Com a Rússia na vizinhança, autodefesa é uma preocupação de todos


Mesmo que agora seja parte da Otan, a apreensiva Finlândia ainda exige que os homens sirvam ao seu país; as mulheres podem se voluntariar, e muitas o fazem

Por Steven Erlanger

THE NEW YORK TIMES - A fachada do prédio de apartamentos explodiu, os destroços caíram ao lado. Trabalhando juntos, soldados da polícia militar, paramédicos, bombeiros e uma unidade antibombas isolaram a área, que foi vasculhada em busca de outros explosivos — uma bomba foi encontrada e desarmado — e sobreviventes sob os escombros, com a ajuda de cães farejadores, ao mesmo tempo que removiam feridos e mortos.

Era um exercício. O edifício era um antigo dormitório de estudantes desativado. Os sobreviventes eram voluntários. Os mortos eram bonecos. Mas os sacos de corpos, os cães farejadores e os soldados eram de verdade, centenas de conscritos e reservistas praticando como coordenar respostas civis e militares a ataques terroristas ou de guerra.

Esses exercícios de treinamento são parte fundamental da estratégia militar da Finlândia no sentido de criar uma força com base em soldados na ativa e reservistas capazes de combater caso seu país entre em guerra — ainda mais crucial desde a invasão russa à Ucrânia. A cada ano, cerca de 20 mil homens são recrutados pelo serviço militar universal na Finlândia, e aproximadamente 1 mil mulheres se voluntariam.

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Recrutas do Exército Finlandês do Regimento Guard Jaeger na base militar de Santahamina, em Helsinque, no mês passado. Todos os anos, cerca de 20 mil homens prestam serviço obrigatório nas forças armadas ou em funções civis Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Kasper Wallasvaara, de 21 anos, decidiu servir após se formar no ensino médio e trabalhar por um tempo. Eventualmente, ele quer ser professor ou treinador de esportes, mas agora está aprendendo a atirar com fuzil, lidar com situações como a desse bombardeio urbano e prender terroristas armados.

“A realidade da guerra ficou muito mais próxima”, afirmou Wallasvaara. “A guerra parece mais possível agora que a Rússia atacou a Ucrânia, a invasão russa nos despertou.”

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Compartilhando uma longa história de conflitos com os russos e uma fronteira de 1,3 mil quilômetros, a Finlândia nunca baixou a guarda, da mesma forma que tantos outros países, após o colapso da União Soviética. Mesmo enquanto mais novo Estado-membro da aliança da Otan, a Finlândia continua comprometida com o conceito de autodefesa e autossuficiência.

Reservistas do Regimento da Guarda Jaeger, em campo de tiro na base de Santahamina, Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/NY Times

Serviço militar

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Os homens finlandeses são obrigados a se alistar nas Forças Armadas ou prestar serviço civil alternativo em algum período entre os 18 anos e os 30 anos; para as mulheres o alistamento é voluntário. Em tempos de paz, apenas 13 mil pessoas permanecem na ativa militar, 4,5 mil delas civis. Se necessário, a Finlândia tem uma força potencial de 280 mil soldados entre conscritos mais jovens e reservistas mais bem treinados e outros 590 mil reservistas com menos de 60 anos e treinamento militar regular.

Desde a invasão, a Finlândia aumentou significativamente seu orçamento militar — e com ele a frequência dos exercícios de treinamento fundamentais para novos soldados e reservistas.

Em um exercício recente, em Espoo, os conscritos praticaram como isolar um edifício, como se aproximar furtivamente do local e como prender suspeitos, idealmente sem matá-los. Durante o treinamento, um suspeito conseguiu escapar, um lapso que os oficiais analisarão.

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Sofia Nurmi, de 19 anos, voluntária que participou do exercício, queria servir nas vastas florestas do país, mas foi designada para a polícia militar, que atua principalmente nas cidades. Seu treinamento a ajudou, disse ela, especialmente a superar seu “medo de lugares escuros”. Ela quis ficar na polícia militar mas não alcançou a nota, disse ela, decepcionada. Agora Nurmi considera candidatar-se a guarda de fronteira — uma chance melhor de servir nas florestas.

Recrutas participando de exercício militar em Espoo, simulando as consequências de uma explosão em uma área residencial Foto: Ivor Prickett/NY Times

Em outra sessão de treinamento, dois pelotões travaram uma batalha simulada por computador, com um time no ataque e o outro, numa sala diferente, tentando se defender. O exercício simulado é repetido normalmente em um campo real, com armamentos reais, equipados com lasers, e sensores nos cintos, para que os participantes saibam quando foram “mortos”.

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A realidade da agressão russa na Ucrânia, afirmam oficiais, motivou com mais força conscritos e reservistas ao mesmo tempo que incrementou treinamento no uso de drones, computadores e defesas contra ataques hackers e desinformação.

“A guerra pode acontecer”, afirmou Eetu Niemela, de 20 anos, que trabalha em construção civil e dirige um removedor de neve no inverno. Ele disse que, depois de seu treinamento, pensa em se candidatar para a academia de polícia e trabalhar como soldado de tropas de paz internacionais. Ele afirmou que ficou feliz que a Finlândia se juntou à Otan, acrescentando, “Nós não temos como saber o que pode acontecer”.

Seu oficial comandante para o exercício do bombardeio, o coronel Vesa Laitonen, de 53 anos, afirmou que a invasão russa à Ucrânia melhorou o moral e a dedicação dos conscritos. “Agora eles sabem por que estão no serviço militar”, disse ele. “Agora nós podemos responder essa pergunta.”

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Recrutas finlandeses, durante exercício de busca e apreensão em um subúrbio de Helsinque, como parte de um exercício de treinamento. Foto: Ivor Pickett/The NY Times

Guerras

A Finlândia travou várias guerras com a Rússia ao longo dos séculos, e os finlandeses têm memórias robustas da “Guerra de Inverno”, de 1939, e da 2.ª Guerra. Os finlandeses derrotaram os soviéticos mas perderam território e tiveram de manter neutralidade.

Desde então, este país de 5,6 milhões de habitantes teve de depender só de si mesmo e tem continuado a fazê-lo mesmo após juntar-se à União Europeia e agora à Otan.

A Finlândia tem uma das maiores forças de artilharia na Europa, fabrica seus próprios fuzis e munições e coopera em defesa com a Suécia e outros países nórdicos. Os conscritos finlandeses passam pelo treinamento básico tradicional — melhorando sua condição física, aprendendo a atirar e usar outros armamentos, capacitando-se em primeiros socorros e praticando manobras em campo.

O general Timo Kivinen, chefe da defesa da Finlândia, recordou-se de seu alistamento, 45 anos atrás, quando os comandantes eram menos solícitos com os novos recrutas. “Evidentemente a cultura de liderança mudou com o tempo”, afirmou Kivinen, de 63 anos. “Eu não diria que o treinamento está menos duro, mas a maneira que você os comanda e se comunica com eles é diferente.”

Os recrutas do Regimento da Guarda Jaeger após um exercício de treinamento na base de Santahamina. Desde a invasão da Ucrânia, a Finlândia aumentou significativamente o seu orçamento militar Foto: Ivor Pickett/The NY Times

“Se nós não desenvolvemos nosso sistema de treinamento o tempo todo como parte de um desenvolvimento social, a coisa não funciona”, afirmou Kivinen. “Além de capacidade militar, a conscrição cria mais resiliência.”

As mulheres começaram a ser aceitas como voluntárias em 1995. Desde então, 12 mil completaram o treinamento, afirmou Kati Makkonen, das forças de defesa finlandesas. Como são voluntárias, afirmou ela, as mulheres tendem a ser mais motivadas, e as que permanecem no serviço militar ascendem na hierarquia, mas nenhuma virou general ainda.

Nora Nordstrom, de 21 anos, e Lumi Joutsen, de 20, alistaram-se este ano. Elas vivem em um alojamento misto, na ilha militar de Santahamina, sede do Regimento de Guarda Jaeger e da Universidade Finlandesa de Defesa Nacional.

Elas integram a mesma unidade e treinam junto com os homens, sem tratamento especial por ser mulheres, afirmaram elas. “Tem um pouco mais de corrida do que eu esperava”, afirmou Nordstrom, rindo, mas ela vem de uma família de militares, então sabia bem o que esperar.

Recrutas lancham na base em Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Joutsen afirmou que sempre soube que seria voluntária. Ainda que seja tratada da mesma forma que os homens, afirmou ela, “eu sinto uma pressão-extra sobre nós para fazermos as coisas bem”.

Ambas as mulheres afirmaram que não têm problemas com os recrutas homens. “Às vezes nós esquecemos essa coisa e trabalhamos juntos como seres humanos”, afirmou Nordstrom. “Isso me surpreendeu um pouco.”

Nordstrom abandonou o treinamento em 2022, após uma contusão, mas decidiu se alistar novamente. “Quando a guerra começou foi uma sensação muito surreal vestir esse uniforme”, afirmou ela. “Era a guerra, e nós, sabendo como ela está próxima, estamos aqui fazendo essas coisas.”

A guerra espreita

Kimmo Raja, de 34 anos, que trabalha no setor financeiro, foi convocado para exercícios de treinamento várias vezes este ano. “Obviamente a Ucrânia tem algo a ver com isso”, afirmou ele.

O capitão Tuomas Holsa, de 55 anos, consultor empresarial, afirmou que treina uma ou duas vezes ao ano. Este ano, ele também foi convocado várias vezes para ajudar a treinar novamente reservistas, não apenas em tiro, mas também em liderança.

Entre 2021 e 2022, houve um aumento de 65% nos exercícios obrigatórios para reservistas; de 53% em exercícios militares voluntários para reservistas; e de 300% em treinamentos militares de livre adesão.

“Nós não podemos mudar de vizinha, mesmo que agora alguns pensem que por sermos membros da Otan nós podemos de alguma maneira esquecer da Rússia”, afirmou o ex-ministro de Relações Exteriores Pekka Haavisto, que optou pelo serviço não militar quando jovem mas disse que hoje faria a outra escolha.

Desde o tempo dos czares, a história russa movimentou-se “em ondas, às vezes imperialistas e agressivas, às vezes mais colaborativas com o Ocidente”, afirmou Haavisto. “Meu palpite, com base nestes 100 anos de história, é que as mesmas ondas continuarão pelos próximos 100 anos, e nós temos de estar preparados para os tempos ruins e os tempos um pouquinho melhores.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - A fachada do prédio de apartamentos explodiu, os destroços caíram ao lado. Trabalhando juntos, soldados da polícia militar, paramédicos, bombeiros e uma unidade antibombas isolaram a área, que foi vasculhada em busca de outros explosivos — uma bomba foi encontrada e desarmado — e sobreviventes sob os escombros, com a ajuda de cães farejadores, ao mesmo tempo que removiam feridos e mortos.

Era um exercício. O edifício era um antigo dormitório de estudantes desativado. Os sobreviventes eram voluntários. Os mortos eram bonecos. Mas os sacos de corpos, os cães farejadores e os soldados eram de verdade, centenas de conscritos e reservistas praticando como coordenar respostas civis e militares a ataques terroristas ou de guerra.

Esses exercícios de treinamento são parte fundamental da estratégia militar da Finlândia no sentido de criar uma força com base em soldados na ativa e reservistas capazes de combater caso seu país entre em guerra — ainda mais crucial desde a invasão russa à Ucrânia. A cada ano, cerca de 20 mil homens são recrutados pelo serviço militar universal na Finlândia, e aproximadamente 1 mil mulheres se voluntariam.

Recrutas do Exército Finlandês do Regimento Guard Jaeger na base militar de Santahamina, em Helsinque, no mês passado. Todos os anos, cerca de 20 mil homens prestam serviço obrigatório nas forças armadas ou em funções civis Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Kasper Wallasvaara, de 21 anos, decidiu servir após se formar no ensino médio e trabalhar por um tempo. Eventualmente, ele quer ser professor ou treinador de esportes, mas agora está aprendendo a atirar com fuzil, lidar com situações como a desse bombardeio urbano e prender terroristas armados.

“A realidade da guerra ficou muito mais próxima”, afirmou Wallasvaara. “A guerra parece mais possível agora que a Rússia atacou a Ucrânia, a invasão russa nos despertou.”

Compartilhando uma longa história de conflitos com os russos e uma fronteira de 1,3 mil quilômetros, a Finlândia nunca baixou a guarda, da mesma forma que tantos outros países, após o colapso da União Soviética. Mesmo enquanto mais novo Estado-membro da aliança da Otan, a Finlândia continua comprometida com o conceito de autodefesa e autossuficiência.

