Com o anúncio de Donald Trump de que ele concorre oficialmente para reconquistar o Salão Oval, que ele afirma falsamente ter-lhe sido roubado, o presidente Joe Biden está pronto para implementar o que alguns de seus mais graduados conselheiros qualificam como “projeto Trump”.
Biden passou grande parte do ano passado criticando a agenda “ultra-MAGA”, mirando senadores, governadores e legisladores estaduais republicanos. Agora, ele voltará o foco novamente para seu ex e futuro algoz: o próprio “Mr. Make America Great Again”.
Trump iniciou os ataques quase imediatamente, no discurso na noite da terça-feira no qual anunciou sua pré-candidatura à presidência, reclamando que “Biden e os lunáticos da esquerda radical (estão) arruinando nosso governo”.
Biden continuará a sublinhar sua percepção de que Trump é uma ameaça à democracia, afirmam conselheiros do presidente. Mas os operadores políticos de Biden estão determinados ainda a mostrar que os quatro anos de Trump na presidência não ocasionaram avanços verdadeiros para o povo americano.
Confronto e ironia
Na terça-feira, poucas horas antes o anúncio de Trump, o perfil político de Biden no Twitter ironizou as afirmações do ex-presidente de que ele fez algo a respeito da deteriorada infraestrutura do país. O vídeo, intitulado “A diferença entre falar e fazer”, mostrou imagens de Biden sancionando sua legislação de infraestrutura de US$ 1 trilhão justapostas a uma compilação de clipes do ex-presidente usando a palavra “infraestrutura”.
No meio do discurso de Trump, o Twitter de Biden postou outro vídeo, intitulado “Donald Trump acabou com os EUA”, mostrando cenas da insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio.
O esforço para coordenar a resposta a Trump envolveu meses de pesquisas e é liderado por Anita Dunn, uma das principais estrategistas em comunicação de Biden, e Jen Dillon, que coordenou a campanha de Biden em 2020 e hoje atua como subchefe de gabinete da Casa Branca.
Biden x Trump, o retorno?
Biden afirmou na semana passada que “pretende” concorrer em 2024, mas que conversaria com sua família antes de anunciar a decisão definitiva, no início do próximo ano. Ainda assim, autoridades afirmaram que a presença de Trump na disputa motivaria o presidente a concorrer novamente. Biden vê seu antecessor como um perigo que deve ser impedido. E nota regularmente que foi a única pessoa que já derrotou Trump, inferindo que seria a melhor opção para repetir o feito. O presidente afirmou publicamente que “não desgostaria” de encarar Trump em uma revanche.
Biden foi encorajado por um resultado melhor do que o esperado para os democratas nas eleições de meio de mandato. Mas individualmente ele continua profundamente impopular, segundo pesquisas, e enfrenta contratempos políticos: uma economia ainda castigada pela inflação, uma guerra que se agrava na Europa e dúvidas persistentes sobre ele ser velho demais para cumprir outro mandato.
No ano recente, à medida que as eleições de meio de mandato se aproximavam, Biden colocou foco cada vez mais intensamente no movimento criado por Trump.
Biden atacou “300 projetos de lei discriminatórios” aprovados por legislaturas de maioria republicana; criticou o governador do Texas por investigar famílias transgênero; acusou o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, de banir livros, e Rick Scott, senador republicano que representa o Estado, de conspirar secretamente para aumentar os impostos pagos pelos americanos.
Informações sobre a primária republicana
No Comitê Nacional do Partido Democrata (DNC), autoridades continuaram de olho no ex-presidente mesmo depois que ele se mudou de Washington para sua mansão em Mar-a-Lago, Flórida. O partido formou um grupo de aproximadamente 40 pesquisadores para catalogar cada discurso, pronunciamento em rádio, aparição na TV e reportagem a respeito de Trump e outros pré-candidatos do Partido Republicano, em um esforço para reunir o máximo de informações para se contrapor ao ex-presidente e outros republicanos nas próximas campanhas.
Na terça-feira, o DNC anunciou que contrataria pessoal em New Hampshire, Flórida e outros Estados com primárias precoces, para responsabilizar pré-candidatos como Trump por suas afirmações no início da campanha pela Casa Branca de 2024. Foi o momento mais anterior a eleições presidenciais que o DNC começou a fazer contratações locais, afirmam autoridades.
