Reticência da Alemanha em agir na crise entre Rússia e Ucrânia preocupa aliados


Aliados da Alemanha começam a questionar qual preço o país está preparado para pagar para dissuadir os russos e até sua confiabilidade como aliado, enquanto Berlim hesita em relação a medidas duras

Por Katrin Bennhold

BERLIM - Os Estados Unidos e seus aliados da Otan estão se mobilizando para reforçar seus compromissos militares no Báltico e no Leste Europeu à medida que o impasse entre Rússia e Ucrânia se aprofunda. 

A Dinamarca está enviando caças para a Lituânia e uma fragata ao Mar Báltico. A França ofereceu-se para enviar tropas para a Romênia. A Espanha está enviando uma fragata para o Mar Negro. O presidente americano, Joe Biden, colocou milhares de soldados em “alerta máximo”. 

E então vem a Alemanha. Nos dias recentes, a Alemanha - a maior e mais rica democracia da Europa, estrategicamente situada no cruzamento entre o Oriente e o Ocidente - sobressaiu-se mais pelo que não fez do que pelo que está fazendo. 

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Soldado ucraniano perto de área controlada por rebeldes em Donetsk; crise eleva tensão com EUA Foto: Andriy Dubchak/AP

Nenhum país europeu é mais importante para a unidade europeia e para a aliança ocidental. Mas enquanto a Alemanha luta para superar sua hesitação pós-2.ª Guerra para liderar em questões de segurança na Europa e deixa de lado seu instinto - para acomodar em vez de confrontar a Rússia - o país mais decisivo da Europa enreda-se no primeiro teste crucial para o governo de seu novo chanceler, Olaf Scholz.

A evidente relutância da Alemanha em adotar a força alimentou dúvidas a respeito de sua confiabilidade enquanto aliada - revertendo a dinâmica com os EUA em anos recentes - e acrescentou preocupações de que Moscou poderia usar a hesitação alemã como um limite para fragmentar uma resposta unificada da Europa em relação a qualquer agressão russa. 

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O presidente Biden realizou uma videochamada com líderes europeus na noite da segunda-feira, afirmou que a conferência foi “muito, muito, muito” bem e, de antemão, o chanceler Scholz reiterou que a Rússia sofreria “custos elevados” no caso de uma intervenção militar. Mas aos aliados da Alemanha ainda resta a dúvida sobre que custo o país está preparado para suportar para confrontar uma possível agressão russa. 

“Dentro da União Europeia, a Alemanha é crucial para atingir unidade”, afirmou Norbert Röttgen, legislador veterano e conservador, que defende uma política externa alemã mais muscular. “O objetivo de Putin é dividir os europeus; e então dividir a Europa; e então os EUA. Se prevalecer a impressão de que a Alemanha não está completamente comprometida com uma resposta forte da Otan, ele terá obtido sucesso em paralisar a Europa e dividir a aliança.” 

Enquanto a Rússia realizava exercícios militares próximo à fronteira ucraniana, na terça-feira, Scholz reuniu-se com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Berlim, alertando Moscou que “uma agressão militar que coloque em questão a integridade territorial da Ucrânia teria consequências graves”. 

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Mas o governo alemão não apenas descartou qualquer exportação de armas à Ucrânia, mas está também segurando o envio de nove obuses da era comunista da Estônia para a Ucrânia. 

Scholz e outros graduados social-democratas de seu governo e partido têm sido vagos a respeito do possível fechamento do controvertido gasoduto submarino Nord Stream 2, entre Rússia e Alemanha, compor parte do arsenal de possíveis sanções contra Moscou, insistindo que o empreendimento é um “projeto do setor privado”, “separado” da Ucrânia.

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Friedrich Merz - designado como novo líder do partido conservador de Angela Merkel, de oposição - alertou, enquanto isso, contra a exclusão dos bancos russos da rede de pagamentos Swift, que realiza transações financeiras internacionais, porque isso “prejudicaria" interesses econômicos da Alemanha. 

A obscura posição alemã é especialmente inquietante para a Ucrânia e alguns vizinhos ao leste da Alemanha. O ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, acusou Berlim de “encorajar" efetivamente a agressão russa. Outros não foram menos contundentes. 

“Berlim está cometendo um grande erro estratégico e colocando sua reputação em risco”, afirmou à emissora pública LRT Laurynas Kasciunas, presidente do comitê de segurança nacional do Parlamento da Lituânia. 

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Artis Pabriks, ministro da Defesa da Letônia, afirmou esses dias que a dissuasão alemã “não está enviando armas à Ucrânia, mas um hospital de campanha”. 

A tensão na aliança ficou evidente no fim de semana passado, quando o comandante da Marinha alemã afirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, merece “respeito” e que a Crimeia “jamais” seria devolvida à Ucrânia. O vice-almirante Kay-Achim Schönbach demitiu-se, mas a crítica foi brusca e emocional. 

“Essa atitude condescendente recorda os ucranianos inconscientemente dos horrores da ocupação nazista, quando os ucranianos foram tratados como sub-humanos”, afirmou Andriy Melnyk, embaixador ucraniano na Alemanha.  

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Washington tem mostrado dificuldade em expressar publicamente sua confiança em Berlim, enquanto pressiona privadamente Scholz a adotar uma posição mais dura. 

O visceral debate sobre onde se colocam precisamente as lealdades da Alemanha não é novo. As relações entre Rússia e Alemanha forjaram-se em séculos de intercâmbio comercial e cultural, mas também por duas Guerras Mundiais. A Guerra Fria acrescentou ainda outra camada de complexidade: a Alemanha Ocidental foi integrada firmemente à aliança do Ocidente, enquanto a Alemanha Oriental viveu sob ocupação da União Soviética.  

“Por que vemos a Rússia de maneira diferente que os americanos? Por causa da história”, afirmou Matthias Platzeck, presidente do Fórum Russo-Alemão e ex-presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha, de Scholz. “Alemanha e Rússia estão ligadas há mil anos. A maior czarina russa foi Catarina, a Grande, uma alemã que incidentalmente fez da Crimeia parte da Rússia.”

“Nós atacamos a Rússia duas vezes, e da segunda vez foi uma guerra genocida”, acrescentou ele. “Vinte e sete milhões de soviéticos morreram, 15 milhões de russos entre eles.” 

Isso não significa que a Alemanha fracassou em se impor diante da Rússia nos anos recentes. A Alemanha comanda uma unidade de batalha multinacional da Otan instalada na Lituânia e ajuda a monitorar o espaço aéreo do Báltico em relação a interferências russas. Berlim planeja enviar caças à Romênia no próximo mês para fazer o mesmo. (E sim, também está enviando um hospital de campanha a Kiev no próximo mês.)

Em 2014, quando Putin invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia, foi Merkel que reuniu países vizinhos do Oriente e do Ocidente para apoiar sanções duras contra a Rússia. 

Mas a mudança de liderança na Alemanha, após 16 anos de Merkel, colocou no poder um governo dividido em relação a quão duro seu país deve ser em relação à Rússia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

BERLIM - Os Estados Unidos e seus aliados da Otan estão se mobilizando para reforçar seus compromissos militares no Báltico e no Leste Europeu à medida que o impasse entre Rússia e Ucrânia se aprofunda. 

A Dinamarca está enviando caças para a Lituânia e uma fragata ao Mar Báltico. A França ofereceu-se para enviar tropas para a Romênia. A Espanha está enviando uma fragata para o Mar Negro. O presidente americano, Joe Biden, colocou milhares de soldados em “alerta máximo”. 

E então vem a Alemanha. Nos dias recentes, a Alemanha - a maior e mais rica democracia da Europa, estrategicamente situada no cruzamento entre o Oriente e o Ocidente - sobressaiu-se mais pelo que não fez do que pelo que está fazendo. 

Soldado ucraniano perto de área controlada por rebeldes em Donetsk; crise eleva tensão com EUA Foto: Andriy Dubchak/AP

Nenhum país europeu é mais importante para a unidade europeia e para a aliança ocidental. Mas enquanto a Alemanha luta para superar sua hesitação pós-2.ª Guerra para liderar em questões de segurança na Europa e deixa de lado seu instinto - para acomodar em vez de confrontar a Rússia - o país mais decisivo da Europa enreda-se no primeiro teste crucial para o governo de seu novo chanceler, Olaf Scholz.

