A fila do lado de fora do Consulado da Venezuela em Madri se estendia pelo quarteirão. Mulheres grávidas, famílias com crianças pequenas, idosos e pessoas com deficiência chegavam às 4h – cinco horas antes de o escritório abrir — tentando se registrar para votar na tão esperada eleição presidencial da Venezuela, em 28 de julho.
Adriana Rodríguez, de 47 anos, deixou a Venezuela em 2018. Recentemente, ela chegou às 8h no consulado dois dias seguidos. Em ambas as vezes, esperou quatro horas antes de chegar à frente da fila, apenas para ser rejeitada, sempre com a mesma explicação: “Eles não podiam registrar mais pessoas”, disse.
Com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, mal posicionado nas pesquisas antes da votação, o regime impôs regras rigorosas que tornam o registro para votar quase impossível para milhões de venezuelanos que vivem no exterior, incluindo nos Estados Unidos, Espanha e países da América Latina. Muitos deixaram seu país para trás por causa das duras condições econômicas e políticas.
As pesquisas mostram que seu principal oponente, um ex-diplomata discreto chamado Edmundo González, está muito à frente. González é apoiado por María Corina Machado, líder da oposição que cativou os eleitores ao cruzar o país, fazendo campanha para ele com a promessa de restabelecer a democracia e reunir as famílias separadas pela migração.
As táticas da ditadura equivalem a uma fraude eleitoral em grande escala, dizem especialistas, uma vez que até 25% dos eleitores elegíveis da Venezuela vivem fora do país — e um grande número provavelmente não votaria em Maduro. De um total de 21 milhões de eleitores, entre 3,5 milhões e 5,5 milhões de venezuelanos elegíveis para votar vivem fora do país. Destes, apenas 69 mil estão registrados para votar.
“Eles estão intencionalmente privando as pessoas de seus direitos”, disse Fernanda Buril, vice-diretora da Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais, uma organização que promove a democracia. “É uma violação completa de todos os padrões de integridade eleitoral”.
Nos consulados venezuelanos em vários países, centenas de cidadãos esperam dia após dia em longas filas, enfrentando atrasos inexplicáveis, instruções confusas e exigências inesperadas de funcionários despreocupados, de acordo com venezuelanos entrevistados na Argentina, Chile, Colômbia e Espanha.
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Rodríguez, uma designer de interiores que disse ter se sentido “forçada” a deixar a Venezuela após o aumento da repressão e da queda da economia, descreveu a intensa raiva e frustração quando as pessoas que esperavam se registrar para votar eram recusadas por funcionários consulares. Ela, que gostaria de votar na oposição, disse que o sentimento é o de que eles estão “decepcionando” o país. “Por que tenho de passar por isso para exercer meu direito de votar?”, questionou ela.
A autoridade eleitoral da Venezuela e sua embaixada na Espanha não responderam a vários pedidos de comentário.
‘Fraude eleitoral’
Maduro acusou a oposição e planejar cometer “fraude eleitoral” e organizar um golpe de Estado. Segundo especialistas, em alguns casos, a ditadura venezuelana está aplicando rigorosamente as regras existentes para tornar mais difícil o registro. A tática mais comum, disseram, é o uso de uma lei que exige que cidadãos no exterior possuam “residência” ou “permanência legal” no país onde vivem para poderem votar. No ciclo eleitoral atual, a regra tem sido usada para rejeitar muitas formas de identificação — incluindo vistos, que eram aceitos no passado.
Na Colômbia, cerca de dois milhões de venezuelanos têm status de proteção temporária como parte de um esforço histórico do governo local para legalizar quase todos os venezuelanos no país. A Venezuela, porém, não aceita esse status como prova de residência. Para venezuelanos no Uruguai, o regime venezuelano exige um cartão de identificação uruguaio de quatro anos, embora o Uruguai não emita tais cartões para residentes legais estrangeiros com validade superior a três anos.
“A fraude eleitoral não é mais apenas jogar votos em urnas no dia da eleição. É em todo o processo”, disse Buril, acrescentando que, ao erguer obstáculos para votar no exterior, a ditadura da Venezuela segue um manual usado por outros países não democráticos.
A próxima votação pode ser decisiva para determinar o futuro da democracia em um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo, mas que viu cerca de oito milhões de pessoas, um quarto de sua população, partir em meio a uma economia em colapso e anos de regime autoritário. O chavismo concordou em realizar eleições livres e justas sob pressão dos EUA e em troca de alívio das sanções americanas. Mas a ditadura de Maduro tem tentado impedir uma votação crível.
Ainda assim, uma oposição unida e o que as pesquisas sugerem ser uma intensa fome de mudança entre muitos venezuelanos podem representar o maior desafio ao domínio de 11 anos de Maduro no poder.
Erosão dos direitos
A erosão dos direitos de voto começou há mais de dez anos e tem piorado gradualmente, disse Eugenio Martínez, diretor da Votoscopio, uma organização de monitoramento eleitoral. De acordo com a lei venezuelana, os cidadãos no exterior devem poder se registrar durante todo o ano em qualquer embaixada ou consulado se tiverem um cartão de identidade nacional venezuelano, mesmo que este esteja vencido. Mas o regime tem permitido o registro apenas por períodos limitados.
Este ano, a autoridade eleitoral designou um período de 29 dias entre março e abril para que os venezuelanos se registrassem ou atualizassem suas informações pessoais, incluindo onde vivem e seu local de votação. Mas até mesmo esse período foi encurtado em várias embaixadas e consulados por uma variedade de problemas, incluindo falhas dos computadores. Durante a breve janela que a ditadura abriu, apenas 508 venezuelanos conseguiram se registrar para votar em todo o mundo.
“Chamamos isso, sem medo de exagerar, de uma fraude pré-eleitoral em massa”, disse Ligia Bolívar, que mora em Bogotá, na Colômbia, e é fundadora da Provea, organização venezuelana de direitos humanos.
Em países que romperam relações diplomáticas com a ditadura de Maduro, como os Estados Unidos, os venezuelanos não têm como se registrar para votar.
Novas regras adotadas para a eleição deste mês também exigem que os candidatos apresentem um passaporte venezuelano válido, um documento que pode custar mais de US$ 300 (R$ 1,6 mil). Isso equivale a cerca de um terço do salário mensal de Dayana Hernández como recepcionista em um consultório odontológico na Espanha. Ela deixou a Venezuela em 2018, depois que o agravamento da crise econômica do país tornou difícil conseguir cuidados para seu filho, que tem autismo.
Eleições na Venezuela
Hernández culpou o regime de Maduro, que ela esperava poder votar contra. Sem poder realizar o registro, porém, ela disse ter se sentido “devastada e impotente”, com a sensação de que “não posso contribuir”.
‘Última chance’
Bolívar, fundadora da Provea, chamou de “paradoxal” o fato de que as pessoas mais afetadas pela crise econômica e pela ditadura da Venezuela provavelmente terão pouca influência na determinação do futuro do país.
Ela, que está em Bogotá há cinco anos, não conseguiu se registrar porque tem o visto colombiano atual há três anos — menos que os cinco anos necessários para se tornar residente permanente e ser elegível para se registrar para a eleição na Venezuela. “As pessoas tinham muita expectativa para se registrar”, disse. “Mas o governo pôs fim a tudo isso”.
Victor Faza, de 25 anos, é venezuelano e vive na Argentina. Ele não conseguiu se registrar por causa de um passaporte vencido, mas se tornou ativo numa organização local sem fins lucrativos que solicitou ao consulado da Venezuela a criação de mais postos de registro.
Ainda assim, disse, falar com funcionários do órgão para tentar facilitar o registro eleitoral era “como falar com a parede”. O jovem deseja voltar ao seu país, mas apenas se eleições livres levarem à mudança de governo. “Não me vejo voltando à Venezuela sob uma ditadura”, afirmou ele. “Esta é a última oportunidade de ver nosso país livre”.