‘Comecei a praticar tiro para estar pronto’, diz empresário que virou atirador de elite na Ucrânia


O empresário ucraniano Alexander Nosachenko passou a praticar tiro esportivo depois que a Rússia anexou a Crimeia em 2015 e virou atirador de elite do Exército da Ucrânia durante os primeiros meses de guerra

Por Daniel Gateno
Atualização:
Foto: Alexander Nosachenko/Reprodução
Entrevista comAlexander NosachenkoEmpresário e investidor ucraniano que lutou contra os russos

O empresário ucraniano Alexander Nosachenko não foi pego de surpresa quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou uma “operação especial” no território ucraniano no dia 24 de fevereiro de 2022. Ciente dos rumores de uma possível invasão, Nosachenko realocou sua esposa e seus dois filhos na França antes do início da guerra.

“Quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei surpreso com o meu nível de relaxamento porque sabia que a minha família estava segura”, afirmou Nosachenko, em entrevista ao Estadão.

Empresário e investidor de sucesso, Nosachenko é CEO da Colliers na Ucrânia, uma das três principais empresas globais de serviços imobiliários profissionais, com operações em 66 países e mais de 500 escritórios em todo o mundo. Praticante de tiro esportivo, ele pausou as operações de sua empresa para se tornar atirador de elite das Forças Especiais do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra, participando de operações em Kiev e no sul da Ucrânia.

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Nosachenko seria um dos palestrantes do Fórum da Liberdade 2024, maior palco de debates políticos, econômicos e sociais da América Latina, que será realizado entre os dias 4 e 5 de abril em Porto Alegre, mas o ucraniano não recebeu a permissão necessária do governo para viajar. Sob lei marcial na Ucrânia, homens de 18 a 60 anos precisam de uma autorização especial para saírem do país.

O empresário Alexander Nosachenko atuou como atirador de elite do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra Foto: Alexander Nosachenko /Reprodução

Nosachenko afirma que a preparação para um conflito entre Kiev e Moscou começou em 2015, quando o ucraniano iniciou aulas de tiro após a Rússia anexar a Crimeia no ano anterior e Kiev passar pela Euromaidan, a chamada primavera ucraniana, que contribuiu para a deposição do então presidente Viktor Yanukovich, que era próximo de Moscou.

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Apesar de estar em boa forma física, Nosachenko temeu pela segurança de seus entes queridos. “Independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família, por isso comecei a praticar tiro e eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador”.

Mesmo com a noção da possibilidade de uma guerra entre Rússia e Ucrania, o empresário se surpreendeu com o tamanho do conflito. “Queria estar preparado, mas nunca imaginei uma invasão como a que Putin realizou”, explica Nosachenko.

O empresário Alexander Nosachenko participou de operações em Kiev e no sul da Ucrânia  Foto: Alexander Nosachenko/Reprodução
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Confira trechos da entrevista:

Poderia me contar mais sobre você e as funções que desempenhou na guerra?

Eu sou um civil. Nunca tinha participado de nenhum treinamento militar. Eu sou um empresário e investidor e tenho diferentes hobbies como jogar tênis, fazer academia, natação e também passei a praticar tiro esportivo. Eu comecei a fazer isso como hobby por conta da anexação da Crimeia em 2014.

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Além disso, uma revolução estava acontecendo em Kiev, as pessoas protestavam por liberdade e democracia. Eu percebi que eu estava em forma, mas independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família se eles estivessem em perigo. Não tinha tido nenhuma experiência com armas até este momento.

Quando tudo se acalmou na Ucrânia após a anexação da Crimeia e a mudança de presidente, eu passei a treinar mais para ser um bom atirador. Treinei três vezes por semana, usei diferentes armas por sete anos. Eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador.

Apesar de temer pela segurança da minha família após a anexação da Crimeia, eu não me tornei um bom atirador porque eu pensava que a Rússia iria realizar uma invasão total da Ucrânia. Eu só queria conseguir proteger a minha família caso algo acontecesse.

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Mas quando tudo isso começou, no dia 24 de fevereiro de 2022, todos estávamos preparados para isso. Muitas pessoas que estavam treinando comigo já estavam envolvidas com o Exército.

Você sabia que iria participar da guerra de alguma forma?

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Três meses antes da invasão eram só rumores, mas nos dias que antecederam a invasão eu sabia que as chances eram realmente altas de a invasão acontecer. Eu me preparei bem antes da invasão e tirei a minha família do país por questões de segurança. Eu fiz isso porque queria ficar concentrado no que eu precisava fazer, que era defender a Ucrânia.

Mas ninguém pensou que eles iriam invadir de forma tão brutal. Eu não imaginava que seria algo que não acontecia na Europa desde a 2ª Guerra Mundial. Minha família ficou no sul da França por um tempo por conta disso.

Então quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei impressionado com o meu nível de relaxamento. Eu fiquei tão relaxado porque sabia que os meus familiares estavam seguros.

Apesar disso, nos primeiros dias da guerra eu estava em Kiev e todos que estavam na cidade acreditavam que iriam morrer. Achávamos que os russos iriam chegar na cidade e tomar conta. A minha unidade tinha 15 pessoas espalhadas por diversas posições de Kiev com snipers, mas realmente não sabíamos o que poderia ser feito se os russos chegassem em Kiev com um grande número de soldados.

Novos soldados ucranianos participam de treinamento em Donetsk, no sul da Ucrânia  Foto: Maria Senovilla/ EFE

Poderíamos acertar muitos russos e atrapalhar a tomada da cidade, mas se eles de fato chegassem aqui não poderíamos fazer muito para impedi-los. Então internamente todos que estavam em Kiev e que estavam lutando sabiam que tinham tomado uma decisão e estavam prontos para morrer.

Então nas primeiras três semanas eu fiquei em Kiev e depois que as forças russas tiveram que sair de perto da capital nós também saímos de Kiev. Depois disso, fiquei três meses no sul da Ucrânia.

No final de maio de 2022 eu retornei a Kiev e voltei a ser apenas um civil novamente. Acredito que o meu papel como civil é importante e passei a contribuir com o Exército da Ucrânia de outras formas. Além de ser soldado naquele momento eu estava organizando a logística do nosso grupo e também dei todo o apoio financeiro para que todas as necessidades do grupo fossem sanadas. Muitos soldados não tinham a proteção necessária como coletes, capacetes, quase nada de aparato militar.

De que formas você apoia o Exército Ucraniano neste momento?

Quando voltei a Kiev eu retornei ao trabalho e também fiz todo o possível para manter todos os meus empregados e pagar os salários. No campo de batalha eu era apenas um atirador, em Kiev eu era o empregador de muitas pessoas e também passei a pagar pelos equipamentos de soldados de outras unidades do Exército que não tinham os recursos financeiros para isso.

Muitas pessoas que eu conhecia precisavam de ajuda. Eu criei também uma fundação, a Freedom Force Charity Foundation, que justamente arrecada dinheiro para equipar as unidades do Exército. Passamos a comprar aparato militar fora da Ucrânia, eu sabia exatamente do que eles precisavam.

Trabalhador ucraniano passa por uma rua danificada por uma cratera de bomba em Kherson, Ucrânia  Foto: Emile Ducke/ NYT

O Ocidente apoiou a Ucrânia durante todos os momentos da guerra até agora, mas este apoio não é mais unanime. Como a Ucrânia enfrentaria esta guerra sem o apoio ocidental?

A minha opinião é que se os EUA e a Europa parassem de enviar ajuda econômica e militar para a Ucrânia agora a guerra não iria parar. Os ucranianos morreriam em um número muito maior, mas ainda sim iríamos resistir. A guerra não acabaria.

Os ucranianos não vão se render, esta é a nossa terra. Os russos querem matar todos nós. Se eu andar pelas ruas de Kiev neste momento e perguntar isso, eu tenho certeza que todos iriam concordar comigo. Estamos preparados para todas as dificuldades.

E se os EUA pararem com a ajuda, eu tenho certeza que a União Europeia estará lá para suprir as nossas necessidades. Eles entendem a importância disso. Eu conheço muitas pessoas vivendo na Rússia, elas sabem que Vladimir Putin nunca vai parar. Ele quer ser um Czar.

Depois da Ucrânia a Rússia vai atrás dos países bálticos e depois da Polônia. Isso nunca vai acabar. Então na minha visão a União Europeia percebeu isso nos últimos meses e vai continuar nos ajudando independente dos EUA.

O cenário está muito imprevisível porque eu não tenho certeza de que Donald Trump de fato irá cortar a ajuda americana à Ucrânia se ele for eleito. Mas as declarações recentes que ele deu são muito perigosas para toda a Europa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha ao lado do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Kiev, Ucrânia  Foto: Evan Vucci / AP

Qual é a sua opinião sobre uma possível negociação entre Rússia e Ucrânia para acabar com a guerra? É possível?

Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, eles estão matando ucranianos em território ucraniano, a guerra não está acontecendo no território russo. Então se a Rússia parar de matar ucranianos e sair da nossa terra, a guerra vai acabar.

Se olharmos a história, a Rússia sempre esteve disposta a capturar territórios de outros países, eles sempre agiram como um império. Eles querem capturar de novo os territórios que eram da União Soviética, eles querem juntar tudo de novo. Eles iniciaram isso com a Geórgia e depois foram para a Ucrânia.

Então não existe nenhuma possibilidade de negociação no futuro. Putin não quer negociar, ele não está disposto. Ele não quer que a Ucrânia seja um país independente. Teríamos que aceitar que todo o território que a Rússia capturou de nós não é mais nosso. Isso é impossível.

A Rússia também não é um país que cumpre acordos, não é confiável.

Como esta a cidade de Kiev neste momento? Lojas estão abertas, as pessoas estão vivendo normalmente?

Kiev é o lugar mais seguro da Ucrânia neste momento. Os negócios estão abertos e as pessoas estão vivendo normalmente, apesar das limitações e dos ataques russos que eventualmente atingem a cidade.

Claramente as pessoas não estão felizes, mas as pessoas tentam viver uma vida normal. Os shoppings estão funcionando, as crianças estão indo para a escola, restaurantes abertos e transporte público funcionando normalmente também. Se uma pessoa que não soubesse da guerra desembarcasse em Kiev ela poderia achar que nada está acontecendo no país. A única forma de saber que algo está acontecendo é que soldados feridos ou que estão de folga passam pela cidade.

Eventualmente a cidade é atacada por misseis russos, mas temos aplicativos e sirenes que nos avisam quando um míssil russo está se aproximando e as pessoas têm um tempo para se deslocarem até um abrigo antibombas. Os cidadãos estão tentando manter a rotina.

O empresário ucraniano Alexander Nosachenko não foi pego de surpresa quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou uma “operação especial” no território ucraniano no dia 24 de fevereiro de 2022. Ciente dos rumores de uma possível invasão, Nosachenko realocou sua esposa e seus dois filhos na França antes do início da guerra.

“Quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei surpreso com o meu nível de relaxamento porque sabia que a minha família estava segura”, afirmou Nosachenko, em entrevista ao Estadão.

Empresário e investidor de sucesso, Nosachenko é CEO da Colliers na Ucrânia, uma das três principais empresas globais de serviços imobiliários profissionais, com operações em 66 países e mais de 500 escritórios em todo o mundo. Praticante de tiro esportivo, ele pausou as operações de sua empresa para se tornar atirador de elite das Forças Especiais do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra, participando de operações em Kiev e no sul da Ucrânia.

Nosachenko seria um dos palestrantes do Fórum da Liberdade 2024, maior palco de debates políticos, econômicos e sociais da América Latina, que será realizado entre os dias 4 e 5 de abril em Porto Alegre, mas o ucraniano não recebeu a permissão necessária do governo para viajar. Sob lei marcial na Ucrânia, homens de 18 a 60 anos precisam de uma autorização especial para saírem do país.

O empresário Alexander Nosachenko atuou como atirador de elite do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra Foto: Alexander Nosachenko /Reprodução

Nosachenko afirma que a preparação para um conflito entre Kiev e Moscou começou em 2015, quando o ucraniano iniciou aulas de tiro após a Rússia anexar a Crimeia no ano anterior e Kiev passar pela Euromaidan, a chamada primavera ucraniana, que contribuiu para a deposição do então presidente Viktor Yanukovich, que era próximo de Moscou.

Apesar de estar em boa forma física, Nosachenko temeu pela segurança de seus entes queridos. “Independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família, por isso comecei a praticar tiro e eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador”.

Mesmo com a noção da possibilidade de uma guerra entre Rússia e Ucrania, o empresário se surpreendeu com o tamanho do conflito. “Queria estar preparado, mas nunca imaginei uma invasão como a que Putin realizou”, explica Nosachenko.

O empresário Alexander Nosachenko participou de operações em Kiev e no sul da Ucrânia  Foto: Alexander Nosachenko/Reprodução

Confira trechos da entrevista:

Poderia me contar mais sobre você e as funções que desempenhou na guerra?

Eu sou um civil. Nunca tinha participado de nenhum treinamento militar. Eu sou um empresário e investidor e tenho diferentes hobbies como jogar tênis, fazer academia, natação e também passei a praticar tiro esportivo. Eu comecei a fazer isso como hobby por conta da anexação da Crimeia em 2014.

Além disso, uma revolução estava acontecendo em Kiev, as pessoas protestavam por liberdade e democracia. Eu percebi que eu estava em forma, mas independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família se eles estivessem em perigo. Não tinha tido nenhuma experiência com armas até este momento.

Quando tudo se acalmou na Ucrânia após a anexação da Crimeia e a mudança de presidente, eu passei a treinar mais para ser um bom atirador. Treinei três vezes por semana, usei diferentes armas por sete anos. Eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador.

Apesar de temer pela segurança da minha família após a anexação da Crimeia, eu não me tornei um bom atirador porque eu pensava que a Rússia iria realizar uma invasão total da Ucrânia. Eu só queria conseguir proteger a minha família caso algo acontecesse.

Mas quando tudo isso começou, no dia 24 de fevereiro de 2022, todos estávamos preparados para isso. Muitas pessoas que estavam treinando comigo já estavam envolvidas com o Exército.

Você sabia que iria participar da guerra de alguma forma?

Três meses antes da invasão eram só rumores, mas nos dias que antecederam a invasão eu sabia que as chances eram realmente altas de a invasão acontecer. Eu me preparei bem antes da invasão e tirei a minha família do país por questões de segurança. Eu fiz isso porque queria ficar concentrado no que eu precisava fazer, que era defender a Ucrânia.

Mas ninguém pensou que eles iriam invadir de forma tão brutal. Eu não imaginava que seria algo que não acontecia na Europa desde a 2ª Guerra Mundial. Minha família ficou no sul da França por um tempo por conta disso.

Então quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei impressionado com o meu nível de relaxamento. Eu fiquei tão relaxado porque sabia que os meus familiares estavam seguros.

Apesar disso, nos primeiros dias da guerra eu estava em Kiev e todos que estavam na cidade acreditavam que iriam morrer. Achávamos que os russos iriam chegar na cidade e tomar conta. A minha unidade tinha 15 pessoas espalhadas por diversas posições de Kiev com snipers, mas realmente não sabíamos o que poderia ser feito se os russos chegassem em Kiev com um grande número de soldados.

Novos soldados ucranianos participam de treinamento em Donetsk, no sul da Ucrânia  Foto: Maria Senovilla/ EFE

Poderíamos acertar muitos russos e atrapalhar a tomada da cidade, mas se eles de fato chegassem aqui não poderíamos fazer muito para impedi-los. Então internamente todos que estavam em Kiev e que estavam lutando sabiam que tinham tomado uma decisão e estavam prontos para morrer.

Então nas primeiras três semanas eu fiquei em Kiev e depois que as forças russas tiveram que sair de perto da capital nós também saímos de Kiev. Depois disso, fiquei três meses no sul da Ucrânia.

No final de maio de 2022 eu retornei a Kiev e voltei a ser apenas um civil novamente. Acredito que o meu papel como civil é importante e passei a contribuir com o Exército da Ucrânia de outras formas. Além de ser soldado naquele momento eu estava organizando a logística do nosso grupo e também dei todo o apoio financeiro para que todas as necessidades do grupo fossem sanadas. Muitos soldados não tinham a proteção necessária como coletes, capacetes, quase nada de aparato militar.

De que formas você apoia o Exército Ucraniano neste momento?

Quando voltei a Kiev eu retornei ao trabalho e também fiz todo o possível para manter todos os meus empregados e pagar os salários. No campo de batalha eu era apenas um atirador, em Kiev eu era o empregador de muitas pessoas e também passei a pagar pelos equipamentos de soldados de outras unidades do Exército que não tinham os recursos financeiros para isso.

Muitas pessoas que eu conhecia precisavam de ajuda. Eu criei também uma fundação, a Freedom Force Charity Foundation, que justamente arrecada dinheiro para equipar as unidades do Exército. Passamos a comprar aparato militar fora da Ucrânia, eu sabia exatamente do que eles precisavam.

Trabalhador ucraniano passa por uma rua danificada por uma cratera de bomba em Kherson, Ucrânia  Foto: Emile Ducke/ NYT

O Ocidente apoiou a Ucrânia durante todos os momentos da guerra até agora, mas este apoio não é mais unanime. Como a Ucrânia enfrentaria esta guerra sem o apoio ocidental?

A minha opinião é que se os EUA e a Europa parassem de enviar ajuda econômica e militar para a Ucrânia agora a guerra não iria parar. Os ucranianos morreriam em um número muito maior, mas ainda sim iríamos resistir. A guerra não acabaria.

Os ucranianos não vão se render, esta é a nossa terra. Os russos querem matar todos nós. Se eu andar pelas ruas de Kiev neste momento e perguntar isso, eu tenho certeza que todos iriam concordar comigo. Estamos preparados para todas as dificuldades.

E se os EUA pararem com a ajuda, eu tenho certeza que a União Europeia estará lá para suprir as nossas necessidades. Eles entendem a importância disso. Eu conheço muitas pessoas vivendo na Rússia, elas sabem que Vladimir Putin nunca vai parar. Ele quer ser um Czar.

Depois da Ucrânia a Rússia vai atrás dos países bálticos e depois da Polônia. Isso nunca vai acabar. Então na minha visão a União Europeia percebeu isso nos últimos meses e vai continuar nos ajudando independente dos EUA.

O cenário está muito imprevisível porque eu não tenho certeza de que Donald Trump de fato irá cortar a ajuda americana à Ucrânia se ele for eleito. Mas as declarações recentes que ele deu são muito perigosas para toda a Europa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha ao lado do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Kiev, Ucrânia  Foto: Evan Vucci / AP

Qual é a sua opinião sobre uma possível negociação entre Rússia e Ucrânia para acabar com a guerra? É possível?

Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, eles estão matando ucranianos em território ucraniano, a guerra não está acontecendo no território russo. Então se a Rússia parar de matar ucranianos e sair da nossa terra, a guerra vai acabar.