“Hoje foi só o início de um ciclo de primárias republicanas que será bem bagunçado, com pré-candidatos competindo para ser o republicano-MAGA mais extremista na disputa”, afirmou em um comunicado o presidente do Comitê Nacional do Partido Democrata, Jaime Harrison. “O DNC estará pronto para eles.”
Autoridades do partido afirmaram que continuariam a sublinhar as ações de outros possíveis pré-candidatos republicanos, incluindo DeSantis, juntamente com apoiadores antigos de Trump, como Tucker Carlson, apresentador de direita da Fox News, e Mike Lindell, proprietário da MyPillow, que apoiou as afirmações do ex-presidente de fraude eleitoral.
Trump, um caso especial
Biden afirma há muito que sua campanha pela presidência, em 2020, foi motivada por Trump. No vídeo em que anunciou sua postulação, em 2019, Biden fustigou seu rival por sua afirmação sobre uma “equivalência moral entre pessoas que espalham o ódio e pessoas com coragem para resistir a ele”, remetendo à manifestação de supremacistas brancos de 2017, em Charlottesville, Virgínia.
Mas como presidente, Biden com frequência tentou ignorar o homem, referindo-se a ele como “o cara anterior”. A entrada formal de Trump na disputa eleitoral poderia pôr fim ao comedimento de Biden, enquanto alguns democratas invariavelmente o pressionarão para denunciar Trump estridentemente e repetidamente.
O ex-presidente e o movimento MAGA que ele criou foram tópicos centrais nas eleições de meio de mandato, mesmo sem um anúncio formal da pré-candidatura de Trump.
Foram as três indicações bem-sucedidas de Trump de ministros conservadores para a Suprema Corte que pavimentaram o caminho para a decisão de reverter Roe versus Wade, eliminando proteções constitucionais para o aborto. Biden e os democratas tornaram essa decisão um dos elementos centrais de sua mensagem para convencer seus eleitores a votar.
A defesa de longa data de Trump à Associação Nacional do Rifle entrou sob crescente escrutínio após massacres a tiros, incluindo na escola de ensino fundamental em Uvalde, Texas. E os democratas sempre planejaram colocar foco sobre os esforços do ex-presidente para reverter os resultados da eleição de 2020, particularmente suas ações em torno do ataque de 6 de janeiro de 2021 contra o Capitólio.
Controle sobre o partido
Não está clara a magnitude com que Trump mantém seu domínio sobre os políticos e eleitores republicanos que ele manobrou de maneira tão eficaz durante os quatro anos em que ocupou a Casa Branca.
A maioria dos negacionistas eleitorais que fizeram campanha repetindo as queixas de Trump sobre 2020 foi derrotada — mesmo que por pouco — por democratas argumentando que os americanos devem rejeitar a agenda do ex-presidente.
Autoridades da Casa Branca permanecem reservadas sobre quando o presidente Biden anunciará formalmente sua decisão a respeito de concorrer a um segundo mandato. Uma vez que o presidente confirme sua pré-candidatura, novas regras se aplicam sobre como ele deve levantar e gastar dinheiro em sua campanha. Seus conselheiros querem atrasar essa decisão até que estejam prontos.
Mas nesse meio-tempo, o próprio Biden tem se convencido cada vez mais de que sua missão de remover Trump da presidência — e mantê-lo fora da Casa Branca — ainda não acabou.
“Ninguém identificou mais claramente do que Joe Biden a ameaça existencial singular que Donald Trump representa para o país”, afirmou a diretora de comunicação da Casa Branca, Kate Bedingfield, antes do anúncio de Trump. “E ninguém mais o derrotou. Então, acho que para nós, são essas as duas estrelas-guias.”
Depois do discurso de Trump na noite da quinta-feira, um jornalista que viajava com a comitiva do presidente Biden ao Grupo dos 20, em Bali, na Indonésia, perguntou-lhe se ele gostaria de comentar o anúncio. Biden, ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, olhou para seu colega, e ambos exibiram um sorriso sarcástico. “Na verdade, não”, disse o americano. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO