Com visita à Rússia, Xi tenta subverter ordem global liderada pelos EUA; leia a análise


Imagem da China como intermediadora da paz e árbitra internacional dá a Xi Jinping um novo impulso

Por Lily Kuo e Meaghan Tobin
Atualização:

Após um congresso legislativo em que cimentou sua visão de governo sobre a China, Xi Jinping passa a dedicar-se à maneira como pretende criar uma ordem mundial melhor. Essa ordem teria como base respeito mútuo, tolerância e equidade — e a China seria sua líder natural, disse ele a chefes de partidos políticos de uma série de países, incluindo Rússia, África do Sul, Nicarágua e Timor Leste.

“O estilo chinês de modernização não segue o caminho antigo da exploração colonial ou da hegemonia de países fortes”, disse-lhes Xi em uma videochamada, na quarta-feira, sentado a uma mesa entre bandeiras do Partido Comunista Chinês.

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“O mundo não precisa de outra Guerra Fria”, afirmou ele, anunciando seu novo conceito — a “iniciativa civilização global”, um conjunto de princípios norteadores para um “novo tipo de relações internacionais” que a China está construindo.

O presidente chinês, Xi Jinping, na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional do Povo da China (NPC) Foto: Andy Wong/AP - 13/3/2023

Os comentários de Xi foram um claro sermão aos Estados Unidos — e reflexo de um tom mais duro que ele adota conforme intensifica os esforços diplomáticos da China com uma visita à Rússia na agenda.

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O presidente Vladimir Putin afirmou em dezembro que tinha convidado Xi para uma visita de Estado na primavera (Hemisfério Norte). Essa viagem poderá acontecer na próxima semana, segundo noticiou a agência Reuters na segunda-feira.

Questionado na terça-feira a respeito de Xi estar ou não planejando visitar a Rússia, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, respondeu que não tinha informação que pudesse compartilhar “neste momento”. “China e Rússia têm mantido comunicações próximas em todos os níveis”, afirmou ele.

Xi deverá conversar pelo telefone com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, depois dessa viagem, de acordo com o Wall Street Journal. Seria seu primeiro diálogo direto desde que a guerra começou.

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Mediador

Isso ocorre após a China intermediar um acordo para a retomada de relações diplomáticas entre dois antigo rivais, Arábia Saudita e Irã, depois de uma série de reuniões secretas em Pequim, um anúncio que surpreendeu o governo americano. Na segunda-feira, o presidente Joe Biden disse que espera conversar com Xi no futuro próximo.

A imagem da China como intermediadora da paz e árbitra internacional dá a Xi um novo impulso. Recém-confirmado em seu terceiro mandato sem precedentes, ele tenta afrontar o que percebe como um esforço americano em conter Pequim propondo um sistema global que atenda aos interesses chineses. Sob a liderança da China, afirma ele, os países não precisariam escolher lados em uma batalha entre autocracia e democracia.

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“A China percebe que precisa criar algo novo, um espaço novo para o país que redefina seu papel no mundo e, com alguma esperança, redefina o sistema mundial”, afirmou Yun Sun, diretora do programa para China do Centro Stimson, em Washington, DC.

Conforme os governos dos EUA e de outros países ocidentais criticam a China em relação à sua parceria “sem limites” com a Rússia e suas seguidas ameaças contra Taiwan, Pequim tem tentado argumentar que está do lado da paz, que são os EUA e seus aliados que estão desestabilizando a Europa e o Indo-Pacífico.

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Sua mais recente iniciativa e projeção são elementos cruciais desse movimento.

“A China tenta sinalizar que o mundo não depende dos EUA e seus aliados e parceiros”, afirmou Chong Ja Ian, professor-associado de ciência política da Universidade Nacional de Cingapura. “A China está tentando ser uma jogadora global em todos os espectros e demonstra que é capaz também de fornecer bens públicos.”

Depois de uma reforma no governo e uma reformulação na liderança que o garantiu ainda mais controle sobre a tomada de decisões, Xi está em uma posição mais forte para perseguir seu objetivo de uma ordem internacional mais amigável à China.

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Acusação direta

Na semana passada, ele tomou a atitude incomum de acusar os EUA diretamente de tentar “conter, cercar e suprimir” a China (no passado, líderes chineses tenderam a se referir obliquamente a “certos países”).

A visão de Xi encapsula-se em uma política vaga, que ele anunciou em abril, chamada “conceito de segurança global”. Citada repetidamente por diplomatas chineses, ela inclui princípios como “segurança indivisível” — a ideia de que a segurança de um país não pode ocorrer sob o custo da segurança de outro, argumento que Moscou usou para justificar sua invasão à Ucrânia.

Desde o acordo saudita-iraniano da sexta-feira, os meios de comunicação e comentaristas chineses têm regozijado com a surpresa no Ocidente com o novo papel de Pequim enquanto grande potência intermediadora e elogiaram o sucesso alcançado qualificando-o como um sinal da habilidade da China em mediação.

“‘China facilita retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita’. Para o Ocidente, a palavra-chave nesta manchete não é Irã nem Arábia Saudita, é China”, afirmou o jornal estatal Guancha em um editorial. “A mudança de ‘pacificador’ é suficiente para chocar a todos nos EUA.”

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, recebe o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em Pequim Foto: Iranian Presidency / AFP

Em comentários ligeiramente velados destinados aos EUA, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou na terça-feira que “táticas como ‘apoiar um e esmagar o outro’” e “confrontação em bloco” nunca resolvem questões de segurança. O Diário do Povo, do governo chinês, escreveu em editorial que o acordo demonstra o “encanto” da diplomacia chinesa.

Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, afirmou que a China está tentando “reafirmar sua influência e prestígio no exterior” depois de alguns anos difíceis. “Ela será bem recebida em alguns cantos do mundo, mas definitivamente não entre os EUA e seus aliados marítimos e no Leste Europeu”, afirmou Shi.

Mas, com a viagem de Xi à Rússia, os limites da capacidade de mediação chinesa podem logo se tornar aparentes. Pequim tem um histórico breve em mediação de conflitos e poucos sucessos nessa área. Irã e Arábia Saudita negociam há anos e já tinham expressado vontade de se reconciliar — condições fundamentais ausentes em relação a Ucrânia e Rússia.

“A habilidade da China em identificar e capitalizar sobre uma oportunidade diplomática no Oriente Médio não significa que ela seja uma mediadora disposta ou capaz no conflito entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Amanda Hsiao, analista-sênior para China do International Crisis Group.

Em fevereiro, no primeiro aniversário da invasão russa, Pequim lançou uma proposta de 12 pontos para pôr fim à guerra que incluiu chamados por negociações de paz, um cessar-fogo e o fim de “sanções unilaterais”, mas nenhuma exigência de retirada dos russos do território ucraniano. Zelenski elogiou o envolvimento da China mas disse que aguardaria mais detalhes.

“Não há nada particularmente novo no conteúdo desse documento, e todos sabem disso”, afirmou Wan Qingsong, professor-associado do Centro para Estudos de Rússia e Leste da China da Universidade Normal de Xangai.

Para Xi, a proposta juntamente com sua visita para a Rússia podem tratar menos de resultados e mais de cimentar apoio entre outros países que também se sentem excluídos de um sistema internacional dominado pelos EUA.

“É importante entender que não se trata apenas de Europa, Rússia e EUA, mas também de todos os outros países”, afirmou Alicja Bachulska, pesquisadora de políticas, radicada em Varsóvia, do Conselho Europeu de Relações Internacionais. “Todas essas decisões e comunicações de Pequim são destinadas não apenas para o dito Ocidente, mas também para o sul global.”

Poder sobre Putin

Quando visitar Moscou, Xi assumirá uma posição de poder sobre Putin.

A Rússia depende da China para grande parte de suas importações, incluindo muitos itens de alta tecnologia, como semicondutores que podem ser usados em aplicações tanto civis quanto militares.

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, e o russo, Vladimir Putin, durante um evento de gala para celebrar o 70º aniversário das relações diplomáticas entre Rússia e China, no Teatro Bolshoi, em Moscou  Foto: Sergei Ilnitsky/AFP - 5/6/2019

De acordo com dados do governo, as exportações da China para a Rússia cresceram quase 13%, ultrapassando US$ 76 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões), em 2022. Observadores preveem que os dois líderes discutirão expansões em seus fluxos de comércio, incluindo mais vendas de petróleo e gás e possivelmente um gasoduto.

“A China tem todo o peso que quer, e seu peso cresce a cada momento”, afirmou Alexander Gabuev, especialista em relações entre Rússia e China do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Para Xi, uma viagem à Rússia será também uma mostra de desafio — em linha com o que tem configurado os objetivos mais amplos de Pequim ao orquestrar as negociações da semana passada entre sauditas e iranianos.

“Isso mostra para o mundo, mostra para os EUA que ‘talvez vocês avancem, mas nós também avançamos’”, afirmou Sun, do Centro Stimson. Eles estão dizendo, afirmou ela: “Nós temos os nossos teatros alternativos, teatros dos quais vocês estão se retirando”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Após um congresso legislativo em que cimentou sua visão de governo sobre a China, Xi Jinping passa a dedicar-se à maneira como pretende criar uma ordem mundial melhor. Essa ordem teria como base respeito mútuo, tolerância e equidade — e a China seria sua líder natural, disse ele a chefes de partidos políticos de uma série de países, incluindo Rússia, África do Sul, Nicarágua e Timor Leste.

“O estilo chinês de modernização não segue o caminho antigo da exploração colonial ou da hegemonia de países fortes”, disse-lhes Xi em uma videochamada, na quarta-feira, sentado a uma mesa entre bandeiras do Partido Comunista Chinês.

“O mundo não precisa de outra Guerra Fria”, afirmou ele, anunciando seu novo conceito — a “iniciativa civilização global”, um conjunto de princípios norteadores para um “novo tipo de relações internacionais” que a China está construindo.

O presidente chinês, Xi Jinping, na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional do Povo da China (NPC) Foto: Andy Wong/AP - 13/3/2023

Os comentários de Xi foram um claro sermão aos Estados Unidos — e reflexo de um tom mais duro que ele adota conforme intensifica os esforços diplomáticos da China com uma visita à Rússia na agenda.

O presidente Vladimir Putin afirmou em dezembro que tinha convidado Xi para uma visita de Estado na primavera (Hemisfério Norte). Essa viagem poderá acontecer na próxima semana, segundo noticiou a agência Reuters na segunda-feira.

Questionado na terça-feira a respeito de Xi estar ou não planejando visitar a Rússia, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, respondeu que não tinha informação que pudesse compartilhar “neste momento”. “China e Rússia têm mantido comunicações próximas em todos os níveis”, afirmou ele.

Xi deverá conversar pelo telefone com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, depois dessa viagem, de acordo com o Wall Street Journal. Seria seu primeiro diálogo direto desde que a guerra começou.

Mediador

Isso ocorre após a China intermediar um acordo para a retomada de relações diplomáticas entre dois antigo rivais, Arábia Saudita e Irã, depois de uma série de reuniões secretas em Pequim, um anúncio que surpreendeu o governo americano. Na segunda-feira, o presidente Joe Biden disse que espera conversar com Xi no futuro próximo.

A imagem da China como intermediadora da paz e árbitra internacional dá a Xi um novo impulso. Recém-confirmado em seu terceiro mandato sem precedentes, ele tenta afrontar o que percebe como um esforço americano em conter Pequim propondo um sistema global que atenda aos interesses chineses. Sob a liderança da China, afirma ele, os países não precisariam escolher lados em uma batalha entre autocracia e democracia.

“A China percebe que precisa criar algo novo, um espaço novo para o país que redefina seu papel no mundo e, com alguma esperança, redefina o sistema mundial”, afirmou Yun Sun, diretora do programa para China do Centro Stimson, em Washington, DC.

Conforme os governos dos EUA e de outros países ocidentais criticam a China em relação à sua parceria “sem limites” com a Rússia e suas seguidas ameaças contra Taiwan, Pequim tem tentado argumentar que está do lado da paz, que são os EUA e seus aliados que estão desestabilizando a Europa e o Indo-Pacífico.

Sua mais recente iniciativa e projeção são elementos cruciais desse movimento.

“A China tenta sinalizar que o mundo não depende dos EUA e seus aliados e parceiros”, afirmou Chong Ja Ian, professor-associado de ciência política da Universidade Nacional de Cingapura. “A China está tentando ser uma jogadora global em todos os espectros e demonstra que é capaz também de fornecer bens públicos.”

Depois de uma reforma no governo e uma reformulação na liderança que o garantiu ainda mais controle sobre a tomada de decisões, Xi está em uma posição mais forte para perseguir seu objetivo de uma ordem internacional mais amigável à China.

Acusação direta

Na semana passada, ele tomou a atitude incomum de acusar os EUA diretamente de tentar “conter, cercar e suprimir” a China (no passado, líderes chineses tenderam a se referir obliquamente a “certos países”).

A visão de Xi encapsula-se em uma política vaga, que ele anunciou em abril, chamada “conceito de segurança global”. Citada repetidamente por diplomatas chineses, ela inclui princípios como “segurança indivisível” — a ideia de que a segurança de um país não pode ocorrer sob o custo da segurança de outro, argumento que Moscou usou para justificar sua invasão à Ucrânia.

Desde o acordo saudita-iraniano da sexta-feira, os meios de comunicação e comentaristas chineses têm regozijado com a surpresa no Ocidente com o novo papel de Pequim enquanto grande potência intermediadora e elogiaram o sucesso alcançado qualificando-o como um sinal da habilidade da China em mediação.

“‘China facilita retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita’. Para o Ocidente, a palavra-chave nesta manchete não é Irã nem Arábia Saudita, é China”, afirmou o jornal estatal Guancha em um editorial. “A mudança de ‘pacificador’ é suficiente para chocar a todos nos EUA.”

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, recebe o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em Pequim Foto: Iranian Presidency / AFP

Em comentários ligeiramente velados destinados aos EUA, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou na terça-feira que “táticas como ‘apoiar um e esmagar o outro’” e “confrontação em bloco” nunca resolvem questões de segurança. O Diário do Povo, do governo chinês, escreveu em editorial que o acordo demonstra o “encanto” da diplomacia chinesa.

Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, afirmou que a China está tentando “reafirmar sua influência e prestígio no exterior” depois de alguns anos difíceis. “Ela será bem recebida em alguns cantos do mundo, mas definitivamente não entre os EUA e seus aliados marítimos e no Leste Europeu”, afirmou Shi.

Mas, com a viagem de Xi à Rússia, os limites da capacidade de mediação chinesa podem logo se tornar aparentes. Pequim tem um histórico breve em mediação de conflitos e poucos sucessos nessa área. Irã e Arábia Saudita negociam há anos e já tinham expressado vontade de se reconciliar — condições fundamentais ausentes em relação a Ucrânia e Rússia.

“A habilidade da China em identificar e capitalizar sobre uma oportunidade diplomática no Oriente Médio não significa que ela seja uma mediadora disposta ou capaz no conflito entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Amanda Hsiao, analista-sênior para China do International Crisis Group.

Em fevereiro, no primeiro aniversário da invasão russa, Pequim lançou uma proposta de 12 pontos para pôr fim à guerra que incluiu chamados por negociações de paz, um cessar-fogo e o fim de “sanções unilaterais”, mas nenhuma exigência de retirada dos russos do território ucraniano. Zelenski elogiou o envolvimento da China mas disse que aguardaria mais detalhes.

“Não há nada particularmente novo no conteúdo desse documento, e todos sabem disso”, afirmou Wan Qingsong, professor-associado do Centro para Estudos de Rússia e Leste da China da Universidade Normal de Xangai.

Para Xi, a proposta juntamente com sua visita para a Rússia podem tratar menos de resultados e mais de cimentar apoio entre outros países que também se sentem excluídos de um sistema internacional dominado pelos EUA.

“É importante entender que não se trata apenas de Europa, Rússia e EUA, mas também de todos os outros países”, afirmou Alicja Bachulska, pesquisadora de políticas, radicada em Varsóvia, do Conselho Europeu de Relações Internacionais. “Todas essas decisões e comunicações de Pequim são destinadas não apenas para o dito Ocidente, mas também para o sul global.”

Poder sobre Putin

Quando visitar Moscou, Xi assumirá uma posição de poder sobre Putin.

A Rússia depende da China para grande parte de suas importações, incluindo muitos itens de alta tecnologia, como semicondutores que podem ser usados em aplicações tanto civis quanto militares.

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, e o russo, Vladimir Putin, durante um evento de gala para celebrar o 70º aniversário das relações diplomáticas entre Rússia e China, no Teatro Bolshoi, em Moscou  Foto: Sergei Ilnitsky/AFP - 5/6/2019

De acordo com dados do governo, as exportações da China para a Rússia cresceram quase 13%, ultrapassando US$ 76 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões), em 2022. Observadores preveem que os dois líderes discutirão expansões em seus fluxos de comércio, incluindo mais vendas de petróleo e gás e possivelmente um gasoduto.

“A China tem todo o peso que quer, e seu peso cresce a cada momento”, afirmou Alexander Gabuev, especialista em relações entre Rússia e China do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Para Xi, uma viagem à Rússia será também uma mostra de desafio — em linha com o que tem configurado os objetivos mais amplos de Pequim ao orquestrar as negociações da semana passada entre sauditas e iranianos.

“Isso mostra para o mundo, mostra para os EUA que ‘talvez vocês avancem, mas nós também avançamos’”, afirmou Sun, do Centro Stimson. Eles estão dizendo, afirmou ela: “Nós temos os nossos teatros alternativos, teatros dos quais vocês estão se retirando”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Após um congresso legislativo em que cimentou sua visão de governo sobre a China, Xi Jinping passa a dedicar-se à maneira como pretende criar uma ordem mundial melhor. Essa ordem teria como base respeito mútuo, tolerância e equidade — e a China seria sua líder natural, disse ele a chefes de partidos políticos de uma série de países, incluindo Rússia, África do Sul, Nicarágua e Timor Leste.

“O estilo chinês de modernização não segue o caminho antigo da exploração colonial ou da hegemonia de países fortes”, disse-lhes Xi em uma videochamada, na quarta-feira, sentado a uma mesa entre bandeiras do Partido Comunista Chinês.

“O mundo não precisa de outra Guerra Fria”, afirmou ele, anunciando seu novo conceito — a “iniciativa civilização global”, um conjunto de princípios norteadores para um “novo tipo de relações internacionais” que a China está construindo.

O presidente chinês, Xi Jinping, na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional do Povo da China (NPC) Foto: Andy Wong/AP - 13/3/2023

Os comentários de Xi foram um claro sermão aos Estados Unidos — e reflexo de um tom mais duro que ele adota conforme intensifica os esforços diplomáticos da China com uma visita à Rússia na agenda.

O presidente Vladimir Putin afirmou em dezembro que tinha convidado Xi para uma visita de Estado na primavera (Hemisfério Norte). Essa viagem poderá acontecer na próxima semana, segundo noticiou a agência Reuters na segunda-feira.

Questionado na terça-feira a respeito de Xi estar ou não planejando visitar a Rússia, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, respondeu que não tinha informação que pudesse compartilhar “neste momento”. “China e Rússia têm mantido comunicações próximas em todos os níveis”, afirmou ele.

Xi deverá conversar pelo telefone com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, depois dessa viagem, de acordo com o Wall Street Journal. Seria seu primeiro diálogo direto desde que a guerra começou.

Mediador

Isso ocorre após a China intermediar um acordo para a retomada de relações diplomáticas entre dois antigo rivais, Arábia Saudita e Irã, depois de uma série de reuniões secretas em Pequim, um anúncio que surpreendeu o governo americano. Na segunda-feira, o presidente Joe Biden disse que espera conversar com Xi no futuro próximo.

A imagem da China como intermediadora da paz e árbitra internacional dá a Xi um novo impulso. Recém-confirmado em seu terceiro mandato sem precedentes, ele tenta afrontar o que percebe como um esforço americano em conter Pequim propondo um sistema global que atenda aos interesses chineses. Sob a liderança da China, afirma ele, os países não precisariam escolher lados em uma batalha entre autocracia e democracia.

“A China percebe que precisa criar algo novo, um espaço novo para o país que redefina seu papel no mundo e, com alguma esperança, redefina o sistema mundial”, afirmou Yun Sun, diretora do programa para China do Centro Stimson, em Washington, DC.

Conforme os governos dos EUA e de outros países ocidentais criticam a China em relação à sua parceria “sem limites” com a Rússia e suas seguidas ameaças contra Taiwan, Pequim tem tentado argumentar que está do lado da paz, que são os EUA e seus aliados que estão desestabilizando a Europa e o Indo-Pacífico.

Sua mais recente iniciativa e projeção são elementos cruciais desse movimento.

“A China tenta sinalizar que o mundo não depende dos EUA e seus aliados e parceiros”, afirmou Chong Ja Ian, professor-associado de ciência política da Universidade Nacional de Cingapura. “A China está tentando ser uma jogadora global em todos os espectros e demonstra que é capaz também de fornecer bens públicos.”

Depois de uma reforma no governo e uma reformulação na liderança que o garantiu ainda mais controle sobre a tomada de decisões, Xi está em uma posição mais forte para perseguir seu objetivo de uma ordem internacional mais amigável à China.

Acusação direta

Na semana passada, ele tomou a atitude incomum de acusar os EUA diretamente de tentar “conter, cercar e suprimir” a China (no passado, líderes chineses tenderam a se referir obliquamente a “certos países”).

A visão de Xi encapsula-se em uma política vaga, que ele anunciou em abril, chamada “conceito de segurança global”. Citada repetidamente por diplomatas chineses, ela inclui princípios como “segurança indivisível” — a ideia de que a segurança de um país não pode ocorrer sob o custo da segurança de outro, argumento que Moscou usou para justificar sua invasão à Ucrânia.

Desde o acordo saudita-iraniano da sexta-feira, os meios de comunicação e comentaristas chineses têm regozijado com a surpresa no Ocidente com o novo papel de Pequim enquanto grande potência intermediadora e elogiaram o sucesso alcançado qualificando-o como um sinal da habilidade da China em mediação.

“‘China facilita retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita’. Para o Ocidente, a palavra-chave nesta manchete não é Irã nem Arábia Saudita, é China”, afirmou o jornal estatal Guancha em um editorial. “A mudança de ‘pacificador’ é suficiente para chocar a todos nos EUA.”

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, recebe o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em Pequim Foto: Iranian Presidency / AFP

Em comentários ligeiramente velados destinados aos EUA, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou na terça-feira que “táticas como ‘apoiar um e esmagar o outro’” e “confrontação em bloco” nunca resolvem questões de segurança. O Diário do Povo, do governo chinês, escreveu em editorial que o acordo demonstra o “encanto” da diplomacia chinesa.

Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, afirmou que a China está tentando “reafirmar sua influência e prestígio no exterior” depois de alguns anos difíceis. “Ela será bem recebida em alguns cantos do mundo, mas definitivamente não entre os EUA e seus aliados marítimos e no Leste Europeu”, afirmou Shi.

Mas, com a viagem de Xi à Rússia, os limites da capacidade de mediação chinesa podem logo se tornar aparentes. Pequim tem um histórico breve em mediação de conflitos e poucos sucessos nessa área. Irã e Arábia Saudita negociam há anos e já tinham expressado vontade de se reconciliar — condições fundamentais ausentes em relação a Ucrânia e Rússia.

“A habilidade da China em identificar e capitalizar sobre uma oportunidade diplomática no Oriente Médio não significa que ela seja uma mediadora disposta ou capaz no conflito entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Amanda Hsiao, analista-sênior para China do International Crisis Group.

Em fevereiro, no primeiro aniversário da invasão russa, Pequim lançou uma proposta de 12 pontos para pôr fim à guerra que incluiu chamados por negociações de paz, um cessar-fogo e o fim de “sanções unilaterais”, mas nenhuma exigência de retirada dos russos do território ucraniano. Zelenski elogiou o envolvimento da China mas disse que aguardaria mais detalhes.

“Não há nada particularmente novo no conteúdo desse documento, e todos sabem disso”, afirmou Wan Qingsong, professor-associado do Centro para Estudos de Rússia e Leste da China da Universidade Normal de Xangai.

Para Xi, a proposta juntamente com sua visita para a Rússia podem tratar menos de resultados e mais de cimentar apoio entre outros países que também se sentem excluídos de um sistema internacional dominado pelos EUA.

“É importante entender que não se trata apenas de Europa, Rússia e EUA, mas também de todos os outros países”, afirmou Alicja Bachulska, pesquisadora de políticas, radicada em Varsóvia, do Conselho Europeu de Relações Internacionais. “Todas essas decisões e comunicações de Pequim são destinadas não apenas para o dito Ocidente, mas também para o sul global.”

Poder sobre Putin

Quando visitar Moscou, Xi assumirá uma posição de poder sobre Putin.

A Rússia depende da China para grande parte de suas importações, incluindo muitos itens de alta tecnologia, como semicondutores que podem ser usados em aplicações tanto civis quanto militares.

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, e o russo, Vladimir Putin, durante um evento de gala para celebrar o 70º aniversário das relações diplomáticas entre Rússia e China, no Teatro Bolshoi, em Moscou  Foto: Sergei Ilnitsky/AFP - 5/6/2019

De acordo com dados do governo, as exportações da China para a Rússia cresceram quase 13%, ultrapassando US$ 76 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões), em 2022. Observadores preveem que os dois líderes discutirão expansões em seus fluxos de comércio, incluindo mais vendas de petróleo e gás e possivelmente um gasoduto.

“A China tem todo o peso que quer, e seu peso cresce a cada momento”, afirmou Alexander Gabuev, especialista em relações entre Rússia e China do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Para Xi, uma viagem à Rússia será também uma mostra de desafio — em linha com o que tem configurado os objetivos mais amplos de Pequim ao orquestrar as negociações da semana passada entre sauditas e iranianos.

“Isso mostra para o mundo, mostra para os EUA que ‘talvez vocês avancem, mas nós também avançamos’”, afirmou Sun, do Centro Stimson. Eles estão dizendo, afirmou ela: “Nós temos os nossos teatros alternativos, teatros dos quais vocês estão se retirando”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Após um congresso legislativo em que cimentou sua visão de governo sobre a China, Xi Jinping passa a dedicar-se à maneira como pretende criar uma ordem mundial melhor. Essa ordem teria como base respeito mútuo, tolerância e equidade — e a China seria sua líder natural, disse ele a chefes de partidos políticos de uma série de países, incluindo Rússia, África do Sul, Nicarágua e Timor Leste.

“O estilo chinês de modernização não segue o caminho antigo da exploração colonial ou da hegemonia de países fortes”, disse-lhes Xi em uma videochamada, na quarta-feira, sentado a uma mesa entre bandeiras do Partido Comunista Chinês.

“O mundo não precisa de outra Guerra Fria”, afirmou ele, anunciando seu novo conceito — a “iniciativa civilização global”, um conjunto de princípios norteadores para um “novo tipo de relações internacionais” que a China está construindo.

O presidente chinês, Xi Jinping, na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional do Povo da China (NPC) Foto: Andy Wong/AP - 13/3/2023

Os comentários de Xi foram um claro sermão aos Estados Unidos — e reflexo de um tom mais duro que ele adota conforme intensifica os esforços diplomáticos da China com uma visita à Rússia na agenda.

O presidente Vladimir Putin afirmou em dezembro que tinha convidado Xi para uma visita de Estado na primavera (Hemisfério Norte). Essa viagem poderá acontecer na próxima semana, segundo noticiou a agência Reuters na segunda-feira.

Questionado na terça-feira a respeito de Xi estar ou não planejando visitar a Rússia, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, respondeu que não tinha informação que pudesse compartilhar “neste momento”. “China e Rússia têm mantido comunicações próximas em todos os níveis”, afirmou ele.

Xi deverá conversar pelo telefone com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, depois dessa viagem, de acordo com o Wall Street Journal. Seria seu primeiro diálogo direto desde que a guerra começou.

Mediador

Isso ocorre após a China intermediar um acordo para a retomada de relações diplomáticas entre dois antigo rivais, Arábia Saudita e Irã, depois de uma série de reuniões secretas em Pequim, um anúncio que surpreendeu o governo americano. Na segunda-feira, o presidente Joe Biden disse que espera conversar com Xi no futuro próximo.

A imagem da China como intermediadora da paz e árbitra internacional dá a Xi um novo impulso. Recém-confirmado em seu terceiro mandato sem precedentes, ele tenta afrontar o que percebe como um esforço americano em conter Pequim propondo um sistema global que atenda aos interesses chineses. Sob a liderança da China, afirma ele, os países não precisariam escolher lados em uma batalha entre autocracia e democracia.

“A China percebe que precisa criar algo novo, um espaço novo para o país que redefina seu papel no mundo e, com alguma esperança, redefina o sistema mundial”, afirmou Yun Sun, diretora do programa para China do Centro Stimson, em Washington, DC.

Conforme os governos dos EUA e de outros países ocidentais criticam a China em relação à sua parceria “sem limites” com a Rússia e suas seguidas ameaças contra Taiwan, Pequim tem tentado argumentar que está do lado da paz, que são os EUA e seus aliados que estão desestabilizando a Europa e o Indo-Pacífico.

Sua mais recente iniciativa e projeção são elementos cruciais desse movimento.

“A China tenta sinalizar que o mundo não depende dos EUA e seus aliados e parceiros”, afirmou Chong Ja Ian, professor-associado de ciência política da Universidade Nacional de Cingapura. “A China está tentando ser uma jogadora global em todos os espectros e demonstra que é capaz também de fornecer bens públicos.”

Depois de uma reforma no governo e uma reformulação na liderança que o garantiu ainda mais controle sobre a tomada de decisões, Xi está em uma posição mais forte para perseguir seu objetivo de uma ordem internacional mais amigável à China.

Acusação direta

Na semana passada, ele tomou a atitude incomum de acusar os EUA diretamente de tentar “conter, cercar e suprimir” a China (no passado, líderes chineses tenderam a se referir obliquamente a “certos países”).

A visão de Xi encapsula-se em uma política vaga, que ele anunciou em abril, chamada “conceito de segurança global”. Citada repetidamente por diplomatas chineses, ela inclui princípios como “segurança indivisível” — a ideia de que a segurança de um país não pode ocorrer sob o custo da segurança de outro, argumento que Moscou usou para justificar sua invasão à Ucrânia.

Desde o acordo saudita-iraniano da sexta-feira, os meios de comunicação e comentaristas chineses têm regozijado com a surpresa no Ocidente com o novo papel de Pequim enquanto grande potência intermediadora e elogiaram o sucesso alcançado qualificando-o como um sinal da habilidade da China em mediação.

“‘China facilita retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita’. Para o Ocidente, a palavra-chave nesta manchete não é Irã nem Arábia Saudita, é China”, afirmou o jornal estatal Guancha em um editorial. “A mudança de ‘pacificador’ é suficiente para chocar a todos nos EUA.”

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, recebe o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em Pequim Foto: Iranian Presidency / AFP

Em comentários ligeiramente velados destinados aos EUA, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou na terça-feira que “táticas como ‘apoiar um e esmagar o outro’” e “confrontação em bloco” nunca resolvem questões de segurança. O Diário do Povo, do governo chinês, escreveu em editorial que o acordo demonstra o “encanto” da diplomacia chinesa.

Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, afirmou que a China está tentando “reafirmar sua influência e prestígio no exterior” depois de alguns anos difíceis. “Ela será bem recebida em alguns cantos do mundo, mas definitivamente não entre os EUA e seus aliados marítimos e no Leste Europeu”, afirmou Shi.

Mas, com a viagem de Xi à Rússia, os limites da capacidade de mediação chinesa podem logo se tornar aparentes. Pequim tem um histórico breve em mediação de conflitos e poucos sucessos nessa área. Irã e Arábia Saudita negociam há anos e já tinham expressado vontade de se reconciliar — condições fundamentais ausentes em relação a Ucrânia e Rússia.

“A habilidade da China em identificar e capitalizar sobre uma oportunidade diplomática no Oriente Médio não significa que ela seja uma mediadora disposta ou capaz no conflito entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Amanda Hsiao, analista-sênior para China do International Crisis Group.

Em fevereiro, no primeiro aniversário da invasão russa, Pequim lançou uma proposta de 12 pontos para pôr fim à guerra que incluiu chamados por negociações de paz, um cessar-fogo e o fim de “sanções unilaterais”, mas nenhuma exigência de retirada dos russos do território ucraniano. Zelenski elogiou o envolvimento da China mas disse que aguardaria mais detalhes.

“Não há nada particularmente novo no conteúdo desse documento, e todos sabem disso”, afirmou Wan Qingsong, professor-associado do Centro para Estudos de Rússia e Leste da China da Universidade Normal de Xangai.

Para Xi, a proposta juntamente com sua visita para a Rússia podem tratar menos de resultados e mais de cimentar apoio entre outros países que também se sentem excluídos de um sistema internacional dominado pelos EUA.

“É importante entender que não se trata apenas de Europa, Rússia e EUA, mas também de todos os outros países”, afirmou Alicja Bachulska, pesquisadora de políticas, radicada em Varsóvia, do Conselho Europeu de Relações Internacionais. “Todas essas decisões e comunicações de Pequim são destinadas não apenas para o dito Ocidente, mas também para o sul global.”

Poder sobre Putin

Quando visitar Moscou, Xi assumirá uma posição de poder sobre Putin.

A Rússia depende da China para grande parte de suas importações, incluindo muitos itens de alta tecnologia, como semicondutores que podem ser usados em aplicações tanto civis quanto militares.

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, e o russo, Vladimir Putin, durante um evento de gala para celebrar o 70º aniversário das relações diplomáticas entre Rússia e China, no Teatro Bolshoi, em Moscou  Foto: Sergei Ilnitsky/AFP - 5/6/2019

De acordo com dados do governo, as exportações da China para a Rússia cresceram quase 13%, ultrapassando US$ 76 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões), em 2022. Observadores preveem que os dois líderes discutirão expansões em seus fluxos de comércio, incluindo mais vendas de petróleo e gás e possivelmente um gasoduto.

“A China tem todo o peso que quer, e seu peso cresce a cada momento”, afirmou Alexander Gabuev, especialista em relações entre Rússia e China do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Para Xi, uma viagem à Rússia será também uma mostra de desafio — em linha com o que tem configurado os objetivos mais amplos de Pequim ao orquestrar as negociações da semana passada entre sauditas e iranianos.

“Isso mostra para o mundo, mostra para os EUA que ‘talvez vocês avancem, mas nós também avançamos’”, afirmou Sun, do Centro Stimson. Eles estão dizendo, afirmou ela: “Nós temos os nossos teatros alternativos, teatros dos quais vocês estão se retirando”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Após um congresso legislativo em que cimentou sua visão de governo sobre a China, Xi Jinping passa a dedicar-se à maneira como pretende criar uma ordem mundial melhor. Essa ordem teria como base respeito mútuo, tolerância e equidade — e a China seria sua líder natural, disse ele a chefes de partidos políticos de uma série de países, incluindo Rússia, África do Sul, Nicarágua e Timor Leste.

“O estilo chinês de modernização não segue o caminho antigo da exploração colonial ou da hegemonia de países fortes”, disse-lhes Xi em uma videochamada, na quarta-feira, sentado a uma mesa entre bandeiras do Partido Comunista Chinês.

“O mundo não precisa de outra Guerra Fria”, afirmou ele, anunciando seu novo conceito — a “iniciativa civilização global”, um conjunto de princípios norteadores para um “novo tipo de relações internacionais” que a China está construindo.

O presidente chinês, Xi Jinping, na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional do Povo da China (NPC) Foto: Andy Wong/AP - 13/3/2023

Os comentários de Xi foram um claro sermão aos Estados Unidos — e reflexo de um tom mais duro que ele adota conforme intensifica os esforços diplomáticos da China com uma visita à Rússia na agenda.

O presidente Vladimir Putin afirmou em dezembro que tinha convidado Xi para uma visita de Estado na primavera (Hemisfério Norte). Essa viagem poderá acontecer na próxima semana, segundo noticiou a agência Reuters na segunda-feira.

Questionado na terça-feira a respeito de Xi estar ou não planejando visitar a Rússia, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, respondeu que não tinha informação que pudesse compartilhar “neste momento”. “China e Rússia têm mantido comunicações próximas em todos os níveis”, afirmou ele.

Xi deverá conversar pelo telefone com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, depois dessa viagem, de acordo com o Wall Street Journal. Seria seu primeiro diálogo direto desde que a guerra começou.

Mediador

Isso ocorre após a China intermediar um acordo para a retomada de relações diplomáticas entre dois antigo rivais, Arábia Saudita e Irã, depois de uma série de reuniões secretas em Pequim, um anúncio que surpreendeu o governo americano. Na segunda-feira, o presidente Joe Biden disse que espera conversar com Xi no futuro próximo.

A imagem da China como intermediadora da paz e árbitra internacional dá a Xi um novo impulso. Recém-confirmado em seu terceiro mandato sem precedentes, ele tenta afrontar o que percebe como um esforço americano em conter Pequim propondo um sistema global que atenda aos interesses chineses. Sob a liderança da China, afirma ele, os países não precisariam escolher lados em uma batalha entre autocracia e democracia.

“A China percebe que precisa criar algo novo, um espaço novo para o país que redefina seu papel no mundo e, com alguma esperança, redefina o sistema mundial”, afirmou Yun Sun, diretora do programa para China do Centro Stimson, em Washington, DC.

Conforme os governos dos EUA e de outros países ocidentais criticam a China em relação à sua parceria “sem limites” com a Rússia e suas seguidas ameaças contra Taiwan, Pequim tem tentado argumentar que está do lado da paz, que são os EUA e seus aliados que estão desestabilizando a Europa e o Indo-Pacífico.

Sua mais recente iniciativa e projeção são elementos cruciais desse movimento.

“A China tenta sinalizar que o mundo não depende dos EUA e seus aliados e parceiros”, afirmou Chong Ja Ian, professor-associado de ciência política da Universidade Nacional de Cingapura. “A China está tentando ser uma jogadora global em todos os espectros e demonstra que é capaz também de fornecer bens públicos.”

Depois de uma reforma no governo e uma reformulação na liderança que o garantiu ainda mais controle sobre a tomada de decisões, Xi está em uma posição mais forte para perseguir seu objetivo de uma ordem internacional mais amigável à China.

Acusação direta

Na semana passada, ele tomou a atitude incomum de acusar os EUA diretamente de tentar “conter, cercar e suprimir” a China (no passado, líderes chineses tenderam a se referir obliquamente a “certos países”).

A visão de Xi encapsula-se em uma política vaga, que ele anunciou em abril, chamada “conceito de segurança global”. Citada repetidamente por diplomatas chineses, ela inclui princípios como “segurança indivisível” — a ideia de que a segurança de um país não pode ocorrer sob o custo da segurança de outro, argumento que Moscou usou para justificar sua invasão à Ucrânia.

Desde o acordo saudita-iraniano da sexta-feira, os meios de comunicação e comentaristas chineses têm regozijado com a surpresa no Ocidente com o novo papel de Pequim enquanto grande potência intermediadora e elogiaram o sucesso alcançado qualificando-o como um sinal da habilidade da China em mediação.

“‘China facilita retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita’. Para o Ocidente, a palavra-chave nesta manchete não é Irã nem Arábia Saudita, é China”, afirmou o jornal estatal Guancha em um editorial. “A mudança de ‘pacificador’ é suficiente para chocar a todos nos EUA.”

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, recebe o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em Pequim Foto: Iranian Presidency / AFP

Em comentários ligeiramente velados destinados aos EUA, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou na terça-feira que “táticas como ‘apoiar um e esmagar o outro’” e “confrontação em bloco” nunca resolvem questões de segurança. O Diário do Povo, do governo chinês, escreveu em editorial que o acordo demonstra o “encanto” da diplomacia chinesa.

Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, afirmou que a China está tentando “reafirmar sua influência e prestígio no exterior” depois de alguns anos difíceis. “Ela será bem recebida em alguns cantos do mundo, mas definitivamente não entre os EUA e seus aliados marítimos e no Leste Europeu”, afirmou Shi.

Mas, com a viagem de Xi à Rússia, os limites da capacidade de mediação chinesa podem logo se tornar aparentes. Pequim tem um histórico breve em mediação de conflitos e poucos sucessos nessa área. Irã e Arábia Saudita negociam há anos e já tinham expressado vontade de se reconciliar — condições fundamentais ausentes em relação a Ucrânia e Rússia.

“A habilidade da China em identificar e capitalizar sobre uma oportunidade diplomática no Oriente Médio não significa que ela seja uma mediadora disposta ou capaz no conflito entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Amanda Hsiao, analista-sênior para China do International Crisis Group.

Em fevereiro, no primeiro aniversário da invasão russa, Pequim lançou uma proposta de 12 pontos para pôr fim à guerra que incluiu chamados por negociações de paz, um cessar-fogo e o fim de “sanções unilaterais”, mas nenhuma exigência de retirada dos russos do território ucraniano. Zelenski elogiou o envolvimento da China mas disse que aguardaria mais detalhes.

“Não há nada particularmente novo no conteúdo desse documento, e todos sabem disso”, afirmou Wan Qingsong, professor-associado do Centro para Estudos de Rússia e Leste da China da Universidade Normal de Xangai.

Para Xi, a proposta juntamente com sua visita para a Rússia podem tratar menos de resultados e mais de cimentar apoio entre outros países que também se sentem excluídos de um sistema internacional dominado pelos EUA.

“É importante entender que não se trata apenas de Europa, Rússia e EUA, mas também de todos os outros países”, afirmou Alicja Bachulska, pesquisadora de políticas, radicada em Varsóvia, do Conselho Europeu de Relações Internacionais. “Todas essas decisões e comunicações de Pequim são destinadas não apenas para o dito Ocidente, mas também para o sul global.”

Poder sobre Putin

Quando visitar Moscou, Xi assumirá uma posição de poder sobre Putin.

A Rússia depende da China para grande parte de suas importações, incluindo muitos itens de alta tecnologia, como semicondutores que podem ser usados em aplicações tanto civis quanto militares.

Em imagem de arquivo, o presidente chinês, Xi Jinping, e o russo, Vladimir Putin, durante um evento de gala para celebrar o 70º aniversário das relações diplomáticas entre Rússia e China, no Teatro Bolshoi, em Moscou  Foto: Sergei Ilnitsky/AFP - 5/6/2019

De acordo com dados do governo, as exportações da China para a Rússia cresceram quase 13%, ultrapassando US$ 76 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões), em 2022. Observadores preveem que os dois líderes discutirão expansões em seus fluxos de comércio, incluindo mais vendas de petróleo e gás e possivelmente um gasoduto.

“A China tem todo o peso que quer, e seu peso cresce a cada momento”, afirmou Alexander Gabuev, especialista em relações entre Rússia e China do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Para Xi, uma viagem à Rússia será também uma mostra de desafio — em linha com o que tem configurado os objetivos mais amplos de Pequim ao orquestrar as negociações da semana passada entre sauditas e iranianos.

“Isso mostra para o mundo, mostra para os EUA que ‘talvez vocês avancem, mas nós também avançamos’”, afirmou Sun, do Centro Stimson. Eles estão dizendo, afirmou ela: “Nós temos os nossos teatros alternativos, teatros dos quais vocês estão se retirando”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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