O emprego de mísseis mais potentes pela Ucrânia e pela Rússia mobilizou, compreensivelmente, as atenções nos últimos dias. Mas algo com consequências mais profundas tem passado despercebido: os crescentes sinais de apoio militar da China à Rússia.
Documentos obtidos pela agência Reuters indicam que a IEMZ Kupol, subsidiária da empresa estatal russa de armamentos Almaz-Antey, desenvolveu na China um novo drone militar, chamado Garpiya-3 (G3), com a ajuda de especialistas chineses. O G3 pode voar cerca de 2 mil km, com carga explosiva de 50 kg, de acordo com relatórios enviados pela Kupol ao Ministério da Defesa russo.
A China tem fornecido à Rússia maquinário e componentes microeletrônicos necessários para a fabricação de mísseis, tanques e aviões de guerra. Em 2023, cerca de 90% das importações de microeletrônicos e 70% de maquinário da Rússia foram provenientes da China. O chanceler alemão, Olaf Scholz, manifestou preocupação com essa ajuda em reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, na cúpula do G20. Não há informações sobre o que Xi respondeu.
Em 2023, a China comprou da Rússia US$ 60,7 bilhões em petróleo, equivalentes a 19% das importações chinesas desse combustível; US$ 6,4 bilhões em gás natural; US$ 3,9 bilhões em gás liquefeito; e US$ 9,3 bilhões em carvão.
Por duas vezes, navios chineses foram flagrados no local e momento de sabotagens entre a Escandinávia e o Mar Báltico. O último episódio ocorreu no dia 19, envolvendo o Yi Peng 3, cujo capitão é russo. Ele é suspeito de ter cortado dois cabos submarinos, um ligando a Finlândia e a Alemanha e o outro, a Lituânia e a Suécia — todos membros da Otan.
Há um ano, outro navio chinês, o Newnew Polar Bear, foi detectado no momento e lugar em que se romperam um gasoduto entre a Finlândia e a Estônia e dois cabos de comunicação que ligavam os dois países e também a Estônia à Suécia — de novo, integrantes da Otan.
Essas ações se inscrevem na doutrina da guerra híbrida, amplamente usada pela Rússia, China e Coreia do Norte, que inclui também desinformação e ataques cibernéticos. A China emprega esses métodos contra Taiwan; a Rússia, contra a Ucrânia; a Coreia do Norte, contra a Coreia do Sul; e os três, contra os Estados Unidos.
Já no campo da guerra convencional, a volta de Donald Trump à Casa Branca intensifica a escalada entre Ucrânia e Rússia, ambas preocupadas em fortalecer suas posições em eventual cessar-fogo que o presidente eleito tentará impor.
A mobilização de 11 mil soldados norte-coreanos pelos russos levou o presidente Joe Biden a finalmente autorizar o emprego dos mísseis Atacms, com 300 km de alcance, em território russo. Os ucranianos passaram a empregar também os mísseis anglo-franceses Storm Shadow, com alcance de 250 km.
Em resposta, Vladimir Putin reduziu as condições para o emprego de armas nucleares e ordenou o disparo do míssil balístico de alcance intermediário (entre 1.800 e 5.500 km) Oreshnik contra o complexo industrial-militar ucraniano de Yuzhmash, em Dnipro, que fabrica lançadores de satélites, mísseis e foguetes.
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Segundo Putin, o míssil alcança velocidade 11 Mach, equivalente a 4 km/s, o que o tornaria impossível de interceptar. Ele é capaz de transportar ogivas nucleares e um total de 36 cargas explosivas, mas foi usado com carga convencional. Foi o primeiro disparo dessa arma e há poucas informações sobre ela. Não se sabe se o sistema antiaéreo americano Patriot, o mais avançado, é capaz de derrubá-la.
O emprego desse míssil não faz sentido militar no teatro ucraniano. O propósito foi político: “Consideramos que temos o direito de usar nossas armas contra instalações militares dos países que permitem que suas armas sejam usadas contra nossas instalações”, alertou Putin. Entretanto, a Rússia informou os EUA antes do disparo, seguindo o protocolo Redução de Risco Nuclear, firmado entre os dois países.
Isso significa que Putin não deseja correr o risco de guerra direta com os Estados Unidos e a Otan, que têm capacidade de aniquilar o seu regime. Como tem feito desde antes da invasão da Ucrânia, ele pretende apenas intimidar as democracias ocidentais que, ao contrário das ditaduras russa e chinesa, são sensíveis aos temores de sua opinião pública.
Tem funcionado: graças a essas chantagens, o Ocidente tem dado à Ucrânia ajuda militar a conta-gotas, insuficiente para uma vitória decisiva. Isso só serviu para aumentar o sofrimento de ucranianos e russos. E potencialmente de toda a Europa: o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, prevê que a Alemanha travará uma guerra com a Rússia dentro de cinco a oito anos.