A evidente relutância da Alemanha em adotar a força alimentou dúvidas a respeito de sua confiabilidade enquanto aliada - revertendo a dinâmica com os EUA em anos recentes - e acrescentou preocupações de que Moscou poderia usar a hesitação alemã como um limite para fragmentar uma resposta unificada da Europa em relação a qualquer agressão russa. 

O presidente Biden realizou uma videochamada com líderes europeus na noite da segunda-feira, afirmou que a conferência foi “muito, muito, muito” bem e, de antemão, o chanceler Scholz reiterou que a Rússia sofreria “custos elevados” no caso de uma intervenção militar. Mas aos aliados da Alemanha ainda resta a dúvida sobre que custo o país está preparado para suportar para confrontar uma possível agressão russa. 

“Dentro da União Europeia, a Alemanha é crucial para atingir unidade”, afirmou Norbert Röttgen, legislador veterano e conservador, que defende uma política externa alemã mais muscular. “O objetivo de Putin é dividir os europeus; e então dividir a Europa; e então os EUA. Se prevalecer a impressão de que a Alemanha não está completamente comprometida com uma resposta forte da Otan, ele terá obtido sucesso em paralisar a Europa e dividir a aliança.” 

Enquanto a Rússia realizava exercícios militares próximo à fronteira ucraniana, na terça-feira, Scholz reuniu-se com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Berlim, alertando Moscou que “uma agressão militar que coloque em questão a integridade territorial da Ucrânia teria consequências graves”. 

Mas o governo alemão não apenas descartou qualquer exportação de armas à Ucrânia, mas está também segurando o envio de nove obuses da era comunista da Estônia para a Ucrânia. 

Scholz e outros graduados social-democratas de seu governo e partido têm sido vagos a respeito do possível fechamento do controvertido gasoduto submarino Nord Stream 2, entre Rússia e Alemanha, compor parte do arsenal de possíveis sanções contra Moscou, insistindo que o empreendimento é um “projeto do setor privado”, “separado” da Ucrânia.

Friedrich Merz - designado como novo líder do partido conservador de Angela Merkel, de oposição - alertou, enquanto isso, contra a exclusão dos bancos russos da rede de pagamentos Swift, que realiza transações financeiras internacionais, porque isso “prejudicaria" interesses econômicos da Alemanha. 

A obscura posição alemã é especialmente inquietante para a Ucrânia e alguns vizinhos ao leste da Alemanha. O ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, acusou Berlim de “encorajar" efetivamente a agressão russa. Outros não foram menos contundentes. 

“Berlim está cometendo um grande erro estratégico e colocando sua reputação em risco”, afirmou à emissora pública LRT Laurynas Kasciunas, presidente do comitê de segurança nacional do Parlamento da Lituânia. 

Artis Pabriks, ministro da Defesa da Letônia, afirmou esses dias que a dissuasão alemã “não está enviando armas à Ucrânia, mas um hospital de campanha”. 

A tensão na aliança ficou evidente no fim de semana passado, quando o comandante da Marinha alemã afirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, merece “respeito” e que a Crimeia “jamais” seria devolvida à Ucrânia. O vice-almirante Kay-Achim Schönbach demitiu-se, mas a crítica foi brusca e emocional. 

“Essa atitude condescendente recorda os ucranianos inconscientemente dos horrores da ocupação nazista, quando os ucranianos foram tratados como sub-humanos”, afirmou Andriy Melnyk, embaixador ucraniano na Alemanha.  

Washington tem mostrado dificuldade em expressar publicamente sua confiança em Berlim, enquanto pressiona privadamente Scholz a adotar uma posição mais dura. 

O visceral debate sobre onde se colocam precisamente as lealdades da Alemanha não é novo. As relações entre Rússia e Alemanha forjaram-se em séculos de intercâmbio comercial e cultural, mas também por duas Guerras Mundiais. A Guerra Fria acrescentou ainda outra camada de complexidade: a Alemanha Ocidental foi integrada firmemente à aliança do Ocidente, enquanto a Alemanha Oriental viveu sob ocupação da União Soviética.  

“Por que vemos a Rússia de maneira diferente que os americanos? Por causa da história”, afirmou Matthias Platzeck, presidente do Fórum Russo-Alemão e ex-presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha, de Scholz. “Alemanha e Rússia estão ligadas há mil anos. A maior czarina russa foi Catarina, a Grande, uma alemã que incidentalmente fez da Crimeia parte da Rússia.”