Se olharmos a história, a Rússia sempre esteve disposta a capturar territórios de outros países, eles sempre agiram como um império. Eles querem capturar de novo os territórios que eram da União Soviética, eles querem juntar tudo de novo. Eles iniciaram isso com a Geórgia e depois foram para a Ucrânia.

Então não existe nenhuma possibilidade de negociação no futuro. Putin não quer negociar, ele não está disposto. Ele não quer que a Ucrânia seja um país independente. Teríamos que aceitar que todo o território que a Rússia capturou de nós não é mais nosso. Isso é impossível.

A Rússia também não é um país que cumpre acordos, não é confiável.

Como esta a cidade de Kiev neste momento? Lojas estão abertas, as pessoas estão vivendo normalmente?

Kiev é o lugar mais seguro da Ucrânia neste momento. Os negócios estão abertos e as pessoas estão vivendo normalmente, apesar das limitações e dos ataques russos que eventualmente atingem a cidade.

Claramente as pessoas não estão felizes, mas as pessoas tentam viver uma vida normal. Os shoppings estão funcionando, as crianças estão indo para a escola, restaurantes abertos e transporte público funcionando normalmente também. Se uma pessoa que não soubesse da guerra desembarcasse em Kiev ela poderia achar que nada está acontecendo no país. A única forma de saber que algo está acontecendo é que soldados feridos ou que estão de folga passam pela cidade.

Eventualmente a cidade é atacada por misseis russos, mas temos aplicativos e sirenes que nos avisam quando um míssil russo está se aproximando e as pessoas têm um tempo para se deslocarem até um abrigo antibombas. Os cidadãos estão tentando manter a rotina.

O empresário ucraniano Alexander Nosachenko não foi pego de surpresa quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou uma “operação especial” no território ucraniano no dia 24 de fevereiro de 2022. Ciente dos rumores de uma possível invasão, Nosachenko realocou sua esposa e seus dois filhos na França antes do início da guerra.

“Quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei surpreso com o meu nível de relaxamento porque sabia que a minha família estava segura”, afirmou Nosachenko, em entrevista ao Estadão.

Empresário e investidor de sucesso, Nosachenko é CEO da Colliers na Ucrânia, uma das três principais empresas globais de serviços imobiliários profissionais, com operações em 66 países e mais de 500 escritórios em todo o mundo. Praticante de tiro esportivo, ele pausou as operações de sua empresa para se tornar atirador de elite das Forças Especiais do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra, participando de operações em Kiev e no sul da Ucrânia.

Nosachenko seria um dos palestrantes do Fórum da Liberdade 2024, maior palco de debates políticos, econômicos e sociais da América Latina, que será realizado entre os dias 4 e 5 de abril em Porto Alegre, mas o ucraniano não recebeu a permissão necessária do governo para viajar. Sob lei marcial na Ucrânia, homens de 18 a 60 anos precisam de uma autorização especial para saírem do país.

O empresário Alexander Nosachenko atuou como atirador de elite do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra Foto: Alexander Nosachenko /Reprodução

Nosachenko afirma que a preparação para um conflito entre Kiev e Moscou começou em 2015, quando o ucraniano iniciou aulas de tiro após a Rússia anexar a Crimeia no ano anterior e Kiev passar pela Euromaidan, a chamada primavera ucraniana, que contribuiu para a deposição do então presidente Viktor Yanukovich, que era próximo de Moscou.

Apesar de estar em boa forma física, Nosachenko temeu pela segurança de seus entes queridos. “Independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família, por isso comecei a praticar tiro e eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador”.

Mesmo com a noção da possibilidade de uma guerra entre Rússia e Ucrania, o empresário se surpreendeu com o tamanho do conflito. “Queria estar preparado, mas nunca imaginei uma invasão como a que Putin realizou”, explica Nosachenko.

O empresário Alexander Nosachenko participou de operações em Kiev e no sul da Ucrânia  Foto: Alexander Nosachenko/Reprodução

Confira trechos da entrevista:

Poderia me contar mais sobre você e as funções que desempenhou na guerra?

Eu sou um civil. Nunca tinha participado de nenhum treinamento militar. Eu sou um empresário e investidor e tenho diferentes hobbies como jogar tênis, fazer academia, natação e também passei a praticar tiro esportivo. Eu comecei a fazer isso como hobby por conta da anexação da Crimeia em 2014.

Além disso, uma revolução estava acontecendo em Kiev, as pessoas protestavam por liberdade e democracia. Eu percebi que eu estava em forma, mas independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família se eles estivessem em perigo. Não tinha tido nenhuma experiência com armas até este momento.

Quando tudo se acalmou na Ucrânia após a anexação da Crimeia e a mudança de presidente, eu passei a treinar mais para ser um bom atirador. Treinei três vezes por semana, usei diferentes armas por sete anos. Eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador.

Apesar de temer pela segurança da minha família após a anexação da Crimeia, eu não me tornei um bom atirador porque eu pensava que a Rússia iria realizar uma invasão total da Ucrânia. Eu só queria conseguir proteger a minha família caso algo acontecesse.

Mas quando tudo isso começou, no dia 24 de fevereiro de 2022, todos estávamos preparados para isso. Muitas pessoas que estavam treinando comigo já estavam envolvidas com o Exército.

Você sabia que iria participar da guerra de alguma forma?

Três meses antes da invasão eram só rumores, mas nos dias que antecederam a invasão eu sabia que as chances eram realmente altas de a invasão acontecer. Eu me preparei bem antes da invasão e tirei a minha família do país por questões de segurança. Eu fiz isso porque queria ficar concentrado no que eu precisava fazer, que era defender a Ucrânia.

Mas ninguém pensou que eles iriam invadir de forma tão brutal. Eu não imaginava que seria algo que não acontecia na Europa desde a 2ª Guerra Mundial. Minha família ficou no sul da França por um tempo por conta disso.

Então quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei impressionado com o meu nível de relaxamento. Eu fiquei tão relaxado porque sabia que os meus familiares estavam seguros.

Apesar disso, nos primeiros dias da guerra eu estava em Kiev e todos que estavam na cidade acreditavam que iriam morrer. Achávamos que os russos iriam chegar na cidade e tomar conta. A minha unidade tinha 15 pessoas espalhadas por diversas posições de Kiev com snipers, mas realmente não sabíamos o que poderia ser feito se os russos chegassem em Kiev com um grande número de soldados.