Reservistas do Regimento da Guarda Jaeger, em campo de tiro na base de Santahamina, Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/NY Times

Serviço militar

Os homens finlandeses são obrigados a se alistar nas Forças Armadas ou prestar serviço civil alternativo em algum período entre os 18 anos e os 30 anos; para as mulheres o alistamento é voluntário. Em tempos de paz, apenas 13 mil pessoas permanecem na ativa militar, 4,5 mil delas civis. Se necessário, a Finlândia tem uma força potencial de 280 mil soldados entre conscritos mais jovens e reservistas mais bem treinados e outros 590 mil reservistas com menos de 60 anos e treinamento militar regular.

Desde a invasão, a Finlândia aumentou significativamente seu orçamento militar — e com ele a frequência dos exercícios de treinamento fundamentais para novos soldados e reservistas.

Em um exercício recente, em Espoo, os conscritos praticaram como isolar um edifício, como se aproximar furtivamente do local e como prender suspeitos, idealmente sem matá-los. Durante o treinamento, um suspeito conseguiu escapar, um lapso que os oficiais analisarão.

Sofia Nurmi, de 19 anos, voluntária que participou do exercício, queria servir nas vastas florestas do país, mas foi designada para a polícia militar, que atua principalmente nas cidades. Seu treinamento a ajudou, disse ela, especialmente a superar seu “medo de lugares escuros”. Ela quis ficar na polícia militar mas não alcançou a nota, disse ela, decepcionada. Agora Nurmi considera candidatar-se a guarda de fronteira — uma chance melhor de servir nas florestas.

Recrutas participando de exercício militar em Espoo, simulando as consequências de uma explosão em uma área residencial Foto: Ivor Prickett/NY Times

Em outra sessão de treinamento, dois pelotões travaram uma batalha simulada por computador, com um time no ataque e o outro, numa sala diferente, tentando se defender. O exercício simulado é repetido normalmente em um campo real, com armamentos reais, equipados com lasers, e sensores nos cintos, para que os participantes saibam quando foram “mortos”.

A realidade da agressão russa na Ucrânia, afirmam oficiais, motivou com mais força conscritos e reservistas ao mesmo tempo que incrementou treinamento no uso de drones, computadores e defesas contra ataques hackers e desinformação.

“A guerra pode acontecer”, afirmou Eetu Niemela, de 20 anos, que trabalha em construção civil e dirige um removedor de neve no inverno. Ele disse que, depois de seu treinamento, pensa em se candidatar para a academia de polícia e trabalhar como soldado de tropas de paz internacionais. Ele afirmou que ficou feliz que a Finlândia se juntou à Otan, acrescentando, “Nós não temos como saber o que pode acontecer”.

Seu oficial comandante para o exercício do bombardeio, o coronel Vesa Laitonen, de 53 anos, afirmou que a invasão russa à Ucrânia melhorou o moral e a dedicação dos conscritos. “Agora eles sabem por que estão no serviço militar”, disse ele. “Agora nós podemos responder essa pergunta.”

Recrutas finlandeses, durante exercício de busca e apreensão em um subúrbio de Helsinque, como parte de um exercício de treinamento. Foto: Ivor Pickett/The NY Times

Guerras

A Finlândia travou várias guerras com a Rússia ao longo dos séculos, e os finlandeses têm memórias robustas da “Guerra de Inverno”, de 1939, e da 2.ª Guerra. Os finlandeses derrotaram os soviéticos mas perderam território e tiveram de manter neutralidade.

Desde então, este país de 5,6 milhões de habitantes teve de depender só de si mesmo e tem continuado a fazê-lo mesmo após juntar-se à União Europeia e agora à Otan.

A Finlândia tem uma das maiores forças de artilharia na Europa, fabrica seus próprios fuzis e munições e coopera em defesa com a Suécia e outros países nórdicos. Os conscritos finlandeses passam pelo treinamento básico tradicional — melhorando sua condição física, aprendendo a atirar e usar outros armamentos, capacitando-se em primeiros socorros e praticando manobras em campo.

O general Timo Kivinen, chefe da defesa da Finlândia, recordou-se de seu alistamento, 45 anos atrás, quando os comandantes eram menos solícitos com os novos recrutas. “Evidentemente a cultura de liderança mudou com o tempo”, afirmou Kivinen, de 63 anos. “Eu não diria que o treinamento está menos duro, mas a maneira que você os comanda e se comunica com eles é diferente.”

Os recrutas do Regimento da Guarda Jaeger após um exercício de treinamento na base de Santahamina. Desde a invasão da Ucrânia, a Finlândia aumentou significativamente o seu orçamento militar Foto: Ivor Pickett/The NY Times

“Se nós não desenvolvemos nosso sistema de treinamento o tempo todo como parte de um desenvolvimento social, a coisa não funciona”, afirmou Kivinen. “Além de capacidade militar, a conscrição cria mais resiliência.”

As mulheres começaram a ser aceitas como voluntárias em 1995. Desde então, 12 mil completaram o treinamento, afirmou Kati Makkonen, das forças de defesa finlandesas. Como são voluntárias, afirmou ela, as mulheres tendem a ser mais motivadas, e as que permanecem no serviço militar ascendem na hierarquia, mas nenhuma virou general ainda.

Nora Nordstrom, de 21 anos, e Lumi Joutsen, de 20, alistaram-se este ano. Elas vivem em um alojamento misto, na ilha militar de Santahamina, sede do Regimento de Guarda Jaeger e da Universidade Finlandesa de Defesa Nacional.

Elas integram a mesma unidade e treinam junto com os homens, sem tratamento especial por ser mulheres, afirmaram elas. “Tem um pouco mais de corrida do que eu esperava”, afirmou Nordstrom, rindo, mas ela vem de uma família de militares, então sabia bem o que esperar.

Recrutas lancham na base em Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Joutsen afirmou que sempre soube que seria voluntária. Ainda que seja tratada da mesma forma que os homens, afirmou ela, “eu sinto uma pressão-extra sobre nós para fazermos as coisas bem”.

Ambas as mulheres afirmaram que não têm problemas com os recrutas homens. “Às vezes nós esquecemos essa coisa e trabalhamos juntos como seres humanos”, afirmou Nordstrom. “Isso me surpreendeu um pouco.”

Nordstrom abandonou o treinamento em 2022, após uma contusão, mas decidiu se alistar novamente. “Quando a guerra começou foi uma sensação muito surreal vestir esse uniforme”, afirmou ela. “Era a guerra, e nós, sabendo como ela está próxima, estamos aqui fazendo essas coisas.”

A guerra espreita

Kimmo Raja, de 34 anos, que trabalha no setor financeiro, foi convocado para exercícios de treinamento várias vezes este ano. “Obviamente a Ucrânia tem algo a ver com isso”, afirmou ele.

O capitão Tuomas Holsa, de 55 anos, consultor empresarial, afirmou que treina uma ou duas vezes ao ano. Este ano, ele também foi convocado várias vezes para ajudar a treinar novamente reservistas, não apenas em tiro, mas também em liderança.

Entre 2021 e 2022, houve um aumento de 65% nos exercícios obrigatórios para reservistas; de 53% em exercícios militares voluntários para reservistas; e de 300% em treinamentos militares de livre adesão.

“Nós não podemos mudar de vizinha, mesmo que agora alguns pensem que por sermos membros da Otan nós podemos de alguma maneira esquecer da Rússia”, afirmou o ex-ministro de Relações Exteriores Pekka Haavisto, que optou pelo serviço não militar quando jovem mas disse que hoje faria a outra escolha.

Desde o tempo dos czares, a história russa movimentou-se “em ondas, às vezes imperialistas e agressivas, às vezes mais colaborativas com o Ocidente”, afirmou Haavisto. “Meu palpite, com base nestes 100 anos de história, é que as mesmas ondas continuarão pelos próximos 100 anos, e nós temos de estar preparados para os tempos ruins e os tempos um pouquinho melhores.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - A fachada do prédio de apartamentos explodiu, os destroços caíram ao lado. Trabalhando juntos, soldados da polícia militar, paramédicos, bombeiros e uma unidade antibombas isolaram a área, que foi vasculhada em busca de outros explosivos — uma bomba foi encontrada e desarmado — e sobreviventes sob os escombros, com a ajuda de cães farejadores, ao mesmo tempo que removiam feridos e mortos.

Era um exercício. O edifício era um antigo dormitório de estudantes desativado. Os sobreviventes eram voluntários. Os mortos eram bonecos. Mas os sacos de corpos, os cães farejadores e os soldados eram de verdade, centenas de conscritos e reservistas praticando como coordenar respostas civis e militares a ataques terroristas ou de guerra.

Esses exercícios de treinamento são parte fundamental da estratégia militar da Finlândia no sentido de criar uma força com base em soldados na ativa e reservistas capazes de combater caso seu país entre em guerra — ainda mais crucial desde a invasão russa à Ucrânia. A cada ano, cerca de 20 mil homens são recrutados pelo serviço militar universal na Finlândia, e aproximadamente 1 mil mulheres se voluntariam.

Recrutas do Exército Finlandês do Regimento Guard Jaeger na base militar de Santahamina, em Helsinque, no mês passado. Todos os anos, cerca de 20 mil homens prestam serviço obrigatório nas forças armadas ou em funções civis Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Kasper Wallasvaara, de 21 anos, decidiu servir após se formar no ensino médio e trabalhar por um tempo. Eventualmente, ele quer ser professor ou treinador de esportes, mas agora está aprendendo a atirar com fuzil, lidar com situações como a desse bombardeio urbano e prender terroristas armados.

“A realidade da guerra ficou muito mais próxima”, afirmou Wallasvaara. “A guerra parece mais possível agora que a Rússia atacou a Ucrânia, a invasão russa nos despertou.”

Compartilhando uma longa história de conflitos com os russos e uma fronteira de 1,3 mil quilômetros, a Finlândia nunca baixou a guarda, da mesma forma que tantos outros países, após o colapso da União Soviética. Mesmo enquanto mais novo Estado-membro da aliança da Otan, a Finlândia continua comprometida com o conceito de autodefesa e autossuficiência.

Reservistas do Regimento da Guarda Jaeger, em campo de tiro na base de Santahamina, Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/NY Times

Serviço militar

Os homens finlandeses são obrigados a se alistar nas Forças Armadas ou prestar serviço civil alternativo em algum período entre os 18 anos e os 30 anos; para as mulheres o alistamento é voluntário. Em tempos de paz, apenas 13 mil pessoas permanecem na ativa militar, 4,5 mil delas civis. Se necessário, a Finlândia tem uma força potencial de 280 mil soldados entre conscritos mais jovens e reservistas mais bem treinados e outros 590 mil reservistas com menos de 60 anos e treinamento militar regular.

Desde a invasão, a Finlândia aumentou significativamente seu orçamento militar — e com ele a frequência dos exercícios de treinamento fundamentais para novos soldados e reservistas.

Em um exercício recente, em Espoo, os conscritos praticaram como isolar um edifício, como se aproximar furtivamente do local e como prender suspeitos, idealmente sem matá-los. Durante o treinamento, um suspeito conseguiu escapar, um lapso que os oficiais analisarão.

Sofia Nurmi, de 19 anos, voluntária que participou do exercício, queria servir nas vastas florestas do país, mas foi designada para a polícia militar, que atua principalmente nas cidades. Seu treinamento a ajudou, disse ela, especialmente a superar seu “medo de lugares escuros”. Ela quis ficar na polícia militar mas não alcançou a nota, disse ela, decepcionada. Agora Nurmi considera candidatar-se a guarda de fronteira — uma chance melhor de servir nas florestas.

Recrutas participando de exercício militar em Espoo, simulando as consequências de uma explosão em uma área residencial Foto: Ivor Prickett/NY Times

Em outra sessão de treinamento, dois pelotões travaram uma batalha simulada por computador, com um time no ataque e o outro, numa sala diferente, tentando se defender. O exercício simulado é repetido normalmente em um campo real, com armamentos reais, equipados com lasers, e sensores nos cintos, para que os participantes saibam quando foram “mortos”.

A realidade da agressão russa na Ucrânia, afirmam oficiais, motivou com mais força conscritos e reservistas ao mesmo tempo que incrementou treinamento no uso de drones, computadores e defesas contra ataques hackers e desinformação.

“A guerra pode acontecer”, afirmou Eetu Niemela, de 20 anos, que trabalha em construção civil e dirige um removedor de neve no inverno. Ele disse que, depois de seu treinamento, pensa em se candidatar para a academia de polícia e trabalhar como soldado de tropas de paz internacionais. Ele afirmou que ficou feliz que a Finlândia se juntou à Otan, acrescentando, “Nós não temos como saber o que pode acontecer”.