“Nós atacamos a Rússia duas vezes, e da segunda vez foi uma guerra genocida”, acrescentou ele. “Vinte e sete milhões de soviéticos morreram, 15 milhões de russos entre eles.” 

Isso não significa que a Alemanha fracassou em se impor diante da Rússia nos anos recentes. A Alemanha comanda uma unidade de batalha multinacional da Otan instalada na Lituânia e ajuda a monitorar o espaço aéreo do Báltico em relação a interferências russas. Berlim planeja enviar caças à Romênia no próximo mês para fazer o mesmo. (E sim, também está enviando um hospital de campanha a Kiev no próximo mês.)

Em 2014, quando Putin invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia, foi Merkel que reuniu países vizinhos do Oriente e do Ocidente para apoiar sanções duras contra a Rússia. 

Mas a mudança de liderança na Alemanha, após 16 anos de Merkel, colocou no poder um governo dividido em relação a quão duro seu país deve ser em relação à Rússia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

BERLIM - Os Estados Unidos e seus aliados da Otan estão se mobilizando para reforçar seus compromissos militares no Báltico e no Leste Europeu à medida que o impasse entre Rússia e Ucrânia se aprofunda. 

A Dinamarca está enviando caças para a Lituânia e uma fragata ao Mar Báltico. A França ofereceu-se para enviar tropas para a Romênia. A Espanha está enviando uma fragata para o Mar Negro. O presidente americano, Joe Biden, colocou milhares de soldados em “alerta máximo”. 

E então vem a Alemanha. Nos dias recentes, a Alemanha - a maior e mais rica democracia da Europa, estrategicamente situada no cruzamento entre o Oriente e o Ocidente - sobressaiu-se mais pelo que não fez do que pelo que está fazendo. 

Soldado ucraniano perto de área controlada por rebeldes em Donetsk; crise eleva tensão com EUA Foto: Andriy Dubchak/AP

Nenhum país europeu é mais importante para a unidade europeia e para a aliança ocidental. Mas enquanto a Alemanha luta para superar sua hesitação pós-2.ª Guerra para liderar em questões de segurança na Europa e deixa de lado seu instinto - para acomodar em vez de confrontar a Rússia - o país mais decisivo da Europa enreda-se no primeiro teste crucial para o governo de seu novo chanceler, Olaf Scholz.

A evidente relutância da Alemanha em adotar a força alimentou dúvidas a respeito de sua confiabilidade enquanto aliada - revertendo a dinâmica com os EUA em anos recentes - e acrescentou preocupações de que Moscou poderia usar a hesitação alemã como um limite para fragmentar uma resposta unificada da Europa em relação a qualquer agressão russa. 

O presidente Biden realizou uma videochamada com líderes europeus na noite da segunda-feira, afirmou que a conferência foi “muito, muito, muito” bem e, de antemão, o chanceler Scholz reiterou que a Rússia sofreria “custos elevados” no caso de uma intervenção militar. Mas aos aliados da Alemanha ainda resta a dúvida sobre que custo o país está preparado para suportar para confrontar uma possível agressão russa. 

“Dentro da União Europeia, a Alemanha é crucial para atingir unidade”, afirmou Norbert Röttgen, legislador veterano e conservador, que defende uma política externa alemã mais muscular. “O objetivo de Putin é dividir os europeus; e então dividir a Europa; e então os EUA. Se prevalecer a impressão de que a Alemanha não está completamente comprometida com uma resposta forte da Otan, ele terá obtido sucesso em paralisar a Europa e dividir a aliança.” 

Enquanto a Rússia realizava exercícios militares próximo à fronteira ucraniana, na terça-feira, Scholz reuniu-se com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Berlim, alertando Moscou que “uma agressão militar que coloque em questão a integridade territorial da Ucrânia teria consequências graves”. 

Mas o governo alemão não apenas descartou qualquer exportação de armas à Ucrânia, mas está também segurando o envio de nove obuses da era comunista da Estônia para a Ucrânia. 

Scholz e outros graduados social-democratas de seu governo e partido têm sido vagos a respeito do possível fechamento do controvertido gasoduto submarino Nord Stream 2, entre Rússia e Alemanha, compor parte do arsenal de possíveis sanções contra Moscou, insistindo que o empreendimento é um “projeto do setor privado”, “separado” da Ucrânia.