Novos soldados ucranianos participam de treinamento em Donetsk, no sul da Ucrânia  Foto: Maria Senovilla/ EFE

Poderíamos acertar muitos russos e atrapalhar a tomada da cidade, mas se eles de fato chegassem aqui não poderíamos fazer muito para impedi-los. Então internamente todos que estavam em Kiev e que estavam lutando sabiam que tinham tomado uma decisão e estavam prontos para morrer.

Então nas primeiras três semanas eu fiquei em Kiev e depois que as forças russas tiveram que sair de perto da capital nós também saímos de Kiev. Depois disso, fiquei três meses no sul da Ucrânia.

No final de maio de 2022 eu retornei a Kiev e voltei a ser apenas um civil novamente. Acredito que o meu papel como civil é importante e passei a contribuir com o Exército da Ucrânia de outras formas. Além de ser soldado naquele momento eu estava organizando a logística do nosso grupo e também dei todo o apoio financeiro para que todas as necessidades do grupo fossem sanadas. Muitos soldados não tinham a proteção necessária como coletes, capacetes, quase nada de aparato militar.

De que formas você apoia o Exército Ucraniano neste momento?

Quando voltei a Kiev eu retornei ao trabalho e também fiz todo o possível para manter todos os meus empregados e pagar os salários. No campo de batalha eu era apenas um atirador, em Kiev eu era o empregador de muitas pessoas e também passei a pagar pelos equipamentos de soldados de outras unidades do Exército que não tinham os recursos financeiros para isso.

Muitas pessoas que eu conhecia precisavam de ajuda. Eu criei também uma fundação, a Freedom Force Charity Foundation, que justamente arrecada dinheiro para equipar as unidades do Exército. Passamos a comprar aparato militar fora da Ucrânia, eu sabia exatamente do que eles precisavam.

Trabalhador ucraniano passa por uma rua danificada por uma cratera de bomba em Kherson, Ucrânia  Foto: Emile Ducke/ NYT

O Ocidente apoiou a Ucrânia durante todos os momentos da guerra até agora, mas este apoio não é mais unanime. Como a Ucrânia enfrentaria esta guerra sem o apoio ocidental?

A minha opinião é que se os EUA e a Europa parassem de enviar ajuda econômica e militar para a Ucrânia agora a guerra não iria parar. Os ucranianos morreriam em um número muito maior, mas ainda sim iríamos resistir. A guerra não acabaria.

Os ucranianos não vão se render, esta é a nossa terra. Os russos querem matar todos nós. Se eu andar pelas ruas de Kiev neste momento e perguntar isso, eu tenho certeza que todos iriam concordar comigo. Estamos preparados para todas as dificuldades.

E se os EUA pararem com a ajuda, eu tenho certeza que a União Europeia estará lá para suprir as nossas necessidades. Eles entendem a importância disso. Eu conheço muitas pessoas vivendo na Rússia, elas sabem que Vladimir Putin nunca vai parar. Ele quer ser um Czar.

Depois da Ucrânia a Rússia vai atrás dos países bálticos e depois da Polônia. Isso nunca vai acabar. Então na minha visão a União Europeia percebeu isso nos últimos meses e vai continuar nos ajudando independente dos EUA.

O cenário está muito imprevisível porque eu não tenho certeza de que Donald Trump de fato irá cortar a ajuda americana à Ucrânia se ele for eleito. Mas as declarações recentes que ele deu são muito perigosas para toda a Europa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha ao lado do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Kiev, Ucrânia  Foto: Evan Vucci / AP

Qual é a sua opinião sobre uma possível negociação entre Rússia e Ucrânia para acabar com a guerra? É possível?

Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, eles estão matando ucranianos em território ucraniano, a guerra não está acontecendo no território russo. Então se a Rússia parar de matar ucranianos e sair da nossa terra, a guerra vai acabar.

Se olharmos a história, a Rússia sempre esteve disposta a capturar territórios de outros países, eles sempre agiram como um império. Eles querem capturar de novo os territórios que eram da União Soviética, eles querem juntar tudo de novo. Eles iniciaram isso com a Geórgia e depois foram para a Ucrânia.

Então não existe nenhuma possibilidade de negociação no futuro. Putin não quer negociar, ele não está disposto. Ele não quer que a Ucrânia seja um país independente. Teríamos que aceitar que todo o território que a Rússia capturou de nós não é mais nosso. Isso é impossível.

A Rússia também não é um país que cumpre acordos, não é confiável.

Como esta a cidade de Kiev neste momento? Lojas estão abertas, as pessoas estão vivendo normalmente?

Kiev é o lugar mais seguro da Ucrânia neste momento. Os negócios estão abertos e as pessoas estão vivendo normalmente, apesar das limitações e dos ataques russos que eventualmente atingem a cidade.

Claramente as pessoas não estão felizes, mas as pessoas tentam viver uma vida normal. Os shoppings estão funcionando, as crianças estão indo para a escola, restaurantes abertos e transporte público funcionando normalmente também. Se uma pessoa que não soubesse da guerra desembarcasse em Kiev ela poderia achar que nada está acontecendo no país. A única forma de saber que algo está acontecendo é que soldados feridos ou que estão de folga passam pela cidade.

Eventualmente a cidade é atacada por misseis russos, mas temos aplicativos e sirenes que nos avisam quando um míssil russo está se aproximando e as pessoas têm um tempo para se deslocarem até um abrigo antibombas. Os cidadãos estão tentando manter a rotina.

O empresário ucraniano Alexander Nosachenko não foi pego de surpresa quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou uma “operação especial” no território ucraniano no dia 24 de fevereiro de 2022. Ciente dos rumores de uma possível invasão, Nosachenko realocou sua esposa e seus dois filhos na França antes do início da guerra.

“Quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei surpreso com o meu nível de relaxamento porque sabia que a minha família estava segura”, afirmou Nosachenko, em entrevista ao Estadão.

Empresário e investidor de sucesso, Nosachenko é CEO da Colliers na Ucrânia, uma das três principais empresas globais de serviços imobiliários profissionais, com operações em 66 países e mais de 500 escritórios em todo o mundo. Praticante de tiro esportivo, ele pausou as operações de sua empresa para se tornar atirador de elite das Forças Especiais do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra, participando de operações em Kiev e no sul da Ucrânia.

Nosachenko seria um dos palestrantes do Fórum da Liberdade 2024, maior palco de debates políticos, econômicos e sociais da América Latina, que será realizado entre os dias 4 e 5 de abril em Porto Alegre, mas o ucraniano não recebeu a permissão necessária do governo para viajar. Sob lei marcial na Ucrânia, homens de 18 a 60 anos precisam de uma autorização especial para saírem do país.

