Como a busca pelas origens da covid-19 se tornou uma nova disputa política entre China e EUA


O governo chinês congelou os esforços nacionais e internacionais significativos para rastrear o vírus desde as primeiras semanas do surto

Por Dake Kang e Maria Cheng

A busca pelas origens da covid-19 está congelada na China, vítima de brigas políticas internas após uma série de tentativas frustradas de encontrar a origem do vírus que matou milhões de pessoas e paralisou o mundo por meses.

O governo chinês congelou os esforços nacionais e internacionais significativos para rastrear o vírus desde as primeiras semanas do surto, apesar das declarações de apoio à investigação científica aberta, segundo apurou a Associated Press. Esse padrão continua até hoje, com laboratórios fechados, colaborações desfeitas, cientistas estrangeiros expulsos e pesquisadores chineses impedidos de deixar o país.

A investigação se baseou em milhares de páginas de e-mails e documentos não divulgados e em dezenas de entrevistas que mostraram que o congelamento começou muito antes do que se imaginava, e envolveu disputas políticas e científicas internas na China, bem como acusações internacionais.

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Já em 6 de janeiro de 2020, as autoridades de saúde de Pequim fecharam o laboratório de um cientista chinês que sequenciou o vírus e impediram os pesquisadores de trabalhar com ele.

Segurança pede que jornalistas se retirem do Instituto de Virologia de Wuhan, na China  Foto: Ng Han Guan/AP

Os cientistas alertam que a falta de investigação em relação às origens do coronavírus deixa o mundo vulnerável a outro surto. O cerne da questão é se o vírus evoluiu de um animal ou veio de um acidente de laboratório. Uma análise da inteligência dos EUA diz que não há evidências suficientes para provar nenhuma das duas teorias, mas o debate prejudicou ainda mais as relações entre os EUA e a China.

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Ao contrário dos EUA, não há praticamente nenhum debate público na China sobre se o vírus veio da natureza ou de um vazamento de laboratório. De fato, há pouca discussão pública sobre a origem da doença, detectada pela primeira vez na cidade central de Wuhan.

Os esforços iniciais foram prejudicados por burocratas em Wuhan que tentaram fugir da responsabilidade e enganaram o governo central. Já o governo central, por sua vez, amordaçou os cientistas chineses e submeteu as visitas de funcionários da OMS a turnês organizadas; e a própria agência de saúde da ONU, que pode ter comprometido as primeiras oportunidades de coletar informações críticas na esperança de que os cientistas pudessem obter mais acesso, de acordo com materiais internos obtidos pela AP.

Em uma declaração enviada por fax, o Ministério das Relações Exteriores da China defendeu a forma como o país lidou com a pesquisa sobre as origens, dizendo que o país é aberto e transparente, compartilhou dados e pesquisas e “fez a maior contribuição para a pesquisa global sobre as origens da covid-19″. A Comissão Nacional de Saúde, principal autoridade médica da China, disse que o país “investiu enormes recursos humanos, materiais e financeiros” e “não parou de procurar as origens do coronavírus”.

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Médicos que vieram de outras cidades chinas para Wuhan participam de uma cerimonia após o fim da missão de emergência na cidade chinesa  Foto: Ng Han Guan/AP

A situação poderia ter se desenrolado de forma diferente, conforme demonstrado pelo surto de SARS, um parente genético da covid-19, há quase 20 anos. Na época, a China inicialmente escondeu as infecções, mas a OMS reclamou rápida e publicamente. Por fim, Pequim demitiu funcionários e fez reformas. A agência das Nações Unidas logo descobriu que a SARS provavelmente passou para os seres humanos a partir de gatos no sul da China e, mais tarde, cientistas internacionais colaboraram com seus colegas chineses para identificar os morcegos como o transmissor natural da SARS.

Mas as diferenças entre líderes da China e da OMS, a busca da China pelo controle de seus pesquisadores e as tensões globais levaram ao silêncio quando se trata de buscar as origens da covid-19. Mesmo sem essas complicações, os especialistas dizem que identificar como os surtos começam é incrivelmente desafiador e que é raro saber com certeza como alguns vírus começam a se espalhar.

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“É preocupante a rapidez com que a busca pelas origens da covid-19 se transformou em política”, disse Mark Woolhouse, especialista em surtos da Universidade de Edimburgo. “Agora, essa pergunta pode nunca ser respondida de forma definitiva.”

Sigilo

O sigilo obscurece o início do surto. Nem mesmo a data em que as autoridades chinesas começaram a procurar as origens é clara.

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A primeira busca pelo vírus conhecida publicamente ocorreu em 31 de dezembro de 2019, quando cientistas do Centro Chinês de Controle de Doenças visitaram o mercado de Wuhan, onde muitos dos primeiros casos de covid-19 surgiram.

Mas autoridades da OMS souberam de uma inspeção anterior ao mercado, em 25 de dezembro de 2019, de acordo com uma gravação de uma reunião confidencial da agência fornecida à AP por um participante. Essa investigação nunca foi mencionada publicamente pelas autoridades chinesas ou pela OMS.

Na gravação, o principal especialista em vírus animais da OMS, Peter Ben Embarek, mencionou a data anterior, descrevendo-a como “um detalhe interessante”. Ele disse aos colegas que as autoridades estavam “analisando o que estava à venda no mercado, se todos os vendedores tinham licenças (e) se havia algum comércio ilegal (de animais selvagens) acontecendo no mercado”.

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Um colega perguntou a Ben Embarek, que não está mais na OMS, se isso parecia incomum. Ele respondeu que “não era rotina” e que os chineses “devem ter tido algum motivo” para investigar o mercado. “Vamos tentar descobrir o que aconteceu e por que eles fizeram isso”.

Ben Embarek se recusou a comentar. Outro funcionário da OMS presente na reunião de Genebra no final de janeiro de 2020 confirmou os comentários de Ben Embarek.

A Associated Press não pôde confirmar a busca de forma independente. Continua sendo um mistério se ela ocorreu, o que os inspetores descobriram ou se eles coletaram amostras de animais vivos que possam indicar como a covid-19 surgiu.

A inspeção de 25 de dezembro de 2019 teria ocorrido quando as autoridades de Wuhan estavam cientes da doença misteriosa. No dia anterior, um médico local enviou uma amostra de um vendedor de mercado doente para ser sequenciada, e que continha covid-19. A conversa sobre a pneumonia desconhecida estava se espalhando nos círculos médicos de Wuhan, de acordo com um médico e um parente de outro que não quiseram ser identificados, temendo repercussões.

Um cientista que estava na China quando o surto começou disse que soube de uma inspeção em 25 de dezembro por virologistas colaboradores no país. Eles não quiseram ser identificados por medo de represálias.

A OMS disse em um e-mail que “não estava ciente” da investigação de 25 de dezembro. Ela não está incluída na linha do tempo oficial da agência de saúde da ONU sobre a covid-19.

Um policial retira jornalistas da cerimonia de despedida de médicos chineses que viajaram até Wuhan, China, para ajudar a conter a pandemia  Foto: Ng Han Guan/AP

Amostras

Quando os pesquisadores do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) de Pequim chegaram em 1º de janeiro para coletar amostras no mercado, ele havia sido fechado e já estava sendo desinfetado, destruindo informações essenciais sobre o vírus. Gao Fu, então chefe do CDC da China, mencionou o fato a um colaborador americano.

“Sua reclamação quando o conheci foi que todos os animais haviam desaparecido”, disse Ian Lipkin, epidemiologista da Universidade de Columbia.

Robert Garry, que estuda vírus na Universidade de Tulane, disse que uma sondagem em 25 de dezembro seria “extremamente significativa”, considerando o que se sabe sobre o vírus e sua disseminação.

“Ser capaz de colher material diretamente dos próprios animais seria bastante convincente e ninguém estaria discutindo” sobre as origens da covid-19, disse ele.

Mas talvez as autoridades locais simplesmente temessem por seus empregos, com as lembranças das demissões após o surto de SARS de 2003 ainda vivas, disse Ray Yip, o chefe fundador do posto avançado dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA na China.

Marion Koopmans e Peter Ben Embrek, da Organização Mundial da Saúde (OMS) participam de uma coletiva de imprensa com autoridades chinesas em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

“Eles estavam tentando salvar sua pele, esconder as evidências”, disse Yip. O governo de Wuhan não respondeu a um pedido de comentário enviado por fax.

Outra vítima precoce foi Zhang Yongzhen, o primeiro cientista a publicar uma sequência do vírus. Um dia depois que ele escreveu um memorando pedindo às autoridades de saúde que agissem, o principal funcionário da saúde da China ordenou o fechamento do laboratório de Zhang.

“Eles usaram seu poder oficial contra mim e nossos colegas”, escreveu Zhang em um e-mail fornecido à AP por Edward Holmes, um virologista australiano.

Em 20 de janeiro de 2020, uma delegação da OMS chegou a Wuhan para uma missão de dois dias. A China não aprovou uma visita ao mercado, mas eles pararam em um laboratório do CDC da China para examinar os procedimentos de prevenção e controle de infecções, de acordo com um relatório de viagem interno da OMS. O então representante da OMS na China, Dr. Gauden Galea, disse aos colegas em uma reunião privada que as perguntas sobre as origens da covid-19 ficaram sem resposta.

Culpa

Naquela época, muitos chineses estavam irritados com seu governo. Entre os médicos e cientistas chineses, cresceu a sensação de que Pequim estava procurando alguém para culpar.

“Há alguns quadros que tiveram um desempenho ruim”, disse o líder chinês Xi Jinping em comentários excepcionalmente duros em fevereiro. “Alguns não ousam assumir a responsabilidade, esperam timidamente por ordens de cima e não se movem sem serem pressionados.”

O governo abriu investigações sobre as principais autoridades de saúde, de acordo com dois ex e atuais funcionários do CDC da China e três outras pessoas familiarizadas com o assunto. Os funcionários da área de saúde foram incentivados a denunciar os colegas que não lidaram bem com o surto aos órgãos disciplinares do Partido Comunista, de acordo com duas dessas pessoas.

Algumas pessoas, dentro e fora da China, especularam sobre um vazamento de laboratório. Entre as pessoas suspeitas estavam políticos americanos de direita, mas também pesquisadores próximos à OMS.

O foco se voltou para o Instituto de Virologia de Wuhan, um laboratório de alto nível que fazia experimentos com alguns dos vírus mais perigosos do mundo.

No início de fevereiro de 2020, alguns dos principais cientistas do Ocidente, liderados pelo Dr. Jeremy Farrar, então no Wellcome Trust do Reion Unido, e pelo Dr. Anthony Fauci, então diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, se uniram para avaliar as origens do vírus em ligações e e-mails.

Eles redigiram um documento sugerindo uma evolução natural, mas, mesmo entre eles, não conseguiram chegar a um consenso sobre o cenário mais provável. Alguns ficaram alarmados com as características que, segundo eles, poderiam indicar uma manipulação.

“Houve sugestões de que o vírus escapou do laboratório de Wuhan”, escreveu Holmes, o virologista australiano, que acreditava que o vírus se originou na natureza, em um e-mail de 7 de fevereiro de 2020. “Eu trabalho muito na China e posso (garantir) que muitas pessoas lá acreditam que estão sendo enganadas.”

Cientistas americanos próximos aos pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan alertaram seus colegas de lá para se prepararem.

Peter Ben Embarek, um dos integrantes da delegação da Organização Mundial da Saúde que viajou a China, participa de uma coletiva de imprensa em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

James LeDuc, chefe de um laboratório do Texas, enviou um e-mail a seu colega de Wuhan em 9 de fevereiro de 2020, dizendo que já havia sido abordado por autoridades dos EUA. “Abordar isso de forma clara será essencial, com qualquer tipo de documentação que você possa ter”, escreveu ele.

O governo chinês estava conduzindo sua própria investigação secreta sobre o Instituto Wuhan. Gao, o então chefe do CDC da China, e outro especialista em saúde chinês revelaram sua existência em entrevistas meses e anos depois. Ambos disseram que a investigação não encontrou nenhuma evidência de irregularidade, o que Holmes, o virologista australiano, também ouviu de outro contato na China. Mas Gao disse que nem mesmo ele havia visto mais detalhes, e alguns especialistas suspeitam que talvez eles nunca sejam divulgados.

A OMS iniciou as negociações com a China para uma nova visita, mas foi o Ministério das Relações Exteriores da China que decidiu os termos. Os cientistas foram deixados de lado e os políticos assumiram o controle. A China recusou um visto para Ben Embarek, na época o principal especialista em vírus animais da OMS. O itinerário eliminou quase todos os itens relacionados a uma pesquisa de origens, de acordo com as agendas preliminares da viagem obtidas pela AP. E Gao, o então chefe do CDC da China, que também é um respeitado cientista encarregado de investigar as origens, foi deixado de fora da programação.

Em vez disso, Liang Wannian, um político da hierarquia do Partido Comunista, assumiu o comando da delegação internacional. Liang é um epidemiologista próximo às principais autoridades chinesas e ao Ministério das Relações Exteriores da China, amplamente visto como defensor da linha do partido, e não de políticas apoiadas pela ciência, segundo nove pessoas familiarizadas com a situação que não quiseram ser identificadas para falar sobre um assunto delicado.

Liang decidiu a favor do fechamento do mercado de Wuhan no início do surto, de acordo com uma entrevista da mídia chinesa com um alto funcionário do CDC da China. Foi Liang quem promoveu uma teoria pouco plausível de que o vírus veio de alimentos congelados contaminados importados pela China. Liang não respondeu a um pedido de comentário enviado por e-mail.

Um fotografo tenta tirar uma foto da delegação da Organização Mundial da Saúde em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

A maior parte da delegação da OMS não teve permissão para ir a Wuhan, que estava em isolamento. Os que foram aprenderam pouco. Mais uma vez, não tiveram acesso ao Instituto de Virologia de Wuhan ou ao mercado de animais selvagens e obtiveram apenas detalhes escassos sobre os esforços do CDC da China para rastrear o coronavírus no local.

No trem, Liang fez lobby com os cientistas visitantes da OMS para que elogiassem a resposta de saúde da China em seu relatório público. O Dr. Bruce Aylward, conselheiro sênior do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, viu isso como a “melhor maneira de atender à necessidade da China de uma forte avaliação de sua resposta”.

A nova seção foi tão lisonjeira que os colegas enviaram um e-mail para Aylward sugerindo que ele “diminuísse um pouco o tom”. “É notável o quanto de conhecimento sobre um novo vírus foi adquirido em tão pouco tempo”, dizia o relatório final, que foi revisado pela principal autoridade de saúde da China antes de ser entregue a Tedros.