Friedrich Merz - designado como novo líder do partido conservador de Angela Merkel, de oposição - alertou, enquanto isso, contra a exclusão dos bancos russos da rede de pagamentos Swift, que realiza transações financeiras internacionais, porque isso “prejudicaria" interesses econômicos da Alemanha. 

A obscura posição alemã é especialmente inquietante para a Ucrânia e alguns vizinhos ao leste da Alemanha. O ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, acusou Berlim de “encorajar" efetivamente a agressão russa. Outros não foram menos contundentes. 

“Berlim está cometendo um grande erro estratégico e colocando sua reputação em risco”, afirmou à emissora pública LRT Laurynas Kasciunas, presidente do comitê de segurança nacional do Parlamento da Lituânia. 

Artis Pabriks, ministro da Defesa da Letônia, afirmou esses dias que a dissuasão alemã “não está enviando armas à Ucrânia, mas um hospital de campanha”. 

A tensão na aliança ficou evidente no fim de semana passado, quando o comandante da Marinha alemã afirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, merece “respeito” e que a Crimeia “jamais” seria devolvida à Ucrânia. O vice-almirante Kay-Achim Schönbach demitiu-se, mas a crítica foi brusca e emocional. 

“Essa atitude condescendente recorda os ucranianos inconscientemente dos horrores da ocupação nazista, quando os ucranianos foram tratados como sub-humanos”, afirmou Andriy Melnyk, embaixador ucraniano na Alemanha.  

Washington tem mostrado dificuldade em expressar publicamente sua confiança em Berlim, enquanto pressiona privadamente Scholz a adotar uma posição mais dura. 

O visceral debate sobre onde se colocam precisamente as lealdades da Alemanha não é novo. As relações entre Rússia e Alemanha forjaram-se em séculos de intercâmbio comercial e cultural, mas também por duas Guerras Mundiais. A Guerra Fria acrescentou ainda outra camada de complexidade: a Alemanha Ocidental foi integrada firmemente à aliança do Ocidente, enquanto a Alemanha Oriental viveu sob ocupação da União Soviética.  

“Por que vemos a Rússia de maneira diferente que os americanos? Por causa da história”, afirmou Matthias Platzeck, presidente do Fórum Russo-Alemão e ex-presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha, de Scholz. “Alemanha e Rússia estão ligadas há mil anos. A maior czarina russa foi Catarina, a Grande, uma alemã que incidentalmente fez da Crimeia parte da Rússia.”

“Nós atacamos a Rússia duas vezes, e da segunda vez foi uma guerra genocida”, acrescentou ele. “Vinte e sete milhões de soviéticos morreram, 15 milhões de russos entre eles.” 

Isso não significa que a Alemanha fracassou em se impor diante da Rússia nos anos recentes. A Alemanha comanda uma unidade de batalha multinacional da Otan instalada na Lituânia e ajuda a monitorar o espaço aéreo do Báltico em relação a interferências russas. Berlim planeja enviar caças à Romênia no próximo mês para fazer o mesmo. (E sim, também está enviando um hospital de campanha a Kiev no próximo mês.)

Em 2014, quando Putin invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia, foi Merkel que reuniu países vizinhos do Oriente e do Ocidente para apoiar sanções duras contra a Rússia. 

Mas a mudança de liderança na Alemanha, após 16 anos de Merkel, colocou no poder um governo dividido em relação a quão duro seu país deve ser em relação à Rússia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

BERLIM - Os Estados Unidos e seus aliados da Otan estão se mobilizando para reforçar seus compromissos militares no Báltico e no Leste Europeu à medida que o impasse entre Rússia e Ucrânia se aprofunda. 

A Dinamarca está enviando caças para a Lituânia e uma fragata ao Mar Báltico. A França ofereceu-se para enviar tropas para a Romênia. A Espanha está enviando uma fragata para o Mar Negro. O presidente americano, Joe Biden, colocou milhares de soldados em “alerta máximo”. 

E então vem a Alemanha. Nos dias recentes, a Alemanha - a maior e mais rica democracia da Europa, estrategicamente situada no cruzamento entre o Oriente e o Ocidente - sobressaiu-se mais pelo que não fez do que pelo que está fazendo. 