O empresário Alexander Nosachenko atuou como atirador de elite do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra Foto: Alexander Nosachenko /Reprodução

Nosachenko afirma que a preparação para um conflito entre Kiev e Moscou começou em 2015, quando o ucraniano iniciou aulas de tiro após a Rússia anexar a Crimeia no ano anterior e Kiev passar pela Euromaidan, a chamada primavera ucraniana, que contribuiu para a deposição do então presidente Viktor Yanukovich, que era próximo de Moscou.

Apesar de estar em boa forma física, Nosachenko temeu pela segurança de seus entes queridos. “Independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família, por isso comecei a praticar tiro e eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador”.

Mesmo com a noção da possibilidade de uma guerra entre Rússia e Ucrania, o empresário se surpreendeu com o tamanho do conflito. “Queria estar preparado, mas nunca imaginei uma invasão como a que Putin realizou”, explica Nosachenko.

O empresário Alexander Nosachenko participou de operações em Kiev e no sul da Ucrânia  Foto: Alexander Nosachenko/Reprodução

Confira trechos da entrevista:

Poderia me contar mais sobre você e as funções que desempenhou na guerra?

Eu sou um civil. Nunca tinha participado de nenhum treinamento militar. Eu sou um empresário e investidor e tenho diferentes hobbies como jogar tênis, fazer academia, natação e também passei a praticar tiro esportivo. Eu comecei a fazer isso como hobby por conta da anexação da Crimeia em 2014.

Além disso, uma revolução estava acontecendo em Kiev, as pessoas protestavam por liberdade e democracia. Eu percebi que eu estava em forma, mas independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família se eles estivessem em perigo. Não tinha tido nenhuma experiência com armas até este momento.

Quando tudo se acalmou na Ucrânia após a anexação da Crimeia e a mudança de presidente, eu passei a treinar mais para ser um bom atirador. Treinei três vezes por semana, usei diferentes armas por sete anos. Eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador.

Apesar de temer pela segurança da minha família após a anexação da Crimeia, eu não me tornei um bom atirador porque eu pensava que a Rússia iria realizar uma invasão total da Ucrânia. Eu só queria conseguir proteger a minha família caso algo acontecesse.

Mas quando tudo isso começou, no dia 24 de fevereiro de 2022, todos estávamos preparados para isso. Muitas pessoas que estavam treinando comigo já estavam envolvidas com o Exército.

Você sabia que iria participar da guerra de alguma forma?

Três meses antes da invasão eram só rumores, mas nos dias que antecederam a invasão eu sabia que as chances eram realmente altas de a invasão acontecer. Eu me preparei bem antes da invasão e tirei a minha família do país por questões de segurança. Eu fiz isso porque queria ficar concentrado no que eu precisava fazer, que era defender a Ucrânia.

Mas ninguém pensou que eles iriam invadir de forma tão brutal. Eu não imaginava que seria algo que não acontecia na Europa desde a 2ª Guerra Mundial. Minha família ficou no sul da França por um tempo por conta disso.

Então quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei impressionado com o meu nível de relaxamento. Eu fiquei tão relaxado porque sabia que os meus familiares estavam seguros.

Apesar disso, nos primeiros dias da guerra eu estava em Kiev e todos que estavam na cidade acreditavam que iriam morrer. Achávamos que os russos iriam chegar na cidade e tomar conta. A minha unidade tinha 15 pessoas espalhadas por diversas posições de Kiev com snipers, mas realmente não sabíamos o que poderia ser feito se os russos chegassem em Kiev com um grande número de soldados.

Novos soldados ucranianos participam de treinamento em Donetsk, no sul da Ucrânia  Foto: Maria Senovilla/ EFE

Poderíamos acertar muitos russos e atrapalhar a tomada da cidade, mas se eles de fato chegassem aqui não poderíamos fazer muito para impedi-los. Então internamente todos que estavam em Kiev e que estavam lutando sabiam que tinham tomado uma decisão e estavam prontos para morrer.

Então nas primeiras três semanas eu fiquei em Kiev e depois que as forças russas tiveram que sair de perto da capital nós também saímos de Kiev. Depois disso, fiquei três meses no sul da Ucrânia.

No final de maio de 2022 eu retornei a Kiev e voltei a ser apenas um civil novamente. Acredito que o meu papel como civil é importante e passei a contribuir com o Exército da Ucrânia de outras formas. Além de ser soldado naquele momento eu estava organizando a logística do nosso grupo e também dei todo o apoio financeiro para que todas as necessidades do grupo fossem sanadas. Muitos soldados não tinham a proteção necessária como coletes, capacetes, quase nada de aparato militar.

De que formas você apoia o Exército Ucraniano neste momento?

Quando voltei a Kiev eu retornei ao trabalho e também fiz todo o possível para manter todos os meus empregados e pagar os salários. No campo de batalha eu era apenas um atirador, em Kiev eu era o empregador de muitas pessoas e também passei a pagar pelos equipamentos de soldados de outras unidades do Exército que não tinham os recursos financeiros para isso.

Muitas pessoas que eu conhecia precisavam de ajuda. Eu criei também uma fundação, a Freedom Force Charity Foundation, que justamente arrecada dinheiro para equipar as unidades do Exército. Passamos a comprar aparato militar fora da Ucrânia, eu sabia exatamente do que eles precisavam.

Trabalhador ucraniano passa por uma rua danificada por uma cratera de bomba em Kherson, Ucrânia  Foto: Emile Ducke/ NYT

O Ocidente apoiou a Ucrânia durante todos os momentos da guerra até agora, mas este apoio não é mais unanime. Como a Ucrânia enfrentaria esta guerra sem o apoio ocidental?

A minha opinião é que se os EUA e a Europa parassem de enviar ajuda econômica e militar para a Ucrânia agora a guerra não iria parar. Os ucranianos morreriam em um número muito maior, mas ainda sim iríamos resistir. A guerra não acabaria.

Os ucranianos não vão se render, esta é a nossa terra. Os russos querem matar todos nós. Se eu andar pelas ruas de Kiev neste momento e perguntar isso, eu tenho certeza que todos iriam concordar comigo. Estamos preparados para todas as dificuldades.

E se os EUA pararem com a ajuda, eu tenho certeza que a União Europeia estará lá para suprir as nossas necessidades. Eles entendem a importância disso. Eu conheço muitas pessoas vivendo na Rússia, elas sabem que Vladimir Putin nunca vai parar. Ele quer ser um Czar.

Depois da Ucrânia a Rússia vai atrás dos países bálticos e depois da Polônia. Isso nunca vai acabar. Então na minha visão a União Europeia percebeu isso nos últimos meses e vai continuar nos ajudando independente dos EUA.

O cenário está muito imprevisível porque eu não tenho certeza de que Donald Trump de fato irá cortar a ajuda americana à Ucrânia se ele for eleito. Mas as declarações recentes que ele deu são muito perigosas para toda a Europa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha ao lado do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Kiev, Ucrânia  Foto: Evan Vucci / AP

Qual é a sua opinião sobre uma possível negociação entre Rússia e Ucrânia para acabar com a guerra? É possível?

Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, eles estão matando ucranianos em território ucraniano, a guerra não está acontecendo no território russo. Então se a Rússia parar de matar ucranianos e sair da nossa terra, a guerra vai acabar.

Se olharmos a história, a Rússia sempre esteve disposta a capturar territórios de outros países, eles sempre agiram como um império. Eles querem capturar de novo os territórios que eram da União Soviética, eles querem juntar tudo de novo. Eles iniciaram isso com a Geórgia e depois foram para a Ucrânia.

Então não existe nenhuma possibilidade de negociação no futuro. Putin não quer negociar, ele não está disposto. Ele não quer que a Ucrânia seja um país independente. Teríamos que aceitar que todo o território que a Rússia capturou de nós não é mais nosso. Isso é impossível.

A Rússia também não é um país que cumpre acordos, não é confiável.

Como esta a cidade de Kiev neste momento? Lojas estão abertas, as pessoas estão vivendo normalmente?

Kiev é o lugar mais seguro da Ucrânia neste momento. Os negócios estão abertos e as pessoas estão vivendo normalmente, apesar das limitações e dos ataques russos que eventualmente atingem a cidade.

Claramente as pessoas não estão felizes, mas as pessoas tentam viver uma vida normal. Os shoppings estão funcionando, as crianças estão indo para a escola, restaurantes abertos e transporte público funcionando normalmente também. Se uma pessoa que não soubesse da guerra desembarcasse em Kiev ela poderia achar que nada está acontecendo no país. A única forma de saber que algo está acontecendo é que soldados feridos ou que estão de folga passam pela cidade.

Eventualmente a cidade é atacada por misseis russos, mas temos aplicativos e sirenes que nos avisam quando um míssil russo está se aproximando e as pessoas têm um tempo para se deslocarem até um abrigo antibombas. Os cidadãos estão tentando manter a rotina.

O empresário ucraniano Alexander Nosachenko não foi pego de surpresa quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou uma “operação especial” no território ucraniano no dia 24 de fevereiro de 2022. Ciente dos rumores de uma possível invasão, Nosachenko realocou sua esposa e seus dois filhos na França antes do início da guerra.

“Quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei surpreso com o meu nível de relaxamento porque sabia que a minha família estava segura”, afirmou Nosachenko, em entrevista ao Estadão.

Empresário e investidor de sucesso, Nosachenko é CEO da Colliers na Ucrânia, uma das três principais empresas globais de serviços imobiliários profissionais, com operações em 66 países e mais de 500 escritórios em todo o mundo. Praticante de tiro esportivo, ele pausou as operações de sua empresa para se tornar atirador de elite das Forças Especiais do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra, participando de operações em Kiev e no sul da Ucrânia.

Nosachenko seria um dos palestrantes do Fórum da Liberdade 2024, maior palco de debates políticos, econômicos e sociais da América Latina, que será realizado entre os dias 4 e 5 de abril em Porto Alegre, mas o ucraniano não recebeu a permissão necessária do governo para viajar. Sob lei marcial na Ucrânia, homens de 18 a 60 anos precisam de uma autorização especial para saírem do país.

O empresário Alexander Nosachenko atuou como atirador de elite do Exército Ucraniano nos primeiros meses da guerra Foto: Alexander Nosachenko /Reprodução

Nosachenko afirma que a preparação para um conflito entre Kiev e Moscou começou em 2015, quando o ucraniano iniciou aulas de tiro após a Rússia anexar a Crimeia no ano anterior e Kiev passar pela Euromaidan, a chamada primavera ucraniana, que contribuiu para a deposição do então presidente Viktor Yanukovich, que era próximo de Moscou.

Apesar de estar em boa forma física, Nosachenko temeu pela segurança de seus entes queridos. “Independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família, por isso comecei a praticar tiro e eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador”.

Mesmo com a noção da possibilidade de uma guerra entre Rússia e Ucrania, o empresário se surpreendeu com o tamanho do conflito. “Queria estar preparado, mas nunca imaginei uma invasão como a que Putin realizou”, explica Nosachenko.

O empresário Alexander Nosachenko participou de operações em Kiev e no sul da Ucrânia  Foto: Alexander Nosachenko/Reprodução

Confira trechos da entrevista:

Poderia me contar mais sobre você e as funções que desempenhou na guerra?

Eu sou um civil. Nunca tinha participado de nenhum treinamento militar. Eu sou um empresário e investidor e tenho diferentes hobbies como jogar tênis, fazer academia, natação e também passei a praticar tiro esportivo. Eu comecei a fazer isso como hobby por conta da anexação da Crimeia em 2014.

Além disso, uma revolução estava acontecendo em Kiev, as pessoas protestavam por liberdade e democracia. Eu percebi que eu estava em forma, mas independente do quanto eu pudesse correr, nadar ou fazer academia eu não conseguiria proteger a minha família se eles estivessem em perigo. Não tinha tido nenhuma experiência com armas até este momento.

Quando tudo se acalmou na Ucrânia após a anexação da Crimeia e a mudança de presidente, eu passei a treinar mais para ser um bom atirador. Treinei três vezes por semana, usei diferentes armas por sete anos. Eu tive o tempo e os recursos necessários para me transformar em um bom atirador.

Apesar de temer pela segurança da minha família após a anexação da Crimeia, eu não me tornei um bom atirador porque eu pensava que a Rússia iria realizar uma invasão total da Ucrânia. Eu só queria conseguir proteger a minha família caso algo acontecesse.

Mas quando tudo isso começou, no dia 24 de fevereiro de 2022, todos estávamos preparados para isso. Muitas pessoas que estavam treinando comigo já estavam envolvidas com o Exército.

Você sabia que iria participar da guerra de alguma forma?

Três meses antes da invasão eram só rumores, mas nos dias que antecederam a invasão eu sabia que as chances eram realmente altas de a invasão acontecer. Eu me preparei bem antes da invasão e tirei a minha família do país por questões de segurança. Eu fiz isso porque queria ficar concentrado no que eu precisava fazer, que era defender a Ucrânia.

Mas ninguém pensou que eles iriam invadir de forma tão brutal. Eu não imaginava que seria algo que não acontecia na Europa desde a 2ª Guerra Mundial. Minha família ficou no sul da França por um tempo por conta disso.

Então quando tudo começou eu estava muito relaxado, fiquei impressionado com o meu nível de relaxamento. Eu fiquei tão relaxado porque sabia que os meus familiares estavam seguros.

Apesar disso, nos primeiros dias da guerra eu estava em Kiev e todos que estavam na cidade acreditavam que iriam morrer. Achávamos que os russos iriam chegar na cidade e tomar conta. A minha unidade tinha 15 pessoas espalhadas por diversas posições de Kiev com snipers, mas realmente não sabíamos o que poderia ser feito se os russos chegassem em Kiev com um grande número de soldados.

Novos soldados ucranianos participam de treinamento em Donetsk, no sul da Ucrânia  Foto: Maria Senovilla/ EFE

Poderíamos acertar muitos russos e atrapalhar a tomada da cidade, mas se eles de fato chegassem aqui não poderíamos fazer muito para impedi-los. Então internamente todos que estavam em Kiev e que estavam lutando sabiam que tinham tomado uma decisão e estavam prontos para morrer.

Então nas primeiras três semanas eu fiquei em Kiev e depois que as forças russas tiveram que sair de perto da capital nós também saímos de Kiev. Depois disso, fiquei três meses no sul da Ucrânia.

No final de maio de 2022 eu retornei a Kiev e voltei a ser apenas um civil novamente. Acredito que o meu papel como civil é importante e passei a contribuir com o Exército da Ucrânia de outras formas. Além de ser soldado naquele momento eu estava organizando a logística do nosso grupo e também dei todo o apoio financeiro para que todas as necessidades do grupo fossem sanadas. Muitos soldados não tinham a proteção necessária como coletes, capacetes, quase nada de aparato militar.

De que formas você apoia o Exército Ucraniano neste momento?

Quando voltei a Kiev eu retornei ao trabalho e também fiz todo o possível para manter todos os meus empregados e pagar os salários. No campo de batalha eu era apenas um atirador, em Kiev eu era o empregador de muitas pessoas e também passei a pagar pelos equipamentos de soldados de outras unidades do Exército que não tinham os recursos financeiros para isso.

Muitas pessoas que eu conhecia precisavam de ajuda. Eu criei também uma fundação, a Freedom Force Charity Foundation, que justamente arrecada dinheiro para equipar as unidades do Exército. Passamos a comprar aparato militar fora da Ucrânia, eu sabia exatamente do que eles precisavam.

Trabalhador ucraniano passa por uma rua danificada por uma cratera de bomba em Kherson, Ucrânia  Foto: Emile Ducke/ NYT

O Ocidente apoiou a Ucrânia durante todos os momentos da guerra até agora, mas este apoio não é mais unanime. Como a Ucrânia enfrentaria esta guerra sem o apoio ocidental?

A minha opinião é que se os EUA e a Europa parassem de enviar ajuda econômica e militar para a Ucrânia agora a guerra não iria parar. Os ucranianos morreriam em um número muito maior, mas ainda sim iríamos resistir. A guerra não acabaria.

Os ucranianos não vão se render, esta é a nossa terra. Os russos querem matar todos nós. Se eu andar pelas ruas de Kiev neste momento e perguntar isso, eu tenho certeza que todos iriam concordar comigo. Estamos preparados para todas as dificuldades.

E se os EUA pararem com a ajuda, eu tenho certeza que a União Europeia estará lá para suprir as nossas necessidades. Eles entendem a importância disso. Eu conheço muitas pessoas vivendo na Rússia, elas sabem que Vladimir Putin nunca vai parar. Ele quer ser um Czar.

Depois da Ucrânia a Rússia vai atrás dos países bálticos e depois da Polônia. Isso nunca vai acabar. Então na minha visão a União Europeia percebeu isso nos últimos meses e vai continuar nos ajudando independente dos EUA.

O cenário está muito imprevisível porque eu não tenho certeza de que Donald Trump de fato irá cortar a ajuda americana à Ucrânia se ele for eleito. Mas as declarações recentes que ele deu são muito perigosas para toda a Europa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha ao lado do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Kiev, Ucrânia  Foto: Evan Vucci / AP

Qual é a sua opinião sobre uma possível negociação entre Rússia e Ucrânia para acabar com a guerra? É possível?

Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, eles estão matando ucranianos em território ucraniano, a guerra não está acontecendo no território russo. Então se a Rússia parar de matar ucranianos e sair da nossa terra, a guerra vai acabar.

Se olharmos a história, a Rússia sempre esteve disposta a capturar territórios de outros países, eles sempre agiram como um império. Eles querem capturar de novo os territórios que eram da União Soviética, eles querem juntar tudo de novo. Eles iniciaram isso com a Geórgia e depois foram para a Ucrânia.

Então não existe nenhuma possibilidade de negociação no futuro. Putin não quer negociar, ele não está disposto. Ele não quer que a Ucrânia seja um país independente. Teríamos que aceitar que todo o território que a Rússia capturou de nós não é mais nosso. Isso é impossível.

A Rússia também não é um país que cumpre acordos, não é confiável.

Como esta a cidade de Kiev neste momento? Lojas estão abertas, as pessoas estão vivendo normalmente?

Kiev é o lugar mais seguro da Ucrânia neste momento. Os negócios estão abertos e as pessoas estão vivendo normalmente, apesar das limitações e dos ataques russos que eventualmente atingem a cidade.

Claramente as pessoas não estão felizes, mas as pessoas tentam viver uma vida normal. Os shoppings estão funcionando, as crianças estão indo para a escola, restaurantes abertos e transporte público funcionando normalmente também. Se uma pessoa que não soubesse da guerra desembarcasse em Kiev ela poderia achar que nada está acontecendo no país. A única forma de saber que algo está acontecendo é que soldados feridos ou que estão de folga passam pela cidade.

Eventualmente a cidade é atacada por misseis russos, mas temos aplicativos e sirenes que nos avisam quando um míssil russo está se aproximando e as pessoas têm um tempo para se deslocarem até um abrigo antibombas. Os cidadãos estão tentando manter a rotina.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

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