Com o aumento das críticas à China, o governo chinês desviou da culpa. Em vez de demitir as autoridades de saúde, declarou que a resposta ao vírus foi um sucesso e encerrou as investigações sobre as autoridades com poucas perdas de emprego. “Não houve reformas reais, porque fazer reformas significa admitir a culpa”, disse um especialista em saúde pública em contato com autoridades de saúde chinesas que pediu para não ser identificado.

No final de fevereiro de 2020, Zhong Nanshan, um médico internacionalmente respeitado, apareceu em uma coletiva de imprensa e disse que “a epidemia apareceu primeiro na China, mas não necessariamente se originou na China”.

Dias depois, o líder chinês Xi Jinping ordenou novos controles sobre a pesquisa de vírus. Uma diretriz vazada do Departamento de Publicidade da China ordenou que a mídia não informasse sobre as origens do vírus sem permissão, e uma conta pública do WeChat republicou um ensaio alegando que os militares dos EUA criaram a covid-19 em um laboratório de Fort Detrick e o espalharam para a China durante uma competição atlética de 2019 em Wuhan. Dias depois, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China repetiu a acusação.

As falsas alegações enfureceram o presidente dos EUA, Donald Trump, que começou a culpar publicamente a China pelo surto, chamando a covid-19 de “o vírus da China” e “kung-flu”.

As autoridades chinesas disseram à OMS que os exames de sangue dos funcionários do laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan deram negativo, sugerindo que a covid-19 não foi resultado de um acidente no laboratório. Mas quando a OMS pressionou por uma auditoria independente, as autoridades chinesas se recusaram e exigiram que a OMS investigasse também os EUA e outros países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, se encontra com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Leah Millis/AP

Ao culpar os EUA, Pequim desviou da culpa. Isso foi eficaz na China, onde muitos chineses ficaram irritados com as críticas de cunho racial. Mas fora da China, isso alimentou a especulação de um encobrimento do vazamento no laboratório. Quando a OMS fez outra visita a Wuhan em janeiro de 2021, um ano após o início da pandemia, a atmosfera era tóxica.

Liang, a autoridade de saúde chinesa responsável pelas duas visitas anteriores da OMS, continuou a promover a teoria questionável de que o vírus foi enviado para a China em alimentos congelados. Ele suprimiu as informações que sugeriam que o vírus poderia ter vindo de animais no mercado de Wuhan, organizando os trabalhadores do mercado para dizer aos especialistas da OMS que nenhum animal selvagem vivo era vendido e cortando do relatório final fotos recentes de animais selvagens no mercado. Houve um forte escrutínio político, com várias autoridades chinesas que não eram cientistas ou oficiais de saúde presentes nas reuniões.

Apesar da falta de acesso direto, a equipe da OMS concluiu que um vazamento de laboratório era “extremamente improvável”. Por isso, as autoridades chinesas ficaram furiosas quando o chefe da OMS, Tedros, disse que era “prematuro” descartar a teoria do vazamento do laboratório, afirmando que esses acidentes de laboratório eram “comuns”, e pressionou a China a ser mais transparente.

A China disse à OMS que qualquer missão futura para descobrir as origens da covid-19 deveria ser realizada em outro lugar, de acordo com uma carta obtida pela AP. Desde então, a cooperação global sobre a questão foi interrompida; um grupo independente convocado pela OMS para investigar as origens da covid-19 em 2021 foi impedido de entrarno país pela falta de cooperação da China e por outras questões.

Pressão

Os cientistas chineses ainda estão sob forte pressão, de acordo com 10 pesquisadores e autoridades de saúde. Os pesquisadores que publicaram artigos sobre o coronavírus tiveram problemas com as autoridades chinesas. Outros foram impedidos de viajar ao exterior para conferências e reuniões da OMS. Gao, o então diretor do CDC da China, foi investigado depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou uma revisão dos dados da covid-19 e depois de dar entrevistas sobre as origens do vírus.

Novas evidências são tratadas com desconfiança. Em março de 2023, os cientistas anunciaram que o material genético coletado no mercado mostrava DNA de cão-guaxinim misturado com a covid-19 no início de 2020, dados que, segundo a OMS, deveriam ter sido compartilhados publicamente anos antes. As descobertas foram publicadas e depois removidas por pesquisadores chineses com poucas explicações.

O chefe do Instituto de Doenças Virais do CDC da China foi forçado a se aposentar por causa da divulgação dos dados de mercado, de acordo com um ex-funcionário que não quis se identificar. “Isso tem a ver com as origens, por isso eles ainda estão preocupados”, disse o ex-funcionário. “Se você tentar chegar ao fundo do poço, o que acontecerá se o vírus veio da China?”

Outros cientistas observam que qualquer animal do qual o vírus possa ter saído originalmente já desapareceu há muito tempo.

“Havia uma chance de a China cooperar com a OMS e fazer alguns estudos de amostragem de animais que poderiam ter respondido à pergunta”, disse Garry, da Universidade de Tulane. “A trilha para encontrar a fonte agora sumiu”.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.

A busca pelas origens da covid-19 está congelada na China, vítima de brigas políticas internas após uma série de tentativas frustradas de encontrar a origem do vírus que matou milhões de pessoas e paralisou o mundo por meses.

O governo chinês congelou os esforços nacionais e internacionais significativos para rastrear o vírus desde as primeiras semanas do surto, apesar das declarações de apoio à investigação científica aberta, segundo apurou a Associated Press. Esse padrão continua até hoje, com laboratórios fechados, colaborações desfeitas, cientistas estrangeiros expulsos e pesquisadores chineses impedidos de deixar o país.

A investigação se baseou em milhares de páginas de e-mails e documentos não divulgados e em dezenas de entrevistas que mostraram que o congelamento começou muito antes do que se imaginava, e envolveu disputas políticas e científicas internas na China, bem como acusações internacionais.

Já em 6 de janeiro de 2020, as autoridades de saúde de Pequim fecharam o laboratório de um cientista chinês que sequenciou o vírus e impediram os pesquisadores de trabalhar com ele.

Segurança pede que jornalistas se retirem do Instituto de Virologia de Wuhan, na China  Foto: Ng Han Guan/AP

Os cientistas alertam que a falta de investigação em relação às origens do coronavírus deixa o mundo vulnerável a outro surto. O cerne da questão é se o vírus evoluiu de um animal ou veio de um acidente de laboratório. Uma análise da inteligência dos EUA diz que não há evidências suficientes para provar nenhuma das duas teorias, mas o debate prejudicou ainda mais as relações entre os EUA e a China.

Ao contrário dos EUA, não há praticamente nenhum debate público na China sobre se o vírus veio da natureza ou de um vazamento de laboratório. De fato, há pouca discussão pública sobre a origem da doença, detectada pela primeira vez na cidade central de Wuhan.

Os esforços iniciais foram prejudicados por burocratas em Wuhan que tentaram fugir da responsabilidade e enganaram o governo central. Já o governo central, por sua vez, amordaçou os cientistas chineses e submeteu as visitas de funcionários da OMS a turnês organizadas; e a própria agência de saúde da ONU, que pode ter comprometido as primeiras oportunidades de coletar informações críticas na esperança de que os cientistas pudessem obter mais acesso, de acordo com materiais internos obtidos pela AP.

Em uma declaração enviada por fax, o Ministério das Relações Exteriores da China defendeu a forma como o país lidou com a pesquisa sobre as origens, dizendo que o país é aberto e transparente, compartilhou dados e pesquisas e “fez a maior contribuição para a pesquisa global sobre as origens da covid-19″. A Comissão Nacional de Saúde, principal autoridade médica da China, disse que o país “investiu enormes recursos humanos, materiais e financeiros” e “não parou de procurar as origens do coronavírus”.

Médicos que vieram de outras cidades chinas para Wuhan participam de uma cerimonia após o fim da missão de emergência na cidade chinesa  Foto: Ng Han Guan/AP

A situação poderia ter se desenrolado de forma diferente, conforme demonstrado pelo surto de SARS, um parente genético da covid-19, há quase 20 anos. Na época, a China inicialmente escondeu as infecções, mas a OMS reclamou rápida e publicamente. Por fim, Pequim demitiu funcionários e fez reformas. A agência das Nações Unidas logo descobriu que a SARS provavelmente passou para os seres humanos a partir de gatos no sul da China e, mais tarde, cientistas internacionais colaboraram com seus colegas chineses para identificar os morcegos como o transmissor natural da SARS.

Mas as diferenças entre líderes da China e da OMS, a busca da China pelo controle de seus pesquisadores e as tensões globais levaram ao silêncio quando se trata de buscar as origens da covid-19. Mesmo sem essas complicações, os especialistas dizem que identificar como os surtos começam é incrivelmente desafiador e que é raro saber com certeza como alguns vírus começam a se espalhar.

“É preocupante a rapidez com que a busca pelas origens da covid-19 se transformou em política”, disse Mark Woolhouse, especialista em surtos da Universidade de Edimburgo. “Agora, essa pergunta pode nunca ser respondida de forma definitiva.”

Sigilo

O sigilo obscurece o início do surto. Nem mesmo a data em que as autoridades chinesas começaram a procurar as origens é clara.

A primeira busca pelo vírus conhecida publicamente ocorreu em 31 de dezembro de 2019, quando cientistas do Centro Chinês de Controle de Doenças visitaram o mercado de Wuhan, onde muitos dos primeiros casos de covid-19 surgiram.

Mas autoridades da OMS souberam de uma inspeção anterior ao mercado, em 25 de dezembro de 2019, de acordo com uma gravação de uma reunião confidencial da agência fornecida à AP por um participante. Essa investigação nunca foi mencionada publicamente pelas autoridades chinesas ou pela OMS.

Na gravação, o principal especialista em vírus animais da OMS, Peter Ben Embarek, mencionou a data anterior, descrevendo-a como “um detalhe interessante”. Ele disse aos colegas que as autoridades estavam “analisando o que estava à venda no mercado, se todos os vendedores tinham licenças (e) se havia algum comércio ilegal (de animais selvagens) acontecendo no mercado”.

Um colega perguntou a Ben Embarek, que não está mais na OMS, se isso parecia incomum. Ele respondeu que “não era rotina” e que os chineses “devem ter tido algum motivo” para investigar o mercado. “Vamos tentar descobrir o que aconteceu e por que eles fizeram isso”.

Ben Embarek se recusou a comentar. Outro funcionário da OMS presente na reunião de Genebra no final de janeiro de 2020 confirmou os comentários de Ben Embarek.

A Associated Press não pôde confirmar a busca de forma independente. Continua sendo um mistério se ela ocorreu, o que os inspetores descobriram ou se eles coletaram amostras de animais vivos que possam indicar como a covid-19 surgiu.

A inspeção de 25 de dezembro de 2019 teria ocorrido quando as autoridades de Wuhan estavam cientes da doença misteriosa. No dia anterior, um médico local enviou uma amostra de um vendedor de mercado doente para ser sequenciada, e que continha covid-19. A conversa sobre a pneumonia desconhecida estava se espalhando nos círculos médicos de Wuhan, de acordo com um médico e um parente de outro que não quiseram ser identificados, temendo repercussões.

Um cientista que estava na China quando o surto começou disse que soube de uma inspeção em 25 de dezembro por virologistas colaboradores no país. Eles não quiseram ser identificados por medo de represálias.

A OMS disse em um e-mail que “não estava ciente” da investigação de 25 de dezembro. Ela não está incluída na linha do tempo oficial da agência de saúde da ONU sobre a covid-19.

Um policial retira jornalistas da cerimonia de despedida de médicos chineses que viajaram até Wuhan, China, para ajudar a conter a pandemia  Foto: Ng Han Guan/AP

Amostras

Quando os pesquisadores do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) de Pequim chegaram em 1º de janeiro para coletar amostras no mercado, ele havia sido fechado e já estava sendo desinfetado, destruindo informações essenciais sobre o vírus. Gao Fu, então chefe do CDC da China, mencionou o fato a um colaborador americano.

“Sua reclamação quando o conheci foi que todos os animais haviam desaparecido”, disse Ian Lipkin, epidemiologista da Universidade de Columbia.

Robert Garry, que estuda vírus na Universidade de Tulane, disse que uma sondagem em 25 de dezembro seria “extremamente significativa”, considerando o que se sabe sobre o vírus e sua disseminação.

“Ser capaz de colher material diretamente dos próprios animais seria bastante convincente e ninguém estaria discutindo” sobre as origens da covid-19, disse ele.

Mas talvez as autoridades locais simplesmente temessem por seus empregos, com as lembranças das demissões após o surto de SARS de 2003 ainda vivas, disse Ray Yip, o chefe fundador do posto avançado dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA na China.

Marion Koopmans e Peter Ben Embrek, da Organização Mundial da Saúde (OMS) participam de uma coletiva de imprensa com autoridades chinesas em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

“Eles estavam tentando salvar sua pele, esconder as evidências”, disse Yip. O governo de Wuhan não respondeu a um pedido de comentário enviado por fax.

Outra vítima precoce foi Zhang Yongzhen, o primeiro cientista a publicar uma sequência do vírus. Um dia depois que ele escreveu um memorando pedindo às autoridades de saúde que agissem, o principal funcionário da saúde da China ordenou o fechamento do laboratório de Zhang.

“Eles usaram seu poder oficial contra mim e nossos colegas”, escreveu Zhang em um e-mail fornecido à AP por Edward Holmes, um virologista australiano.

Em 20 de janeiro de 2020, uma delegação da OMS chegou a Wuhan para uma missão de dois dias. A China não aprovou uma visita ao mercado, mas eles pararam em um laboratório do CDC da China para examinar os procedimentos de prevenção e controle de infecções, de acordo com um relatório de viagem interno da OMS. O então representante da OMS na China, Dr. Gauden Galea, disse aos colegas em uma reunião privada que as perguntas sobre as origens da covid-19 ficaram sem resposta.

Culpa

Naquela época, muitos chineses estavam irritados com seu governo. Entre os médicos e cientistas chineses, cresceu a sensação de que Pequim estava procurando alguém para culpar.

“Há alguns quadros que tiveram um desempenho ruim”, disse o líder chinês Xi Jinping em comentários excepcionalmente duros em fevereiro. “Alguns não ousam assumir a responsabilidade, esperam timidamente por ordens de cima e não se movem sem serem pressionados.”

O governo abriu investigações sobre as principais autoridades de saúde, de acordo com dois ex e atuais funcionários do CDC da China e três outras pessoas familiarizadas com o assunto. Os funcionários da área de saúde foram incentivados a denunciar os colegas que não lidaram bem com o surto aos órgãos disciplinares do Partido Comunista, de acordo com duas dessas pessoas.

Algumas pessoas, dentro e fora da China, especularam sobre um vazamento de laboratório. Entre as pessoas suspeitas estavam políticos americanos de direita, mas também pesquisadores próximos à OMS.

O foco se voltou para o Instituto de Virologia de Wuhan, um laboratório de alto nível que fazia experimentos com alguns dos vírus mais perigosos do mundo.

No início de fevereiro de 2020, alguns dos principais cientistas do Ocidente, liderados pelo Dr. Jeremy Farrar, então no Wellcome Trust do Reion Unido, e pelo Dr. Anthony Fauci, então diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, se uniram para avaliar as origens do vírus em ligações e e-mails.

Eles redigiram um documento sugerindo uma evolução natural, mas, mesmo entre eles, não conseguiram chegar a um consenso sobre o cenário mais provável. Alguns ficaram alarmados com as características que, segundo eles, poderiam indicar uma manipulação.

“Houve sugestões de que o vírus escapou do laboratório de Wuhan”, escreveu Holmes, o virologista australiano, que acreditava que o vírus se originou na natureza, em um e-mail de 7 de fevereiro de 2020. “Eu trabalho muito na China e posso (garantir) que muitas pessoas lá acreditam que estão sendo enganadas.”

Cientistas americanos próximos aos pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan alertaram seus colegas de lá para se prepararem.

Peter Ben Embarek, um dos integrantes da delegação da Organização Mundial da Saúde que viajou a China, participa de uma coletiva de imprensa em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

James LeDuc, chefe de um laboratório do Texas, enviou um e-mail a seu colega de Wuhan em 9 de fevereiro de 2020, dizendo que já havia sido abordado por autoridades dos EUA. “Abordar isso de forma clara será essencial, com qualquer tipo de documentação que você possa ter”, escreveu ele.

O governo chinês estava conduzindo sua própria investigação secreta sobre o Instituto Wuhan. Gao, o então chefe do CDC da China, e outro especialista em saúde chinês revelaram sua existência em entrevistas meses e anos depois. Ambos disseram que a investigação não encontrou nenhuma evidência de irregularidade, o que Holmes, o virologista australiano, também ouviu de outro contato na China. Mas Gao disse que nem mesmo ele havia visto mais detalhes, e alguns especialistas suspeitam que talvez eles nunca sejam divulgados.

A OMS iniciou as negociações com a China para uma nova visita, mas foi o Ministério das Relações Exteriores da China que decidiu os termos. Os cientistas foram deixados de lado e os políticos assumiram o controle. A China recusou um visto para Ben Embarek, na época o principal especialista em vírus animais da OMS. O itinerário eliminou quase todos os itens relacionados a uma pesquisa de origens, de acordo com as agendas preliminares da viagem obtidas pela AP. E Gao, o então chefe do CDC da China, que também é um respeitado cientista encarregado de investigar as origens, foi deixado de fora da programação.

Em vez disso, Liang Wannian, um político da hierarquia do Partido Comunista, assumiu o comando da delegação internacional. Liang é um epidemiologista próximo às principais autoridades chinesas e ao Ministério das Relações Exteriores da China, amplamente visto como defensor da linha do partido, e não de políticas apoiadas pela ciência, segundo nove pessoas familiarizadas com a situação que não quiseram ser identificadas para falar sobre um assunto delicado.

Liang decidiu a favor do fechamento do mercado de Wuhan no início do surto, de acordo com uma entrevista da mídia chinesa com um alto funcionário do CDC da China. Foi Liang quem promoveu uma teoria pouco plausível de que o vírus veio de alimentos congelados contaminados importados pela China. Liang não respondeu a um pedido de comentário enviado por e-mail.

Um fotografo tenta tirar uma foto da delegação da Organização Mundial da Saúde em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

A maior parte da delegação da OMS não teve permissão para ir a Wuhan, que estava em isolamento. Os que foram aprenderam pouco. Mais uma vez, não tiveram acesso ao Instituto de Virologia de Wuhan ou ao mercado de animais selvagens e obtiveram apenas detalhes escassos sobre os esforços do CDC da China para rastrear o coronavírus no local.

No trem, Liang fez lobby com os cientistas visitantes da OMS para que elogiassem a resposta de saúde da China em seu relatório público. O Dr. Bruce Aylward, conselheiro sênior do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, viu isso como a “melhor maneira de atender à necessidade da China de uma forte avaliação de sua resposta”.

A nova seção foi tão lisonjeira que os colegas enviaram um e-mail para Aylward sugerindo que ele “diminuísse um pouco o tom”. “É notável o quanto de conhecimento sobre um novo vírus foi adquirido em tão pouco tempo”, dizia o relatório final, que foi revisado pela principal autoridade de saúde da China antes de ser entregue a Tedros.

Com o aumento das críticas à China, o governo chinês desviou da culpa. Em vez de demitir as autoridades de saúde, declarou que a resposta ao vírus foi um sucesso e encerrou as investigações sobre as autoridades com poucas perdas de emprego. “Não houve reformas reais, porque fazer reformas significa admitir a culpa”, disse um especialista em saúde pública em contato com autoridades de saúde chinesas que pediu para não ser identificado.

No final de fevereiro de 2020, Zhong Nanshan, um médico internacionalmente respeitado, apareceu em uma coletiva de imprensa e disse que “a epidemia apareceu primeiro na China, mas não necessariamente se originou na China”.

Dias depois, o líder chinês Xi Jinping ordenou novos controles sobre a pesquisa de vírus. Uma diretriz vazada do Departamento de Publicidade da China ordenou que a mídia não informasse sobre as origens do vírus sem permissão, e uma conta pública do WeChat republicou um ensaio alegando que os militares dos EUA criaram a covid-19 em um laboratório de Fort Detrick e o espalharam para a China durante uma competição atlética de 2019 em Wuhan. Dias depois, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China repetiu a acusação.

As falsas alegações enfureceram o presidente dos EUA, Donald Trump, que começou a culpar publicamente a China pelo surto, chamando a covid-19 de “o vírus da China” e “kung-flu”.

As autoridades chinesas disseram à OMS que os exames de sangue dos funcionários do laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan deram negativo, sugerindo que a covid-19 não foi resultado de um acidente no laboratório. Mas quando a OMS pressionou por uma auditoria independente, as autoridades chinesas se recusaram e exigiram que a OMS investigasse também os EUA e outros países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, se encontra com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Leah Millis/AP

Ao culpar os EUA, Pequim desviou da culpa. Isso foi eficaz na China, onde muitos chineses ficaram irritados com as críticas de cunho racial. Mas fora da China, isso alimentou a especulação de um encobrimento do vazamento no laboratório. Quando a OMS fez outra visita a Wuhan em janeiro de 2021, um ano após o início da pandemia, a atmosfera era tóxica.

Liang, a autoridade de saúde chinesa responsável pelas duas visitas anteriores da OMS, continuou a promover a teoria questionável de que o vírus foi enviado para a China em alimentos congelados. Ele suprimiu as informações que sugeriam que o vírus poderia ter vindo de animais no mercado de Wuhan, organizando os trabalhadores do mercado para dizer aos especialistas da OMS que nenhum animal selvagem vivo era vendido e cortando do relatório final fotos recentes de animais selvagens no mercado. Houve um forte escrutínio político, com várias autoridades chinesas que não eram cientistas ou oficiais de saúde presentes nas reuniões.

Apesar da falta de acesso direto, a equipe da OMS concluiu que um vazamento de laboratório era “extremamente improvável”. Por isso, as autoridades chinesas ficaram furiosas quando o chefe da OMS, Tedros, disse que era “prematuro” descartar a teoria do vazamento do laboratório, afirmando que esses acidentes de laboratório eram “comuns”, e pressionou a China a ser mais transparente.

A China disse à OMS que qualquer missão futura para descobrir as origens da covid-19 deveria ser realizada em outro lugar, de acordo com uma carta obtida pela AP. Desde então, a cooperação global sobre a questão foi interrompida; um grupo independente convocado pela OMS para investigar as origens da covid-19 em 2021 foi impedido de entrarno país pela falta de cooperação da China e por outras questões.

Pressão

Os cientistas chineses ainda estão sob forte pressão, de acordo com 10 pesquisadores e autoridades de saúde. Os pesquisadores que publicaram artigos sobre o coronavírus tiveram problemas com as autoridades chinesas. Outros foram impedidos de viajar ao exterior para conferências e reuniões da OMS. Gao, o então diretor do CDC da China, foi investigado depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou uma revisão dos dados da covid-19 e depois de dar entrevistas sobre as origens do vírus.

Novas evidências são tratadas com desconfiança. Em março de 2023, os cientistas anunciaram que o material genético coletado no mercado mostrava DNA de cão-guaxinim misturado com a covid-19 no início de 2020, dados que, segundo a OMS, deveriam ter sido compartilhados publicamente anos antes. As descobertas foram publicadas e depois removidas por pesquisadores chineses com poucas explicações.

O chefe do Instituto de Doenças Virais do CDC da China foi forçado a se aposentar por causa da divulgação dos dados de mercado, de acordo com um ex-funcionário que não quis se identificar. “Isso tem a ver com as origens, por isso eles ainda estão preocupados”, disse o ex-funcionário. “Se você tentar chegar ao fundo do poço, o que acontecerá se o vírus veio da China?”

Outros cientistas observam que qualquer animal do qual o vírus possa ter saído originalmente já desapareceu há muito tempo.

“Havia uma chance de a China cooperar com a OMS e fazer alguns estudos de amostragem de animais que poderiam ter respondido à pergunta”, disse Garry, da Universidade de Tulane. “A trilha para encontrar a fonte agora sumiu”.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.

A busca pelas origens da covid-19 está congelada na China, vítima de brigas políticas internas após uma série de tentativas frustradas de encontrar a origem do vírus que matou milhões de pessoas e paralisou o mundo por meses.

O governo chinês congelou os esforços nacionais e internacionais significativos para rastrear o vírus desde as primeiras semanas do surto, apesar das declarações de apoio à investigação científica aberta, segundo apurou a Associated Press. Esse padrão continua até hoje, com laboratórios fechados, colaborações desfeitas, cientistas estrangeiros expulsos e pesquisadores chineses impedidos de deixar o país.

A investigação se baseou em milhares de páginas de e-mails e documentos não divulgados e em dezenas de entrevistas que mostraram que o congelamento começou muito antes do que se imaginava, e envolveu disputas políticas e científicas internas na China, bem como acusações internacionais.

Já em 6 de janeiro de 2020, as autoridades de saúde de Pequim fecharam o laboratório de um cientista chinês que sequenciou o vírus e impediram os pesquisadores de trabalhar com ele.

Segurança pede que jornalistas se retirem do Instituto de Virologia de Wuhan, na China  Foto: Ng Han Guan/AP

Os cientistas alertam que a falta de investigação em relação às origens do coronavírus deixa o mundo vulnerável a outro surto. O cerne da questão é se o vírus evoluiu de um animal ou veio de um acidente de laboratório. Uma análise da inteligência dos EUA diz que não há evidências suficientes para provar nenhuma das duas teorias, mas o debate prejudicou ainda mais as relações entre os EUA e a China.

Ao contrário dos EUA, não há praticamente nenhum debate público na China sobre se o vírus veio da natureza ou de um vazamento de laboratório. De fato, há pouca discussão pública sobre a origem da doença, detectada pela primeira vez na cidade central de Wuhan.

Os esforços iniciais foram prejudicados por burocratas em Wuhan que tentaram fugir da responsabilidade e enganaram o governo central. Já o governo central, por sua vez, amordaçou os cientistas chineses e submeteu as visitas de funcionários da OMS a turnês organizadas; e a própria agência de saúde da ONU, que pode ter comprometido as primeiras oportunidades de coletar informações críticas na esperança de que os cientistas pudessem obter mais acesso, de acordo com materiais internos obtidos pela AP.

Em uma declaração enviada por fax, o Ministério das Relações Exteriores da China defendeu a forma como o país lidou com a pesquisa sobre as origens, dizendo que o país é aberto e transparente, compartilhou dados e pesquisas e “fez a maior contribuição para a pesquisa global sobre as origens da covid-19″. A Comissão Nacional de Saúde, principal autoridade médica da China, disse que o país “investiu enormes recursos humanos, materiais e financeiros” e “não parou de procurar as origens do coronavírus”.

Médicos que vieram de outras cidades chinas para Wuhan participam de uma cerimonia após o fim da missão de emergência na cidade chinesa  Foto: Ng Han Guan/AP

A situação poderia ter se desenrolado de forma diferente, conforme demonstrado pelo surto de SARS, um parente genético da covid-19, há quase 20 anos. Na época, a China inicialmente escondeu as infecções, mas a OMS reclamou rápida e publicamente. Por fim, Pequim demitiu funcionários e fez reformas. A agência das Nações Unidas logo descobriu que a SARS provavelmente passou para os seres humanos a partir de gatos no sul da China e, mais tarde, cientistas internacionais colaboraram com seus colegas chineses para identificar os morcegos como o transmissor natural da SARS.

Mas as diferenças entre líderes da China e da OMS, a busca da China pelo controle de seus pesquisadores e as tensões globais levaram ao silêncio quando se trata de buscar as origens da covid-19. Mesmo sem essas complicações, os especialistas dizem que identificar como os surtos começam é incrivelmente desafiador e que é raro saber com certeza como alguns vírus começam a se espalhar.

“É preocupante a rapidez com que a busca pelas origens da covid-19 se transformou em política”, disse Mark Woolhouse, especialista em surtos da Universidade de Edimburgo. “Agora, essa pergunta pode nunca ser respondida de forma definitiva.”

Sigilo

O sigilo obscurece o início do surto. Nem mesmo a data em que as autoridades chinesas começaram a procurar as origens é clara.

A primeira busca pelo vírus conhecida publicamente ocorreu em 31 de dezembro de 2019, quando cientistas do Centro Chinês de Controle de Doenças visitaram o mercado de Wuhan, onde muitos dos primeiros casos de covid-19 surgiram.

Mas autoridades da OMS souberam de uma inspeção anterior ao mercado, em 25 de dezembro de 2019, de acordo com uma gravação de uma reunião confidencial da agência fornecida à AP por um participante. Essa investigação nunca foi mencionada publicamente pelas autoridades chinesas ou pela OMS.

Na gravação, o principal especialista em vírus animais da OMS, Peter Ben Embarek, mencionou a data anterior, descrevendo-a como “um detalhe interessante”. Ele disse aos colegas que as autoridades estavam “analisando o que estava à venda no mercado, se todos os vendedores tinham licenças (e) se havia algum comércio ilegal (de animais selvagens) acontecendo no mercado”.

Um colega perguntou a Ben Embarek, que não está mais na OMS, se isso parecia incomum. Ele respondeu que “não era rotina” e que os chineses “devem ter tido algum motivo” para investigar o mercado. “Vamos tentar descobrir o que aconteceu e por que eles fizeram isso”.

Ben Embarek se recusou a comentar. Outro funcionário da OMS presente na reunião de Genebra no final de janeiro de 2020 confirmou os comentários de Ben Embarek.

A Associated Press não pôde confirmar a busca de forma independente. Continua sendo um mistério se ela ocorreu, o que os inspetores descobriram ou se eles coletaram amostras de animais vivos que possam indicar como a covid-19 surgiu.

A inspeção de 25 de dezembro de 2019 teria ocorrido quando as autoridades de Wuhan estavam cientes da doença misteriosa. No dia anterior, um médico local enviou uma amostra de um vendedor de mercado doente para ser sequenciada, e que continha covid-19. A conversa sobre a pneumonia desconhecida estava se espalhando nos círculos médicos de Wuhan, de acordo com um médico e um parente de outro que não quiseram ser identificados, temendo repercussões.

Um cientista que estava na China quando o surto começou disse que soube de uma inspeção em 25 de dezembro por virologistas colaboradores no país. Eles não quiseram ser identificados por medo de represálias.

A OMS disse em um e-mail que “não estava ciente” da investigação de 25 de dezembro. Ela não está incluída na linha do tempo oficial da agência de saúde da ONU sobre a covid-19.

Um policial retira jornalistas da cerimonia de despedida de médicos chineses que viajaram até Wuhan, China, para ajudar a conter a pandemia  Foto: Ng Han Guan/AP

Amostras

Quando os pesquisadores do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) de Pequim chegaram em 1º de janeiro para coletar amostras no mercado, ele havia sido fechado e já estava sendo desinfetado, destruindo informações essenciais sobre o vírus. Gao Fu, então chefe do CDC da China, mencionou o fato a um colaborador americano.

“Sua reclamação quando o conheci foi que todos os animais haviam desaparecido”, disse Ian Lipkin, epidemiologista da Universidade de Columbia.

Robert Garry, que estuda vírus na Universidade de Tulane, disse que uma sondagem em 25 de dezembro seria “extremamente significativa”, considerando o que se sabe sobre o vírus e sua disseminação.

“Ser capaz de colher material diretamente dos próprios animais seria bastante convincente e ninguém estaria discutindo” sobre as origens da covid-19, disse ele.

Mas talvez as autoridades locais simplesmente temessem por seus empregos, com as lembranças das demissões após o surto de SARS de 2003 ainda vivas, disse Ray Yip, o chefe fundador do posto avançado dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA na China.

Marion Koopmans e Peter Ben Embrek, da Organização Mundial da Saúde (OMS) participam de uma coletiva de imprensa com autoridades chinesas em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

“Eles estavam tentando salvar sua pele, esconder as evidências”, disse Yip. O governo de Wuhan não respondeu a um pedido de comentário enviado por fax.

Outra vítima precoce foi Zhang Yongzhen, o primeiro cientista a publicar uma sequência do vírus. Um dia depois que ele escreveu um memorando pedindo às autoridades de saúde que agissem, o principal funcionário da saúde da China ordenou o fechamento do laboratório de Zhang.

“Eles usaram seu poder oficial contra mim e nossos colegas”, escreveu Zhang em um e-mail fornecido à AP por Edward Holmes, um virologista australiano.

Em 20 de janeiro de 2020, uma delegação da OMS chegou a Wuhan para uma missão de dois dias. A China não aprovou uma visita ao mercado, mas eles pararam em um laboratório do CDC da China para examinar os procedimentos de prevenção e controle de infecções, de acordo com um relatório de viagem interno da OMS. O então representante da OMS na China, Dr. Gauden Galea, disse aos colegas em uma reunião privada que as perguntas sobre as origens da covid-19 ficaram sem resposta.

Culpa

Naquela época, muitos chineses estavam irritados com seu governo. Entre os médicos e cientistas chineses, cresceu a sensação de que Pequim estava procurando alguém para culpar.

“Há alguns quadros que tiveram um desempenho ruim”, disse o líder chinês Xi Jinping em comentários excepcionalmente duros em fevereiro. “Alguns não ousam assumir a responsabilidade, esperam timidamente por ordens de cima e não se movem sem serem pressionados.”

O governo abriu investigações sobre as principais autoridades de saúde, de acordo com dois ex e atuais funcionários do CDC da China e três outras pessoas familiarizadas com o assunto. Os funcionários da área de saúde foram incentivados a denunciar os colegas que não lidaram bem com o surto aos órgãos disciplinares do Partido Comunista, de acordo com duas dessas pessoas.

Algumas pessoas, dentro e fora da China, especularam sobre um vazamento de laboratório. Entre as pessoas suspeitas estavam políticos americanos de direita, mas também pesquisadores próximos à OMS.

O foco se voltou para o Instituto de Virologia de Wuhan, um laboratório de alto nível que fazia experimentos com alguns dos vírus mais perigosos do mundo.

No início de fevereiro de 2020, alguns dos principais cientistas do Ocidente, liderados pelo Dr. Jeremy Farrar, então no Wellcome Trust do Reion Unido, e pelo Dr. Anthony Fauci, então diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, se uniram para avaliar as origens do vírus em ligações e e-mails.

Eles redigiram um documento sugerindo uma evolução natural, mas, mesmo entre eles, não conseguiram chegar a um consenso sobre o cenário mais provável. Alguns ficaram alarmados com as características que, segundo eles, poderiam indicar uma manipulação.

“Houve sugestões de que o vírus escapou do laboratório de Wuhan”, escreveu Holmes, o virologista australiano, que acreditava que o vírus se originou na natureza, em um e-mail de 7 de fevereiro de 2020. “Eu trabalho muito na China e posso (garantir) que muitas pessoas lá acreditam que estão sendo enganadas.”

Cientistas americanos próximos aos pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan alertaram seus colegas de lá para se prepararem.

Peter Ben Embarek, um dos integrantes da delegação da Organização Mundial da Saúde que viajou a China, participa de uma coletiva de imprensa em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

James LeDuc, chefe de um laboratório do Texas, enviou um e-mail a seu colega de Wuhan em 9 de fevereiro de 2020, dizendo que já havia sido abordado por autoridades dos EUA. “Abordar isso de forma clara será essencial, com qualquer tipo de documentação que você possa ter”, escreveu ele.

O governo chinês estava conduzindo sua própria investigação secreta sobre o Instituto Wuhan. Gao, o então chefe do CDC da China, e outro especialista em saúde chinês revelaram sua existência em entrevistas meses e anos depois. Ambos disseram que a investigação não encontrou nenhuma evidência de irregularidade, o que Holmes, o virologista australiano, também ouviu de outro contato na China. Mas Gao disse que nem mesmo ele havia visto mais detalhes, e alguns especialistas suspeitam que talvez eles nunca sejam divulgados.

