O Estado de Israel quer melhorar as relações com a América Latina. É o que diz Mattanya Cohen, diretor adjunto para América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em entrevista ao Estadão.
Cohen esteve em São Paulo na terça-feira, 26, mesmo dia em que um cessar-fogo entre Israel e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah foi anunciado. O diplomata espera que a notícia contribua para suavizar o momento conturbado entre Brasil e Israel.
“Esperamos que o cessar-fogo no Líbano faça com que o Brasil indique um novo embaixador para Israel”, apontou Cohen. Brasília chamou o então embaixador Frederico Meyer para consultas em fevereiro, depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser considerado persona non grata em Israel e o representante brasileiro ser convocado a participar de uma reunião no Museu do Holocausto, com direito a uma visita pelo local ao lado do então chanceler israelense Israel Katz.
A crise diplomática entre os dois países foi iniciada por comentários do presidente Lula, que comparou a atuação do Exército de Israel na Faixa de Gaza com a de soldados da Alemanha Nazista. Desde então a relação está bloqueada.
“O diálogo entre os países precisa acontecer. Por isso nós mantivemos o nosso embaixador no Brasil, para explicar a nossa posição”, avalia o diplomata. “Esperamos o mesmo do Brasil”.
Cohen destacou que o Brasil é o maior parceiro comercial de Israel na América Latina e os dois países têm relações importantes desde a fundação do Estado, em 1948. “Temos um histórico de cooperação, muitas décadas de relações comerciais, políticas e culturais”.
Apesar da complicada relação com países como Brasil, Colômbia e Chile, Israel também tem aliados próximos na região, como é o caso do presidente da Argentina, Javier Milei, e do presidente do Paraguai, Santiago Peña. Assunção deve mudar a sua embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém em dezembro e Cohen espera o mesmo movimento de Buenos Aires em 2025
Confira trechos da entrevista:
Como a guerra que Israel trava há mais de um ano é vista internamente?
A realidade é muito complicada. Quando eu acordo todos os dias em Israel, independente de qual cidade, eu não sei o que vai acontecer no meu dia, se irei ouvir sirenes por estar sendo atacado com mísseis que podem vir de Gaza, Líbano e Iêmen, ou drones do Hezbollah. Esta é a situação.
Não existe nenhum outro país que esteja lidando com uma situação dessas, uma guerra com tantas frentes. É uma situação sem precedentes na história.
No dia 7 de outubro do ano passado, 1.200 israelenses foram mortos, o que seria equivalente a 25 mil brasileiros. Imagine, 25 mil brasileiros mortos em apenas um dia. Eu faço a comparação em cada país que visito para que as pessoas tenham noção.
Em relação ao Hezbollah, nós temos o cessar-fogo agora, mas é preciso dar um contexto. Forças israelenses estiveram no Líbano até o ano 2000 e fomos forçados a sair por uma pressão da comunidade internacional. Não fizemos nenhum acordo, saímos unilateralmente. Então o Hezbollah tomou o controle do sul do Líbano, não foi o Exército do Líbano ou a UNIFIL, foi o Hezbollah.
Então desde 2000 e com a Guerra do Líbano em 2006, nós estamos enfrentando este inimigo. Eles não ligam para o Líbano, só querem matar judeus. Eles iniciaram um confronto contra nós no dia 8 de outubro do ano passado, sem nenhuma provocação.
Primeiro nós não respondemos, mas depois decidimos responder. Então entramos no Líbano e vimos que eles estavam preparando algo ainda mais horrível do que o Hamas fez, com mais dinheiro, infraestrutura e armas. Eles queriam fazer um ataque parecido com o do 7 de outubro no norte de Israel.
Mais de 60 mil israelenses tiveram que sair de suas casas no norte de Israel. Muitas casas estão destruídas. Eu espero que eles retirem as forças deles para o norte do Rio Litani e não prejudiquem mais Israel.
Existem conversas com o Hamas para um cessar-fogo em Gaza?
Nós não podemos esquecer que 101 reféns israelenses seguem em Gaza. A liberação deles é o nosso objetivo principal.
Na semana passada, na reunião do G-20, no Rio de Janeiro, nós tivemos uma declaração final que condenou Israel, mas não mencionou os reféns que estão na Faixa de Gaza. Precisamos lembrar deles.
Muitas pessoas falam que deveríamos realizar uma “troca de prisioneiros”. Mas eles não são prisioneiros, são pessoas que não fizeram nada, estavam em suas casas, de pijama, e foram levadas para a Faixa de Gaza.
Eles não estão em prisões, comendo três vezes por dia. Eles estão embaixo da terra, em túneis. Sem água, banheiro e comida.
