GAINSBOROUGH, INGLATERRA – O grupo de sete voluntários em trajes bem visíveis, equipados com GPS e rádios, reúnem-se em um parque de estacionamento em uma reserva ambiental nos arredores da cidade. "Vamos seguir a rota vermelha”, disse Rick Roberts, mostrando o mapa da reserva, sua respiração formando uma nuvem no ar gelado do fim de novembro.
O grupo se divide para percorrer as trilhas, a luz das suas lanternas se cruzando através das árvores nesta região fora de Gainsborough, outrora uma cidade animada localizada ao longo do Rio Trent no Condado de Lincolnshire, nas Terras Médias orientais da Inglaterra.
Seus integrantes fazem parte de uma iniciativa de prevenção ao suicídio chamada Night Watch, lançada há algumas semanas para monitorar locais onde suicídios são frequentes e em busca de pessoas em crise.
A noite foi boa. Ninguém foi encontrado.
Mas as últimas semanas foram agitadas para a instituição beneficente Bearded Fishermen, que está por trás da iniciativa, e para seus cofundadores Roberts e Mick Leyland. Com a Inglaterra apenas saindo de um segundo lockdown, eles observaram um importante aumento de chamadas de pessoas pedindo ajuda e uma necessidade maior dos seus serviços com a comunidade se defrontando com as consequências da epidemia do coronavírus.
“O tempo frio e úmido, as noites longas, tudo isto afeta muitas pessoas”, disse Leyland. “E o lockdown só piora a situação”. Em uma semana recente eles responderam a vários chamados de pessoas em crises, incluindo algumas que ameaçavam se suicidar.
Com a pandemia devastando o Reino Unido e dois lockdowns em todo o país deixando muitos se sentindo isolados, especialistas afirmam que tem aumentado a preocupação com a saúde mental e o bem-estar das pessoas. Pesquisa mostrou um aumento de queixas de solidão, particularmente entre os jovens, e das dificuldades no caso daqueles que já têm problemas mentais, além de um número maior de pessoas pensando em cometer suicídio.
Embora não se observe uma subida recorde nas taxas de suicídio, o risco entre homens de meia idade é preocupante num país onde há décadas eles constituem o grupo com o número mais alta de mortes por suicídio.
O impacto da pandemia e seus efeitos devastadores – os lockdowns, a desaceleração da economia e o isolamento social – sobre a saúde mental, vêm sendo observados em todo o mundo. E no Reino Unido, que registra o número mais alto de mortes por covid-19 e uma profunda recessão econômica, os especialistas temem que esses efeitos serão sentidos durante anos daqui para a frente.
Alguns bairros de Gainsborough são considerados os mais carentes no Condado de Lincolnshire.
David, de 22 anos, vive na cidade e tem lutado com a depressão e o abuso de álcool há anos. “Fui criado por meu avô e ele me ensinou a pensar que você deve ser forte não importa o que ocorrer”, disse. Para David, o lockdown trouxe novos desafios. Com a sua vida cada vez mais instável e as chances de um emprego diminuindo, seu estresse aumentou.
“A pandemia tornou as coisas um pouco mais difíceis porque não existem muitos serviços de apoio direto”, afirmou, acrescentando que a falta de um contato humano tem sido difícil. O suporte dado pelos Bearded Fishermen ajuda, mas alguns dias são melhores do que outros.
Segundo Leyland, a cidade se sente “esquecida”, até ignorada, quando se trata de financiamento, mesmo quando “moradores sem teto, desempregados e de baixa renda veem sua saúde mental ser afetada pela pandemia”. “Há muitas pessoas aqui que estão sem emprego há algum tempo e procuram desesperadamente um trabalho. Elas chegam a um ponto em que passam a pensar que “ficariam melhor se não estivesse mais neste mundo”.
Leyland e Roberts registraram oficialmente a instituição Bearded Fishermen – seu nome é uma alusão ao seu amor pela pesca e a barba espessa que ambos usam – quando a pandemia se abateu em março. Quando a Inglaterra entrou no seu segundo lockdown nacional eles criaram as patrulhas Night Watch.
Seus próprios problemas de saúde mental e o caminho para o consolo são um testemunho poderoso da situação. Ambos sobreviveram a tentativas de suicídio. Depois de ficar desabrigado há algum tempo, Roberts mudou-se para Gainsborouhg e conheceu Leyland, e os dois fizeram amizade durante as saídas para pescar com outros homens.
“Ambos sofremos de depressão e ansiedade de modo que a pesca é um alívio. Costumávamos conversar e discutir sobre coisas que não queríamos falar com outras pessoas”, disse Leyland. E eles pensaram que os outros, especialmente os homens que têm dificuldade para se abrir, poderiam se beneficiar de um apoio similar. No fim do ano passado lançaram um grupo que se reunia semanalmente e onde os homens podiam “falar abertamente sobre os seus problemas” tomando chá num centro comunitário local.
Quando a pandemia impossibilitou essas reuniões, os encontros passaram a ser online. Eles então criaram um call center neste verão fornecendo apoio por telefone 24 horas por dia, sete dias por semana.
A situação na área de Gainsborough reflete o estresse mental que aumentou em todo o país. Segundo uma pesquisa publicada pelo British Jounal of Psychiatry em outubro houve um aumento no número de pessoas pensando em cometer suicídio durante a pandemia. Jovens de meios socialmente mais desfavorecidos e aqueles com transtornos mentais preexistentes reportaram uma piora das condições durante o primeiro lockdown no segundo trimestre do ano.
Mette Isaksen, pesquisadora e diretora no Samaritans, instituição beneficente dedicada a problemas de saúde mental, e que fez parte do estudo, disse que embora a pesquisa tenha revelado uma piora nas tendências, isto não significa necessariamente que os suicídios aumentaram. “É muito importante que as pessoas saibam que podem ter ajuda”, disse ela. “O suicídio não é inevitável”.
De acordo com a Mental Health Foundation, que vem realizando um estudo nacional dos efeitos da pandemia sobre a saúde mental dos britânicos, os relatos de pessoas reclamando de solidão dispararam durante o primeiro lockdown. E as queixas de ansiedade e pânico reportadas no início diminuíram, mas as de solidão e isolamento persistiram.
Antonis Kousoulis, diretor de pesquisa da fundação abrangendo a Inglaterra e o País de Gales, disse que alguns grupos preocupam mais, incluindo os jovens, que se mostram mais desesperados do que o resto da população. E muitos que já tinham problemas mentais antes viram suas condições piorarem. “O que vemos é que estamos todos enfrentando a mesma tempestade, mas nem todos estão no mesmo barco”, disse o médico. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO