A Comissão Europeia propôs impor sanções econômicas contra o patriarca Kiril, chefe da Igreja Ortodoxa russa e aliado do presidente Vladimir Putin, revelaram fontes diplomáticas europeias na quarta-feira, 4.
A sanção, que implicaria o congelamento de bens e a proibição de viagens, ainda precisa do apoio dos Estados do bloco para ser adotada, mas demonstra como o líder religioso vem sendo notado pelo Ocidente no contexto da guerra na Ucrânia.
O papel de Kiril na validação da narrativa do Kremlin sobre o que Moscou classifica como “operação militar especial” tem sido alvo de contestação. Na cobrança pública mais recente ao líder religioso, o papa Francisco pediu que o patriarca ortodoxo não se tornasse o “menino do altar” de Putin durante uma entrevista ao jornal italiano Corriere Della Sera. A declaração provocou uma reação da Igreja Ortodoxa russa, que repreendeu Francisco pelo “tom” adotado pelo papa.
Líder dos cristão ortodoxos russos desde 2009, Kiril vem colocando sua igreja a serviço do presidente Vladimir Putin, com quem compartilha a ambição de uma Rússia conservadora e forte. Há anos o líder religioso, de 75 anos, não hesita em aparecer benzendo armas e mísseis, nem em justificar a repressão da oposição e dos veículos de comunicação independentes.
Em 27 de fevereiro, três dias após o inicio das hostilidades de Moscou contra Kiev, Kirill classificou como “forças do mal” os críticos das ambições russas no país vizinho. Em abril, convocou os russos a “ficarem unidos” para combater os “inimigos exteriores e internos”.
Sucessor do patriarca Alexis, um dos responsáveis pela reconstrução da Igreja Ortodoxa russa após a queda da União Soviética, Kiril tem transformado a ortodoxia russa em uma verdadeira maquina político-religiosa a serviço do Kremlin.
Em 2012, o religioso proclamou que o reinado de Putin é “um milagre de Deus” após a crise pós-soviética dos anos 1990. No mesmo ano, um acontecimento virou símbolo do alinhamento com o Kremlin.
Quatro jovens encapuzados, que faziam parte do grupo punk Pussy Riot, entraram na catedral do Cristo Salvador, a principal de Moscou, para cantar uma canção contra Putin. Três deles foram presos e condenados a severas penas de prisão.
Kirill rejeitou todos os pedidos de misericórdia e denunciou a atitude como “blasfêmia”, e garantiu que “o diabo ria”. Desde então, recorda regularmente que o fiel ortodoxo jamais deve protestar.
Para ele, as grandes manifestações após a prisão do opositor Alexei Navalni em janeiro de 2021 revelaram uma “crise no seio da jovem geração”.
Crítico da homoafetividade, o religioso também é admirador da lei desejada por Vladimir Putin que proíbe “a propaganda da homossexualidade aos menores” -- texto considerado por inúmeras ONGs como instrumento de validação da homofobia.
Caso as sanções europeias sejam confirmadas contra o patriarca, ele seria equiparado a uma lista de indesejáveis que inclui centenas de militares e empresários próximos ao Kremlin, que a União Europeia acusa de apoiar o conflito armado.
Diplomatas da UE devem se reunir nesta semana para discutir a sanção, que faz parte de um pacote mais amplo proposto pela Comissão Europeia na quarta, incluindo um embargo ao petróleo russo e restrições a bancos do país.
Uma primeira reunião de enviados da UE na quarta-feira terminou sem um acordo, principalmente por causa das críticas discordância de alguns países relacionadas à proibição do petróleo.
Trajetória suspeita
Diferente de seu avô, um sacerdote vítima da repressão stalinista na União Soviética, Kiril -- cujo nome civil é Vladimir Gundiaiev -- encontrou seu lugar na Igreja Ortodoxa durante a era soviética, submetida ao regime.
Em 1965, aos 19 anos, entrou no seminário de sua cidade natal em Leningrado (hoje São Petersburgo) e se tornou monge quatro anos depois. Ascendeu ao primeiro posto diplomático em 1971 e em 1989 comandou o departamento de Relações Exteriores, semelhante ao ministério de Assuntos Exteriores.
A trajetória tem alimentado suspeitas de relações próximas com a KGB. Os serviços secretos na época se apoiavam na instituição eclesiástica para espionar os fiéis./ REUTERS e AFP