Com a guerra na Ucrânia como pano de fundo, Putin busca outro mandato de presidente


Se ele concorrer, haverá pouca dúvida sobre o desfecho, mas a eleição de março carrega mais significado, pois será a primeira desde a invasão à Ucrânia

Por Ivan Nechepurenko

THE NEW YORK TIMES - Quando questionado, na semana passada, a respeito do tipo de líder que deveria substituir o presidente russo, Vladimir Putin, seu porta-voz de longa data deu uma resposta rápida e simples: “o mesmo”. “Ou diferente, mas o mesmo”, afirmou Dmitri Peskov a uma rede de TV russa, acrescentando que, caso Putin decida concorrer, ele “sem dúvida” vencerá e continuará “nosso presidente”.

Poucos duvidam que Putin buscará outro mandato presidencial na eleição marcada para março. A expectativa geral é que ele anuncie formalmente sua candidatura no próximo mês.

Também há pouca dúvida a respeito do desfecho; no sistema político autoritário da Rússia, Putin sempre vence de lavada. Ele lidera a Rússia como presidente ou primeiro-ministro desde 1999.

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Presidente russo Vladimir Putin na cerimônia de posse depois da última eleição, em 2018. Foto: Alexander Zemlianichenko / REUTERS

Mas a próxima eleição presidencial carrega mais significado, pois será a primeira desde a invasão russa em escala total à Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022 — a maior decisão de Putin desde que ele adentrou o Kremlin como líder da Rússia, mais de duas décadas atrás.

E a eleição é ligada diretamente à estratégia de guerra de Putin para 2024. Especificamente, se ele ordenará uma nova mobilização de soldados, o que poderia ser impopular domesticamente, depois de assegurar seu quinto mandato como líder da Rússia.

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“A guerra e a mobilização são cada vez mais impopulares”, afirmou Andrei Pertsev, analista de política russa do Meduza, um website russo de notícias com base em Riga, Letônia. “Isso deixa as pessoas ansiosas.”

Catedral russa celebra cerimônia em homenagem a militares, 16 de janeiro de 2023.  Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

Críticos questionam o propósito de uma eleição presidencial num país em guerra, em que todos os líderes da oposição foram forçados ao exílio ou presos, o aparato eleitoral do Kremlin decide quem pode ou não concorrer e os meios de comunicação mais populares só elogiam o presidente.

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O professor de ciência política Grigorii Golosov, da Universidade Europeia de São Petersburgo, Rússia, afirmou que Putin quis garantir que ninguém colocasse em dúvida sua legitimidade à frente do Estado russo, principalmente todos os vários grupos da elite governante.

“A população em geral e a classe dominante sabem que não existe nenhuma rivalidade política verdadeira na Rússia há muitos anos”, afirmou ele. “Mas não há grande diferença entre a legitimidade real e sua imitação.”

Golosov afirmou que mesmo a aparência da legitimidade eleitoral ajudaria Putin a enfrentar uma crise doméstica, caso haja alguma, citando o motim fracassado promovido pelo senhor da guerra Ievgeni Prigozhin em junho como um possível exemplo. “Situações similares poderiam irromper no futuro”, acrescentou Golosov.

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Esta será a primeira eleição desde que a Rússia revisou sua Constituição, o que permite efetivamente a Putin concorrer pela quinta vez, alegando que seu limite de mandatos foi zerado.

Vários outros candidatos deverão concorrer, incluindo representantes dos dois partidos — o Comunista e o Liberal Democrata, de inclinação nacionalista — que atuaram como convenientes e inofensivos adversários em campanhas anteriores de Putin. Da mesma forma que nas duas eleições anteriores, o Kremlin também poderá permitir que um candidato liberal entre na disputa — mas analistas afirmaram que essa questão está indefinida, porque qualquer candidato desse campo muito provavelmente se posicionará contra a guerra na Ucrânia.

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Por exemplo, Boris Nadezhdin, um dos poucos políticos russos que anunciaram intenção de concorrer, qualificou a guerra — ou operação militar especial, segundo a terminologia que ele preferiu — como um “erro fatal” de Putin e declarou que sua maior prioridade será pôr fim ao conflito.

“Putin está arrastando a Rússia para o passado”, disse Nadezhdin em entrevista este mês ao Zhivoi Gvozd, um canal de notícias russo no YouTube. “O principal problema é que Putin está destruindo instituições essenciais a um Estado moderno.”

Para conseguir se registrar formalmente como candidato à presidência da Rússia, Nadezhdin precisará coletar 100 mil assinaturas de cidadãos de todo o país. A Comissão Eleitoral Central tem de verificá-las, num processo que permite ao Kremlin filtrar postulantes indesejados.

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“Eu considero a probabilidade dele ser registrado praticamente nula”, afirmou Golosov, o cientista político.

No lado oposto do espectro político, Igor Girkin anunciou intenção de concorrer e unir sob sua bandeira todas as forças pró-guerra. Girkin, também conhecido por seu nome de guerra, Strelkov, instigou o nacionalismo russo como senhor da guerra e blogueiro militar na Ucrânia, mas também criticou o Kremlin ocasionalmente.

Girkin está na cadeia, sob acusações de extremismo por criticar a maneira que Putin executou a guerra, afirmando que o líder russo foi “bonzinho demais” com seus adversários. Dificilmente será permitido a Nadezhdin e Girkin entrar na disputa.

Não obstante, a eleição pode potencialmente apresentar problemas para o Kremlin, afirmaram especialistas. Apesar de seus desfechos serem antecipados e óbvios, eleições na Rússia representaram ocasionalmente pontos de inflexão quando o sistema esteve mais vulnerável que o normal. No fim de 2011, por exemplo, dezenas de milhares de russos lotaram as praças do centro de Moscou e de outras grandes cidades russas para protestar contra eleições parlamentares que eles consideraram fraudadas.

Neste ano, a guerra na Ucrânia acrescenta um novo elemento de incerteza, afirmaram analistas. Ainda que a Rússia tenha conseguido segurar a contraofensiva ucraniana e esteja partindo para o ataque, a guerra está sacrificando dezenas de milhares de soldados sem conseguir alcançar nenhum avanço significativo nem coagir Kiev a negociar.

E enquanto a guerra se arrastar, os russos continuarão ansiosos a respeito da possibilidade do conflito requerer uma nova rodada de mobilização de homens para lutar. O Kremlin ordenou uma convocação no terceiro trimestre de 2021, mas não anunciou mais nenhuma desde então, preocupado com a insatisfação doméstica. Esperar até depois da eleição removeria pelo menos parte do risco político.

Uma sondagem da Russian Field, uma empresa de pesquisas sem afiliação política sediada em Moscou, constatou que, pela primeira vez desde o início da guerra, mais russos disseram apoiar negociações do que a continuação do combate armado. Quase dois terços das pessoas, entrevistadas pelo telefone, afirmaram que apoiariam um acordo de paz na Ucrânia se ele fosse assinado amanhã.

A pesquisa entrevistou 1.611 russos, e 6.403 pessoas recusaram-se a participar, o que ressalta a dificuldade de realizar sondagens na Rússia.

A empresa independente de pesquisas Levada acusou mudanças similares na sondagem que publicou no fim de outubro, com 55% dos entrevistados respondendo que preferiam negociações de paz em vez da continuação da guerra.

Russos acompanham discurso de Vladimir Putin em Moscou, 22 de fevereiro de 2023.  Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

O Kremlin está ciente dessa mudança de humores, afirmou Pertsev, do Meduza. Enquanto Putin permanece profundamente interessado na situação militar, o Kremlin tem visivelmente afastado sua agenda da guerra e voltado a atenção para temas mais mundanos, como o desenvolvimento da infraestrutura do país, afirmou Pertsev.

Na segunda-feira, por exemplo, Putin presidiu uma cerimônia de entrega de 570 ônibus para 12 regiões russas.

“A guerra só piora as coisas para a campanha presidencial”, afirmou Pertsev em entrevista. “Ela lembra as pessoas de suas dificuldades.”

Preparando-se para a campanha presidencial, o Estado russo organizou uma vasta exposição Rossiya em Moscou. No local, as pessoas caminham através de um túnel de 150 metros cujas paredes exibem vídeos de várias realizações sob o governo de Putin, como a construção de prédios residenciais e rodovias. Não há menção à guerra.

Pertsev argumenta que a exposição é projetada para criar um “pano de fundo teatral” para a campanha de Putin. O Kremlin também organizou um campeonato no qual as famílias podem ganhar apartamentos novos ou viagens pela Rússia. O período do concurso coincide com o período eleitoral.