Soldado ucraniano perto de área controlada por rebeldes em Donetsk; crise eleva tensão com EUA Foto: Andriy Dubchak/AP

Nenhum país europeu é mais importante para a unidade europeia e para a aliança ocidental. Mas enquanto a Alemanha luta para superar sua hesitação pós-2.ª Guerra para liderar em questões de segurança na Europa e deixa de lado seu instinto - para acomodar em vez de confrontar a Rússia - o país mais decisivo da Europa enreda-se no primeiro teste crucial para o governo de seu novo chanceler, Olaf Scholz.

A evidente relutância da Alemanha em adotar a força alimentou dúvidas a respeito de sua confiabilidade enquanto aliada - revertendo a dinâmica com os EUA em anos recentes - e acrescentou preocupações de que Moscou poderia usar a hesitação alemã como um limite para fragmentar uma resposta unificada da Europa em relação a qualquer agressão russa. 

O presidente Biden realizou uma videochamada com líderes europeus na noite da segunda-feira, afirmou que a conferência foi “muito, muito, muito” bem e, de antemão, o chanceler Scholz reiterou que a Rússia sofreria “custos elevados” no caso de uma intervenção militar. Mas aos aliados da Alemanha ainda resta a dúvida sobre que custo o país está preparado para suportar para confrontar uma possível agressão russa. 

“Dentro da União Europeia, a Alemanha é crucial para atingir unidade”, afirmou Norbert Röttgen, legislador veterano e conservador, que defende uma política externa alemã mais muscular. “O objetivo de Putin é dividir os europeus; e então dividir a Europa; e então os EUA. Se prevalecer a impressão de que a Alemanha não está completamente comprometida com uma resposta forte da Otan, ele terá obtido sucesso em paralisar a Europa e dividir a aliança.” 

Enquanto a Rússia realizava exercícios militares próximo à fronteira ucraniana, na terça-feira, Scholz reuniu-se com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Berlim, alertando Moscou que “uma agressão militar que coloque em questão a integridade territorial da Ucrânia teria consequências graves”. 

Mas o governo alemão não apenas descartou qualquer exportação de armas à Ucrânia, mas está também segurando o envio de nove obuses da era comunista da Estônia para a Ucrânia. 

Scholz e outros graduados social-democratas de seu governo e partido têm sido vagos a respeito do possível fechamento do controvertido gasoduto submarino Nord Stream 2, entre Rússia e Alemanha, compor parte do arsenal de possíveis sanções contra Moscou, insistindo que o empreendimento é um “projeto do setor privado”, “separado” da Ucrânia.

Friedrich Merz - designado como novo líder do partido conservador de Angela Merkel, de oposição - alertou, enquanto isso, contra a exclusão dos bancos russos da rede de pagamentos Swift, que realiza transações financeiras internacionais, porque isso “prejudicaria" interesses econômicos da Alemanha. 

A obscura posição alemã é especialmente inquietante para a Ucrânia e alguns vizinhos ao leste da Alemanha. O ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, acusou Berlim de “encorajar" efetivamente a agressão russa. Outros não foram menos contundentes. 

“Berlim está cometendo um grande erro estratégico e colocando sua reputação em risco”, afirmou à emissora pública LRT Laurynas Kasciunas, presidente do comitê de segurança nacional do Parlamento da Lituânia. 

Artis Pabriks, ministro da Defesa da Letônia, afirmou esses dias que a dissuasão alemã “não está enviando armas à Ucrânia, mas um hospital de campanha”. 

A tensão na aliança ficou evidente no fim de semana passado, quando o comandante da Marinha alemã afirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, merece “respeito” e que a Crimeia “jamais” seria devolvida à Ucrânia. O vice-almirante Kay-Achim Schönbach demitiu-se, mas a crítica foi brusca e emocional. 

“Essa atitude condescendente recorda os ucranianos inconscientemente dos horrores da ocupação nazista, quando os ucranianos foram tratados como sub-humanos”, afirmou Andriy Melnyk, embaixador ucraniano na Alemanha.  

Washington tem mostrado dificuldade em expressar publicamente sua confiança em Berlim, enquanto pressiona privadamente Scholz a adotar uma posição mais dura. 

