É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Casca de banana para o Brasil; leia coluna


Lula já perturbou os americanos com navios do Irã e discurso sobre Ucrânia e agora visitará Pequim, que vive crise com EUA

Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

A eleição de Lula parecia descortinar um horizonte amplo para a inserção do Brasil no mundo. As atitudes do presidente estão turvando esse céu de brigadeiro. A Amazônia continuará sendo o foco de interesse ganha-ganha para o Ocidente. Mas os vícios de leitura na geopolítica podem fechar portas estratégicas.

Lula se lançou na resolução do conflito da Ucrânia com o discurso de que “quando um não quer, dois não brigam”, “a guerra não interessa a ninguém” e “o Brasil é um país de paz”. Parecem platitudes inofensivas. Para americanos e europeus, são ofensas, porque dão a impressão de que a guerra lhes interessa.

Lula usa esse discurso para se opor às sanções contra a Rússia e à ajuda à Ucrânia. Os governos ocidentais fizeram o que estava a seu alcance para evitar a invasão, e pagam um alto preço econômico e político pela guerra. Salvar a Ucrânia da ocupação russa é visto como obrigação moral e necessidade geopolítica de conter os planos imperialistas de Vladimir Putin.

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Intromissão.

Lula não está sozinho no Sul Global ao não entender essas questões. O problema é ele se intrometer com posições que vê como equidistantes, mas que resultam na prática em normalização da invasão.

Tanque M1 Abrams que os EUA enviarão para a Ucrânia 
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O Ocidente já cometeu esse erro, e não pretende repeti-lo. Depois da primeira invasão de Putin em 2014, EUA e Europa obrigaram a Ucrânia a aceitar os acordos de Minsk, que resultaram em cessar-fogo incondicional, exatamente como o Brasil propõe, e incentivaram Putin a tentar ocupar o resto, oito anos depois.

A autorização para o porta-helicópteros e a fragata do Irã atracarem no Rio de Janeiro se politizou nos Estados Unidos. O senador republicano Ted Cruz defendeu a adoção de sanções contra o Brasil. O ex-presidente Jair Bolsonaro agarrou a oportunidade nesse sábado, em discurso na conferência conservadora americana CPAC, liderada por Donald Trump: “Não haveria esse problema dos navios iranianos se eu fosse presidente”.

Navio pertencente à frota de guerra iraniana, ancorado no porto do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão
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Como me disse uma fonte próxima ao governo Biden, os EUA encaram o Atlântico Sul como área segura. Seria contrário aos interesses brasileiros se a direita americana forçasse Biden, que enfrenta eleições no ano que vem, a colocar em discussão uma projeção naval na região, reforçando a retórica anti-imperialista por parte do Brasil. “Seria um ciclo de toxicidade”, me disse a fonte.

EUA e Europa temem que a China esteja se preparando para fornecer armas à Rússia, e advertiram para sérias consequências se isso se confirmar. O Grupo Eurasia calcula em 40% o risco de isso ocorrer. Mesmo assim, como me disse Christopher Garman, diretor do grupo para a América Latina, a visita de Lula a Pequim no fim deste mês pode se tornar uma “casca de banana” para o Brasil. l

A eleição de Lula parecia descortinar um horizonte amplo para a inserção do Brasil no mundo. As atitudes do presidente estão turvando esse céu de brigadeiro. A Amazônia continuará sendo o foco de interesse ganha-ganha para o Ocidente. Mas os vícios de leitura na geopolítica podem fechar portas estratégicas.

Lula se lançou na resolução do conflito da Ucrânia com o discurso de que “quando um não quer, dois não brigam”, “a guerra não interessa a ninguém” e “o Brasil é um país de paz”. Parecem platitudes inofensivas. Para americanos e europeus, são ofensas, porque dão a impressão de que a guerra lhes interessa.

Lula usa esse discurso para se opor às sanções contra a Rússia e à ajuda à Ucrânia. Os governos ocidentais fizeram o que estava a seu alcance para evitar a invasão, e pagam um alto preço econômico e político pela guerra. Salvar a Ucrânia da ocupação russa é visto como obrigação moral e necessidade geopolítica de conter os planos imperialistas de Vladimir Putin.

Intromissão.

Lula não está sozinho no Sul Global ao não entender essas questões. O problema é ele se intrometer com posições que vê como equidistantes, mas que resultam na prática em normalização da invasão.

