A Rússia intensificou nesta quinta-feira, 5, os ataques à siderúrgica de Azovstal, considerada o último bastião da resistência na cidade em ruínas de Mariupol. Autoridades de Kiev confirmaram que soldados russos entraram no complexo de túneis e bunkers da usina nos últimos dias, após a retirada de civis do local, aumentando a pressão e a incerteza sobre os soldados que representam o último obstáculo à dominação russa.
Autoridades ucranianas confirmaram que batalhas estão sendo travadas no interior na usina, enquanto a artilharia russa intensifica os bombardeios. Explosões ininterruptas foram ouvidas entre a noite de quarta-feira e a manhã de quinta, transformando o que já foi uma das principais siderúrgicas da Europa em “um inferno”, segundo autoridades de Mariupol.
Em um vídeo publicado na noite de quarta-feira, o tenente-coronel Denis Prokopenko, comandante do Batalhão de Azov que combate no local, confirmou que as tropas russas haviam invadido o complexo há dois dias, descrevendo a batalha como “pesada e sangrenta”. Nesta quinta, o conselheiro do Ministério de Assuntos Internos, Anton Gerashchenko, explicou que os russos receberam ajuda de um ex-funcionário de Azovstal, que mostrou aos russos que túneis poderiam utilizar para entrar no local, derrubando a defesa do perímetro que havia resistido por semanas.
Segundo Gerashchenko, o aumento dos ataques estaria vinculado ao desejo de Moscou de declarar “vitória” em Mariupol antes do feriado nacional da próxima segunda, que comemora o triunfo da União Soviética sobre a Alemanha nazista. Ele disse que o Kremlin recentemente enviou o apresentador de televisão Vladimir Soloviov, que é alvo de sanções do Ocidente, para promover a propaganda russa a partir de Mariupol.
A decisão de invadir a fábrica ainda pode custar caro -- algo que o presidente Vladimir Putin pareceu reconhecer quando ordenou que as tropas em 21 de abril evitassem um ataque total. Lutar dentro de túneis cria desafios mesmo para uma força convencional tecnologicamente superior como a da Rússia, e pode resultar em mais baixas para as tropas de Moscou, dizem especialistas militares.
Em um sinal da importância da cidade para Moscou, analistas militares ocidentais estimam que a Rússia tenha comprometido de 12 a 14 batalhões de cerca de 1 mil soldados cada na luta por Mariupol, cerca de 10% de todas as suas forças de combate na Ucrânia.
O avanço russo também aumenta a incerteza sobre o destino dos soldados ucranianos. As esposas de pelo menos dois soldados que estão dentro de Azovstal estiveram em Roma para pedir à comunidade internacional a retirada das tropas, argumentando que eles merecem os mesmos direitos que os civis, que foram retirados nesta semana após o estabelecimento de um corredor humanitário.
Katerina Prokopenko, esposa de Denis Prokopenko, disse à Associated Press que ficou sem notícias de Denis por mais de 36 horas, até conseguir falar com ele nesta quarta-feira. Segundo Katerina conta, Denis afirmou que os russos entraram em Azovstal e “os soldados estão lutando, é uma loucura e difícil de descrever”.
A alternativa seria se render na esperança de serem poupados sob os termos do Direito Internacional Humanitário, mas especialistas acham improvável que isso aconteça. Segundo o professor de direito internacional da Universidade de Genebra, Marcos Sassoli, os ucranianos podem ser presos caso se rendam à Rússia. “É simplesmente a escolha deles”, disse Sassoli.
Em Roma, Propenko pediu que os países consigam retirar os soldados como fizeram com os civis. “Nós não queremos que eles morram, eles não vão se render”, disse. “Eles esperam que os países mais corajosos os tirem de lá. Não vamos deixar essa tragédia acontecer depois desse longo cerco.”
Autoridades ucranianas exigiram que a Rússia oferecesse aos soldados do Azovstal uma saída segura – e com suas armas, sem a rendição. Não está claro quantos soldados ainda estão dentro do complexo, mas o governo ucraniano estima que ainda existam cerca de 200 civis no interior, incluindo cerca de 30 crianças.
Mas especialistas dizem que seria quase sem precedentes que eles pudessem simplesmente sair livres desta maneira, até porque poderiam pegar em armas novamente e possivelmente causar baixas russas. “É improvável que a Rússia permita que as tropas ucranianas deixem a fábrica com suas armas. Nada na lei exigiria isso”, disse Laurie Blank, professora da Emory Law School, em Atlanta, especializada em Direito Internacional Humanitário e Direito de Conflitos Armados.
Os militares russos pediram às tropas dentro de Azovstal que entreguem as armas e saiam com bandeiras brancas, sinalizando a rendição. Eles dizem que aqueles que se renderem não serão mortos, de acordo com o direito internacional.
No entanto, os comandantes da resistência ucraniana na usina rejeitam a ideia repetidamente. Em um vídeo gravado dentro de Azovstal, Sviatoslav Palamar, vice-comandante do Batalhão de Azov, disse que suas forças estavam “exaustas”, mas prometeu que vai “manter a linha”.
Supostas violações de guerra geram dúvidas sobre conduta russa
Caso os combatentes ucranianos sejam capturados, não está claro se a Rússia cumpriria os compromissos sob a lei internacional em relação aos prisioneiros de guerra, dadas as supostas violações anteriores das regras que regem a conduta na guerra e a falta de evidências de como tem tratado os soldados ucranianos.
O Direito Internacional Humanitário “concede proteção absoluta aos prisioneiros de guerra contra maus-tratos e assassinatos”, disse Annyssa Bellal, pesquisadora sênior e especialista em direito internacional humanitário do Geneva Graduate Institute. As violações dessas normas são crimes de guerra. “O respeito às normas, porém, depende da vontade das partes em conflito”, acrescentou Bellal.
As normas internacionais foram supostamente violadas por ambos os lados durante os dois meses e meio de guerra, como visto em evidências de assassinatos de civis que surgiram após as retiradas russas perto de Kiev e, por outro lado, a profanação de cadáveres que podem ser soldados russos, na região fora de Kharkiv.
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Em Zaporizhzhia, um grupo de pessoas retirado da usina de Azovstal, em Mariupol, respiram um pouco mais aliviados.
As proteções de prisioneiros de guerra datam de gerações, incluindo o Código Lieber de 1863, que foi elaborado durante a Guerra Civil dos Estados Unidos. A própria Moscou se beneficiou significativamente dessas regras durante a 2ª Guerra, quando as forças nazistas as aplicaram às vezes em relação aos detidos russos.
De acordo com as Convenções de Genebra, os prisioneiros de guerra “devem sempre ser tratados com humanidade” e não podem ser “sujeitos a mutilações físicas ou a experimentos médicos ou científicos” que não sejam justificados por motivos de saúde. Enquanto isso, os membros das forças armadas feridos ou doentes “devem ser respeitados e protegidos em todas as circunstâncias”.
Ao contrário dos civis, os prisioneiros de guerra podem ser enviados à força para outros países para evitar que retornem do campo de batalha.
Russos e ucranianos seguem em conflito em outras partes do país
Dez semanas depois do início da guerra, as forças ucranianas e russas lutam aldeia por aldeia no leste, em um esforço de Moscou para dominar a região de Donbas. A Rússia mudou seu foco para essa região - onde os separatistas apoiados por Moscou lutaram contra as forças ucranianas por anos - depois que uma resistência mais forte do que o esperado paralisou suas tropas e frustrou seu objetivo inicial de invadir Kiev.
Além do bombardeio em Donbas, as forças russas também continuam bombardeando estações ferroviárias e outros alvos de linhas de abastecimento em todo o país - parte de um esforço para interromper o fornecimento de armas ocidentais, que têm sido determinantes para a defesa da Ucrânia.
As forças ucranianas disseram nesta quinta-feira que obtiveram alguns ganhos na fronteira das regiões do sul de Kherson e Mikolaiv. Eles também informaram ter repelido 11 ataques russos nas regiões de Donetsk e Luhansk, que fazem parte do Donbas.
Cinco pessoas morreram e pelo menos outras 25 ficaram feridas em bombardeios contra cidades de Donbas nas últimas 24 horas, disseram autoridades ucranianas. Os ataques danificaram casas e uma escola.
Sirenes de ataques aéreos soaram em cidades de todo o país na noite desta quarta-feira, enquanto ataques russos foram relatados perto de Kiev, em Cherkasy e em Dnipro, na Ucrânia central; Zaporizhzhia, no sudeste, também sofreu ataques.
Em Dnipro, as autoridades disseram que uma instalação ferroviária foi atingida. Já em Lviv, no oeste, que tem sido uma porta de entrada para as armas enviadas pelo ocidente e é considerada um refúgio relativamente seguro para pessoas que fugiram dos combates no leste, sirenes de ataques aéreos soaram nesta quinta-feira.
A enxurrada de ataques ocorre no momento em que a Rússia se prepara para comemorar o Dia da Vitória, no dia 9 de maio, que marca a derrota Alemanha nazista para a União Soviética. Alguns observadores especularam que o presidente Vladimir Putin quer declarar algum tipo de vitória neste dia – mas com a data se aproximando e suas tropas fazendo progressos lentos, isso parece cada vez mais difícil. Outros sugeriram que ele poderia expandir o que chama de “operação militar especial”.
Uma declaração de guerra total permitiria a Putin introduzir a lei marcial e mobilizar reservistas para compensar perdas significativas de tropas. O Kremlin rejeitou a especulação. /NYT e AP