Com o dinheiro acabando e as dívidas se acumulando, o governo da Venezuela reduziu drasticamente a importação de alimentos. Para os agricultores da maioria dos países, isso representaria uma oportunidade. Mas é a Venezuela. Em tempos de supermercados vazios e fome crescente, os agricultores estão produzindo cada vez menos, deixando a escassez ainda mais grave.
As zonas rurais em torno de Caracas fornecem tudo o que um agricultor precisa: terra fértil, água, sol e gasolina a US$ 0,01 por litro, a mais barata do mundo. Mas as famílias rurais parecem tão magras quanto os venezuelanos que vivem nas cidades e esperam nas filas de pão ou reviram o lixo buscando comida.
“No ano passado, eu tinha 200 mil galinhas”, disse Saulo Escobar, que administra uma fazenda de aves e porcos no Estado de Aragua, a uma hora de Caracas. “Agora, tenho 70 mil”. Muitos dos galinheiros estão vazios pois ele não tem dinheiro para ração. O controle de preços do governo fez com que seu negócio deixasse de ser lucrativo e gangues armadas o chantageiam e roubam ovos.
Os mais recentes indicadores de saúde pública da Venezuela confirmam que o país enfrenta uma calamidade alimentar. Com os medicamentos escassos e os casos de desnutrição crescendo, mais de 11 mil bebês morreram em 2016, elevando a taxa de mortalidade infantil em 35%, segundo o Ministério da Saúde. A ministra foi demitida pelo presidente Nicolás Maduro dois dias depois de divulgar essas estatísticas.
A organização católica Caritas revelou que 11,4% das crianças menores de 5 anos sofrem de desnutrição moderada ou grave e 48% estão “sob risco” de passar fome. Os manifestantes que nas últimas semanas vêm marchando nas ruas contra Maduro gritam “Estamos morrendo de fome” e a tropa de choque da polícia os ataca com canhões de água e gás lacrimogêneo.
Em recente pesquisa feita pelas melhores universidades do país com 6.500 famílias venezuelanas, 75% dos adultos disseram que perderam peso em 2016 – 8,5 quilos, em média. Esse emagrecimento coletivo é ironicamente chamado de “Dieta Maduro”, um nível de fome quase inédito fora de zonas de guerra ou de áreas devastadas por furacões, secas e pragas.
Raízes. Os economistas apontam que o desastre da Venezuela é obra dos homens – resultado da nacionalização das propriedades rurais, das distorções monetárias e do controle governamental sobre a distribuição de alimentos. Enquanto milhões de venezuelanos não têm o que comer, as autoridades se recusam a permitir que órgãos de ajuda internacional enviem alimentos.
“Não é apenas a nacionalização da terra”, disse Carlos Machado, especialista em agricultura venezuelana. “O governo decidiu ser o produtor, o processador e o distribuidor de alimentos, então, toda a cadeia de produção alimentícia sofre com uma burocracia ineficiente”.
Com a queda da produção industrial, os agricultores são obrigados a importar ração, fertilizantes e peças de reposição, mas não podem fazê-lo sem uma moeda forte. O governo acumula os dólares que ganha com as exportações de petróleo para pagar empréstimos a juros altos, tomados junto a credores estrangeiros.
Escobar afirma que, para manter a operação em funcionamento, precisa importar 400 toneladas de ração de alta proteína a cada três meses, mas consegue apenas 100 toneladas. Então, como muitos outros produtores, ele recorre ao mercado negro. Assim, só tem dinheiro para comprar uma ração mais barata e menos nutritiva.
Os suínos de Escobar também estão mais magros. Há dois anos, um porco inteiro pesava, em média, 110 quilos, disse ele. “Agora, pesa 80”. No ano passado, ele perdeu 2 mil porcos em três meses, pois os animais ficaram doentes e ele não conseguiu encontrar vacinas.
Balança. Há muito tempo, a Venezuela depende da importação de certos alimentos, como o trigo, que não pode ser cultivado em larga escala no clima tropical do país. Quando os preços do petróleo estavam altos, não havia muito problema. Mas agora a variedade venezuelana do petróleo vale apenas US$ 40 por barril, e a produção petrolífera atingiu seu ponto mais baixo em 23 anos, em parte porque as refinarias e os gasodutos estão quebrando e porque falta investimento em infraestrutura.
O governo não publica dados agrícolas há anos. Mas Machado, especialista no setor, disse que a média das importações anuais de alimentos ficou em cerca de US$ 75 por pessoa até 2004 e subiu muito depois que Hugo Chávez acelerou a nacionalização das terras, chegando a tomar mais de 4 milhões de hectares. O governo também expropriou fábricas, e a produção de alimentos despencou.
Até 2012, as importações de alimentos per capita aumentaram para US$ 370. Mas, desde então, os preços do petróleo sofreram uma queda, e as importações caíram em 73%. Em vez de estimular o crescimento da agricultura doméstica, o governo a estrangulou, dizem os agricultores. A produção doméstica de arroz, milho e café diminuiu em mais de 60% na última década, segundo a Confederação de Associações de Fazendeiros da Venezuela (Fedeagro).
Contraste. Uma pequena minoria de venezuelanos ricos consegue comprar comida o suficiente no mercado negro, onde meio quilo de arroz importado do Brasil ou da Colômbia chega a custar 6 mil bolívares. Isso equivale a cerca de US$ 1 na taxa de câmbio do mercado negro. Para um trabalhador venezuelano comum é o salário de um dia inteiro de trabalho.
Os venezuelanos que não têm acesso a moeda forte dependem de mantimentos subsidiados e distribuídos por grupos pró-Maduro, ou então precisam esperar nas longas filas de supermercado para comprar itens racionados e com preços controlados. De acordo com Vicente Carrillo, ex-presidente da Associação de Pecuaristas da Venezuela, nos últimos cinco anos o rebanho do país caiu de 13 milhões de cabeças para cerca de 8 milhões.
Escobar, o produtor de frangos e porcos, disse que hoje a única maneira de os agricultores permanecerem no negócio é violar a lei e vender a preços de mercado. “Se eu vendesse a preços regulados, não conseguiria comprar nem um quilo de ração de frango”, disse ele.
Quando não é o medo do governo, são gangues que tiram o sono de Escobar. Desde que um de seus caminhões de entrega foi roubado em dezembro, ele foi forçado a fazer pagamentos de “proteção” a um chefe mafioso que opera em uma prisão local. Toda sexta-feira, três motocicletas param na fazenda para pegar o dinheiro, disse ele. Chamar a polícia só aumentaria o perigo.