A OMS iniciou as negociações com a China para uma nova visita, mas foi o Ministério das Relações Exteriores da China que decidiu os termos. Os cientistas foram deixados de lado e os políticos assumiram o controle. A China recusou um visto para Ben Embarek, na época o principal especialista em vírus animais da OMS. O itinerário eliminou quase todos os itens relacionados a uma pesquisa de origens, de acordo com as agendas preliminares da viagem obtidas pela AP. E Gao, o então chefe do CDC da China, que também é um respeitado cientista encarregado de investigar as origens, foi deixado de fora da programação.

Em vez disso, Liang Wannian, um político da hierarquia do Partido Comunista, assumiu o comando da delegação internacional. Liang é um epidemiologista próximo às principais autoridades chinesas e ao Ministério das Relações Exteriores da China, amplamente visto como defensor da linha do partido, e não de políticas apoiadas pela ciência, segundo nove pessoas familiarizadas com a situação que não quiseram ser identificadas para falar sobre um assunto delicado.

Liang decidiu a favor do fechamento do mercado de Wuhan no início do surto, de acordo com uma entrevista da mídia chinesa com um alto funcionário do CDC da China. Foi Liang quem promoveu uma teoria pouco plausível de que o vírus veio de alimentos congelados contaminados importados pela China. Liang não respondeu a um pedido de comentário enviado por e-mail.

Um fotografo tenta tirar uma foto da delegação da Organização Mundial da Saúde em Wuhan, China  Foto: Ng Han Guan/AP

A maior parte da delegação da OMS não teve permissão para ir a Wuhan, que estava em isolamento. Os que foram aprenderam pouco. Mais uma vez, não tiveram acesso ao Instituto de Virologia de Wuhan ou ao mercado de animais selvagens e obtiveram apenas detalhes escassos sobre os esforços do CDC da China para rastrear o coronavírus no local.

No trem, Liang fez lobby com os cientistas visitantes da OMS para que elogiassem a resposta de saúde da China em seu relatório público. O Dr. Bruce Aylward, conselheiro sênior do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, viu isso como a “melhor maneira de atender à necessidade da China de uma forte avaliação de sua resposta”.

A nova seção foi tão lisonjeira que os colegas enviaram um e-mail para Aylward sugerindo que ele “diminuísse um pouco o tom”. “É notável o quanto de conhecimento sobre um novo vírus foi adquirido em tão pouco tempo”, dizia o relatório final, que foi revisado pela principal autoridade de saúde da China antes de ser entregue a Tedros.

Com o aumento das críticas à China, o governo chinês desviou da culpa. Em vez de demitir as autoridades de saúde, declarou que a resposta ao vírus foi um sucesso e encerrou as investigações sobre as autoridades com poucas perdas de emprego. “Não houve reformas reais, porque fazer reformas significa admitir a culpa”, disse um especialista em saúde pública em contato com autoridades de saúde chinesas que pediu para não ser identificado.

No final de fevereiro de 2020, Zhong Nanshan, um médico internacionalmente respeitado, apareceu em uma coletiva de imprensa e disse que “a epidemia apareceu primeiro na China, mas não necessariamente se originou na China”.

Dias depois, o líder chinês Xi Jinping ordenou novos controles sobre a pesquisa de vírus. Uma diretriz vazada do Departamento de Publicidade da China ordenou que a mídia não informasse sobre as origens do vírus sem permissão, e uma conta pública do WeChat republicou um ensaio alegando que os militares dos EUA criaram a covid-19 em um laboratório de Fort Detrick e o espalharam para a China durante uma competição atlética de 2019 em Wuhan. Dias depois, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China repetiu a acusação.

As falsas alegações enfureceram o presidente dos EUA, Donald Trump, que começou a culpar publicamente a China pelo surto, chamando a covid-19 de “o vírus da China” e “kung-flu”.

As autoridades chinesas disseram à OMS que os exames de sangue dos funcionários do laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan deram negativo, sugerindo que a covid-19 não foi resultado de um acidente no laboratório. Mas quando a OMS pressionou por uma auditoria independente, as autoridades chinesas se recusaram e exigiram que a OMS investigasse também os EUA e outros países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, se encontra com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Leah Millis/AP

Ao culpar os EUA, Pequim desviou da culpa. Isso foi eficaz na China, onde muitos chineses ficaram irritados com as críticas de cunho racial. Mas fora da China, isso alimentou a especulação de um encobrimento do vazamento no laboratório. Quando a OMS fez outra visita a Wuhan em janeiro de 2021, um ano após o início da pandemia, a atmosfera era tóxica.

Liang, a autoridade de saúde chinesa responsável pelas duas visitas anteriores da OMS, continuou a promover a teoria questionável de que o vírus foi enviado para a China em alimentos congelados. Ele suprimiu as informações que sugeriam que o vírus poderia ter vindo de animais no mercado de Wuhan, organizando os trabalhadores do mercado para dizer aos especialistas da OMS que nenhum animal selvagem vivo era vendido e cortando do relatório final fotos recentes de animais selvagens no mercado. Houve um forte escrutínio político, com várias autoridades chinesas que não eram cientistas ou oficiais de saúde presentes nas reuniões.

Apesar da falta de acesso direto, a equipe da OMS concluiu que um vazamento de laboratório era “extremamente improvável”. Por isso, as autoridades chinesas ficaram furiosas quando o chefe da OMS, Tedros, disse que era “prematuro” descartar a teoria do vazamento do laboratório, afirmando que esses acidentes de laboratório eram “comuns”, e pressionou a China a ser mais transparente.

A China disse à OMS que qualquer missão futura para descobrir as origens da covid-19 deveria ser realizada em outro lugar, de acordo com uma carta obtida pela AP. Desde então, a cooperação global sobre a questão foi interrompida; um grupo independente convocado pela OMS para investigar as origens da covid-19 em 2021 foi impedido de entrarno país pela falta de cooperação da China e por outras questões.

Pressão

Os cientistas chineses ainda estão sob forte pressão, de acordo com 10 pesquisadores e autoridades de saúde. Os pesquisadores que publicaram artigos sobre o coronavírus tiveram problemas com as autoridades chinesas. Outros foram impedidos de viajar ao exterior para conferências e reuniões da OMS. Gao, o então diretor do CDC da China, foi investigado depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou uma revisão dos dados da covid-19 e depois de dar entrevistas sobre as origens do vírus.

Novas evidências são tratadas com desconfiança. Em março de 2023, os cientistas anunciaram que o material genético coletado no mercado mostrava DNA de cão-guaxinim misturado com a covid-19 no início de 2020, dados que, segundo a OMS, deveriam ter sido compartilhados publicamente anos antes. As descobertas foram publicadas e depois removidas por pesquisadores chineses com poucas explicações.

O chefe do Instituto de Doenças Virais do CDC da China foi forçado a se aposentar por causa da divulgação dos dados de mercado, de acordo com um ex-funcionário que não quis se identificar. “Isso tem a ver com as origens, por isso eles ainda estão preocupados”, disse o ex-funcionário. “Se você tentar chegar ao fundo do poço, o que acontecerá se o vírus veio da China?”

Outros cientistas observam que qualquer animal do qual o vírus possa ter saído originalmente já desapareceu há muito tempo.

“Havia uma chance de a China cooperar com a OMS e fazer alguns estudos de amostragem de animais que poderiam ter respondido à pergunta”, disse Garry, da Universidade de Tulane. “A trilha para encontrar a fonte agora sumiu”.

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