Tanque M1 Abrams que os EUA enviarão para a Ucrânia 

O Ocidente já cometeu esse erro, e não pretende repeti-lo. Depois da primeira invasão de Putin em 2014, EUA e Europa obrigaram a Ucrânia a aceitar os acordos de Minsk, que resultaram em cessar-fogo incondicional, exatamente como o Brasil propõe, e incentivaram Putin a tentar ocupar o resto, oito anos depois.

A autorização para o porta-helicópteros e a fragata do Irã atracarem no Rio de Janeiro se politizou nos Estados Unidos. O senador republicano Ted Cruz defendeu a adoção de sanções contra o Brasil. O ex-presidente Jair Bolsonaro agarrou a oportunidade nesse sábado, em discurso na conferência conservadora americana CPAC, liderada por Donald Trump: “Não haveria esse problema dos navios iranianos se eu fosse presidente”.

Navio pertencente à frota de guerra iraniana, ancorado no porto do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Como me disse uma fonte próxima ao governo Biden, os EUA encaram o Atlântico Sul como área segura. Seria contrário aos interesses brasileiros se a direita americana forçasse Biden, que enfrenta eleições no ano que vem, a colocar em discussão uma projeção naval na região, reforçando a retórica anti-imperialista por parte do Brasil. “Seria um ciclo de toxicidade”, me disse a fonte.

EUA e Europa temem que a China esteja se preparando para fornecer armas à Rússia, e advertiram para sérias consequências se isso se confirmar. O Grupo Eurasia calcula em 40% o risco de isso ocorrer. Mesmo assim, como me disse Christopher Garman, diretor do grupo para a América Latina, a visita de Lula a Pequim no fim deste mês pode se tornar uma “casca de banana” para o Brasil. l

A eleição de Lula parecia descortinar um horizonte amplo para a inserção do Brasil no mundo. As atitudes do presidente estão turvando esse céu de brigadeiro. A Amazônia continuará sendo o foco de interesse ganha-ganha para o Ocidente. Mas os vícios de leitura na geopolítica podem fechar portas estratégicas.

Lula se lançou na resolução do conflito da Ucrânia com o discurso de que “quando um não quer, dois não brigam”, “a guerra não interessa a ninguém” e “o Brasil é um país de paz”. Parecem platitudes inofensivas. Para americanos e europeus, são ofensas, porque dão a impressão de que a guerra lhes interessa.

Lula usa esse discurso para se opor às sanções contra a Rússia e à ajuda à Ucrânia. Os governos ocidentais fizeram o que estava a seu alcance para evitar a invasão, e pagam um alto preço econômico e político pela guerra. Salvar a Ucrânia da ocupação russa é visto como obrigação moral e necessidade geopolítica de conter os planos imperialistas de Vladimir Putin.

Intromissão.

Lula não está sozinho no Sul Global ao não entender essas questões. O problema é ele se intrometer com posições que vê como equidistantes, mas que resultam na prática em normalização da invasão.

Tanque M1 Abrams que os EUA enviarão para a Ucrânia 

O Ocidente já cometeu esse erro, e não pretende repeti-lo. Depois da primeira invasão de Putin em 2014, EUA e Europa obrigaram a Ucrânia a aceitar os acordos de Minsk, que resultaram em cessar-fogo incondicional, exatamente como o Brasil propõe, e incentivaram Putin a tentar ocupar o resto, oito anos depois.

A autorização para o porta-helicópteros e a fragata do Irã atracarem no Rio de Janeiro se politizou nos Estados Unidos. O senador republicano Ted Cruz defendeu a adoção de sanções contra o Brasil. O ex-presidente Jair Bolsonaro agarrou a oportunidade nesse sábado, em discurso na conferência conservadora americana CPAC, liderada por Donald Trump: “Não haveria esse problema dos navios iranianos se eu fosse presidente”.

Navio pertencente à frota de guerra iraniana, ancorado no porto do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Como me disse uma fonte próxima ao governo Biden, os EUA encaram o Atlântico Sul como área segura. Seria contrário aos interesses brasileiros se a direita americana forçasse Biden, que enfrenta eleições no ano que vem, a colocar em discussão uma projeção naval na região, reforçando a retórica anti-imperialista por parte do Brasil. “Seria um ciclo de toxicidade”, me disse a fonte.

EUA e Europa temem que a China esteja se preparando para fornecer armas à Rússia, e advertiram para sérias consequências se isso se confirmar. O Grupo Eurasia calcula em 40% o risco de isso ocorrer. Mesmo assim, como me disse Christopher Garman, diretor do grupo para a América Latina, a visita de Lula a Pequim no fim deste mês pode se tornar uma “casca de banana” para o Brasil. l

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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