Como a China conseguiu apoio de Honduras em pleno quintal dos EUA


Diversos países da América Central estabeleceram relações diplomáticas com Pequim, rompendo laços com Taiwan

Por Karen DeYoung
Atualização:

TEGUCIGALPA, Honduras — Quando a líder deste empobrecido país centro-americano visitou Pequim, em junho, o governo chinês recebeu-a calorosamente. Houve um jantar de Estado em honra à presidente no Grande Salão com presença do líder chinês, Xi Jinping, uma saudação de 21 tiros na Praça Tiananmen e extensas conversas bilaterais durante a visita de seis dias.

Para a China, a atenção concedida a Honduras — há muito um dos mais dóceis parceiros regionais dos Estados Unidos foi tanto propaganda quanto retribuição. Menos de três meses antes da chegada da presidente Xiomara Castro, apesar de apelo enérgicos do governo americano alertando a respeito de falsos galanteios da China, Honduras havia estabelecido relações diplomáticas com Pequim, rompendo seus laços de décadas com Taiwan.

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Na arena global da competição EUA-China, tratou-se claramente de uma vitória de Pequim. Mas além do gosto amargo deixado pela mais recente vitória chinesa em política externa, o governo Biden e as Forças Armadas americanas percebem implicações estratégicas potencialmente ameaçadoras.

O presidente chinês, Xi Jinping, realiza uma cerimônia de boas-vindas a presidente de Honduras, Xiomara Castro, fora do Grande Salão do Povo, em Pequim, no dia 12 de junho, durante sua visita de Estado à China Foto: Wang Ye/AP

Há uma base militar dos EUA em Honduras, Soto Cano, com até 1,5 mil soldados, e uma força-tarefa conjunta que trata de prioridades de políticas regionais de Washington, como narcotráfico, crime organizado e migração, assim como resposta a desastres e treinamentos. Entre os vários portos americanos no Oceano Pacífico e no Caribe, de ambos lados da América Central, Puerto Cortés, na costa norte de Honduras, é o maior e o único de águas profundas.

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Ainda que os próprios EUA tenham reconhecido a República Popular da China 44 anos atrás, Washington continuou a instar o número cada vez menor de países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan — 13 atualmente — a não mudar. O presidente eleito da Guatemala indicou que planeja seguir a toada. Na América do Sul — onde a China é atualmente a maior parceira comercial — o Paraguai é o bastião solitário. No Caribe, apenas o Haiti e três nações insulares menores reconhecem Taiwan.

O governo de Castro rejeitou as preocupações dos EUA classificando-as como exageradas e complacentes. “Nós temos uma boa relação com os EUA em defesa e segurança, disse à reportagem o ministro hondurenho de Relações Exteriores, Enrique Reina. “Eu acho que isso não mudará absolutamente. Nosso interesse é cooperar (com a China em áreas gerais: educação, saúde, tecnologia relacionada a uso civil, transporte, infraestrutura. Mas nada relacionado a segurança e defesa.”

Como outros países no Hemisfério, Honduras moveu-se para a esquerda, e o governo “democrata socialista” de Castro está expandindo suas alianças políticas e econômicas nessa direção. “Para algumas pessoas”, afirmou Reina sem mencionar nomes, “parece difícil perceber que nós somos um governo que toma suas próprias decisões”.

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Um grafite visto no dia 22 de agosto em um muro de uma rua da capital hondurenha, Tegucigalpa, declara: “Honduras está com Taiwan”. Foto: Karen DeYoung/The Washington Post

Reconhecer a China, com seu enorme mercado importador de matérias-primas e apetite para investimentos no exterior, trata de “pragmatismo, não ideologia”, afirmou ele. A China pode ser “um problema para os interesses políticos dos EUA. Mas para nós é principalmente uma oportunidade para buscar outras alternativas para cooperação”.

Até aqui há pouca evidência da presença da China em Honduras. A nova embaixada chinesa ocupa temporariamente dependências de um hotel luxuoso. As ruas são repletas de lanchonetes Dunkin’, Pizza Hut e McDonald’s, e comércios locais fazem publicidade em inglês. Num bairro do centro de Tegucigalpa, um grafite solitário declara em em espanhol, “Honduras está com Taiwan”.

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Pequim afirma que tem muito a oferecer a Honduras. Enquanto “país em desenvolvimento” que alcançou um rápido crescimento, a China tem uma experiência de que é “mais fácil compartilhar” maior que a de outros parceiros, afirmou o porta-voz da Embaixada Chinesa em Washington, Liu Pengyu. (A Embaixada Chinesa em Tegucigalpa não respondeu a repetidos pedidos de entrevista.)

Com políticas e mercados mais “previsíveis” e “estáveis”, afirmou Liu, a China tem oferecido à América Latina uma alternativa cada vez mais atrativa às relações com os EUA. “Talvez o Ocidente precise de uma estratégia mais inteligente”, afirmou ele.

O ministro das Relações Exteriores de Honduras, Enrique Reina, à esquerda, e Qin Gang, então ministro das Relações Exteriores da China, fazem um brinde em uma cerimônia em Pequim, em 26 de março, após o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Foto: Greg Baker/AP
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Na boca do gol

A ajuda e os investimentos dos EUA em toda a América Latina são vistos como vagarosos na concretização e significativamente exigentes em relação ao registro em direitos humanos e democracia dos países, juntamente com uma preferência pelo setor privado e organizações não governamentais. Honduras, conhecido há muito por violência e corrupção, foi objeto de escrutínio particular dos EUA. Em contraste, as ofertas da China de comércio e investimento, pouco exigentes, seduzem cada vez mais que laços tradicionais ou ideologias na região.

A China com frequência tem oferecido condições melhores do que empresas americanas e obtido contratos de projetos de infraestrutura e exploração de matéria-prima, incluindo minérios, em países que apoiam fielmente Washington, como Colômbia. Mesmo quando as relações diplomáticas do Brasil com Pequim esfriaram durante o governo direitista do ex-presidente Jair Bolsonaro, o comércio e o investimento continuaram a crescer entre os países. Na Argentina, uma massiva estação de observação espacial administrada pela Direção Geral de Lançamento e Controle de Trajetória de Satélites da China, que é parte da Força de Apoio Estratégico das Forças Armadas Chinesas, aponta sua antena para os céus da Patagônia. A China fez investimentos significativos nas substanciais jazidas de lítio no Chile.

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A América Central tem obtido poucas contrapartidas visíveis pelos reposicionamentos diplomáticos, à exceção do Panamá, onde a China passou a operar dos dois lados do Canal.

Na Costa Rica, o primeiro país latino-americano a descartar Taiwan, em 2007, a China construiu um novo estádio de futebol — replicando sua “diplomacia futebolística” por toda a África. Mas enquanto uma grande rodovia é construída pelos chineses, o projeto de uma refinaria de petróleo foi cancelado, e esperanças de exportar mais para a China não se materializaram.

O presidente da China, Xi Jinping, o segundo a partir da esquerda, ouve o então presidente panamenho Juan Carlos Varela, ao lado da primeira-dama chinesa, Peng Liyan, e a primeira-dama do Panamá, Lorena Castillo, em frente a um navio contêiner chinês no Canal do Panamá em 2018  Foto: Luis Acosta/AFP

“Nós conseguimos o estádio, 200 carros de polícia chineses e vários programas de infraestrutura a serem desenvolvidos”, afirmou em entrevista recente o ex-presidente costa-riquenho Luis Guillermo Solís, que governou o país de 2014 a 2018. “Eu passei as tropas em revista”, durante uma visita à China em 2015 em que encontrou-se com Xi, acrescentou Solís. “Era janeiro, estava frio. Eu não ganhei tendas douradas com dragões.”

Infraestrutura

Além de ajuda para reestruturar sua dívida nacional, Honduras busca empréstimos e investimentos para uma longa lista de possíveis projetos de infraestrutura: pelo menos quatro represas para melhorar a produção de eletricidade; rodovias; comunicações; um novo hospital; e uma nova penitenciária proposta para membros de gangue, narcotraficantes e outros criminosos em uma ilha desabitada no Caribe, a cerca de 160 quilômetros da costa hondurenha.

O modelo de desenvolvimento da China “tem muito a ensinar” para este país de 10 milhões de habitantes, disse à TV chinesa Ricardo Salgado, ministro do Planejamento de Castro e líder da torcida pela nova relação, poucos dias antes dos laços diplomáticos serem estabelecidos. “Nos próximos quatro anos, nós poderemos criar pelo menos meio milhão de empregos.”

Até aqui, Pequim não se comprometeu com nenhuma das propostas hondurenhas, e Reina afirmou que os EUA, a União Europeia, o Japão e outros países são bem-vindos para oferecer financiamento a Honduras. “Nós veremos quais desses países estão interessados em investir nesses projetos.”

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao centro, fala com a presidente de Honduras, Xiomara Castro, à direita, após a posse de Castro como a primeira mulher presidente de Honduras em janeiro de 2022 Foto: Inti Ocon/

Além das relações bilaterais, a China tem se movimentado para se inserir em organizações regionais. Em agosto, o Parlamento Centro-Americano aprovou a expulsão de Taiwan como “observadora permanente” e transferiu esse status para a República Popular da China. “Isso mostra novamente que o princípio de Uma China representa a tendência irrefreável dos tempos e tem apoio esmagador do povo”, afirmou o ministério chinês de Relações Exteriores.

Mesmo que alguns dos retornos sonhados pelos novos parceiros da China no Hemisfério ainda não tenham se materializado, autoridades tanto no Pentágono quanto no Departamento de Estado preocupam-se há anos com a possibilidade das consecutivas de vitórias diplomáticas da China terem construído fundações para ameaças futuras.

“A RPC está investindo em infraestruturas críticas, incluindo portos de águas profundas, cibernética e instalações espaciais, que possuem potencial de uso duplo para atividades malignas tanto comerciais quanto militares”, afirmou ao Congresso americano a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, em março. “Em qualquer conflito potencial, a RPC poderia exercer influência em portos regionais para restringir acesso naval e comercial dos EUA. Trata-se de um risco estratégico que nós não podemos aceitar nem ignorar.”

“Eles estão na linha da pequena área dos EUA”, afirmou Richardson a um fórum no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, em agosto.

Demanda por bilhões

Quando Castro mencionou planos para estabelecer relações com a China durante sua campanha presidencial, em 2021, o governo Biden se movimentou, enviando o subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, à capital hondurenha, Tegucigalpa, para encontrar-se com a então candidata. “Eu enfatizei a importância de olhar realmente para a realidade das relações, o que há em oferta, tendo todas as informações antes de tomar uma decisão”, afirmou Nichols em entrevista.

Ele retornou a Honduras para outra rodada diplomática como parte da delegação liderada pela vice-presidente Kamala Harris à posse de Castro, em janeiro de 2022. “Nós queremos garantir que eles entendam que a RPC frequentemente deixou de cumprir promessas que fez para encorajar países a alterar seu reconhecimento” em relação a Taiwan, afirmou Nichols, “e que os benefícios prometidos com frequência provam-se efêmeros (…) ou inexistentes; que as dívidas decorrentes dos projetos que eles defendem (…) têm causado arrependimentos”.

Taiwan enviou sua própria delegação para a posse, liderada pelo vice-presidente Lai Ching-te. Durante uma reunião com Castro, relatou o gabinete presidencial taiwanês, a nova líder hondurenha “recordou-se com gratidão dos muitos anos da assistência de Taiwan a Honduras e (…) enfatizou sua intenção de continuar a aprofundar relações amistosas”.

Castro esperou mais de um ano para cumprir sua promessa de campanha. Em 15 de março, ela revelou na plataforma X, então conhecida como Twitter, que tinha instruído Reina a iniciar negociações com Pequim, e o acordo foi concluído 10 dias depois. Taiwan mostrou bastante insatisfação. Em uma conferência de imprensa em Taipei, a capital, o ministro taiwanês de Relações Exteriores, Joseph Wu afirmou que Reina escreveu-lhe pouco antes do rompimento exigindo US$ 2,45 bilhões — US$ 90 milhões para um hospital, US$ 350 milhões para uma represa e US$ 2 bilhões para “abater (…) de sua dívida nacional”. Wu comparou o pedido a “chantagem”.

Reina descreveu as conversas anteriores ao rompimento com Taiwan como “francas” e “pragmáticas”. Taiwan, afirmou ele, não respondeu às propostas hondurenhas para negociar novos termos para sua dívida e considerar “um empréstimo para construir alguns projetos hidroelétricos importantes”.

A reação pública do Departamento de Estado foi sucinta: o rompimento com Taiwan foi uma decisão soberana de Honduras que o país tinha todo o direito de tomar, afirmou a chancelaria americana, ainda que a China “com frequência faça promessas em troca de reconhecimento diplomático que acabam não sendo cumpridas”.

A mensagem de Castro para a região e o mundo, afirmou Gustavo Irías, diretor-executivo do não governamental Centro para Estudo da Democracia, de Honduras, foi: “nós deixamos de ser uma república de bananas e não seguiremos necessariamente os ditames da política externa americana”.

A vice presidente de Taiwan, Lai Ching-te, desembarca na base aérea de Soto Cano em janeiro de 2022 para participar da cerimonia de posse de Xiomara Castro como presidente de Honduras  Foto: Orlando Sierra/AFP

Olhos atentos

O anúncio a respeito da China serviu como uma distração temporária do caos político e dos impasses que se seguiram desde que a coalizão de Castro assumiu, após anos do que a presidente qualifica como uma “narcoditadura” que prejudicou a economia, enfraqueceu as instituições e ocasionou corrupção endêmica.

Seu antecessor, Juan Orlando Hernández, cuja aquiescência à política de defesa e cooperação dos EUA em relação a temas migratórios garantiu-lhe a simpatia dos governos Obama e Trump, foi indiciado pelo Departamento de Justiça americano por tráfico de drogas e armas. Ele foi extraditado no início do ano passado pelo governo Castro e aguarda julgamento em Nova York.

A vitória eleitoral de Castro no primeiro turno, defendendo justiça social, fim da impunidade e crescimento econômico, deixou claro que os hondurenhos estavam entusiasmados com as mudanças que ela prometia. Assim como o governo Biden.

Mas sem maioria no Legislativo, Castro fez pouco progresso no avanço das principais propostas para retirar poder de seus oponentes políticos, do setor privado e dos investidores estrangeiros — a “elite corrupta”, como seu governo os descreve.

A presidente de Honduras, Xiomara Castro, com o seu marido e ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya Foto: Gustavo Amador/E

Críticos afirmam que Castro se interessa mais em ideologia do que em governar, reforçando laços com os governos esquerdistas da Venezuela e da Nicarágua e copiando o populismo autocrático do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que lidou com a violência das gangues declarando um estado de emergência e prendendo dezenas de milhares em uma megaprisão construída recentemente.

Da mesma forma que seus antecessores, afirmam os críticos, Castro lotou seu governo de parentes e camaradas de ideologia. Seu filho e seu marido, Manuel Zelaya — ex-presidente hondurenho deposto em um golpe, em 2009, e apoiado por alguns dos atuais oponentes de Castro — são seus principais conselheiros presidenciais. Um sobrinho virou ministro da Defesa. Sua filha, legisladora, tem figurado com proeminência na nascente relação com a China.

“O governo tem conseguido criar uma imagem da China como salvadora”, afirmou Helui Castillo, encarregada de política comercial do Conselho Hondurenho de Empreendimentos Privados (COHEP), a maior organização empresarial e comercial do país. “Em termos de comércio, eu não acho que haverá grande mudança”, afirmou ela.

Mesmo antes da abertura das relações diplomáticas, o comércio de Honduras com a China só ficava atrás dos negócios com os EUA no país centro-americano, apesar de muito mais desequilibrado. Além de café e pequenas produções, os americanos importam roupas e tecidos fabricados em Honduras e pequenos aparelhos elétricos — itens que a China exporta em quantidade. Em troca de uma ampla gama de itens de comunicação, tecnologia e manufatura, Honduras exporta quantidades relativamente pequenas de produtos agrícolas e matérias-primas para a China.

Apesar de sua influência raramente ser vista em projetos e investimentos, os EUA estão profundamente inseridos em Honduras. Os estimados US$ 8,5 bilhões em remessas enviados para o país centro-americano no ano passado, de acordo com o Banco Mundial — quase inteiramente pelo 1,1 milhão de hondurenhos vivendo nos EUA — “é a maior parte da nossa economia”, afirmou Castillo. “Todos nós temos parentes lá. Os EUA ficam a duas horas daqui, são nossos maiores parceiros comerciais. Nós temos base (dos EUA) aqui. As relações são fortes. Muitas pessoas falam alto que não gostam dos EUA, mas secretamente (…) querem ir para a Disney e ficam na fila para conseguir vistos.”

Retratando a nova relação China-Honduras como feliz, mutuamente benéfica e prioritária para ambos os governos, com grandes promoções em Honduras, pelo TikTok e outras redes sociais, a agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, inaugurou uma redação em Tegucigalpa e anunciou planos de tornar a capital hondurenha seu polo de operações na América Central. Pouco após as relações diplomáticas serem inauguradas, um grupo de 30 jornalistas hondurenhos foi levado para uma viagem de 10 dias à China com todas as despesas pagas.

“Tudo é muito moderno”, afirmou um dos enviados, que falou sob condição de anonimato para evitar problemas com o governo. “Carros autônomos, tecnologias incríveis, edifícios enormes, alto nível de educação. Nós recebemos tratamento VIP, e todos os dias foram repletos de atividades”, com visitas a infraestruturas massivas e reuniões com autoridades locais e nacionais.

Tudo conduzido sob o olhar atento dos prestativos funcionários do ministério chinês de Relações Exteriores, afirmou o jornalista.

O Departamento Central de Propaganda da China assinou um acordo — um dos 17 pactos bilaterais firmados durante a visita de Castro — segundo o qual a comissão de telecomunicações de Honduras transmitirá e promoverá produções do estatal China Media Group. Os dois países também “formarão um mecanismo de cooperação em reportagem”, juntamente com intercâmbios de tecnologia e pessoal, para “ajudar as relações China-Honduras a decolar em um início robusto”, noticiou a TV chinesa.

Uma vendedora de frutas empurra seu carrinho em um mercado nos arredores de Tegucigalpa em novembro de 2021, dias após a eleição de Castro como presidente Foto: Moises Castillo/

Deixe estar

Conforme as autoridades hondurenhas gabavam-se dos fortes laços com Pequim, com frequência com farpas veladas para Washington, a embaixadora americana em Tegucigalpa, Laura Dogu, partiu para o ataque. “No ano que passou desde minha chegada, ficou claro para mim que muitos hondurenhos não entendem completamente como o povo dos EUA apoia o povo de Honduras”, afirmou ela em discurso à Câmara de Comércio Honduras-EUA, em agosto.

Dogu ressaltou que o comércio bilateral cresceu de maneira recorde, 22%, no ano passado. Desde o início do governo de Castro, afirmou ela, “o governo dos EUA iniciou programas que representarão um investimento de mais de US$ 800 milhões”.

“Nossos requerimentos são criar empregos para os hondurenhos e que o projeto siga padrões internacionais ambientais e laborais”, afirmou Dogu. Ela acrescentou que agências americanas oferecem treinamento e suporte em uma ampla gama de atividades e serviços, incluindo empreendedorismo, educação, direito e governança, direitos humanos, agricultura e combate à corrupção.

“Os laços entre os nossos países e povos não podem ser rompidos”, afirmou Dogu.

Mas conversas com várias autoridades e outras fontes em ambos os países, muitas falando sob condição de anonimato para fornecer relatos sinceros e evitar antagonismos, deixaram claro que a relação tensionou. Alguns creem que Castro e seu marido se ressentem do que consideraram um apoio insuficiente dos EUA pela restituição de Zelaya à presidência após o golpe de 2009. Em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em 20 de setembro, Castro atribuiu sua eleição àqueles que “surgiram da resistência nas ruas contra o golpe de Estado” que o destituiu.

Os fuzileiros navais dos EUA chegam à base aérea de Soto Cano, em Comayagua, Honduras, em junho de 2019 para realizar projetos de assistência humanitária. Foto: Orlando Sierra/A

“Isso sem dúvida moldou sua visão de mundo, afirmou Nichols, o subsecretário de Estado. “‘Rancor’ é um estado emocional, portanto eu não estou em posição para caracterizar a coisa dessa maneira. O que eu direi é que nosso foco é manter uma relação robusta.”

Mas as autoridades de Castro percebem um desrespeito de Washington — que ainda não convidou a líder hondurenha para um encontro com o presidente Joe Biden na Casa Branca — e uma política que insiste nas teclas da corrupção e dos direitos humanos em vez de falar em desenvolvimento; e fornece ajuda não militar a setores da sociedade antagonistas ao governo.

Tom Shannon, veterano do Departamento de Estado que ocupou posições graduadas na formulação de políticas para América Latina, trabalha atualmente na firma de advocacia Arnold and Porter, em Washington, onde administra um contrato de US$ 90 mil ao mês de lobby para o governo hondurenho para melhorar suas relações com os EUA. O governo americano, afirmou ele, deveria simplesmente não se importar.

“Se eu fosse o governo americano olhando para Honduras, eu não me importaria com o que eles dissessem”, afirmou Shannon. “O que me importa é, ‘Como a nossa força-tarefa está operando? Nós podemos decolar quando quisermos da base aérea ou lançar nossa aeronave de vigilância (da DEA) e trabalhar com Honduras em interceptações aéreas e marítimas?’. Porque onde mais nós conseguiremos esse tipo de cooperação? (…) Ter uma base segura de operações para esforços antidrogas e de segurança é imensamente importante.”

Os inúmeros bloqueios, restrições e sensibilidades em torno da assistência e das políticas dos EUA “nos coloca em um lugar quase impossível” na competição com a China, afirmou Shannon, expressando uma queixa comum entre muitos diplomatas americanos na ativa.

Mesmo apoiadores ferrenhos do governo Biden preocupam-se com a possibilidade de que seu foco na guerra na Ucrânia e no Indo-Pacífico tenha levado os EUA a perder terreno na América Latina.

“Eu tenho dificuldade para perceber o que este governo tem feito na América Latina com algum empuxo”, afirmou o senador Tim Kaine (democrata da Virgínia), que preside a Subcomissão de Relações Exteriores sobre Hemisfério Ocidental do Senado, a autoridades dos Departamentos de Estado e do Tesouro, durante uma inflamada sessão, em julho.

“Se a oferta da China é, ‘Nós não exigimos nenhuma reforma, peguem algum dinheiro, peguem um investimento’; e a nossa oferta é, ‘Quando vocês nos permitirem melhorar todos esses aspectos de vocês mesmos nós estaremos abertos para mais interação’, (…) nós sempre ficaremos muito, muito, muito para trás mesmo.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEGUCIGALPA, Honduras — Quando a líder deste empobrecido país centro-americano visitou Pequim, em junho, o governo chinês recebeu-a calorosamente. Houve um jantar de Estado em honra à presidente no Grande Salão com presença do líder chinês, Xi Jinping, uma saudação de 21 tiros na Praça Tiananmen e extensas conversas bilaterais durante a visita de seis dias.

Para a China, a atenção concedida a Honduras — há muito um dos mais dóceis parceiros regionais dos Estados Unidos foi tanto propaganda quanto retribuição. Menos de três meses antes da chegada da presidente Xiomara Castro, apesar de apelo enérgicos do governo americano alertando a respeito de falsos galanteios da China, Honduras havia estabelecido relações diplomáticas com Pequim, rompendo seus laços de décadas com Taiwan.

Na arena global da competição EUA-China, tratou-se claramente de uma vitória de Pequim. Mas além do gosto amargo deixado pela mais recente vitória chinesa em política externa, o governo Biden e as Forças Armadas americanas percebem implicações estratégicas potencialmente ameaçadoras.

O presidente chinês, Xi Jinping, realiza uma cerimônia de boas-vindas a presidente de Honduras, Xiomara Castro, fora do Grande Salão do Povo, em Pequim, no dia 12 de junho, durante sua visita de Estado à China Foto: Wang Ye/AP

Há uma base militar dos EUA em Honduras, Soto Cano, com até 1,5 mil soldados, e uma força-tarefa conjunta que trata de prioridades de políticas regionais de Washington, como narcotráfico, crime organizado e migração, assim como resposta a desastres e treinamentos. Entre os vários portos americanos no Oceano Pacífico e no Caribe, de ambos lados da América Central, Puerto Cortés, na costa norte de Honduras, é o maior e o único de águas profundas.

Ainda que os próprios EUA tenham reconhecido a República Popular da China 44 anos atrás, Washington continuou a instar o número cada vez menor de países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan — 13 atualmente — a não mudar. O presidente eleito da Guatemala indicou que planeja seguir a toada. Na América do Sul — onde a China é atualmente a maior parceira comercial — o Paraguai é o bastião solitário. No Caribe, apenas o Haiti e três nações insulares menores reconhecem Taiwan.

O governo de Castro rejeitou as preocupações dos EUA classificando-as como exageradas e complacentes. “Nós temos uma boa relação com os EUA em defesa e segurança, disse à reportagem o ministro hondurenho de Relações Exteriores, Enrique Reina. “Eu acho que isso não mudará absolutamente. Nosso interesse é cooperar (com a China em áreas gerais: educação, saúde, tecnologia relacionada a uso civil, transporte, infraestrutura. Mas nada relacionado a segurança e defesa.”

Como outros países no Hemisfério, Honduras moveu-se para a esquerda, e o governo “democrata socialista” de Castro está expandindo suas alianças políticas e econômicas nessa direção. “Para algumas pessoas”, afirmou Reina sem mencionar nomes, “parece difícil perceber que nós somos um governo que toma suas próprias decisões”.

Um grafite visto no dia 22 de agosto em um muro de uma rua da capital hondurenha, Tegucigalpa, declara: “Honduras está com Taiwan”. Foto: Karen DeYoung/The Washington Post

Reconhecer a China, com seu enorme mercado importador de matérias-primas e apetite para investimentos no exterior, trata de “pragmatismo, não ideologia”, afirmou ele. A China pode ser “um problema para os interesses políticos dos EUA. Mas para nós é principalmente uma oportunidade para buscar outras alternativas para cooperação”.

Até aqui há pouca evidência da presença da China em Honduras. A nova embaixada chinesa ocupa temporariamente dependências de um hotel luxuoso. As ruas são repletas de lanchonetes Dunkin’, Pizza Hut e McDonald’s, e comércios locais fazem publicidade em inglês. Num bairro do centro de Tegucigalpa, um grafite solitário declara em em espanhol, “Honduras está com Taiwan”.

Pequim afirma que tem muito a oferecer a Honduras. Enquanto “país em desenvolvimento” que alcançou um rápido crescimento, a China tem uma experiência de que é “mais fácil compartilhar” maior que a de outros parceiros, afirmou o porta-voz da Embaixada Chinesa em Washington, Liu Pengyu. (A Embaixada Chinesa em Tegucigalpa não respondeu a repetidos pedidos de entrevista.)

Com políticas e mercados mais “previsíveis” e “estáveis”, afirmou Liu, a China tem oferecido à América Latina uma alternativa cada vez mais atrativa às relações com os EUA. “Talvez o Ocidente precise de uma estratégia mais inteligente”, afirmou ele.

O ministro das Relações Exteriores de Honduras, Enrique Reina, à esquerda, e Qin Gang, então ministro das Relações Exteriores da China, fazem um brinde em uma cerimônia em Pequim, em 26 de março, após o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Foto: Greg Baker/AP

Na boca do gol

A ajuda e os investimentos dos EUA em toda a América Latina são vistos como vagarosos na concretização e significativamente exigentes em relação ao registro em direitos humanos e democracia dos países, juntamente com uma preferência pelo setor privado e organizações não governamentais. Honduras, conhecido há muito por violência e corrupção, foi objeto de escrutínio particular dos EUA. Em contraste, as ofertas da China de comércio e investimento, pouco exigentes, seduzem cada vez mais que laços tradicionais ou ideologias na região.

A China com frequência tem oferecido condições melhores do que empresas americanas e obtido contratos de projetos de infraestrutura e exploração de matéria-prima, incluindo minérios, em países que apoiam fielmente Washington, como Colômbia. Mesmo quando as relações diplomáticas do Brasil com Pequim esfriaram durante o governo direitista do ex-presidente Jair Bolsonaro, o comércio e o investimento continuaram a crescer entre os países. Na Argentina, uma massiva estação de observação espacial administrada pela Direção Geral de Lançamento e Controle de Trajetória de Satélites da China, que é parte da Força de Apoio Estratégico das Forças Armadas Chinesas, aponta sua antena para os céus da Patagônia. A China fez investimentos significativos nas substanciais jazidas de lítio no Chile.

A América Central tem obtido poucas contrapartidas visíveis pelos reposicionamentos diplomáticos, à exceção do Panamá, onde a China passou a operar dos dois lados do Canal.

Na Costa Rica, o primeiro país latino-americano a descartar Taiwan, em 2007, a China construiu um novo estádio de futebol — replicando sua “diplomacia futebolística” por toda a África. Mas enquanto uma grande rodovia é construída pelos chineses, o projeto de uma refinaria de petróleo foi cancelado, e esperanças de exportar mais para a China não se materializaram.

O presidente da China, Xi Jinping, o segundo a partir da esquerda, ouve o então presidente panamenho Juan Carlos Varela, ao lado da primeira-dama chinesa, Peng Liyan, e a primeira-dama do Panamá, Lorena Castillo, em frente a um navio contêiner chinês no Canal do Panamá em 2018  Foto: Luis Acosta/AFP

“Nós conseguimos o estádio, 200 carros de polícia chineses e vários programas de infraestrutura a serem desenvolvidos”, afirmou em entrevista recente o ex-presidente costa-riquenho Luis Guillermo Solís, que governou o país de 2014 a 2018. “Eu passei as tropas em revista”, durante uma visita à China em 2015 em que encontrou-se com Xi, acrescentou Solís. “Era janeiro, estava frio. Eu não ganhei tendas douradas com dragões.”

Infraestrutura

Além de ajuda para reestruturar sua dívida nacional, Honduras busca empréstimos e investimentos para uma longa lista de possíveis projetos de infraestrutura: pelo menos quatro represas para melhorar a produção de eletricidade; rodovias; comunicações; um novo hospital; e uma nova penitenciária proposta para membros de gangue, narcotraficantes e outros criminosos em uma ilha desabitada no Caribe, a cerca de 160 quilômetros da costa hondurenha.

O modelo de desenvolvimento da China “tem muito a ensinar” para este país de 10 milhões de habitantes, disse à TV chinesa Ricardo Salgado, ministro do Planejamento de Castro e líder da torcida pela nova relação, poucos dias antes dos laços diplomáticos serem estabelecidos. “Nos próximos quatro anos, nós poderemos criar pelo menos meio milhão de empregos.”

Até aqui, Pequim não se comprometeu com nenhuma das propostas hondurenhas, e Reina afirmou que os EUA, a União Europeia, o Japão e outros países são bem-vindos para oferecer financiamento a Honduras. “Nós veremos quais desses países estão interessados em investir nesses projetos.”

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao centro, fala com a presidente de Honduras, Xiomara Castro, à direita, após a posse de Castro como a primeira mulher presidente de Honduras em janeiro de 2022 Foto: Inti Ocon/

Além das relações bilaterais, a China tem se movimentado para se inserir em organizações regionais. Em agosto, o Parlamento Centro-Americano aprovou a expulsão de Taiwan como “observadora permanente” e transferiu esse status para a República Popular da China. “Isso mostra novamente que o princípio de Uma China representa a tendência irrefreável dos tempos e tem apoio esmagador do povo”, afirmou o ministério chinês de Relações Exteriores.

Mesmo que alguns dos retornos sonhados pelos novos parceiros da China no Hemisfério ainda não tenham se materializado, autoridades tanto no Pentágono quanto no Departamento de Estado preocupam-se há anos com a possibilidade das consecutivas de vitórias diplomáticas da China terem construído fundações para ameaças futuras.

“A RPC está investindo em infraestruturas críticas, incluindo portos de águas profundas, cibernética e instalações espaciais, que possuem potencial de uso duplo para atividades malignas tanto comerciais quanto militares”, afirmou ao Congresso americano a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, em março. “Em qualquer conflito potencial, a RPC poderia exercer influência em portos regionais para restringir acesso naval e comercial dos EUA. Trata-se de um risco estratégico que nós não podemos aceitar nem ignorar.”

“Eles estão na linha da pequena área dos EUA”, afirmou Richardson a um fórum no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, em agosto.

Demanda por bilhões

Quando Castro mencionou planos para estabelecer relações com a China durante sua campanha presidencial, em 2021, o governo Biden se movimentou, enviando o subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, à capital hondurenha, Tegucigalpa, para encontrar-se com a então candidata. “Eu enfatizei a importância de olhar realmente para a realidade das relações, o que há em oferta, tendo todas as informações antes de tomar uma decisão”, afirmou Nichols em entrevista.