Seu oficial comandante para o exercício do bombardeio, o coronel Vesa Laitonen, de 53 anos, afirmou que a invasão russa à Ucrânia melhorou o moral e a dedicação dos conscritos. “Agora eles sabem por que estão no serviço militar”, disse ele. “Agora nós podemos responder essa pergunta.”

Recrutas finlandeses, durante exercício de busca e apreensão em um subúrbio de Helsinque, como parte de um exercício de treinamento. Foto: Ivor Pickett/The NY Times

Guerras

A Finlândia travou várias guerras com a Rússia ao longo dos séculos, e os finlandeses têm memórias robustas da “Guerra de Inverno”, de 1939, e da 2.ª Guerra. Os finlandeses derrotaram os soviéticos mas perderam território e tiveram de manter neutralidade.

Desde então, este país de 5,6 milhões de habitantes teve de depender só de si mesmo e tem continuado a fazê-lo mesmo após juntar-se à União Europeia e agora à Otan.

A Finlândia tem uma das maiores forças de artilharia na Europa, fabrica seus próprios fuzis e munições e coopera em defesa com a Suécia e outros países nórdicos. Os conscritos finlandeses passam pelo treinamento básico tradicional — melhorando sua condição física, aprendendo a atirar e usar outros armamentos, capacitando-se em primeiros socorros e praticando manobras em campo.

O general Timo Kivinen, chefe da defesa da Finlândia, recordou-se de seu alistamento, 45 anos atrás, quando os comandantes eram menos solícitos com os novos recrutas. “Evidentemente a cultura de liderança mudou com o tempo”, afirmou Kivinen, de 63 anos. “Eu não diria que o treinamento está menos duro, mas a maneira que você os comanda e se comunica com eles é diferente.”

Os recrutas do Regimento da Guarda Jaeger após um exercício de treinamento na base de Santahamina. Desde a invasão da Ucrânia, a Finlândia aumentou significativamente o seu orçamento militar Foto: Ivor Pickett/The NY Times

“Se nós não desenvolvemos nosso sistema de treinamento o tempo todo como parte de um desenvolvimento social, a coisa não funciona”, afirmou Kivinen. “Além de capacidade militar, a conscrição cria mais resiliência.”

As mulheres começaram a ser aceitas como voluntárias em 1995. Desde então, 12 mil completaram o treinamento, afirmou Kati Makkonen, das forças de defesa finlandesas. Como são voluntárias, afirmou ela, as mulheres tendem a ser mais motivadas, e as que permanecem no serviço militar ascendem na hierarquia, mas nenhuma virou general ainda.

Nora Nordstrom, de 21 anos, e Lumi Joutsen, de 20, alistaram-se este ano. Elas vivem em um alojamento misto, na ilha militar de Santahamina, sede do Regimento de Guarda Jaeger e da Universidade Finlandesa de Defesa Nacional.

Elas integram a mesma unidade e treinam junto com os homens, sem tratamento especial por ser mulheres, afirmaram elas. “Tem um pouco mais de corrida do que eu esperava”, afirmou Nordstrom, rindo, mas ela vem de uma família de militares, então sabia bem o que esperar.

Recrutas lancham na base em Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Joutsen afirmou que sempre soube que seria voluntária. Ainda que seja tratada da mesma forma que os homens, afirmou ela, “eu sinto uma pressão-extra sobre nós para fazermos as coisas bem”.

Ambas as mulheres afirmaram que não têm problemas com os recrutas homens. “Às vezes nós esquecemos essa coisa e trabalhamos juntos como seres humanos”, afirmou Nordstrom. “Isso me surpreendeu um pouco.”

Nordstrom abandonou o treinamento em 2022, após uma contusão, mas decidiu se alistar novamente. “Quando a guerra começou foi uma sensação muito surreal vestir esse uniforme”, afirmou ela. “Era a guerra, e nós, sabendo como ela está próxima, estamos aqui fazendo essas coisas.”

A guerra espreita

Kimmo Raja, de 34 anos, que trabalha no setor financeiro, foi convocado para exercícios de treinamento várias vezes este ano. “Obviamente a Ucrânia tem algo a ver com isso”, afirmou ele.

O capitão Tuomas Holsa, de 55 anos, consultor empresarial, afirmou que treina uma ou duas vezes ao ano. Este ano, ele também foi convocado várias vezes para ajudar a treinar novamente reservistas, não apenas em tiro, mas também em liderança.

Entre 2021 e 2022, houve um aumento de 65% nos exercícios obrigatórios para reservistas; de 53% em exercícios militares voluntários para reservistas; e de 300% em treinamentos militares de livre adesão.

“Nós não podemos mudar de vizinha, mesmo que agora alguns pensem que por sermos membros da Otan nós podemos de alguma maneira esquecer da Rússia”, afirmou o ex-ministro de Relações Exteriores Pekka Haavisto, que optou pelo serviço não militar quando jovem mas disse que hoje faria a outra escolha.

Desde o tempo dos czares, a história russa movimentou-se “em ondas, às vezes imperialistas e agressivas, às vezes mais colaborativas com o Ocidente”, afirmou Haavisto. “Meu palpite, com base nestes 100 anos de história, é que as mesmas ondas continuarão pelos próximos 100 anos, e nós temos de estar preparados para os tempos ruins e os tempos um pouquinho melhores.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - A fachada do prédio de apartamentos explodiu, os destroços caíram ao lado. Trabalhando juntos, soldados da polícia militar, paramédicos, bombeiros e uma unidade antibombas isolaram a área, que foi vasculhada em busca de outros explosivos — uma bomba foi encontrada e desarmado — e sobreviventes sob os escombros, com a ajuda de cães farejadores, ao mesmo tempo que removiam feridos e mortos.

Era um exercício. O edifício era um antigo dormitório de estudantes desativado. Os sobreviventes eram voluntários. Os mortos eram bonecos. Mas os sacos de corpos, os cães farejadores e os soldados eram de verdade, centenas de conscritos e reservistas praticando como coordenar respostas civis e militares a ataques terroristas ou de guerra.

Esses exercícios de treinamento são parte fundamental da estratégia militar da Finlândia no sentido de criar uma força com base em soldados na ativa e reservistas capazes de combater caso seu país entre em guerra — ainda mais crucial desde a invasão russa à Ucrânia. A cada ano, cerca de 20 mil homens são recrutados pelo serviço militar universal na Finlândia, e aproximadamente 1 mil mulheres se voluntariam.