O visceral debate sobre onde se colocam precisamente as lealdades da Alemanha não é novo. As relações entre Rússia e Alemanha forjaram-se em séculos de intercâmbio comercial e cultural, mas também por duas Guerras Mundiais. A Guerra Fria acrescentou ainda outra camada de complexidade: a Alemanha Ocidental foi integrada firmemente à aliança do Ocidente, enquanto a Alemanha Oriental viveu sob ocupação da União Soviética.  

“Por que vemos a Rússia de maneira diferente que os americanos? Por causa da história”, afirmou Matthias Platzeck, presidente do Fórum Russo-Alemão e ex-presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha, de Scholz. “Alemanha e Rússia estão ligadas há mil anos. A maior czarina russa foi Catarina, a Grande, uma alemã que incidentalmente fez da Crimeia parte da Rússia.”

“Nós atacamos a Rússia duas vezes, e da segunda vez foi uma guerra genocida”, acrescentou ele. “Vinte e sete milhões de soviéticos morreram, 15 milhões de russos entre eles.” 

Isso não significa que a Alemanha fracassou em se impor diante da Rússia nos anos recentes. A Alemanha comanda uma unidade de batalha multinacional da Otan instalada na Lituânia e ajuda a monitorar o espaço aéreo do Báltico em relação a interferências russas. Berlim planeja enviar caças à Romênia no próximo mês para fazer o mesmo. (E sim, também está enviando um hospital de campanha a Kiev no próximo mês.)

Em 2014, quando Putin invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia, foi Merkel que reuniu países vizinhos do Oriente e do Ocidente para apoiar sanções duras contra a Rússia. 

Mas a mudança de liderança na Alemanha, após 16 anos de Merkel, colocou no poder um governo dividido em relação a quão duro seu país deve ser em relação à Rússia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

BERLIM - Os Estados Unidos e seus aliados da Otan estão se mobilizando para reforçar seus compromissos militares no Báltico e no Leste Europeu à medida que o impasse entre Rússia e Ucrânia se aprofunda. 

A Dinamarca está enviando caças para a Lituânia e uma fragata ao Mar Báltico. A França ofereceu-se para enviar tropas para a Romênia. A Espanha está enviando uma fragata para o Mar Negro. O presidente americano, Joe Biden, colocou milhares de soldados em “alerta máximo”. 

E então vem a Alemanha. Nos dias recentes, a Alemanha - a maior e mais rica democracia da Europa, estrategicamente situada no cruzamento entre o Oriente e o Ocidente - sobressaiu-se mais pelo que não fez do que pelo que está fazendo. 

Soldado ucraniano perto de área controlada por rebeldes em Donetsk; crise eleva tensão com EUA Foto: Andriy Dubchak/AP

Nenhum país europeu é mais importante para a unidade europeia e para a aliança ocidental. Mas enquanto a Alemanha luta para superar sua hesitação pós-2.ª Guerra para liderar em questões de segurança na Europa e deixa de lado seu instinto - para acomodar em vez de confrontar a Rússia - o país mais decisivo da Europa enreda-se no primeiro teste crucial para o governo de seu novo chanceler, Olaf Scholz.

A evidente relutância da Alemanha em adotar a força alimentou dúvidas a respeito de sua confiabilidade enquanto aliada - revertendo a dinâmica com os EUA em anos recentes - e acrescentou preocupações de que Moscou poderia usar a hesitação alemã como um limite para fragmentar uma resposta unificada da Europa em relação a qualquer agressão russa. 

O presidente Biden realizou uma videochamada com líderes europeus na noite da segunda-feira, afirmou que a conferência foi “muito, muito, muito” bem e, de antemão, o chanceler Scholz reiterou que a Rússia sofreria “custos elevados” no caso de uma intervenção militar. Mas aos aliados da Alemanha ainda resta a dúvida sobre que custo o país está preparado para suportar para confrontar uma possível agressão russa. 

“Dentro da União Europeia, a Alemanha é crucial para atingir unidade”, afirmou Norbert Röttgen, legislador veterano e conservador, que defende uma política externa alemã mais muscular. “O objetivo de Putin é dividir os europeus; e então dividir a Europa; e então os EUA. Se prevalecer a impressão de que a Alemanha não está completamente comprometida com uma resposta forte da Otan, ele terá obtido sucesso em paralisar a Europa e dividir a aliança.” 