O objetivo desta guerra é acabar com a capacidade militar do Hamas e trazer os reféns de volta.
É impossível destruir a organização Hamas. O mundo não destruiu o Estado Islâmico. Mas destruímos grande parte da infraestrutura militar do Hamas.
Temos que garantir que o Hamas não repita os ataques de 7 de outubro. Qualquer acordo precisa trazer todos os reféns de volta, os que estão vivos e os que já faleceram.
Como o senhor imagina o futuro de Gaza sem o Hamas? É possível que os israelenses que moram perto da fronteira com o enclave voltem para a região?
A maior parte da população de Gaza quer viver em paz com Israel. Eu não sei quem governaria Gaza, se seria uma coalizão internacional de países árabes, ou a Autoridade Palestina, mas é preciso chegar a um acordo.
Já a população israelense que mora na região da fronteira quer voltar aos poucos. Alguns kibutzim atacados já disseram isso e outros estão pensando. As pessoas vão continuar vivendo lá.
O 7 de outubro foi uma falha de todo o sistema, militar e de inteligência. Vamos aprender com os nossos erros para que um ataque assim não ocorra novamente. Cerca de 20 mil palestinos de Gaza trabalhavam em Israel antes dos ataques e eu espero que eles voltem depois da guerra.
Qual é a relação entre o governo brasileiro e o governo israelense?
A posição do Brasil é complicada. Nós discordamos de diversas declarações do presidente Lula sobre Israel.
É normal que dois países discordem, eles podem discordar. Temos uma grande relação de amizade e aliança com os Estados Unidos, mas não concordamos em tudo e isso é normal. Por isso é necessário dialogar.
O diálogo entre os dois países é liderado por diplomatas. Lula disse o que disse ao comparar o Exército de Israel com os nazistas, mas nós não convocamos o nosso embaixador para consultas, nós mantivemos ele aqui porque ele precisa explicar para o governo brasileiro e para a opinião pública a nossa posição.
Esperamos que o Brasil faça o mesmo. Sei que o último embaixador já está em outro posto, mas esperamos que o Brasil indique um novo embaixador. Talvez agora com o cessar-fogo no Líbano isso possa acontecer.
Eu quero reduzir as tensões entre nossos países. Israel e Brasil têm relações excelentes desde 1947. O Brasil é o nosso maior parceiro comercial no continente e eu quero que as relações voltem a ser o que eram antes da guerra.
Eu também vou para Brasília e terei uma reunião no Itamaraty para conversar sobre tudo isso. Eu espero que as relações entre os dois países sejam como antes.
Qual era a visão que o governo israelense tinha sobre o presidente Lula antes de seus comentários mais críticos a Israel? Ele foi o primeiro presidente brasileiro a visitar Israel
Eu lembro da visita, foi uma visita histórica. Nós não somos contra Lula. Ele foi eleito democraticamente e nós respeitamos. Nós discordamos de seus comentários, mas queremos explicar a nossa posição. Lula diz que quer ajudar os palestinos. Eu também quero. Não somos contra os palestinos ou contra os libaneses. A guerra não é contra os palestinos ou libaneses. Não temos nada contra o povo iraniano.
Em Gaza o nosso problema é com o Hamas, que é uma organização terrorista. As pessoas nos pedem uma negociação com a Autoridade Palestina. É preciso lembrar que esta entidade não é pacífica. Eles pagam salários mensais para as famílias de terroristas que estão na prisão em Israel. Quanto maior o crime maior o salário. E eles não educam para a paz. Nos currículos escolares, eles ensinam o ódio a Israel.
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Eu espero que em algum momento um líder palestino apareça como apareceu o presidente Sadat no Egito e o rei Hussein na Jordânia. Preciso lembrar também que Israel ofereceu duas vezes a criação de um Estado palestino, em 2000 e em 2008. Poderíamos ter tido 25 anos de paz. A resposta de Yasser Arafat foi a intifada. Nós não queremos outro dia 7 de outubro.
Queremos paz, mas precisamos de um líder do lado palestino disposto a negociar.
Como o senhor vê a relação de Israel com países da América Latina?
A relação de Israel com a região é complicada. Começando pelo positivo, nós vimos agora quem são nossos reais amigos.
Temos a Argentina, com o presidente Javier Milei, e o Paraguai, do presidente Santiago Peña, que estará em Israel no mês que vem e irá inaugurar a embaixada do Paraguai em Jerusalém. Será o terceiro país da América Latina a fazer isso depois de Honduras e Guatemala.
Temos boas relações com o Panamá e Equador também.