Ele retornou a Honduras para outra rodada diplomática como parte da delegação liderada pela vice-presidente Kamala Harris à posse de Castro, em janeiro de 2022. “Nós queremos garantir que eles entendam que a RPC frequentemente deixou de cumprir promessas que fez para encorajar países a alterar seu reconhecimento” em relação a Taiwan, afirmou Nichols, “e que os benefícios prometidos com frequência provam-se efêmeros (…) ou inexistentes; que as dívidas decorrentes dos projetos que eles defendem (…) têm causado arrependimentos”.

Taiwan enviou sua própria delegação para a posse, liderada pelo vice-presidente Lai Ching-te. Durante uma reunião com Castro, relatou o gabinete presidencial taiwanês, a nova líder hondurenha “recordou-se com gratidão dos muitos anos da assistência de Taiwan a Honduras e (…) enfatizou sua intenção de continuar a aprofundar relações amistosas”.

Castro esperou mais de um ano para cumprir sua promessa de campanha. Em 15 de março, ela revelou na plataforma X, então conhecida como Twitter, que tinha instruído Reina a iniciar negociações com Pequim, e o acordo foi concluído 10 dias depois. Taiwan mostrou bastante insatisfação. Em uma conferência de imprensa em Taipei, a capital, o ministro taiwanês de Relações Exteriores, Joseph Wu afirmou que Reina escreveu-lhe pouco antes do rompimento exigindo US$ 2,45 bilhões — US$ 90 milhões para um hospital, US$ 350 milhões para uma represa e US$ 2 bilhões para “abater (…) de sua dívida nacional”. Wu comparou o pedido a “chantagem”.

Reina descreveu as conversas anteriores ao rompimento com Taiwan como “francas” e “pragmáticas”. Taiwan, afirmou ele, não respondeu às propostas hondurenhas para negociar novos termos para sua dívida e considerar “um empréstimo para construir alguns projetos hidroelétricos importantes”.

A reação pública do Departamento de Estado foi sucinta: o rompimento com Taiwan foi uma decisão soberana de Honduras que o país tinha todo o direito de tomar, afirmou a chancelaria americana, ainda que a China “com frequência faça promessas em troca de reconhecimento diplomático que acabam não sendo cumpridas”.

A mensagem de Castro para a região e o mundo, afirmou Gustavo Irías, diretor-executivo do não governamental Centro para Estudo da Democracia, de Honduras, foi: “nós deixamos de ser uma república de bananas e não seguiremos necessariamente os ditames da política externa americana”.

A vice presidente de Taiwan, Lai Ching-te, desembarca na base aérea de Soto Cano em janeiro de 2022 para participar da cerimonia de posse de Xiomara Castro como presidente de Honduras  Foto: Orlando Sierra/AFP

Olhos atentos

O anúncio a respeito da China serviu como uma distração temporária do caos político e dos impasses que se seguiram desde que a coalizão de Castro assumiu, após anos do que a presidente qualifica como uma “narcoditadura” que prejudicou a economia, enfraqueceu as instituições e ocasionou corrupção endêmica.

Seu antecessor, Juan Orlando Hernández, cuja aquiescência à política de defesa e cooperação dos EUA em relação a temas migratórios garantiu-lhe a simpatia dos governos Obama e Trump, foi indiciado pelo Departamento de Justiça americano por tráfico de drogas e armas. Ele foi extraditado no início do ano passado pelo governo Castro e aguarda julgamento em Nova York.

A vitória eleitoral de Castro no primeiro turno, defendendo justiça social, fim da impunidade e crescimento econômico, deixou claro que os hondurenhos estavam entusiasmados com as mudanças que ela prometia. Assim como o governo Biden.

Mas sem maioria no Legislativo, Castro fez pouco progresso no avanço das principais propostas para retirar poder de seus oponentes políticos, do setor privado e dos investidores estrangeiros — a “elite corrupta”, como seu governo os descreve.

A presidente de Honduras, Xiomara Castro, com o seu marido e ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya Foto: Gustavo Amador/E

Críticos afirmam que Castro se interessa mais em ideologia do que em governar, reforçando laços com os governos esquerdistas da Venezuela e da Nicarágua e copiando o populismo autocrático do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que lidou com a violência das gangues declarando um estado de emergência e prendendo dezenas de milhares em uma megaprisão construída recentemente.

Da mesma forma que seus antecessores, afirmam os críticos, Castro lotou seu governo de parentes e camaradas de ideologia. Seu filho e seu marido, Manuel Zelaya — ex-presidente hondurenho deposto em um golpe, em 2009, e apoiado por alguns dos atuais oponentes de Castro — são seus principais conselheiros presidenciais. Um sobrinho virou ministro da Defesa. Sua filha, legisladora, tem figurado com proeminência na nascente relação com a China.

“O governo tem conseguido criar uma imagem da China como salvadora”, afirmou Helui Castillo, encarregada de política comercial do Conselho Hondurenho de Empreendimentos Privados (COHEP), a maior organização empresarial e comercial do país. “Em termos de comércio, eu não acho que haverá grande mudança”, afirmou ela.

Mesmo antes da abertura das relações diplomáticas, o comércio de Honduras com a China só ficava atrás dos negócios com os EUA no país centro-americano, apesar de muito mais desequilibrado. Além de café e pequenas produções, os americanos importam roupas e tecidos fabricados em Honduras e pequenos aparelhos elétricos — itens que a China exporta em quantidade. Em troca de uma ampla gama de itens de comunicação, tecnologia e manufatura, Honduras exporta quantidades relativamente pequenas de produtos agrícolas e matérias-primas para a China.

Apesar de sua influência raramente ser vista em projetos e investimentos, os EUA estão profundamente inseridos em Honduras. Os estimados US$ 8,5 bilhões em remessas enviados para o país centro-americano no ano passado, de acordo com o Banco Mundial — quase inteiramente pelo 1,1 milhão de hondurenhos vivendo nos EUA — “é a maior parte da nossa economia”, afirmou Castillo. “Todos nós temos parentes lá. Os EUA ficam a duas horas daqui, são nossos maiores parceiros comerciais. Nós temos base (dos EUA) aqui. As relações são fortes. Muitas pessoas falam alto que não gostam dos EUA, mas secretamente (…) querem ir para a Disney e ficam na fila para conseguir vistos.”

Retratando a nova relação China-Honduras como feliz, mutuamente benéfica e prioritária para ambos os governos, com grandes promoções em Honduras, pelo TikTok e outras redes sociais, a agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, inaugurou uma redação em Tegucigalpa e anunciou planos de tornar a capital hondurenha seu polo de operações na América Central. Pouco após as relações diplomáticas serem inauguradas, um grupo de 30 jornalistas hondurenhos foi levado para uma viagem de 10 dias à China com todas as despesas pagas.

“Tudo é muito moderno”, afirmou um dos enviados, que falou sob condição de anonimato para evitar problemas com o governo. “Carros autônomos, tecnologias incríveis, edifícios enormes, alto nível de educação. Nós recebemos tratamento VIP, e todos os dias foram repletos de atividades”, com visitas a infraestruturas massivas e reuniões com autoridades locais e nacionais.

Tudo conduzido sob o olhar atento dos prestativos funcionários do ministério chinês de Relações Exteriores, afirmou o jornalista.

O Departamento Central de Propaganda da China assinou um acordo — um dos 17 pactos bilaterais firmados durante a visita de Castro — segundo o qual a comissão de telecomunicações de Honduras transmitirá e promoverá produções do estatal China Media Group. Os dois países também “formarão um mecanismo de cooperação em reportagem”, juntamente com intercâmbios de tecnologia e pessoal, para “ajudar as relações China-Honduras a decolar em um início robusto”, noticiou a TV chinesa.

Uma vendedora de frutas empurra seu carrinho em um mercado nos arredores de Tegucigalpa em novembro de 2021, dias após a eleição de Castro como presidente Foto: Moises Castillo/

Deixe estar

Conforme as autoridades hondurenhas gabavam-se dos fortes laços com Pequim, com frequência com farpas veladas para Washington, a embaixadora americana em Tegucigalpa, Laura Dogu, partiu para o ataque. “No ano que passou desde minha chegada, ficou claro para mim que muitos hondurenhos não entendem completamente como o povo dos EUA apoia o povo de Honduras”, afirmou ela em discurso à Câmara de Comércio Honduras-EUA, em agosto.

Dogu ressaltou que o comércio bilateral cresceu de maneira recorde, 22%, no ano passado. Desde o início do governo de Castro, afirmou ela, “o governo dos EUA iniciou programas que representarão um investimento de mais de US$ 800 milhões”.

“Nossos requerimentos são criar empregos para os hondurenhos e que o projeto siga padrões internacionais ambientais e laborais”, afirmou Dogu. Ela acrescentou que agências americanas oferecem treinamento e suporte em uma ampla gama de atividades e serviços, incluindo empreendedorismo, educação, direito e governança, direitos humanos, agricultura e combate à corrupção.

“Os laços entre os nossos países e povos não podem ser rompidos”, afirmou Dogu.

Mas conversas com várias autoridades e outras fontes em ambos os países, muitas falando sob condição de anonimato para fornecer relatos sinceros e evitar antagonismos, deixaram claro que a relação tensionou. Alguns creem que Castro e seu marido se ressentem do que consideraram um apoio insuficiente dos EUA pela restituição de Zelaya à presidência após o golpe de 2009. Em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em 20 de setembro, Castro atribuiu sua eleição àqueles que “surgiram da resistência nas ruas contra o golpe de Estado” que o destituiu.

Os fuzileiros navais dos EUA chegam à base aérea de Soto Cano, em Comayagua, Honduras, em junho de 2019 para realizar projetos de assistência humanitária. Foto: Orlando Sierra/A

“Isso sem dúvida moldou sua visão de mundo, afirmou Nichols, o subsecretário de Estado. “‘Rancor’ é um estado emocional, portanto eu não estou em posição para caracterizar a coisa dessa maneira. O que eu direi é que nosso foco é manter uma relação robusta.”

Mas as autoridades de Castro percebem um desrespeito de Washington — que ainda não convidou a líder hondurenha para um encontro com o presidente Joe Biden na Casa Branca — e uma política que insiste nas teclas da corrupção e dos direitos humanos em vez de falar em desenvolvimento; e fornece ajuda não militar a setores da sociedade antagonistas ao governo.

Tom Shannon, veterano do Departamento de Estado que ocupou posições graduadas na formulação de políticas para América Latina, trabalha atualmente na firma de advocacia Arnold and Porter, em Washington, onde administra um contrato de US$ 90 mil ao mês de lobby para o governo hondurenho para melhorar suas relações com os EUA. O governo americano, afirmou ele, deveria simplesmente não se importar.

“Se eu fosse o governo americano olhando para Honduras, eu não me importaria com o que eles dissessem”, afirmou Shannon. “O que me importa é, ‘Como a nossa força-tarefa está operando? Nós podemos decolar quando quisermos da base aérea ou lançar nossa aeronave de vigilância (da DEA) e trabalhar com Honduras em interceptações aéreas e marítimas?’. Porque onde mais nós conseguiremos esse tipo de cooperação? (…) Ter uma base segura de operações para esforços antidrogas e de segurança é imensamente importante.”

Os inúmeros bloqueios, restrições e sensibilidades em torno da assistência e das políticas dos EUA “nos coloca em um lugar quase impossível” na competição com a China, afirmou Shannon, expressando uma queixa comum entre muitos diplomatas americanos na ativa.

Mesmo apoiadores ferrenhos do governo Biden preocupam-se com a possibilidade de que seu foco na guerra na Ucrânia e no Indo-Pacífico tenha levado os EUA a perder terreno na América Latina.

“Eu tenho dificuldade para perceber o que este governo tem feito na América Latina com algum empuxo”, afirmou o senador Tim Kaine (democrata da Virgínia), que preside a Subcomissão de Relações Exteriores sobre Hemisfério Ocidental do Senado, a autoridades dos Departamentos de Estado e do Tesouro, durante uma inflamada sessão, em julho.

“Se a oferta da China é, ‘Nós não exigimos nenhuma reforma, peguem algum dinheiro, peguem um investimento’; e a nossa oferta é, ‘Quando vocês nos permitirem melhorar todos esses aspectos de vocês mesmos nós estaremos abertos para mais interação’, (…) nós sempre ficaremos muito, muito, muito para trás mesmo.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEGUCIGALPA, Honduras — Quando a líder deste empobrecido país centro-americano visitou Pequim, em junho, o governo chinês recebeu-a calorosamente. Houve um jantar de Estado em honra à presidente no Grande Salão com presença do líder chinês, Xi Jinping, uma saudação de 21 tiros na Praça Tiananmen e extensas conversas bilaterais durante a visita de seis dias.

Para a China, a atenção concedida a Honduras — há muito um dos mais dóceis parceiros regionais dos Estados Unidos foi tanto propaganda quanto retribuição. Menos de três meses antes da chegada da presidente Xiomara Castro, apesar de apelo enérgicos do governo americano alertando a respeito de falsos galanteios da China, Honduras havia estabelecido relações diplomáticas com Pequim, rompendo seus laços de décadas com Taiwan.

Na arena global da competição EUA-China, tratou-se claramente de uma vitória de Pequim. Mas além do gosto amargo deixado pela mais recente vitória chinesa em política externa, o governo Biden e as Forças Armadas americanas percebem implicações estratégicas potencialmente ameaçadoras.

O presidente chinês, Xi Jinping, realiza uma cerimônia de boas-vindas a presidente de Honduras, Xiomara Castro, fora do Grande Salão do Povo, em Pequim, no dia 12 de junho, durante sua visita de Estado à China Foto: Wang Ye/AP

Há uma base militar dos EUA em Honduras, Soto Cano, com até 1,5 mil soldados, e uma força-tarefa conjunta que trata de prioridades de políticas regionais de Washington, como narcotráfico, crime organizado e migração, assim como resposta a desastres e treinamentos. Entre os vários portos americanos no Oceano Pacífico e no Caribe, de ambos lados da América Central, Puerto Cortés, na costa norte de Honduras, é o maior e o único de águas profundas.

Ainda que os próprios EUA tenham reconhecido a República Popular da China 44 anos atrás, Washington continuou a instar o número cada vez menor de países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan — 13 atualmente — a não mudar. O presidente eleito da Guatemala indicou que planeja seguir a toada. Na América do Sul — onde a China é atualmente a maior parceira comercial — o Paraguai é o bastião solitário. No Caribe, apenas o Haiti e três nações insulares menores reconhecem Taiwan.

O governo de Castro rejeitou as preocupações dos EUA classificando-as como exageradas e complacentes. “Nós temos uma boa relação com os EUA em defesa e segurança, disse à reportagem o ministro hondurenho de Relações Exteriores, Enrique Reina. “Eu acho que isso não mudará absolutamente. Nosso interesse é cooperar (com a China em áreas gerais: educação, saúde, tecnologia relacionada a uso civil, transporte, infraestrutura. Mas nada relacionado a segurança e defesa.”

Como outros países no Hemisfério, Honduras moveu-se para a esquerda, e o governo “democrata socialista” de Castro está expandindo suas alianças políticas e econômicas nessa direção. “Para algumas pessoas”, afirmou Reina sem mencionar nomes, “parece difícil perceber que nós somos um governo que toma suas próprias decisões”.

Um grafite visto no dia 22 de agosto em um muro de uma rua da capital hondurenha, Tegucigalpa, declara: “Honduras está com Taiwan”. Foto: Karen DeYoung/The Washington Post

Reconhecer a China, com seu enorme mercado importador de matérias-primas e apetite para investimentos no exterior, trata de “pragmatismo, não ideologia”, afirmou ele. A China pode ser “um problema para os interesses políticos dos EUA. Mas para nós é principalmente uma oportunidade para buscar outras alternativas para cooperação”.

Até aqui há pouca evidência da presença da China em Honduras. A nova embaixada chinesa ocupa temporariamente dependências de um hotel luxuoso. As ruas são repletas de lanchonetes Dunkin’, Pizza Hut e McDonald’s, e comércios locais fazem publicidade em inglês. Num bairro do centro de Tegucigalpa, um grafite solitário declara em em espanhol, “Honduras está com Taiwan”.

Pequim afirma que tem muito a oferecer a Honduras. Enquanto “país em desenvolvimento” que alcançou um rápido crescimento, a China tem uma experiência de que é “mais fácil compartilhar” maior que a de outros parceiros, afirmou o porta-voz da Embaixada Chinesa em Washington, Liu Pengyu. (A Embaixada Chinesa em Tegucigalpa não respondeu a repetidos pedidos de entrevista.)

Com políticas e mercados mais “previsíveis” e “estáveis”, afirmou Liu, a China tem oferecido à América Latina uma alternativa cada vez mais atrativa às relações com os EUA. “Talvez o Ocidente precise de uma estratégia mais inteligente”, afirmou ele.

O ministro das Relações Exteriores de Honduras, Enrique Reina, à esquerda, e Qin Gang, então ministro das Relações Exteriores da China, fazem um brinde em uma cerimônia em Pequim, em 26 de março, após o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Foto: Greg Baker/AP

Na boca do gol

A ajuda e os investimentos dos EUA em toda a América Latina são vistos como vagarosos na concretização e significativamente exigentes em relação ao registro em direitos humanos e democracia dos países, juntamente com uma preferência pelo setor privado e organizações não governamentais. Honduras, conhecido há muito por violência e corrupção, foi objeto de escrutínio particular dos EUA. Em contraste, as ofertas da China de comércio e investimento, pouco exigentes, seduzem cada vez mais que laços tradicionais ou ideologias na região.

A China com frequência tem oferecido condições melhores do que empresas americanas e obtido contratos de projetos de infraestrutura e exploração de matéria-prima, incluindo minérios, em países que apoiam fielmente Washington, como Colômbia. Mesmo quando as relações diplomáticas do Brasil com Pequim esfriaram durante o governo direitista do ex-presidente Jair Bolsonaro, o comércio e o investimento continuaram a crescer entre os países. Na Argentina, uma massiva estação de observação espacial administrada pela Direção Geral de Lançamento e Controle de Trajetória de Satélites da China, que é parte da Força de Apoio Estratégico das Forças Armadas Chinesas, aponta sua antena para os céus da Patagônia. A China fez investimentos significativos nas substanciais jazidas de lítio no Chile.

A América Central tem obtido poucas contrapartidas visíveis pelos reposicionamentos diplomáticos, à exceção do Panamá, onde a China passou a operar dos dois lados do Canal.

Na Costa Rica, o primeiro país latino-americano a descartar Taiwan, em 2007, a China construiu um novo estádio de futebol — replicando sua “diplomacia futebolística” por toda a África. Mas enquanto uma grande rodovia é construída pelos chineses, o projeto de uma refinaria de petróleo foi cancelado, e esperanças de exportar mais para a China não se materializaram.

O presidente da China, Xi Jinping, o segundo a partir da esquerda, ouve o então presidente panamenho Juan Carlos Varela, ao lado da primeira-dama chinesa, Peng Liyan, e a primeira-dama do Panamá, Lorena Castillo, em frente a um navio contêiner chinês no Canal do Panamá em 2018  Foto: Luis Acosta/AFP

“Nós conseguimos o estádio, 200 carros de polícia chineses e vários programas de infraestrutura a serem desenvolvidos”, afirmou em entrevista recente o ex-presidente costa-riquenho Luis Guillermo Solís, que governou o país de 2014 a 2018. “Eu passei as tropas em revista”, durante uma visita à China em 2015 em que encontrou-se com Xi, acrescentou Solís. “Era janeiro, estava frio. Eu não ganhei tendas douradas com dragões.”

Infraestrutura

Além de ajuda para reestruturar sua dívida nacional, Honduras busca empréstimos e investimentos para uma longa lista de possíveis projetos de infraestrutura: pelo menos quatro represas para melhorar a produção de eletricidade; rodovias; comunicações; um novo hospital; e uma nova penitenciária proposta para membros de gangue, narcotraficantes e outros criminosos em uma ilha desabitada no Caribe, a cerca de 160 quilômetros da costa hondurenha.

O modelo de desenvolvimento da China “tem muito a ensinar” para este país de 10 milhões de habitantes, disse à TV chinesa Ricardo Salgado, ministro do Planejamento de Castro e líder da torcida pela nova relação, poucos dias antes dos laços diplomáticos serem estabelecidos. “Nos próximos quatro anos, nós poderemos criar pelo menos meio milhão de empregos.”

Até aqui, Pequim não se comprometeu com nenhuma das propostas hondurenhas, e Reina afirmou que os EUA, a União Europeia, o Japão e outros países são bem-vindos para oferecer financiamento a Honduras. “Nós veremos quais desses países estão interessados em investir nesses projetos.”

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao centro, fala com a presidente de Honduras, Xiomara Castro, à direita, após a posse de Castro como a primeira mulher presidente de Honduras em janeiro de 2022 Foto: Inti Ocon/

Além das relações bilaterais, a China tem se movimentado para se inserir em organizações regionais. Em agosto, o Parlamento Centro-Americano aprovou a expulsão de Taiwan como “observadora permanente” e transferiu esse status para a República Popular da China. “Isso mostra novamente que o princípio de Uma China representa a tendência irrefreável dos tempos e tem apoio esmagador do povo”, afirmou o ministério chinês de Relações Exteriores.

Mesmo que alguns dos retornos sonhados pelos novos parceiros da China no Hemisfério ainda não tenham se materializado, autoridades tanto no Pentágono quanto no Departamento de Estado preocupam-se há anos com a possibilidade das consecutivas de vitórias diplomáticas da China terem construído fundações para ameaças futuras.

“A RPC está investindo em infraestruturas críticas, incluindo portos de águas profundas, cibernética e instalações espaciais, que possuem potencial de uso duplo para atividades malignas tanto comerciais quanto militares”, afirmou ao Congresso americano a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, em março. “Em qualquer conflito potencial, a RPC poderia exercer influência em portos regionais para restringir acesso naval e comercial dos EUA. Trata-se de um risco estratégico que nós não podemos aceitar nem ignorar.”

“Eles estão na linha da pequena área dos EUA”, afirmou Richardson a um fórum no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, em agosto.

Demanda por bilhões

Quando Castro mencionou planos para estabelecer relações com a China durante sua campanha presidencial, em 2021, o governo Biden se movimentou, enviando o subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, à capital hondurenha, Tegucigalpa, para encontrar-se com a então candidata. “Eu enfatizei a importância de olhar realmente para a realidade das relações, o que há em oferta, tendo todas as informações antes de tomar uma decisão”, afirmou Nichols em entrevista.

Ele retornou a Honduras para outra rodada diplomática como parte da delegação liderada pela vice-presidente Kamala Harris à posse de Castro, em janeiro de 2022. “Nós queremos garantir que eles entendam que a RPC frequentemente deixou de cumprir promessas que fez para encorajar países a alterar seu reconhecimento” em relação a Taiwan, afirmou Nichols, “e que os benefícios prometidos com frequência provam-se efêmeros (…) ou inexistentes; que as dívidas decorrentes dos projetos que eles defendem (…) têm causado arrependimentos”.

Taiwan enviou sua própria delegação para a posse, liderada pelo vice-presidente Lai Ching-te. Durante uma reunião com Castro, relatou o gabinete presidencial taiwanês, a nova líder hondurenha “recordou-se com gratidão dos muitos anos da assistência de Taiwan a Honduras e (…) enfatizou sua intenção de continuar a aprofundar relações amistosas”.

Castro esperou mais de um ano para cumprir sua promessa de campanha. Em 15 de março, ela revelou na plataforma X, então conhecida como Twitter, que tinha instruído Reina a iniciar negociações com Pequim, e o acordo foi concluído 10 dias depois. Taiwan mostrou bastante insatisfação. Em uma conferência de imprensa em Taipei, a capital, o ministro taiwanês de Relações Exteriores, Joseph Wu afirmou que Reina escreveu-lhe pouco antes do rompimento exigindo US$ 2,45 bilhões — US$ 90 milhões para um hospital, US$ 350 milhões para uma represa e US$ 2 bilhões para “abater (…) de sua dívida nacional”. Wu comparou o pedido a “chantagem”.

Reina descreveu as conversas anteriores ao rompimento com Taiwan como “francas” e “pragmáticas”. Taiwan, afirmou ele, não respondeu às propostas hondurenhas para negociar novos termos para sua dívida e considerar “um empréstimo para construir alguns projetos hidroelétricos importantes”.

A reação pública do Departamento de Estado foi sucinta: o rompimento com Taiwan foi uma decisão soberana de Honduras que o país tinha todo o direito de tomar, afirmou a chancelaria americana, ainda que a China “com frequência faça promessas em troca de reconhecimento diplomático que acabam não sendo cumpridas”.

A mensagem de Castro para a região e o mundo, afirmou Gustavo Irías, diretor-executivo do não governamental Centro para Estudo da Democracia, de Honduras, foi: “nós deixamos de ser uma república de bananas e não seguiremos necessariamente os ditames da política externa americana”.

A vice presidente de Taiwan, Lai Ching-te, desembarca na base aérea de Soto Cano em janeiro de 2022 para participar da cerimonia de posse de Xiomara Castro como presidente de Honduras  Foto: Orlando Sierra/AFP

Olhos atentos

O anúncio a respeito da China serviu como uma distração temporária do caos político e dos impasses que se seguiram desde que a coalizão de Castro assumiu, após anos do que a presidente qualifica como uma “narcoditadura” que prejudicou a economia, enfraqueceu as instituições e ocasionou corrupção endêmica.

Seu antecessor, Juan Orlando Hernández, cuja aquiescência à política de defesa e cooperação dos EUA em relação a temas migratórios garantiu-lhe a simpatia dos governos Obama e Trump, foi indiciado pelo Departamento de Justiça americano por tráfico de drogas e armas. Ele foi extraditado no início do ano passado pelo governo Castro e aguarda julgamento em Nova York.

A vitória eleitoral de Castro no primeiro turno, defendendo justiça social, fim da impunidade e crescimento econômico, deixou claro que os hondurenhos estavam entusiasmados com as mudanças que ela prometia. Assim como o governo Biden.

Mas sem maioria no Legislativo, Castro fez pouco progresso no avanço das principais propostas para retirar poder de seus oponentes políticos, do setor privado e dos investidores estrangeiros — a “elite corrupta”, como seu governo os descreve.

A presidente de Honduras, Xiomara Castro, com o seu marido e ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya Foto: Gustavo Amador/E

Críticos afirmam que Castro se interessa mais em ideologia do que em governar, reforçando laços com os governos esquerdistas da Venezuela e da Nicarágua e copiando o populismo autocrático do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que lidou com a violência das gangues declarando um estado de emergência e prendendo dezenas de milhares em uma megaprisão construída recentemente.

Da mesma forma que seus antecessores, afirmam os críticos, Castro lotou seu governo de parentes e camaradas de ideologia. Seu filho e seu marido, Manuel Zelaya — ex-presidente hondurenho deposto em um golpe, em 2009, e apoiado por alguns dos atuais oponentes de Castro — são seus principais conselheiros presidenciais. Um sobrinho virou ministro da Defesa. Sua filha, legisladora, tem figurado com proeminência na nascente relação com a China.

“O governo tem conseguido criar uma imagem da China como salvadora”, afirmou Helui Castillo, encarregada de política comercial do Conselho Hondurenho de Empreendimentos Privados (COHEP), a maior organização empresarial e comercial do país. “Em termos de comércio, eu não acho que haverá grande mudança”, afirmou ela.

Mesmo antes da abertura das relações diplomáticas, o comércio de Honduras com a China só ficava atrás dos negócios com os EUA no país centro-americano, apesar de muito mais desequilibrado. Além de café e pequenas produções, os americanos importam roupas e tecidos fabricados em Honduras e pequenos aparelhos elétricos — itens que a China exporta em quantidade. Em troca de uma ampla gama de itens de comunicação, tecnologia e manufatura, Honduras exporta quantidades relativamente pequenas de produtos agrícolas e matérias-primas para a China.

Apesar de sua influência raramente ser vista em projetos e investimentos, os EUA estão profundamente inseridos em Honduras. Os estimados US$ 8,5 bilhões em remessas enviados para o país centro-americano no ano passado, de acordo com o Banco Mundial — quase inteiramente pelo 1,1 milhão de hondurenhos vivendo nos EUA — “é a maior parte da nossa economia”, afirmou Castillo. “Todos nós temos parentes lá. Os EUA ficam a duas horas daqui, são nossos maiores parceiros comerciais. Nós temos base (dos EUA) aqui. As relações são fortes. Muitas pessoas falam alto que não gostam dos EUA, mas secretamente (…) querem ir para a Disney e ficam na fila para conseguir vistos.”

Retratando a nova relação China-Honduras como feliz, mutuamente benéfica e prioritária para ambos os governos, com grandes promoções em Honduras, pelo TikTok e outras redes sociais, a agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, inaugurou uma redação em Tegucigalpa e anunciou planos de tornar a capital hondurenha seu polo de operações na América Central. Pouco após as relações diplomáticas serem inauguradas, um grupo de 30 jornalistas hondurenhos foi levado para uma viagem de 10 dias à China com todas as despesas pagas.

“Tudo é muito moderno”, afirmou um dos enviados, que falou sob condição de anonimato para evitar problemas com o governo. “Carros autônomos, tecnologias incríveis, edifícios enormes, alto nível de educação. Nós recebemos tratamento VIP, e todos os dias foram repletos de atividades”, com visitas a infraestruturas massivas e reuniões com autoridades locais e nacionais.

Tudo conduzido sob o olhar atento dos prestativos funcionários do ministério chinês de Relações Exteriores, afirmou o jornalista.

O Departamento Central de Propaganda da China assinou um acordo — um dos 17 pactos bilaterais firmados durante a visita de Castro — segundo o qual a comissão de telecomunicações de Honduras transmitirá e promoverá produções do estatal China Media Group. Os dois países também “formarão um mecanismo de cooperação em reportagem”, juntamente com intercâmbios de tecnologia e pessoal, para “ajudar as relações China-Honduras a decolar em um início robusto”, noticiou a TV chinesa.

Uma vendedora de frutas empurra seu carrinho em um mercado nos arredores de Tegucigalpa em novembro de 2021, dias após a eleição de Castro como presidente Foto: Moises Castillo/

Deixe estar

Conforme as autoridades hondurenhas gabavam-se dos fortes laços com Pequim, com frequência com farpas veladas para Washington, a embaixadora americana em Tegucigalpa, Laura Dogu, partiu para o ataque. “No ano que passou desde minha chegada, ficou claro para mim que muitos hondurenhos não entendem completamente como o povo dos EUA apoia o povo de Honduras”, afirmou ela em discurso à Câmara de Comércio Honduras-EUA, em agosto.

Dogu ressaltou que o comércio bilateral cresceu de maneira recorde, 22%, no ano passado. Desde o início do governo de Castro, afirmou ela, “o governo dos EUA iniciou programas que representarão um investimento de mais de US$ 800 milhões”.

“Nossos requerimentos são criar empregos para os hondurenhos e que o projeto siga padrões internacionais ambientais e laborais”, afirmou Dogu. Ela acrescentou que agências americanas oferecem treinamento e suporte em uma ampla gama de atividades e serviços, incluindo empreendedorismo, educação, direito e governança, direitos humanos, agricultura e combate à corrupção.

“Os laços entre os nossos países e povos não podem ser rompidos”, afirmou Dogu.

Mas conversas com várias autoridades e outras fontes em ambos os países, muitas falando sob condição de anonimato para fornecer relatos sinceros e evitar antagonismos, deixaram claro que a relação tensionou. Alguns creem que Castro e seu marido se ressentem do que consideraram um apoio insuficiente dos EUA pela restituição de Zelaya à presidência após o golpe de 2009. Em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em 20 de setembro, Castro atribuiu sua eleição àqueles que “surgiram da resistência nas ruas contra o golpe de Estado” que o destituiu.

Os fuzileiros navais dos EUA chegam à base aérea de Soto Cano, em Comayagua, Honduras, em junho de 2019 para realizar projetos de assistência humanitária. Foto: Orlando Sierra/A

“Isso sem dúvida moldou sua visão de mundo, afirmou Nichols, o subsecretário de Estado. “‘Rancor’ é um estado emocional, portanto eu não estou em posição para caracterizar a coisa dessa maneira. O que eu direi é que nosso foco é manter uma relação robusta.”

Mas as autoridades de Castro percebem um desrespeito de Washington — que ainda não convidou a líder hondurenha para um encontro com o presidente Joe Biden na Casa Branca — e uma política que insiste nas teclas da corrupção e dos direitos humanos em vez de falar em desenvolvimento; e fornece ajuda não militar a setores da sociedade antagonistas ao governo.

Tom Shannon, veterano do Departamento de Estado que ocupou posições graduadas na formulação de políticas para América Latina, trabalha atualmente na firma de advocacia Arnold and Porter, em Washington, onde administra um contrato de US$ 90 mil ao mês de lobby para o governo hondurenho para melhorar suas relações com os EUA. O governo americano, afirmou ele, deveria simplesmente não se importar.