Recrutas do Exército Finlandês do Regimento Guard Jaeger na base militar de Santahamina, em Helsinque, no mês passado. Todos os anos, cerca de 20 mil homens prestam serviço obrigatório nas forças armadas ou em funções civis Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Kasper Wallasvaara, de 21 anos, decidiu servir após se formar no ensino médio e trabalhar por um tempo. Eventualmente, ele quer ser professor ou treinador de esportes, mas agora está aprendendo a atirar com fuzil, lidar com situações como a desse bombardeio urbano e prender terroristas armados.

“A realidade da guerra ficou muito mais próxima”, afirmou Wallasvaara. “A guerra parece mais possível agora que a Rússia atacou a Ucrânia, a invasão russa nos despertou.”

Compartilhando uma longa história de conflitos com os russos e uma fronteira de 1,3 mil quilômetros, a Finlândia nunca baixou a guarda, da mesma forma que tantos outros países, após o colapso da União Soviética. Mesmo enquanto mais novo Estado-membro da aliança da Otan, a Finlândia continua comprometida com o conceito de autodefesa e autossuficiência.

Reservistas do Regimento da Guarda Jaeger, em campo de tiro na base de Santahamina, Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/NY Times

Serviço militar

Os homens finlandeses são obrigados a se alistar nas Forças Armadas ou prestar serviço civil alternativo em algum período entre os 18 anos e os 30 anos; para as mulheres o alistamento é voluntário. Em tempos de paz, apenas 13 mil pessoas permanecem na ativa militar, 4,5 mil delas civis. Se necessário, a Finlândia tem uma força potencial de 280 mil soldados entre conscritos mais jovens e reservistas mais bem treinados e outros 590 mil reservistas com menos de 60 anos e treinamento militar regular.

Desde a invasão, a Finlândia aumentou significativamente seu orçamento militar — e com ele a frequência dos exercícios de treinamento fundamentais para novos soldados e reservistas.

Em um exercício recente, em Espoo, os conscritos praticaram como isolar um edifício, como se aproximar furtivamente do local e como prender suspeitos, idealmente sem matá-los. Durante o treinamento, um suspeito conseguiu escapar, um lapso que os oficiais analisarão.

Sofia Nurmi, de 19 anos, voluntária que participou do exercício, queria servir nas vastas florestas do país, mas foi designada para a polícia militar, que atua principalmente nas cidades. Seu treinamento a ajudou, disse ela, especialmente a superar seu “medo de lugares escuros”. Ela quis ficar na polícia militar mas não alcançou a nota, disse ela, decepcionada. Agora Nurmi considera candidatar-se a guarda de fronteira — uma chance melhor de servir nas florestas.

Recrutas participando de exercício militar em Espoo, simulando as consequências de uma explosão em uma área residencial Foto: Ivor Prickett/NY Times

Em outra sessão de treinamento, dois pelotões travaram uma batalha simulada por computador, com um time no ataque e o outro, numa sala diferente, tentando se defender. O exercício simulado é repetido normalmente em um campo real, com armamentos reais, equipados com lasers, e sensores nos cintos, para que os participantes saibam quando foram “mortos”.

A realidade da agressão russa na Ucrânia, afirmam oficiais, motivou com mais força conscritos e reservistas ao mesmo tempo que incrementou treinamento no uso de drones, computadores e defesas contra ataques hackers e desinformação.

“A guerra pode acontecer”, afirmou Eetu Niemela, de 20 anos, que trabalha em construção civil e dirige um removedor de neve no inverno. Ele disse que, depois de seu treinamento, pensa em se candidatar para a academia de polícia e trabalhar como soldado de tropas de paz internacionais. Ele afirmou que ficou feliz que a Finlândia se juntou à Otan, acrescentando, “Nós não temos como saber o que pode acontecer”.

Seu oficial comandante para o exercício do bombardeio, o coronel Vesa Laitonen, de 53 anos, afirmou que a invasão russa à Ucrânia melhorou o moral e a dedicação dos conscritos. “Agora eles sabem por que estão no serviço militar”, disse ele. “Agora nós podemos responder essa pergunta.”

Recrutas finlandeses, durante exercício de busca e apreensão em um subúrbio de Helsinque, como parte de um exercício de treinamento. Foto: Ivor Pickett/The NY Times

Guerras

A Finlândia travou várias guerras com a Rússia ao longo dos séculos, e os finlandeses têm memórias robustas da “Guerra de Inverno”, de 1939, e da 2.ª Guerra. Os finlandeses derrotaram os soviéticos mas perderam território e tiveram de manter neutralidade.

Desde então, este país de 5,6 milhões de habitantes teve de depender só de si mesmo e tem continuado a fazê-lo mesmo após juntar-se à União Europeia e agora à Otan.

A Finlândia tem uma das maiores forças de artilharia na Europa, fabrica seus próprios fuzis e munições e coopera em defesa com a Suécia e outros países nórdicos. Os conscritos finlandeses passam pelo treinamento básico tradicional — melhorando sua condição física, aprendendo a atirar e usar outros armamentos, capacitando-se em primeiros socorros e praticando manobras em campo.

O general Timo Kivinen, chefe da defesa da Finlândia, recordou-se de seu alistamento, 45 anos atrás, quando os comandantes eram menos solícitos com os novos recrutas. “Evidentemente a cultura de liderança mudou com o tempo”, afirmou Kivinen, de 63 anos. “Eu não diria que o treinamento está menos duro, mas a maneira que você os comanda e se comunica com eles é diferente.”

Os recrutas do Regimento da Guarda Jaeger após um exercício de treinamento na base de Santahamina. Desde a invasão da Ucrânia, a Finlândia aumentou significativamente o seu orçamento militar Foto: Ivor Pickett/The NY Times

“Se nós não desenvolvemos nosso sistema de treinamento o tempo todo como parte de um desenvolvimento social, a coisa não funciona”, afirmou Kivinen. “Além de capacidade militar, a conscrição cria mais resiliência.”

As mulheres começaram a ser aceitas como voluntárias em 1995. Desde então, 12 mil completaram o treinamento, afirmou Kati Makkonen, das forças de defesa finlandesas. Como são voluntárias, afirmou ela, as mulheres tendem a ser mais motivadas, e as que permanecem no serviço militar ascendem na hierarquia, mas nenhuma virou general ainda.

Nora Nordstrom, de 21 anos, e Lumi Joutsen, de 20, alistaram-se este ano. Elas vivem em um alojamento misto, na ilha militar de Santahamina, sede do Regimento de Guarda Jaeger e da Universidade Finlandesa de Defesa Nacional.