Com a Venezuela nós não temos relações diplomáticas desde 2009, o regime de Hugo Chávez cortou as relações. Bolívia e Nicarágua também romperam as relações diplomáticas quando a guerra atual começou e o presidente da Colômbia decidiu diminuir o nível das relações de embaixada para consulado, então nosso embaixador teve que sair de lá.
Outros países, como o Brasil, retiraram seus embaixadores. Então estamos em um momento complicado. É por isso que temos que estar aqui, para explicar a nossa posição. Fazemos isso não só na esfera federal, mas também a nível estadual e municipal. E a população da região nos apoia, isso é muito importante. A população da Colômbia discorda do que o presidente Gustavo Petro fez em relação a Israel. Mas nós queremos melhorar isso. A guerra vai acabar logo. Agora nós temos o cessar-fogo no Líbano, em Gaza também teremos em algum momento próximo. E queremos restaurar as relações. Temos um histórico de cooperação, muitas décadas de relações comerciais, políticas e culturais.
O senhor foi embaixador em Honduras, Guatemala e El Salvador. Os dois primeiros mudaram as suas embaixadas para Jerusalém. O senhor acredita que outros podem seguir este caminho?
Eu tive grande participação neste processo. Foi durante o meu tempo como embaixador que estes dois países mudaram a embaixada. Jerusalém é a nossa capital, sempre foi a capital do povo judeu. A capital do Brasil era o Rio de Janeiro e eles decidiram mudar para Brasília. Nenhum país pode questionar isso. Temos cinco países que têm a sua embaixada em Jerusalém: Estados Unidos, Kosovo, Honduras, Guatemala e Papua Nova Guiné. Logo teremos o Paraguai. Talvez a Argentina em 2025.
O que mudará para Israel com Donald Trump na Casa Branca a partir de janeiro?
Historicamente Israel tem ótimas relações com ambos os partidos. Nós apreciamos tudo que o presidente Biden fez, ele visitou o nosso país dias após os ataques de 7 de outubro e organizou a nossa defesa contra o Irã.
O presidente Trump também foi um grande presidente em seu primeiro mandato em relação a Israel. Ele teve a corajosa decisão de mudar a embaixada para Jerusalém e reconheceu as Colinas do Golan como território israelense.
Temos impressões muito positivas em relação ao gabinete de Trump. O futuro secretário de Estado, Marco Rubio, é muito pró-Israel. Eu fui cônsul de Israel em Miami, conheci Rubio e sei que ele é um homem brilhante.
Estamos ansiosos pelo trabalho que podemos fazer conjuntamente, principalmente em como lidar com o Irã, que é a cabeça da cobra como gostamos de chamar.
Sabemos que Trump quer enfraquecer o Irã e garantir que eles não se tornem uma potência nuclear. Esperamos que este regime autocrático iraniano desapareça.
Com a volta de Trump o senhor acredita que Israel pode estabelecer relações diplomáticas com a Arábia Saudita?
Neste momento, os países árabes acreditam que Israel não faz parte do problema, mas sim da solução.
Não estou contando nenhum segredo aqui, estávamos próximos de assinar algum tipo de acordo com os sauditas antes dos ataques de 7 de outubro.
Eu tenho certeza que com Trump na Casa Branca e o fim da guerra nós poderemos retomar estas negociações. Eu não estou excluindo nem um acordo com o Líbano, nós não somos inimigos do povo libanês.
O Egito era o principal e mais perigoso inimigo de Israel nas primeiras três décadas da história do país. Ninguém poderia imaginar que Israel poderia ter relações diplomáticas com eles e agora nós comemoramos mais de 40 anos de parceria pacífica nas fronteiras e em outras áreas.
Eu também não estou excluindo um acordo com os palestinos. Se todos os países entenderem que Israel veio para ficar na região do Oriente Médio, nós podemos conversar. Eu sou otimista.
Como o senhor responde ao mandado de prisão emitido pelo TPI contra o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant?
É uma hipocrisia. É absurdo que o TPI tenha emitido um mandado de prisão contra o líder de um país democrático, que tem um forte sistema judiciário. O TPI não tem um mandado contra Assad, depois de tudo que ele fez na guerra civil da Síria.
É a primeira vez que líderes democráticos são acusados pelo TPI. Nós convidamos Karim Khan para visitar Israel e entender o nosso lado. Ele ouviu o ministério da Saúde de Gaza, o que é esse ministério? É o Hamas.
Então nós não aceitamos esta decisão. Eu sempre questiono se o TPI emitiria um mandado de prisão contra o primeiro-ministro Winston Churchill por bombardear a Alemanha nazista, eu acho que não.