“O poder vertical da Rússia está usando a eleição para demonstrar mais uma vez que tudo está bem e que o Ocidente não arrebentou a Rússia”, afirmou Pertsev. Outro fator importante para organizar a eleição, afirmou ele, é que Putin “gosta quando seu trabalho é exibido e o amor que as pessoas têm por ele é demonstrado publicamente”. “Quanto mais velho ele fica, mais ele gosta dessas coisas”, disse o analista. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - Quando questionado, na semana passada, a respeito do tipo de líder que deveria substituir o presidente russo, Vladimir Putin, seu porta-voz de longa data deu uma resposta rápida e simples: “o mesmo”. “Ou diferente, mas o mesmo”, afirmou Dmitri Peskov a uma rede de TV russa, acrescentando que, caso Putin decida concorrer, ele “sem dúvida” vencerá e continuará “nosso presidente”.

Poucos duvidam que Putin buscará outro mandato presidencial na eleição marcada para março. A expectativa geral é que ele anuncie formalmente sua candidatura no próximo mês.

Também há pouca dúvida a respeito do desfecho; no sistema político autoritário da Rússia, Putin sempre vence de lavada. Ele lidera a Rússia como presidente ou primeiro-ministro desde 1999.

Presidente russo Vladimir Putin na cerimônia de posse depois da última eleição, em 2018. Foto: Alexander Zemlianichenko / REUTERS

Mas a próxima eleição presidencial carrega mais significado, pois será a primeira desde a invasão russa em escala total à Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022 — a maior decisão de Putin desde que ele adentrou o Kremlin como líder da Rússia, mais de duas décadas atrás.

E a eleição é ligada diretamente à estratégia de guerra de Putin para 2024. Especificamente, se ele ordenará uma nova mobilização de soldados, o que poderia ser impopular domesticamente, depois de assegurar seu quinto mandato como líder da Rússia.

“A guerra e a mobilização são cada vez mais impopulares”, afirmou Andrei Pertsev, analista de política russa do Meduza, um website russo de notícias com base em Riga, Letônia. “Isso deixa as pessoas ansiosas.”

Catedral russa celebra cerimônia em homenagem a militares, 16 de janeiro de 2023.  Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

Críticos questionam o propósito de uma eleição presidencial num país em guerra, em que todos os líderes da oposição foram forçados ao exílio ou presos, o aparato eleitoral do Kremlin decide quem pode ou não concorrer e os meios de comunicação mais populares só elogiam o presidente.

O professor de ciência política Grigorii Golosov, da Universidade Europeia de São Petersburgo, Rússia, afirmou que Putin quis garantir que ninguém colocasse em dúvida sua legitimidade à frente do Estado russo, principalmente todos os vários grupos da elite governante.

“A população em geral e a classe dominante sabem que não existe nenhuma rivalidade política verdadeira na Rússia há muitos anos”, afirmou ele. “Mas não há grande diferença entre a legitimidade real e sua imitação.”

Golosov afirmou que mesmo a aparência da legitimidade eleitoral ajudaria Putin a enfrentar uma crise doméstica, caso haja alguma, citando o motim fracassado promovido pelo senhor da guerra Ievgeni Prigozhin em junho como um possível exemplo. “Situações similares poderiam irromper no futuro”, acrescentou Golosov.

Esta será a primeira eleição desde que a Rússia revisou sua Constituição, o que permite efetivamente a Putin concorrer pela quinta vez, alegando que seu limite de mandatos foi zerado.

Vários outros candidatos deverão concorrer, incluindo representantes dos dois partidos — o Comunista e o Liberal Democrata, de inclinação nacionalista — que atuaram como convenientes e inofensivos adversários em campanhas anteriores de Putin. Da mesma forma que nas duas eleições anteriores, o Kremlin também poderá permitir que um candidato liberal entre na disputa — mas analistas afirmaram que essa questão está indefinida, porque qualquer candidato desse campo muito provavelmente se posicionará contra a guerra na Ucrânia.

Por exemplo, Boris Nadezhdin, um dos poucos políticos russos que anunciaram intenção de concorrer, qualificou a guerra — ou operação militar especial, segundo a terminologia que ele preferiu — como um “erro fatal” de Putin e declarou que sua maior prioridade será pôr fim ao conflito.

“Putin está arrastando a Rússia para o passado”, disse Nadezhdin em entrevista este mês ao Zhivoi Gvozd, um canal de notícias russo no YouTube. “O principal problema é que Putin está destruindo instituições essenciais a um Estado moderno.”

Para conseguir se registrar formalmente como candidato à presidência da Rússia, Nadezhdin precisará coletar 100 mil assinaturas de cidadãos de todo o país. A Comissão Eleitoral Central tem de verificá-las, num processo que permite ao Kremlin filtrar postulantes indesejados.

“Eu considero a probabilidade dele ser registrado praticamente nula”, afirmou Golosov, o cientista político.

No lado oposto do espectro político, Igor Girkin anunciou intenção de concorrer e unir sob sua bandeira todas as forças pró-guerra. Girkin, também conhecido por seu nome de guerra, Strelkov, instigou o nacionalismo russo como senhor da guerra e blogueiro militar na Ucrânia, mas também criticou o Kremlin ocasionalmente.

Girkin está na cadeia, sob acusações de extremismo por criticar a maneira que Putin executou a guerra, afirmando que o líder russo foi “bonzinho demais” com seus adversários. Dificilmente será permitido a Nadezhdin e Girkin entrar na disputa.

Não obstante, a eleição pode potencialmente apresentar problemas para o Kremlin, afirmaram especialistas. Apesar de seus desfechos serem antecipados e óbvios, eleições na Rússia representaram ocasionalmente pontos de inflexão quando o sistema esteve mais vulnerável que o normal. No fim de 2011, por exemplo, dezenas de milhares de russos lotaram as praças do centro de Moscou e de outras grandes cidades russas para protestar contra eleições parlamentares que eles consideraram fraudadas.

Neste ano, a guerra na Ucrânia acrescenta um novo elemento de incerteza, afirmaram analistas. Ainda que a Rússia tenha conseguido segurar a contraofensiva ucraniana e esteja partindo para o ataque, a guerra está sacrificando dezenas de milhares de soldados sem conseguir alcançar nenhum avanço significativo nem coagir Kiev a negociar.

E enquanto a guerra se arrastar, os russos continuarão ansiosos a respeito da possibilidade do conflito requerer uma nova rodada de mobilização de homens para lutar. O Kremlin ordenou uma convocação no terceiro trimestre de 2021, mas não anunciou mais nenhuma desde então, preocupado com a insatisfação doméstica. Esperar até depois da eleição removeria pelo menos parte do risco político.

Uma sondagem da Russian Field, uma empresa de pesquisas sem afiliação política sediada em Moscou, constatou que, pela primeira vez desde o início da guerra, mais russos disseram apoiar negociações do que a continuação do combate armado. Quase dois terços das pessoas, entrevistadas pelo telefone, afirmaram que apoiariam um acordo de paz na Ucrânia se ele fosse assinado amanhã.

A pesquisa entrevistou 1.611 russos, e 6.403 pessoas recusaram-se a participar, o que ressalta a dificuldade de realizar sondagens na Rússia.

A empresa independente de pesquisas Levada acusou mudanças similares na sondagem que publicou no fim de outubro, com 55% dos entrevistados respondendo que preferiam negociações de paz em vez da continuação da guerra.

Russos acompanham discurso de Vladimir Putin em Moscou, 22 de fevereiro de 2023.  Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

O Kremlin está ciente dessa mudança de humores, afirmou Pertsev, do Meduza. Enquanto Putin permanece profundamente interessado na situação militar, o Kremlin tem visivelmente afastado sua agenda da guerra e voltado a atenção para temas mais mundanos, como o desenvolvimento da infraestrutura do país, afirmou Pertsev.

Na segunda-feira, por exemplo, Putin presidiu uma cerimônia de entrega de 570 ônibus para 12 regiões russas.

“A guerra só piora as coisas para a campanha presidencial”, afirmou Pertsev em entrevista. “Ela lembra as pessoas de suas dificuldades.”

Preparando-se para a campanha presidencial, o Estado russo organizou uma vasta exposição Rossiya em Moscou. No local, as pessoas caminham através de um túnel de 150 metros cujas paredes exibem vídeos de várias realizações sob o governo de Putin, como a construção de prédios residenciais e rodovias. Não há menção à guerra.

Pertsev argumenta que a exposição é projetada para criar um “pano de fundo teatral” para a campanha de Putin. O Kremlin também organizou um campeonato no qual as famílias podem ganhar apartamentos novos ou viagens pela Rússia. O período do concurso coincide com o período eleitoral.

“O poder vertical da Rússia está usando a eleição para demonstrar mais uma vez que tudo está bem e que o Ocidente não arrebentou a Rússia”, afirmou Pertsev. Outro fator importante para organizar a eleição, afirmou ele, é que Putin “gosta quando seu trabalho é exibido e o amor que as pessoas têm por ele é demonstrado publicamente”. “Quanto mais velho ele fica, mais ele gosta dessas coisas”, disse o analista. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - Quando questionado, na semana passada, a respeito do tipo de líder que deveria substituir o presidente russo, Vladimir Putin, seu porta-voz de longa data deu uma resposta rápida e simples: “o mesmo”. “Ou diferente, mas o mesmo”, afirmou Dmitri Peskov a uma rede de TV russa, acrescentando que, caso Putin decida concorrer, ele “sem dúvida” vencerá e continuará “nosso presidente”.

Poucos duvidam que Putin buscará outro mandato presidencial na eleição marcada para março. A expectativa geral é que ele anuncie formalmente sua candidatura no próximo mês.

Também há pouca dúvida a respeito do desfecho; no sistema político autoritário da Rússia, Putin sempre vence de lavada. Ele lidera a Rússia como presidente ou primeiro-ministro desde 1999.

Presidente russo Vladimir Putin na cerimônia de posse depois da última eleição, em 2018. Foto: Alexander Zemlianichenko / REUTERS

Mas a próxima eleição presidencial carrega mais significado, pois será a primeira desde a invasão russa em escala total à Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022 — a maior decisão de Putin desde que ele adentrou o Kremlin como líder da Rússia, mais de duas décadas atrás.

E a eleição é ligada diretamente à estratégia de guerra de Putin para 2024. Especificamente, se ele ordenará uma nova mobilização de soldados, o que poderia ser impopular domesticamente, depois de assegurar seu quinto mandato como líder da Rússia.

“A guerra e a mobilização são cada vez mais impopulares”, afirmou Andrei Pertsev, analista de política russa do Meduza, um website russo de notícias com base em Riga, Letônia. “Isso deixa as pessoas ansiosas.”

Catedral russa celebra cerimônia em homenagem a militares, 16 de janeiro de 2023.  Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

Críticos questionam o propósito de uma eleição presidencial num país em guerra, em que todos os líderes da oposição foram forçados ao exílio ou presos, o aparato eleitoral do Kremlin decide quem pode ou não concorrer e os meios de comunicação mais populares só elogiam o presidente.

O professor de ciência política Grigorii Golosov, da Universidade Europeia de São Petersburgo, Rússia, afirmou que Putin quis garantir que ninguém colocasse em dúvida sua legitimidade à frente do Estado russo, principalmente todos os vários grupos da elite governante.

“A população em geral e a classe dominante sabem que não existe nenhuma rivalidade política verdadeira na Rússia há muitos anos”, afirmou ele. “Mas não há grande diferença entre a legitimidade real e sua imitação.”

Golosov afirmou que mesmo a aparência da legitimidade eleitoral ajudaria Putin a enfrentar uma crise doméstica, caso haja alguma, citando o motim fracassado promovido pelo senhor da guerra Ievgeni Prigozhin em junho como um possível exemplo. “Situações similares poderiam irromper no futuro”, acrescentou Golosov.

Esta será a primeira eleição desde que a Rússia revisou sua Constituição, o que permite efetivamente a Putin concorrer pela quinta vez, alegando que seu limite de mandatos foi zerado.

Vários outros candidatos deverão concorrer, incluindo representantes dos dois partidos — o Comunista e o Liberal Democrata, de inclinação nacionalista — que atuaram como convenientes e inofensivos adversários em campanhas anteriores de Putin. Da mesma forma que nas duas eleições anteriores, o Kremlin também poderá permitir que um candidato liberal entre na disputa — mas analistas afirmaram que essa questão está indefinida, porque qualquer candidato desse campo muito provavelmente se posicionará contra a guerra na Ucrânia.

Por exemplo, Boris Nadezhdin, um dos poucos políticos russos que anunciaram intenção de concorrer, qualificou a guerra — ou operação militar especial, segundo a terminologia que ele preferiu — como um “erro fatal” de Putin e declarou que sua maior prioridade será pôr fim ao conflito.

“Putin está arrastando a Rússia para o passado”, disse Nadezhdin em entrevista este mês ao Zhivoi Gvozd, um canal de notícias russo no YouTube. “O principal problema é que Putin está destruindo instituições essenciais a um Estado moderno.”

Para conseguir se registrar formalmente como candidato à presidência da Rússia, Nadezhdin precisará coletar 100 mil assinaturas de cidadãos de todo o país. A Comissão Eleitoral Central tem de verificá-las, num processo que permite ao Kremlin filtrar postulantes indesejados.

“Eu considero a probabilidade dele ser registrado praticamente nula”, afirmou Golosov, o cientista político.

No lado oposto do espectro político, Igor Girkin anunciou intenção de concorrer e unir sob sua bandeira todas as forças pró-guerra. Girkin, também conhecido por seu nome de guerra, Strelkov, instigou o nacionalismo russo como senhor da guerra e blogueiro militar na Ucrânia, mas também criticou o Kremlin ocasionalmente.

Girkin está na cadeia, sob acusações de extremismo por criticar a maneira que Putin executou a guerra, afirmando que o líder russo foi “bonzinho demais” com seus adversários. Dificilmente será permitido a Nadezhdin e Girkin entrar na disputa.

Não obstante, a eleição pode potencialmente apresentar problemas para o Kremlin, afirmaram especialistas. Apesar de seus desfechos serem antecipados e óbvios, eleições na Rússia representaram ocasionalmente pontos de inflexão quando o sistema esteve mais vulnerável que o normal. No fim de 2011, por exemplo, dezenas de milhares de russos lotaram as praças do centro de Moscou e de outras grandes cidades russas para protestar contra eleições parlamentares que eles consideraram fraudadas.

Neste ano, a guerra na Ucrânia acrescenta um novo elemento de incerteza, afirmaram analistas. Ainda que a Rússia tenha conseguido segurar a contraofensiva ucraniana e esteja partindo para o ataque, a guerra está sacrificando dezenas de milhares de soldados sem conseguir alcançar nenhum avanço significativo nem coagir Kiev a negociar.

E enquanto a guerra se arrastar, os russos continuarão ansiosos a respeito da possibilidade do conflito requerer uma nova rodada de mobilização de homens para lutar. O Kremlin ordenou uma convocação no terceiro trimestre de 2021, mas não anunciou mais nenhuma desde então, preocupado com a insatisfação doméstica. Esperar até depois da eleição removeria pelo menos parte do risco político.

Uma sondagem da Russian Field, uma empresa de pesquisas sem afiliação política sediada em Moscou, constatou que, pela primeira vez desde o início da guerra, mais russos disseram apoiar negociações do que a continuação do combate armado. Quase dois terços das pessoas, entrevistadas pelo telefone, afirmaram que apoiariam um acordo de paz na Ucrânia se ele fosse assinado amanhã.

A pesquisa entrevistou 1.611 russos, e 6.403 pessoas recusaram-se a participar, o que ressalta a dificuldade de realizar sondagens na Rússia.

A empresa independente de pesquisas Levada acusou mudanças similares na sondagem que publicou no fim de outubro, com 55% dos entrevistados respondendo que preferiam negociações de paz em vez da continuação da guerra.

Russos acompanham discurso de Vladimir Putin em Moscou, 22 de fevereiro de 2023.  Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

O Kremlin está ciente dessa mudança de humores, afirmou Pertsev, do Meduza. Enquanto Putin permanece profundamente interessado na situação militar, o Kremlin tem visivelmente afastado sua agenda da guerra e voltado a atenção para temas mais mundanos, como o desenvolvimento da infraestrutura do país, afirmou Pertsev.

Na segunda-feira, por exemplo, Putin presidiu uma cerimônia de entrega de 570 ônibus para 12 regiões russas.

“A guerra só piora as coisas para a campanha presidencial”, afirmou Pertsev em entrevista. “Ela lembra as pessoas de suas dificuldades.”

Preparando-se para a campanha presidencial, o Estado russo organizou uma vasta exposição Rossiya em Moscou. No local, as pessoas caminham através de um túnel de 150 metros cujas paredes exibem vídeos de várias realizações sob o governo de Putin, como a construção de prédios residenciais e rodovias. Não há menção à guerra.

Pertsev argumenta que a exposição é projetada para criar um “pano de fundo teatral” para a campanha de Putin. O Kremlin também organizou um campeonato no qual as famílias podem ganhar apartamentos novos ou viagens pela Rússia. O período do concurso coincide com o período eleitoral.

“O poder vertical da Rússia está usando a eleição para demonstrar mais uma vez que tudo está bem e que o Ocidente não arrebentou a Rússia”, afirmou Pertsev. Outro fator importante para organizar a eleição, afirmou ele, é que Putin “gosta quando seu trabalho é exibido e o amor que as pessoas têm por ele é demonstrado publicamente”. “Quanto mais velho ele fica, mais ele gosta dessas coisas”, disse o analista. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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