Elas integram a mesma unidade e treinam junto com os homens, sem tratamento especial por ser mulheres, afirmaram elas. “Tem um pouco mais de corrida do que eu esperava”, afirmou Nordstrom, rindo, mas ela vem de uma família de militares, então sabia bem o que esperar.

Recrutas lancham na base em Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Joutsen afirmou que sempre soube que seria voluntária. Ainda que seja tratada da mesma forma que os homens, afirmou ela, “eu sinto uma pressão-extra sobre nós para fazermos as coisas bem”.

Ambas as mulheres afirmaram que não têm problemas com os recrutas homens. “Às vezes nós esquecemos essa coisa e trabalhamos juntos como seres humanos”, afirmou Nordstrom. “Isso me surpreendeu um pouco.”

Nordstrom abandonou o treinamento em 2022, após uma contusão, mas decidiu se alistar novamente. “Quando a guerra começou foi uma sensação muito surreal vestir esse uniforme”, afirmou ela. “Era a guerra, e nós, sabendo como ela está próxima, estamos aqui fazendo essas coisas.”

A guerra espreita

Kimmo Raja, de 34 anos, que trabalha no setor financeiro, foi convocado para exercícios de treinamento várias vezes este ano. “Obviamente a Ucrânia tem algo a ver com isso”, afirmou ele.

O capitão Tuomas Holsa, de 55 anos, consultor empresarial, afirmou que treina uma ou duas vezes ao ano. Este ano, ele também foi convocado várias vezes para ajudar a treinar novamente reservistas, não apenas em tiro, mas também em liderança.

Entre 2021 e 2022, houve um aumento de 65% nos exercícios obrigatórios para reservistas; de 53% em exercícios militares voluntários para reservistas; e de 300% em treinamentos militares de livre adesão.

“Nós não podemos mudar de vizinha, mesmo que agora alguns pensem que por sermos membros da Otan nós podemos de alguma maneira esquecer da Rússia”, afirmou o ex-ministro de Relações Exteriores Pekka Haavisto, que optou pelo serviço não militar quando jovem mas disse que hoje faria a outra escolha.

Desde o tempo dos czares, a história russa movimentou-se “em ondas, às vezes imperialistas e agressivas, às vezes mais colaborativas com o Ocidente”, afirmou Haavisto. “Meu palpite, com base nestes 100 anos de história, é que as mesmas ondas continuarão pelos próximos 100 anos, e nós temos de estar preparados para os tempos ruins e os tempos um pouquinho melhores.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - A fachada do prédio de apartamentos explodiu, os destroços caíram ao lado. Trabalhando juntos, soldados da polícia militar, paramédicos, bombeiros e uma unidade antibombas isolaram a área, que foi vasculhada em busca de outros explosivos — uma bomba foi encontrada e desarmado — e sobreviventes sob os escombros, com a ajuda de cães farejadores, ao mesmo tempo que removiam feridos e mortos.

Era um exercício. O edifício era um antigo dormitório de estudantes desativado. Os sobreviventes eram voluntários. Os mortos eram bonecos. Mas os sacos de corpos, os cães farejadores e os soldados eram de verdade, centenas de conscritos e reservistas praticando como coordenar respostas civis e militares a ataques terroristas ou de guerra.

Esses exercícios de treinamento são parte fundamental da estratégia militar da Finlândia no sentido de criar uma força com base em soldados na ativa e reservistas capazes de combater caso seu país entre em guerra — ainda mais crucial desde a invasão russa à Ucrânia. A cada ano, cerca de 20 mil homens são recrutados pelo serviço militar universal na Finlândia, e aproximadamente 1 mil mulheres se voluntariam.

Recrutas do Exército Finlandês do Regimento Guard Jaeger na base militar de Santahamina, em Helsinque, no mês passado. Todos os anos, cerca de 20 mil homens prestam serviço obrigatório nas forças armadas ou em funções civis Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Kasper Wallasvaara, de 21 anos, decidiu servir após se formar no ensino médio e trabalhar por um tempo. Eventualmente, ele quer ser professor ou treinador de esportes, mas agora está aprendendo a atirar com fuzil, lidar com situações como a desse bombardeio urbano e prender terroristas armados.

“A realidade da guerra ficou muito mais próxima”, afirmou Wallasvaara. “A guerra parece mais possível agora que a Rússia atacou a Ucrânia, a invasão russa nos despertou.”

Compartilhando uma longa história de conflitos com os russos e uma fronteira de 1,3 mil quilômetros, a Finlândia nunca baixou a guarda, da mesma forma que tantos outros países, após o colapso da União Soviética. Mesmo enquanto mais novo Estado-membro da aliança da Otan, a Finlândia continua comprometida com o conceito de autodefesa e autossuficiência.

Reservistas do Regimento da Guarda Jaeger, em campo de tiro na base de Santahamina, Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/NY Times

Serviço militar

Os homens finlandeses são obrigados a se alistar nas Forças Armadas ou prestar serviço civil alternativo em algum período entre os 18 anos e os 30 anos; para as mulheres o alistamento é voluntário. Em tempos de paz, apenas 13 mil pessoas permanecem na ativa militar, 4,5 mil delas civis. Se necessário, a Finlândia tem uma força potencial de 280 mil soldados entre conscritos mais jovens e reservistas mais bem treinados e outros 590 mil reservistas com menos de 60 anos e treinamento militar regular.

Desde a invasão, a Finlândia aumentou significativamente seu orçamento militar — e com ele a frequência dos exercícios de treinamento fundamentais para novos soldados e reservistas.

Em um exercício recente, em Espoo, os conscritos praticaram como isolar um edifício, como se aproximar furtivamente do local e como prender suspeitos, idealmente sem matá-los. Durante o treinamento, um suspeito conseguiu escapar, um lapso que os oficiais analisarão.

Sofia Nurmi, de 19 anos, voluntária que participou do exercício, queria servir nas vastas florestas do país, mas foi designada para a polícia militar, que atua principalmente nas cidades. Seu treinamento a ajudou, disse ela, especialmente a superar seu “medo de lugares escuros”. Ela quis ficar na polícia militar mas não alcançou a nota, disse ela, decepcionada. Agora Nurmi considera candidatar-se a guarda de fronteira — uma chance melhor de servir nas florestas.

Recrutas participando de exercício militar em Espoo, simulando as consequências de uma explosão em uma área residencial Foto: Ivor Prickett/NY Times

Em outra sessão de treinamento, dois pelotões travaram uma batalha simulada por computador, com um time no ataque e o outro, numa sala diferente, tentando se defender. O exercício simulado é repetido normalmente em um campo real, com armamentos reais, equipados com lasers, e sensores nos cintos, para que os participantes saibam quando foram “mortos”.

A realidade da agressão russa na Ucrânia, afirmam oficiais, motivou com mais força conscritos e reservistas ao mesmo tempo que incrementou treinamento no uso de drones, computadores e defesas contra ataques hackers e desinformação.

“A guerra pode acontecer”, afirmou Eetu Niemela, de 20 anos, que trabalha em construção civil e dirige um removedor de neve no inverno. Ele disse que, depois de seu treinamento, pensa em se candidatar para a academia de polícia e trabalhar como soldado de tropas de paz internacionais. Ele afirmou que ficou feliz que a Finlândia se juntou à Otan, acrescentando, “Nós não temos como saber o que pode acontecer”.

Seu oficial comandante para o exercício do bombardeio, o coronel Vesa Laitonen, de 53 anos, afirmou que a invasão russa à Ucrânia melhorou o moral e a dedicação dos conscritos. “Agora eles sabem por que estão no serviço militar”, disse ele. “Agora nós podemos responder essa pergunta.”

Recrutas finlandeses, durante exercício de busca e apreensão em um subúrbio de Helsinque, como parte de um exercício de treinamento. Foto: Ivor Pickett/The NY Times

Guerras

A Finlândia travou várias guerras com a Rússia ao longo dos séculos, e os finlandeses têm memórias robustas da “Guerra de Inverno”, de 1939, e da 2.ª Guerra. Os finlandeses derrotaram os soviéticos mas perderam território e tiveram de manter neutralidade.

Desde então, este país de 5,6 milhões de habitantes teve de depender só de si mesmo e tem continuado a fazê-lo mesmo após juntar-se à União Europeia e agora à Otan.

A Finlândia tem uma das maiores forças de artilharia na Europa, fabrica seus próprios fuzis e munições e coopera em defesa com a Suécia e outros países nórdicos. Os conscritos finlandeses passam pelo treinamento básico tradicional — melhorando sua condição física, aprendendo a atirar e usar outros armamentos, capacitando-se em primeiros socorros e praticando manobras em campo.

O general Timo Kivinen, chefe da defesa da Finlândia, recordou-se de seu alistamento, 45 anos atrás, quando os comandantes eram menos solícitos com os novos recrutas. “Evidentemente a cultura de liderança mudou com o tempo”, afirmou Kivinen, de 63 anos. “Eu não diria que o treinamento está menos duro, mas a maneira que você os comanda e se comunica com eles é diferente.”

Os recrutas do Regimento da Guarda Jaeger após um exercício de treinamento na base de Santahamina. Desde a invasão da Ucrânia, a Finlândia aumentou significativamente o seu orçamento militar Foto: Ivor Pickett/The NY Times

“Se nós não desenvolvemos nosso sistema de treinamento o tempo todo como parte de um desenvolvimento social, a coisa não funciona”, afirmou Kivinen. “Além de capacidade militar, a conscrição cria mais resiliência.”

As mulheres começaram a ser aceitas como voluntárias em 1995. Desde então, 12 mil completaram o treinamento, afirmou Kati Makkonen, das forças de defesa finlandesas. Como são voluntárias, afirmou ela, as mulheres tendem a ser mais motivadas, e as que permanecem no serviço militar ascendem na hierarquia, mas nenhuma virou general ainda.

Nora Nordstrom, de 21 anos, e Lumi Joutsen, de 20, alistaram-se este ano. Elas vivem em um alojamento misto, na ilha militar de Santahamina, sede do Regimento de Guarda Jaeger e da Universidade Finlandesa de Defesa Nacional.

Elas integram a mesma unidade e treinam junto com os homens, sem tratamento especial por ser mulheres, afirmaram elas. “Tem um pouco mais de corrida do que eu esperava”, afirmou Nordstrom, rindo, mas ela vem de uma família de militares, então sabia bem o que esperar.

Recrutas lancham na base em Helsinque, Finlândia  Foto: Ivor Prickett/The NY Times

Joutsen afirmou que sempre soube que seria voluntária. Ainda que seja tratada da mesma forma que os homens, afirmou ela, “eu sinto uma pressão-extra sobre nós para fazermos as coisas bem”.

Ambas as mulheres afirmaram que não têm problemas com os recrutas homens. “Às vezes nós esquecemos essa coisa e trabalhamos juntos como seres humanos”, afirmou Nordstrom. “Isso me surpreendeu um pouco.”

Nordstrom abandonou o treinamento em 2022, após uma contusão, mas decidiu se alistar novamente. “Quando a guerra começou foi uma sensação muito surreal vestir esse uniforme”, afirmou ela. “Era a guerra, e nós, sabendo como ela está próxima, estamos aqui fazendo essas coisas.”

A guerra espreita

Kimmo Raja, de 34 anos, que trabalha no setor financeiro, foi convocado para exercícios de treinamento várias vezes este ano. “Obviamente a Ucrânia tem algo a ver com isso”, afirmou ele.

O capitão Tuomas Holsa, de 55 anos, consultor empresarial, afirmou que treina uma ou duas vezes ao ano. Este ano, ele também foi convocado várias vezes para ajudar a treinar novamente reservistas, não apenas em tiro, mas também em liderança.

Entre 2021 e 2022, houve um aumento de 65% nos exercícios obrigatórios para reservistas; de 53% em exercícios militares voluntários para reservistas; e de 300% em treinamentos militares de livre adesão.

“Nós não podemos mudar de vizinha, mesmo que agora alguns pensem que por sermos membros da Otan nós podemos de alguma maneira esquecer da Rússia”, afirmou o ex-ministro de Relações Exteriores Pekka Haavisto, que optou pelo serviço não militar quando jovem mas disse que hoje faria a outra escolha.

Desde o tempo dos czares, a história russa movimentou-se “em ondas, às vezes imperialistas e agressivas, às vezes mais colaborativas com o Ocidente”, afirmou Haavisto. “Meu palpite, com base nestes 100 anos de história, é que as mesmas ondas continuarão pelos próximos 100 anos, e nós temos de estar preparados para os tempos ruins e os tempos um pouquinho melhores.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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