“Se eu fosse o governo americano olhando para Honduras, eu não me importaria com o que eles dissessem”, afirmou Shannon. “O que me importa é, ‘Como a nossa força-tarefa está operando? Nós podemos decolar quando quisermos da base aérea ou lançar nossa aeronave de vigilância (da DEA) e trabalhar com Honduras em interceptações aéreas e marítimas?’. Porque onde mais nós conseguiremos esse tipo de cooperação? (…) Ter uma base segura de operações para esforços antidrogas e de segurança é imensamente importante.”

Os inúmeros bloqueios, restrições e sensibilidades em torno da assistência e das políticas dos EUA “nos coloca em um lugar quase impossível” na competição com a China, afirmou Shannon, expressando uma queixa comum entre muitos diplomatas americanos na ativa.

Mesmo apoiadores ferrenhos do governo Biden preocupam-se com a possibilidade de que seu foco na guerra na Ucrânia e no Indo-Pacífico tenha levado os EUA a perder terreno na América Latina.

“Eu tenho dificuldade para perceber o que este governo tem feito na América Latina com algum empuxo”, afirmou o senador Tim Kaine (democrata da Virgínia), que preside a Subcomissão de Relações Exteriores sobre Hemisfério Ocidental do Senado, a autoridades dos Departamentos de Estado e do Tesouro, durante uma inflamada sessão, em julho.

“Se a oferta da China é, ‘Nós não exigimos nenhuma reforma, peguem algum dinheiro, peguem um investimento’; e a nossa oferta é, ‘Quando vocês nos permitirem melhorar todos esses aspectos de vocês mesmos nós estaremos abertos para mais interação’, (…) nós sempre ficaremos muito, muito, muito para trás mesmo.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEGUCIGALPA, Honduras — Quando a líder deste empobrecido país centro-americano visitou Pequim, em junho, o governo chinês recebeu-a calorosamente. Houve um jantar de Estado em honra à presidente no Grande Salão com presença do líder chinês, Xi Jinping, uma saudação de 21 tiros na Praça Tiananmen e extensas conversas bilaterais durante a visita de seis dias.

Para a China, a atenção concedida a Honduras — há muito um dos mais dóceis parceiros regionais dos Estados Unidos foi tanto propaganda quanto retribuição. Menos de três meses antes da chegada da presidente Xiomara Castro, apesar de apelo enérgicos do governo americano alertando a respeito de falsos galanteios da China, Honduras havia estabelecido relações diplomáticas com Pequim, rompendo seus laços de décadas com Taiwan.

Na arena global da competição EUA-China, tratou-se claramente de uma vitória de Pequim. Mas além do gosto amargo deixado pela mais recente vitória chinesa em política externa, o governo Biden e as Forças Armadas americanas percebem implicações estratégicas potencialmente ameaçadoras.

O presidente chinês, Xi Jinping, realiza uma cerimônia de boas-vindas a presidente de Honduras, Xiomara Castro, fora do Grande Salão do Povo, em Pequim, no dia 12 de junho, durante sua visita de Estado à China Foto: Wang Ye/AP

Há uma base militar dos EUA em Honduras, Soto Cano, com até 1,5 mil soldados, e uma força-tarefa conjunta que trata de prioridades de políticas regionais de Washington, como narcotráfico, crime organizado e migração, assim como resposta a desastres e treinamentos. Entre os vários portos americanos no Oceano Pacífico e no Caribe, de ambos lados da América Central, Puerto Cortés, na costa norte de Honduras, é o maior e o único de águas profundas.

Ainda que os próprios EUA tenham reconhecido a República Popular da China 44 anos atrás, Washington continuou a instar o número cada vez menor de países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan — 13 atualmente — a não mudar. O presidente eleito da Guatemala indicou que planeja seguir a toada. Na América do Sul — onde a China é atualmente a maior parceira comercial — o Paraguai é o bastião solitário. No Caribe, apenas o Haiti e três nações insulares menores reconhecem Taiwan.

O governo de Castro rejeitou as preocupações dos EUA classificando-as como exageradas e complacentes. “Nós temos uma boa relação com os EUA em defesa e segurança, disse à reportagem o ministro hondurenho de Relações Exteriores, Enrique Reina. “Eu acho que isso não mudará absolutamente. Nosso interesse é cooperar (com a China em áreas gerais: educação, saúde, tecnologia relacionada a uso civil, transporte, infraestrutura. Mas nada relacionado a segurança e defesa.”

Como outros países no Hemisfério, Honduras moveu-se para a esquerda, e o governo “democrata socialista” de Castro está expandindo suas alianças políticas e econômicas nessa direção. “Para algumas pessoas”, afirmou Reina sem mencionar nomes, “parece difícil perceber que nós somos um governo que toma suas próprias decisões”.

Um grafite visto no dia 22 de agosto em um muro de uma rua da capital hondurenha, Tegucigalpa, declara: “Honduras está com Taiwan”. Foto: Karen DeYoung/The Washington Post

Reconhecer a China, com seu enorme mercado importador de matérias-primas e apetite para investimentos no exterior, trata de “pragmatismo, não ideologia”, afirmou ele. A China pode ser “um problema para os interesses políticos dos EUA. Mas para nós é principalmente uma oportunidade para buscar outras alternativas para cooperação”.

Até aqui há pouca evidência da presença da China em Honduras. A nova embaixada chinesa ocupa temporariamente dependências de um hotel luxuoso. As ruas são repletas de lanchonetes Dunkin’, Pizza Hut e McDonald’s, e comércios locais fazem publicidade em inglês. Num bairro do centro de Tegucigalpa, um grafite solitário declara em em espanhol, “Honduras está com Taiwan”.

Pequim afirma que tem muito a oferecer a Honduras. Enquanto “país em desenvolvimento” que alcançou um rápido crescimento, a China tem uma experiência de que é “mais fácil compartilhar” maior que a de outros parceiros, afirmou o porta-voz da Embaixada Chinesa em Washington, Liu Pengyu. (A Embaixada Chinesa em Tegucigalpa não respondeu a repetidos pedidos de entrevista.)

Com políticas e mercados mais “previsíveis” e “estáveis”, afirmou Liu, a China tem oferecido à América Latina uma alternativa cada vez mais atrativa às relações com os EUA. “Talvez o Ocidente precise de uma estratégia mais inteligente”, afirmou ele.

O ministro das Relações Exteriores de Honduras, Enrique Reina, à esquerda, e Qin Gang, então ministro das Relações Exteriores da China, fazem um brinde em uma cerimônia em Pequim, em 26 de março, após o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Foto: Greg Baker/AP

Na boca do gol

A ajuda e os investimentos dos EUA em toda a América Latina são vistos como vagarosos na concretização e significativamente exigentes em relação ao registro em direitos humanos e democracia dos países, juntamente com uma preferência pelo setor privado e organizações não governamentais. Honduras, conhecido há muito por violência e corrupção, foi objeto de escrutínio particular dos EUA. Em contraste, as ofertas da China de comércio e investimento, pouco exigentes, seduzem cada vez mais que laços tradicionais ou ideologias na região.

A China com frequência tem oferecido condições melhores do que empresas americanas e obtido contratos de projetos de infraestrutura e exploração de matéria-prima, incluindo minérios, em países que apoiam fielmente Washington, como Colômbia. Mesmo quando as relações diplomáticas do Brasil com Pequim esfriaram durante o governo direitista do ex-presidente Jair Bolsonaro, o comércio e o investimento continuaram a crescer entre os países. Na Argentina, uma massiva estação de observação espacial administrada pela Direção Geral de Lançamento e Controle de Trajetória de Satélites da China, que é parte da Força de Apoio Estratégico das Forças Armadas Chinesas, aponta sua antena para os céus da Patagônia. A China fez investimentos significativos nas substanciais jazidas de lítio no Chile.

A América Central tem obtido poucas contrapartidas visíveis pelos reposicionamentos diplomáticos, à exceção do Panamá, onde a China passou a operar dos dois lados do Canal.

Na Costa Rica, o primeiro país latino-americano a descartar Taiwan, em 2007, a China construiu um novo estádio de futebol — replicando sua “diplomacia futebolística” por toda a África. Mas enquanto uma grande rodovia é construída pelos chineses, o projeto de uma refinaria de petróleo foi cancelado, e esperanças de exportar mais para a China não se materializaram.

O presidente da China, Xi Jinping, o segundo a partir da esquerda, ouve o então presidente panamenho Juan Carlos Varela, ao lado da primeira-dama chinesa, Peng Liyan, e a primeira-dama do Panamá, Lorena Castillo, em frente a um navio contêiner chinês no Canal do Panamá em 2018  Foto: Luis Acosta/AFP

“Nós conseguimos o estádio, 200 carros de polícia chineses e vários programas de infraestrutura a serem desenvolvidos”, afirmou em entrevista recente o ex-presidente costa-riquenho Luis Guillermo Solís, que governou o país de 2014 a 2018. “Eu passei as tropas em revista”, durante uma visita à China em 2015 em que encontrou-se com Xi, acrescentou Solís. “Era janeiro, estava frio. Eu não ganhei tendas douradas com dragões.”

Infraestrutura

Além de ajuda para reestruturar sua dívida nacional, Honduras busca empréstimos e investimentos para uma longa lista de possíveis projetos de infraestrutura: pelo menos quatro represas para melhorar a produção de eletricidade; rodovias; comunicações; um novo hospital; e uma nova penitenciária proposta para membros de gangue, narcotraficantes e outros criminosos em uma ilha desabitada no Caribe, a cerca de 160 quilômetros da costa hondurenha.

O modelo de desenvolvimento da China “tem muito a ensinar” para este país de 10 milhões de habitantes, disse à TV chinesa Ricardo Salgado, ministro do Planejamento de Castro e líder da torcida pela nova relação, poucos dias antes dos laços diplomáticos serem estabelecidos. “Nos próximos quatro anos, nós poderemos criar pelo menos meio milhão de empregos.”

Até aqui, Pequim não se comprometeu com nenhuma das propostas hondurenhas, e Reina afirmou que os EUA, a União Europeia, o Japão e outros países são bem-vindos para oferecer financiamento a Honduras. “Nós veremos quais desses países estão interessados em investir nesses projetos.”

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao centro, fala com a presidente de Honduras, Xiomara Castro, à direita, após a posse de Castro como a primeira mulher presidente de Honduras em janeiro de 2022 Foto: Inti Ocon/

Além das relações bilaterais, a China tem se movimentado para se inserir em organizações regionais. Em agosto, o Parlamento Centro-Americano aprovou a expulsão de Taiwan como “observadora permanente” e transferiu esse status para a República Popular da China. “Isso mostra novamente que o princípio de Uma China representa a tendência irrefreável dos tempos e tem apoio esmagador do povo”, afirmou o ministério chinês de Relações Exteriores.

Mesmo que alguns dos retornos sonhados pelos novos parceiros da China no Hemisfério ainda não tenham se materializado, autoridades tanto no Pentágono quanto no Departamento de Estado preocupam-se há anos com a possibilidade das consecutivas de vitórias diplomáticas da China terem construído fundações para ameaças futuras.

“A RPC está investindo em infraestruturas críticas, incluindo portos de águas profundas, cibernética e instalações espaciais, que possuem potencial de uso duplo para atividades malignas tanto comerciais quanto militares”, afirmou ao Congresso americano a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, em março. “Em qualquer conflito potencial, a RPC poderia exercer influência em portos regionais para restringir acesso naval e comercial dos EUA. Trata-se de um risco estratégico que nós não podemos aceitar nem ignorar.”