Enquanto a Rússia realizava exercícios militares próximo à fronteira ucraniana, na terça-feira, Scholz reuniu-se com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Berlim, alertando Moscou que “uma agressão militar que coloque em questão a integridade territorial da Ucrânia teria consequências graves”. 

Mas o governo alemão não apenas descartou qualquer exportação de armas à Ucrânia, mas está também segurando o envio de nove obuses da era comunista da Estônia para a Ucrânia. 

Scholz e outros graduados social-democratas de seu governo e partido têm sido vagos a respeito do possível fechamento do controvertido gasoduto submarino Nord Stream 2, entre Rússia e Alemanha, compor parte do arsenal de possíveis sanções contra Moscou, insistindo que o empreendimento é um “projeto do setor privado”, “separado” da Ucrânia.

Friedrich Merz - designado como novo líder do partido conservador de Angela Merkel, de oposição - alertou, enquanto isso, contra a exclusão dos bancos russos da rede de pagamentos Swift, que realiza transações financeiras internacionais, porque isso “prejudicaria" interesses econômicos da Alemanha. 

A obscura posição alemã é especialmente inquietante para a Ucrânia e alguns vizinhos ao leste da Alemanha. O ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, acusou Berlim de “encorajar" efetivamente a agressão russa. Outros não foram menos contundentes. 

“Berlim está cometendo um grande erro estratégico e colocando sua reputação em risco”, afirmou à emissora pública LRT Laurynas Kasciunas, presidente do comitê de segurança nacional do Parlamento da Lituânia. 

Artis Pabriks, ministro da Defesa da Letônia, afirmou esses dias que a dissuasão alemã “não está enviando armas à Ucrânia, mas um hospital de campanha”. 

A tensão na aliança ficou evidente no fim de semana passado, quando o comandante da Marinha alemã afirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, merece “respeito” e que a Crimeia “jamais” seria devolvida à Ucrânia. O vice-almirante Kay-Achim Schönbach demitiu-se, mas a crítica foi brusca e emocional. 

“Essa atitude condescendente recorda os ucranianos inconscientemente dos horrores da ocupação nazista, quando os ucranianos foram tratados como sub-humanos”, afirmou Andriy Melnyk, embaixador ucraniano na Alemanha.  

Washington tem mostrado dificuldade em expressar publicamente sua confiança em Berlim, enquanto pressiona privadamente Scholz a adotar uma posição mais dura. 

O visceral debate sobre onde se colocam precisamente as lealdades da Alemanha não é novo. As relações entre Rússia e Alemanha forjaram-se em séculos de intercâmbio comercial e cultural, mas também por duas Guerras Mundiais. A Guerra Fria acrescentou ainda outra camada de complexidade: a Alemanha Ocidental foi integrada firmemente à aliança do Ocidente, enquanto a Alemanha Oriental viveu sob ocupação da União Soviética.  

“Por que vemos a Rússia de maneira diferente que os americanos? Por causa da história”, afirmou Matthias Platzeck, presidente do Fórum Russo-Alemão e ex-presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha, de Scholz. “Alemanha e Rússia estão ligadas há mil anos. A maior czarina russa foi Catarina, a Grande, uma alemã que incidentalmente fez da Crimeia parte da Rússia.”

“Nós atacamos a Rússia duas vezes, e da segunda vez foi uma guerra genocida”, acrescentou ele. “Vinte e sete milhões de soviéticos morreram, 15 milhões de russos entre eles.” 

Isso não significa que a Alemanha fracassou em se impor diante da Rússia nos anos recentes. A Alemanha comanda uma unidade de batalha multinacional da Otan instalada na Lituânia e ajuda a monitorar o espaço aéreo do Báltico em relação a interferências russas. Berlim planeja enviar caças à Romênia no próximo mês para fazer o mesmo. (E sim, também está enviando um hospital de campanha a Kiev no próximo mês.)

Em 2014, quando Putin invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia, foi Merkel que reuniu países vizinhos do Oriente e do Ocidente para apoiar sanções duras contra a Rússia. 

Mas a mudança de liderança na Alemanha, após 16 anos de Merkel, colocou no poder um governo dividido em relação a quão duro seu país deve ser em relação à Rússia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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