Por que o mundo vive a maior onda de conflitos em décadas? Leia coluna de Oliver Stuenkel


Mudanças climáticas, deslocamentos de poder e a interconectividade global estão entre os principais fatores que podem ajudar a entender a multiplicação de guerras.

Por Oliver Stuenkel

O mundo está vivendo a pior onda de conflitos em décadas. Em estudo publicado antes da recente escalada de violência entre Israel e Hamas, o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (PRIO) indica haver atualmente 55 conflitos envolvendo 38 Estados e calcula a média de duração deles em onze anos. Uma década antes, o mesmo instituto identificou 33 conflitos com duração média de sete anos. Em 2022, mais de 200 mil pessoas morreram em batalhas relacionadas a confrontos envolvendo Estados – mais do que em qualquer ano desde 1984. Esses dados não incluem combates entre grupos não-estatais, como rebeldes ou cartéis de drogas, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano – como no México, onde numerosas facções criminosas estão engajadas em conflitos armados.

Vale destacar alguns exemplos. Mais de 600 mil civis morreram durante a recente guerra na Etiópia, em parte devido ao bloqueio do governo, que impediu a entrada de ajuda humanitária no país. Na invasão russa à Ucrânia, morreram centenas de milhares de pessoas desde o ano passado, produzindo a pior crise de refúgio na Europa em anos. Mais de dez mil pessoas morreram nas primeiras quatro semanas do conflito entre Israel e Hamas. Há atualmente uma campanha de limpeza étnica no Sudão, onde a atual guerra civil entre duas facções das Forças Armadas já matou 9 mil e deslocou 5.6 milhões de pessoas. A República Democrática do Congo (DRC) registra 6.9 milhões de deslocados internos em meio à atual guerra civil. Isso sem mencionar as sangrentas guerras civis na Somália, no Iêmen e na Líbia; o conflito entre Armênia e Azerbaijão; a guerra civil no Mianmar; a recente decisão do Paquistão de expulsar 1.7 milhão de refugiados afegãos, que produzirá mais uma catástrofe humanitária; ou a crise generalizada no Sahel, onde o avanço da violência jihadista matou mais de 20 mil pessoas ao longo dos últimos 12 meses.

Soldados de Burkina Faso, no Sahel, onde a violência avança após sucessivos golpes de Estado na região.  Foto: AP /Kilaye Bationo
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Não há consenso sobre o porquê do recente aumento de conflitos, mas é possível apontar uma série de fatores relevantes. Na África e no Oriente Médio, a desertificação e a frequência de ocorrências climáticas extremas ameaça populações rurais e acirra a disputa por pastos. Vale lembrar que foi uma seca histórica, entre 2006 e 2010, na Síria que levou jovens daquele país a migrarem para as cidades, elevando o desemprego urbano e aumentando o descontentamento geral. Esse fenômeno contribuiu para as grandes manifestações contra o governo cuja repressão brutal causou uma guerra civil, que já matou mais de 300 mil pessoas.

Outro fator é o efeito desestabilizador de conflitos já existentes em um sistema econômico e político muito mais interconectado e vulnerável do que antes. Por exemplo, em função da invasão russa à Ucrânia no ano passado, o preço do trigo e de fertilizantes explodiu, elevando a inflação e a miséria em numeroso países africanos e tornando-os mais vulneráveis a grupos extremistas como o Estado Islâmico. Com parte considerável de sua atenção e de suas tropas envolvidas na guerra na Ucrânia, a Rússia perdeu a capacidade de controlar eventos no conflito entre Armênia, seu tradicional aliado no Cáucaso, e Azerbaijão, o que permitiu às forças azeris expulsar, em setembro, mais 100 mil armênios do território de Nagorno Karabakh.

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Há 40 anos, um conflito armado entre a República Popular da China e Taiwan dificilmente teria produzido um choque econômico global. Hoje, em função da interconectividade econômica mundial, uma guerra entre Pequim e Taipei teria o potencial de produzir grave recessão e escassez de produtos mundo afora, além de provocar uma corrida armamentista nuclear na Ásia entre nações como o Japão e a Coreia do Sul, que querem se proteger da China.

Em terceiro, enquanto a multipolaridade per se não necessariamente eleva o risco de guerras, a emergência de novas potências torna o mundo mais complexo e pode “descongelar” conflitos antigos e criar oportunidades para o revisionismo. A invasão russa à Ucrânia é um exemplo: o governo em Moscou nunca escondeu o desejo de interromper a estratégia de aproximação de Kyiv ao Ocidente, mas Putin não teria tido meios, 20 anos atrás, de resistir economicamente às sanções ocidentais em resposta a uma invasão do país vizinho. Foi só a ascensão da China, da Índia e de outras potências dispostas a manter relações comerciais com Moscou, mesmo no caso de uma guerra contra a Ucrânia, que permitiu a Putin iniciar o conflito.

Por fim, com a piora significativa das relações entre as principais potências e a paralisia de importantes órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, reduz-se a capacidade de a comunidade internacional reagir à escalada de conflitos.

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Não se pode descartar, portanto, a possibilidade de que a elevada quantidade de guerras na atualidade não seja uma aberração, mas sim um novo normal.

O mundo está vivendo a pior onda de conflitos em décadas. Em estudo publicado antes da recente escalada de violência entre Israel e Hamas, o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (PRIO) indica haver atualmente 55 conflitos envolvendo 38 Estados e calcula a média de duração deles em onze anos. Uma década antes, o mesmo instituto identificou 33 conflitos com duração média de sete anos. Em 2022, mais de 200 mil pessoas morreram em batalhas relacionadas a confrontos envolvendo Estados – mais do que em qualquer ano desde 1984. Esses dados não incluem combates entre grupos não-estatais, como rebeldes ou cartéis de drogas, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano – como no México, onde numerosas facções criminosas estão engajadas em conflitos armados.

Vale destacar alguns exemplos. Mais de 600 mil civis morreram durante a recente guerra na Etiópia, em parte devido ao bloqueio do governo, que impediu a entrada de ajuda humanitária no país. Na invasão russa à Ucrânia, morreram centenas de milhares de pessoas desde o ano passado, produzindo a pior crise de refúgio na Europa em anos. Mais de dez mil pessoas morreram nas primeiras quatro semanas do conflito entre Israel e Hamas. Há atualmente uma campanha de limpeza étnica no Sudão, onde a atual guerra civil entre duas facções das Forças Armadas já matou 9 mil e deslocou 5.6 milhões de pessoas. A República Democrática do Congo (DRC) registra 6.9 milhões de deslocados internos em meio à atual guerra civil. Isso sem mencionar as sangrentas guerras civis na Somália, no Iêmen e na Líbia; o conflito entre Armênia e Azerbaijão; a guerra civil no Mianmar; a recente decisão do Paquistão de expulsar 1.7 milhão de refugiados afegãos, que produzirá mais uma catástrofe humanitária; ou a crise generalizada no Sahel, onde o avanço da violência jihadista matou mais de 20 mil pessoas ao longo dos últimos 12 meses.

Soldados de Burkina Faso, no Sahel, onde a violência avança após sucessivos golpes de Estado na região.  Foto: AP /Kilaye Bationo

Não há consenso sobre o porquê do recente aumento de conflitos, mas é possível apontar uma série de fatores relevantes. Na África e no Oriente Médio, a desertificação e a frequência de ocorrências climáticas extremas ameaça populações rurais e acirra a disputa por pastos. Vale lembrar que foi uma seca histórica, entre 2006 e 2010, na Síria que levou jovens daquele país a migrarem para as cidades, elevando o desemprego urbano e aumentando o descontentamento geral. Esse fenômeno contribuiu para as grandes manifestações contra o governo cuja repressão brutal causou uma guerra civil, que já matou mais de 300 mil pessoas.

Outro fator é o efeito desestabilizador de conflitos já existentes em um sistema econômico e político muito mais interconectado e vulnerável do que antes. Por exemplo, em função da invasão russa à Ucrânia no ano passado, o preço do trigo e de fertilizantes explodiu, elevando a inflação e a miséria em numeroso países africanos e tornando-os mais vulneráveis a grupos extremistas como o Estado Islâmico. Com parte considerável de sua atenção e de suas tropas envolvidas na guerra na Ucrânia, a Rússia perdeu a capacidade de controlar eventos no conflito entre Armênia, seu tradicional aliado no Cáucaso, e Azerbaijão, o que permitiu às forças azeris expulsar, em setembro, mais 100 mil armênios do território de Nagorno Karabakh.

Há 40 anos, um conflito armado entre a República Popular da China e Taiwan dificilmente teria produzido um choque econômico global. Hoje, em função da interconectividade econômica mundial, uma guerra entre Pequim e Taipei teria o potencial de produzir grave recessão e escassez de produtos mundo afora, além de provocar uma corrida armamentista nuclear na Ásia entre nações como o Japão e a Coreia do Sul, que querem se proteger da China.

Em terceiro, enquanto a multipolaridade per se não necessariamente eleva o risco de guerras, a emergência de novas potências torna o mundo mais complexo e pode “descongelar” conflitos antigos e criar oportunidades para o revisionismo. A invasão russa à Ucrânia é um exemplo: o governo em Moscou nunca escondeu o desejo de interromper a estratégia de aproximação de Kyiv ao Ocidente, mas Putin não teria tido meios, 20 anos atrás, de resistir economicamente às sanções ocidentais em resposta a uma invasão do país vizinho. Foi só a ascensão da China, da Índia e de outras potências dispostas a manter relações comerciais com Moscou, mesmo no caso de uma guerra contra a Ucrânia, que permitiu a Putin iniciar o conflito.

Por fim, com a piora significativa das relações entre as principais potências e a paralisia de importantes órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, reduz-se a capacidade de a comunidade internacional reagir à escalada de conflitos.

Não se pode descartar, portanto, a possibilidade de que a elevada quantidade de guerras na atualidade não seja uma aberração, mas sim um novo normal.

O mundo está vivendo a pior onda de conflitos em décadas. Em estudo publicado antes da recente escalada de violência entre Israel e Hamas, o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (PRIO) indica haver atualmente 55 conflitos envolvendo 38 Estados e calcula a média de duração deles em onze anos. Uma década antes, o mesmo instituto identificou 33 conflitos com duração média de sete anos. Em 2022, mais de 200 mil pessoas morreram em batalhas relacionadas a confrontos envolvendo Estados – mais do que em qualquer ano desde 1984. Esses dados não incluem combates entre grupos não-estatais, como rebeldes ou cartéis de drogas, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano – como no México, onde numerosas facções criminosas estão engajadas em conflitos armados.

Vale destacar alguns exemplos. Mais de 600 mil civis morreram durante a recente guerra na Etiópia, em parte devido ao bloqueio do governo, que impediu a entrada de ajuda humanitária no país. Na invasão russa à Ucrânia, morreram centenas de milhares de pessoas desde o ano passado, produzindo a pior crise de refúgio na Europa em anos. Mais de dez mil pessoas morreram nas primeiras quatro semanas do conflito entre Israel e Hamas. Há atualmente uma campanha de limpeza étnica no Sudão, onde a atual guerra civil entre duas facções das Forças Armadas já matou 9 mil e deslocou 5.6 milhões de pessoas. A República Democrática do Congo (DRC) registra 6.9 milhões de deslocados internos em meio à atual guerra civil. Isso sem mencionar as sangrentas guerras civis na Somália, no Iêmen e na Líbia; o conflito entre Armênia e Azerbaijão; a guerra civil no Mianmar; a recente decisão do Paquistão de expulsar 1.7 milhão de refugiados afegãos, que produzirá mais uma catástrofe humanitária; ou a crise generalizada no Sahel, onde o avanço da violência jihadista matou mais de 20 mil pessoas ao longo dos últimos 12 meses.

Soldados de Burkina Faso, no Sahel, onde a violência avança após sucessivos golpes de Estado na região.  Foto: AP /Kilaye Bationo

Não há consenso sobre o porquê do recente aumento de conflitos, mas é possível apontar uma série de fatores relevantes. Na África e no Oriente Médio, a desertificação e a frequência de ocorrências climáticas extremas ameaça populações rurais e acirra a disputa por pastos. Vale lembrar que foi uma seca histórica, entre 2006 e 2010, na Síria que levou jovens daquele país a migrarem para as cidades, elevando o desemprego urbano e aumentando o descontentamento geral. Esse fenômeno contribuiu para as grandes manifestações contra o governo cuja repressão brutal causou uma guerra civil, que já matou mais de 300 mil pessoas.

Outro fator é o efeito desestabilizador de conflitos já existentes em um sistema econômico e político muito mais interconectado e vulnerável do que antes. Por exemplo, em função da invasão russa à Ucrânia no ano passado, o preço do trigo e de fertilizantes explodiu, elevando a inflação e a miséria em numeroso países africanos e tornando-os mais vulneráveis a grupos extremistas como o Estado Islâmico. Com parte considerável de sua atenção e de suas tropas envolvidas na guerra na Ucrânia, a Rússia perdeu a capacidade de controlar eventos no conflito entre Armênia, seu tradicional aliado no Cáucaso, e Azerbaijão, o que permitiu às forças azeris expulsar, em setembro, mais 100 mil armênios do território de Nagorno Karabakh.

Há 40 anos, um conflito armado entre a República Popular da China e Taiwan dificilmente teria produzido um choque econômico global. Hoje, em função da interconectividade econômica mundial, uma guerra entre Pequim e Taipei teria o potencial de produzir grave recessão e escassez de produtos mundo afora, além de provocar uma corrida armamentista nuclear na Ásia entre nações como o Japão e a Coreia do Sul, que querem se proteger da China.

Em terceiro, enquanto a multipolaridade per se não necessariamente eleva o risco de guerras, a emergência de novas potências torna o mundo mais complexo e pode “descongelar” conflitos antigos e criar oportunidades para o revisionismo. A invasão russa à Ucrânia é um exemplo: o governo em Moscou nunca escondeu o desejo de interromper a estratégia de aproximação de Kyiv ao Ocidente, mas Putin não teria tido meios, 20 anos atrás, de resistir economicamente às sanções ocidentais em resposta a uma invasão do país vizinho. Foi só a ascensão da China, da Índia e de outras potências dispostas a manter relações comerciais com Moscou, mesmo no caso de uma guerra contra a Ucrânia, que permitiu a Putin iniciar o conflito.

Por fim, com a piora significativa das relações entre as principais potências e a paralisia de importantes órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, reduz-se a capacidade de a comunidade internacional reagir à escalada de conflitos.

Não se pode descartar, portanto, a possibilidade de que a elevada quantidade de guerras na atualidade não seja uma aberração, mas sim um novo normal.

O mundo está vivendo a pior onda de conflitos em décadas. Em estudo publicado antes da recente escalada de violência entre Israel e Hamas, o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (PRIO) indica haver atualmente 55 conflitos envolvendo 38 Estados e calcula a média de duração deles em onze anos. Uma década antes, o mesmo instituto identificou 33 conflitos com duração média de sete anos. Em 2022, mais de 200 mil pessoas morreram em batalhas relacionadas a confrontos envolvendo Estados – mais do que em qualquer ano desde 1984. Esses dados não incluem combates entre grupos não-estatais, como rebeldes ou cartéis de drogas, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano – como no México, onde numerosas facções criminosas estão engajadas em conflitos armados.

Vale destacar alguns exemplos. Mais de 600 mil civis morreram durante a recente guerra na Etiópia, em parte devido ao bloqueio do governo, que impediu a entrada de ajuda humanitária no país. Na invasão russa à Ucrânia, morreram centenas de milhares de pessoas desde o ano passado, produzindo a pior crise de refúgio na Europa em anos. Mais de dez mil pessoas morreram nas primeiras quatro semanas do conflito entre Israel e Hamas. Há atualmente uma campanha de limpeza étnica no Sudão, onde a atual guerra civil entre duas facções das Forças Armadas já matou 9 mil e deslocou 5.6 milhões de pessoas. A República Democrática do Congo (DRC) registra 6.9 milhões de deslocados internos em meio à atual guerra civil. Isso sem mencionar as sangrentas guerras civis na Somália, no Iêmen e na Líbia; o conflito entre Armênia e Azerbaijão; a guerra civil no Mianmar; a recente decisão do Paquistão de expulsar 1.7 milhão de refugiados afegãos, que produzirá mais uma catástrofe humanitária; ou a crise generalizada no Sahel, onde o avanço da violência jihadista matou mais de 20 mil pessoas ao longo dos últimos 12 meses.

Soldados de Burkina Faso, no Sahel, onde a violência avança após sucessivos golpes de Estado na região.  Foto: AP /Kilaye Bationo

Não há consenso sobre o porquê do recente aumento de conflitos, mas é possível apontar uma série de fatores relevantes. Na África e no Oriente Médio, a desertificação e a frequência de ocorrências climáticas extremas ameaça populações rurais e acirra a disputa por pastos. Vale lembrar que foi uma seca histórica, entre 2006 e 2010, na Síria que levou jovens daquele país a migrarem para as cidades, elevando o desemprego urbano e aumentando o descontentamento geral. Esse fenômeno contribuiu para as grandes manifestações contra o governo cuja repressão brutal causou uma guerra civil, que já matou mais de 300 mil pessoas.

Outro fator é o efeito desestabilizador de conflitos já existentes em um sistema econômico e político muito mais interconectado e vulnerável do que antes. Por exemplo, em função da invasão russa à Ucrânia no ano passado, o preço do trigo e de fertilizantes explodiu, elevando a inflação e a miséria em numeroso países africanos e tornando-os mais vulneráveis a grupos extremistas como o Estado Islâmico. Com parte considerável de sua atenção e de suas tropas envolvidas na guerra na Ucrânia, a Rússia perdeu a capacidade de controlar eventos no conflito entre Armênia, seu tradicional aliado no Cáucaso, e Azerbaijão, o que permitiu às forças azeris expulsar, em setembro, mais 100 mil armênios do território de Nagorno Karabakh.

Há 40 anos, um conflito armado entre a República Popular da China e Taiwan dificilmente teria produzido um choque econômico global. Hoje, em função da interconectividade econômica mundial, uma guerra entre Pequim e Taipei teria o potencial de produzir grave recessão e escassez de produtos mundo afora, além de provocar uma corrida armamentista nuclear na Ásia entre nações como o Japão e a Coreia do Sul, que querem se proteger da China.

Em terceiro, enquanto a multipolaridade per se não necessariamente eleva o risco de guerras, a emergência de novas potências torna o mundo mais complexo e pode “descongelar” conflitos antigos e criar oportunidades para o revisionismo. A invasão russa à Ucrânia é um exemplo: o governo em Moscou nunca escondeu o desejo de interromper a estratégia de aproximação de Kyiv ao Ocidente, mas Putin não teria tido meios, 20 anos atrás, de resistir economicamente às sanções ocidentais em resposta a uma invasão do país vizinho. Foi só a ascensão da China, da Índia e de outras potências dispostas a manter relações comerciais com Moscou, mesmo no caso de uma guerra contra a Ucrânia, que permitiu a Putin iniciar o conflito.

Por fim, com a piora significativa das relações entre as principais potências e a paralisia de importantes órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, reduz-se a capacidade de a comunidade internacional reagir à escalada de conflitos.

Não se pode descartar, portanto, a possibilidade de que a elevada quantidade de guerras na atualidade não seja uma aberração, mas sim um novo normal.

O mundo está vivendo a pior onda de conflitos em décadas. Em estudo publicado antes da recente escalada de violência entre Israel e Hamas, o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (PRIO) indica haver atualmente 55 conflitos envolvendo 38 Estados e calcula a média de duração deles em onze anos. Uma década antes, o mesmo instituto identificou 33 conflitos com duração média de sete anos. Em 2022, mais de 200 mil pessoas morreram em batalhas relacionadas a confrontos envolvendo Estados – mais do que em qualquer ano desde 1984. Esses dados não incluem combates entre grupos não-estatais, como rebeldes ou cartéis de drogas, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano – como no México, onde numerosas facções criminosas estão engajadas em conflitos armados.

Vale destacar alguns exemplos. Mais de 600 mil civis morreram durante a recente guerra na Etiópia, em parte devido ao bloqueio do governo, que impediu a entrada de ajuda humanitária no país. Na invasão russa à Ucrânia, morreram centenas de milhares de pessoas desde o ano passado, produzindo a pior crise de refúgio na Europa em anos. Mais de dez mil pessoas morreram nas primeiras quatro semanas do conflito entre Israel e Hamas. Há atualmente uma campanha de limpeza étnica no Sudão, onde a atual guerra civil entre duas facções das Forças Armadas já matou 9 mil e deslocou 5.6 milhões de pessoas. A República Democrática do Congo (DRC) registra 6.9 milhões de deslocados internos em meio à atual guerra civil. Isso sem mencionar as sangrentas guerras civis na Somália, no Iêmen e na Líbia; o conflito entre Armênia e Azerbaijão; a guerra civil no Mianmar; a recente decisão do Paquistão de expulsar 1.7 milhão de refugiados afegãos, que produzirá mais uma catástrofe humanitária; ou a crise generalizada no Sahel, onde o avanço da violência jihadista matou mais de 20 mil pessoas ao longo dos últimos 12 meses.

Soldados de Burkina Faso, no Sahel, onde a violência avança após sucessivos golpes de Estado na região.  Foto: AP /Kilaye Bationo

Não há consenso sobre o porquê do recente aumento de conflitos, mas é possível apontar uma série de fatores relevantes. Na África e no Oriente Médio, a desertificação e a frequência de ocorrências climáticas extremas ameaça populações rurais e acirra a disputa por pastos. Vale lembrar que foi uma seca histórica, entre 2006 e 2010, na Síria que levou jovens daquele país a migrarem para as cidades, elevando o desemprego urbano e aumentando o descontentamento geral. Esse fenômeno contribuiu para as grandes manifestações contra o governo cuja repressão brutal causou uma guerra civil, que já matou mais de 300 mil pessoas.

Outro fator é o efeito desestabilizador de conflitos já existentes em um sistema econômico e político muito mais interconectado e vulnerável do que antes. Por exemplo, em função da invasão russa à Ucrânia no ano passado, o preço do trigo e de fertilizantes explodiu, elevando a inflação e a miséria em numeroso países africanos e tornando-os mais vulneráveis a grupos extremistas como o Estado Islâmico. Com parte considerável de sua atenção e de suas tropas envolvidas na guerra na Ucrânia, a Rússia perdeu a capacidade de controlar eventos no conflito entre Armênia, seu tradicional aliado no Cáucaso, e Azerbaijão, o que permitiu às forças azeris expulsar, em setembro, mais 100 mil armênios do território de Nagorno Karabakh.

Há 40 anos, um conflito armado entre a República Popular da China e Taiwan dificilmente teria produzido um choque econômico global. Hoje, em função da interconectividade econômica mundial, uma guerra entre Pequim e Taipei teria o potencial de produzir grave recessão e escassez de produtos mundo afora, além de provocar uma corrida armamentista nuclear na Ásia entre nações como o Japão e a Coreia do Sul, que querem se proteger da China.

Em terceiro, enquanto a multipolaridade per se não necessariamente eleva o risco de guerras, a emergência de novas potências torna o mundo mais complexo e pode “descongelar” conflitos antigos e criar oportunidades para o revisionismo. A invasão russa à Ucrânia é um exemplo: o governo em Moscou nunca escondeu o desejo de interromper a estratégia de aproximação de Kyiv ao Ocidente, mas Putin não teria tido meios, 20 anos atrás, de resistir economicamente às sanções ocidentais em resposta a uma invasão do país vizinho. Foi só a ascensão da China, da Índia e de outras potências dispostas a manter relações comerciais com Moscou, mesmo no caso de uma guerra contra a Ucrânia, que permitiu a Putin iniciar o conflito.

Por fim, com a piora significativa das relações entre as principais potências e a paralisia de importantes órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, reduz-se a capacidade de a comunidade internacional reagir à escalada de conflitos.

Não se pode descartar, portanto, a possibilidade de que a elevada quantidade de guerras na atualidade não seja uma aberração, mas sim um novo normal.

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