gravada por celular. “Toda a terra prometida”.
Líderes dos colonos tentaram afastar a ideia de que eles são guiados apenas por convicções religiosas. Eles argumentam que essas comunidades deixam Israel mais seguro, e que se pudessem ter continuado em Gaza, seria mais difícil para o Hamas e outros grupos militantes organizarem os ataques de 7 de outubro.
“Apenas os assentamentos justificam a presença militar a longo prazo, o que também garante a segurança”, disse o brigadeiro-general Amir Avivi, ex-vice-comandante da Divisão de Gaza e hoje chefe do Fórum de Defesa e Segurança de Israel, um instituto ligado à direita.
Muitos israelenses discordam. “Os assentamentos ali eram um risco de segurança”, disse Omer Zanany, especialista de segurança em um centro de pesquisa de política externa, o Instituto Mitvim, e na Fundação Berl Katznelson. “As forças militares de Israel tinham que escoltar as crianças aos jardins de infância e escolas”.
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Husam Zomlot, embaixador palestino no Reino Unido, comparou o reassentamento com o deslocamento em massa dos palestinos que cercou a fundação de Israel em 1948. “O governo (do presidente dos EUA, Joe) Biden poderia pôr fim a tudo isso amanhã se parasse de proteger, armar e financiar não apenas Israel, mas sua expansão ilegal”, disse.
A oposição também ocorre entre alguns líderes de assentamentos. Oded Revivi, prefeito de Efrat, um assentamento onde vivem 11 mil pessoas, disse que a reocupação de Gaza “não tem lastro na realidade”, afirmando ainda que “não há justificativa para a deportação de palestinos”.
Apesar do governo de Netanyahu não apoiar oficialmente o reassentamento, críticos temem que a ideia ganhe força porque as lideranças de Israel não propuseram uma visão alternativa real. “O que me assusta é que o movimento dos colonos está jogando em um campo vazio”, disse Zanany. “Ninguém está apresentando uma visão para o pós-guerra”.
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