“Eles estão na linha da pequena área dos EUA”, afirmou Richardson a um fórum no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, em agosto.

Demanda por bilhões

Quando Castro mencionou planos para estabelecer relações com a China durante sua campanha presidencial, em 2021, o governo Biden se movimentou, enviando o subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, à capital hondurenha, Tegucigalpa, para encontrar-se com a então candidata. “Eu enfatizei a importância de olhar realmente para a realidade das relações, o que há em oferta, tendo todas as informações antes de tomar uma decisão”, afirmou Nichols em entrevista.

Ele retornou a Honduras para outra rodada diplomática como parte da delegação liderada pela vice-presidente Kamala Harris à posse de Castro, em janeiro de 2022. “Nós queremos garantir que eles entendam que a RPC frequentemente deixou de cumprir promessas que fez para encorajar países a alterar seu reconhecimento” em relação a Taiwan, afirmou Nichols, “e que os benefícios prometidos com frequência provam-se efêmeros (…) ou inexistentes; que as dívidas decorrentes dos projetos que eles defendem (…) têm causado arrependimentos”.

Taiwan enviou sua própria delegação para a posse, liderada pelo vice-presidente Lai Ching-te. Durante uma reunião com Castro, relatou o gabinete presidencial taiwanês, a nova líder hondurenha “recordou-se com gratidão dos muitos anos da assistência de Taiwan a Honduras e (…) enfatizou sua intenção de continuar a aprofundar relações amistosas”.

Castro esperou mais de um ano para cumprir sua promessa de campanha. Em 15 de março, ela revelou na plataforma X, então conhecida como Twitter, que tinha instruído Reina a iniciar negociações com Pequim, e o acordo foi concluído 10 dias depois. Taiwan mostrou bastante insatisfação. Em uma conferência de imprensa em Taipei, a capital, o ministro taiwanês de Relações Exteriores, Joseph Wu afirmou que Reina escreveu-lhe pouco antes do rompimento exigindo US$ 2,45 bilhões — US$ 90 milhões para um hospital, US$ 350 milhões para uma represa e US$ 2 bilhões para “abater (…) de sua dívida nacional”. Wu comparou o pedido a “chantagem”.

Reina descreveu as conversas anteriores ao rompimento com Taiwan como “francas” e “pragmáticas”. Taiwan, afirmou ele, não respondeu às propostas hondurenhas para negociar novos termos para sua dívida e considerar “um empréstimo para construir alguns projetos hidroelétricos importantes”.

A reação pública do Departamento de Estado foi sucinta: o rompimento com Taiwan foi uma decisão soberana de Honduras que o país tinha todo o direito de tomar, afirmou a chancelaria americana, ainda que a China “com frequência faça promessas em troca de reconhecimento diplomático que acabam não sendo cumpridas”.

A mensagem de Castro para a região e o mundo, afirmou Gustavo Irías, diretor-executivo do não governamental Centro para Estudo da Democracia, de Honduras, foi: “nós deixamos de ser uma república de bananas e não seguiremos necessariamente os ditames da política externa americana”.

A vice presidente de Taiwan, Lai Ching-te, desembarca na base aérea de Soto Cano em janeiro de 2022 para participar da cerimonia de posse de Xiomara Castro como presidente de Honduras  Foto: Orlando Sierra/AFP

Olhos atentos

O anúncio a respeito da China serviu como uma distração temporária do caos político e dos impasses que se seguiram desde que a coalizão de Castro assumiu, após anos do que a presidente qualifica como uma “narcoditadura” que prejudicou a economia, enfraqueceu as instituições e ocasionou corrupção endêmica.

Seu antecessor, Juan Orlando Hernández, cuja aquiescência à política de defesa e cooperação dos EUA em relação a temas migratórios garantiu-lhe a simpatia dos governos Obama e Trump, foi indiciado pelo Departamento de Justiça americano por tráfico de drogas e armas. Ele foi extraditado no início do ano passado pelo governo Castro e aguarda julgamento em Nova York.

A vitória eleitoral de Castro no primeiro turno, defendendo justiça social, fim da impunidade e crescimento econômico, deixou claro que os hondurenhos estavam entusiasmados com as mudanças que ela prometia. Assim como o governo Biden.

Mas sem maioria no Legislativo, Castro fez pouco progresso no avanço das principais propostas para retirar poder de seus oponentes políticos, do setor privado e dos investidores estrangeiros — a “elite corrupta”, como seu governo os descreve.

A presidente de Honduras, Xiomara Castro, com o seu marido e ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya Foto: Gustavo Amador/E

Críticos afirmam que Castro se interessa mais em ideologia do que em governar, reforçando laços com os governos esquerdistas da Venezuela e da Nicarágua e copiando o populismo autocrático do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que lidou com a violência das gangues declarando um estado de emergência e prendendo dezenas de milhares em uma megaprisão construída recentemente.

Da mesma forma que seus antecessores, afirmam os críticos, Castro lotou seu governo de parentes e camaradas de ideologia. Seu filho e seu marido, Manuel Zelaya — ex-presidente hondurenho deposto em um golpe, em 2009, e apoiado por alguns dos atuais oponentes de Castro — são seus principais conselheiros presidenciais. Um sobrinho virou ministro da Defesa. Sua filha, legisladora, tem figurado com proeminência na nascente relação com a China.

“O governo tem conseguido criar uma imagem da China como salvadora”, afirmou Helui Castillo, encarregada de política comercial do Conselho Hondurenho de Empreendimentos Privados (COHEP), a maior organização empresarial e comercial do país. “Em termos de comércio, eu não acho que haverá grande mudança”, afirmou ela.

Mesmo antes da abertura das relações diplomáticas, o comércio de Honduras com a China só ficava atrás dos negócios com os EUA no país centro-americano, apesar de muito mais desequilibrado. Além de café e pequenas produções, os americanos importam roupas e tecidos fabricados em Honduras e pequenos aparelhos elétricos — itens que a China exporta em quantidade. Em troca de uma ampla gama de itens de comunicação, tecnologia e manufatura, Honduras exporta quantidades relativamente pequenas de produtos agrícolas e matérias-primas para a China.

Apesar de sua influência raramente ser vista em projetos e investimentos, os EUA estão profundamente inseridos em Honduras. Os estimados US$ 8,5 bilhões em remessas enviados para o país centro-americano no ano passado, de acordo com o Banco Mundial — quase inteiramente pelo 1,1 milhão de hondurenhos vivendo nos EUA — “é a maior parte da nossa economia”, afirmou Castillo. “Todos nós temos parentes lá. Os EUA ficam a duas horas daqui, são nossos maiores parceiros comerciais. Nós temos base (dos EUA) aqui. As relações são fortes. Muitas pessoas falam alto que não gostam dos EUA, mas secretamente (…) querem ir para a Disney e ficam na fila para conseguir vistos.”

Retratando a nova relação China-Honduras como feliz, mutuamente benéfica e prioritária para ambos os governos, com grandes promoções em Honduras, pelo TikTok e outras redes sociais, a agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, inaugurou uma redação em Tegucigalpa e anunciou planos de tornar a capital hondurenha seu polo de operações na América Central. Pouco após as relações diplomáticas serem inauguradas, um grupo de 30 jornalistas hondurenhos foi levado para uma viagem de 10 dias à China com todas as despesas pagas.

“Tudo é muito moderno”, afirmou um dos enviados, que falou sob condição de anonimato para evitar problemas com o governo. “Carros autônomos, tecnologias incríveis, edifícios enormes, alto nível de educação. Nós recebemos tratamento VIP, e todos os dias foram repletos de atividades”, com visitas a infraestruturas massivas e reuniões com autoridades locais e nacionais.

Tudo conduzido sob o olhar atento dos prestativos funcionários do ministério chinês de Relações Exteriores, afirmou o jornalista.

O Departamento Central de Propaganda da China assinou um acordo — um dos 17 pactos bilaterais firmados durante a visita de Castro — segundo o qual a comissão de telecomunicações de Honduras transmitirá e promoverá produções do estatal China Media Group. Os dois países também “formarão um mecanismo de cooperação em reportagem”, juntamente com intercâmbios de tecnologia e pessoal, para “ajudar as relações China-Honduras a decolar em um início robusto”, noticiou a TV chinesa.

Uma vendedora de frutas empurra seu carrinho em um mercado nos arredores de Tegucigalpa em novembro de 2021, dias após a eleição de Castro como presidente Foto: Moises Castillo/

Deixe estar

Conforme as autoridades hondurenhas gabavam-se dos fortes laços com Pequim, com frequência com farpas veladas para Washington, a embaixadora americana em Tegucigalpa, Laura Dogu, partiu para o ataque. “No ano que passou desde minha chegada, ficou claro para mim que muitos hondurenhos não entendem completamente como o povo dos EUA apoia o povo de Honduras”, afirmou ela em discurso à Câmara de Comércio Honduras-EUA, em agosto.

Dogu ressaltou que o comércio bilateral cresceu de maneira recorde, 22%, no ano passado. Desde o início do governo de Castro, afirmou ela, “o governo dos EUA iniciou programas que representarão um investimento de mais de US$ 800 milhões”.

“Nossos requerimentos são criar empregos para os hondurenhos e que o projeto siga padrões internacionais ambientais e laborais”, afirmou Dogu. Ela acrescentou que agências americanas oferecem treinamento e suporte em uma ampla gama de atividades e serviços, incluindo empreendedorismo, educação, direito e governança, direitos humanos, agricultura e combate à corrupção.

“Os laços entre os nossos países e povos não podem ser rompidos”, afirmou Dogu.

Mas conversas com várias autoridades e outras fontes em ambos os países, muitas falando sob condição de anonimato para fornecer relatos sinceros e evitar antagonismos, deixaram claro que a relação tensionou. Alguns creem que Castro e seu marido se ressentem do que consideraram um apoio insuficiente dos EUA pela restituição de Zelaya à presidência após o golpe de 2009. Em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em 20 de setembro, Castro atribuiu sua eleição àqueles que “surgiram da resistência nas ruas contra o golpe de Estado” que o destituiu.

Os fuzileiros navais dos EUA chegam à base aérea de Soto Cano, em Comayagua, Honduras, em junho de 2019 para realizar projetos de assistência humanitária. Foto: Orlando Sierra/A

“Isso sem dúvida moldou sua visão de mundo, afirmou Nichols, o subsecretário de Estado. “‘Rancor’ é um estado emocional, portanto eu não estou em posição para caracterizar a coisa dessa maneira. O que eu direi é que nosso foco é manter uma relação robusta.”

Mas as autoridades de Castro percebem um desrespeito de Washington — que ainda não convidou a líder hondurenha para um encontro com o presidente Joe Biden na Casa Branca — e uma política que insiste nas teclas da corrupção e dos direitos humanos em vez de falar em desenvolvimento; e fornece ajuda não militar a setores da sociedade antagonistas ao governo.

Tom Shannon, veterano do Departamento de Estado que ocupou posições graduadas na formulação de políticas para América Latina, trabalha atualmente na firma de advocacia Arnold and Porter, em Washington, onde administra um contrato de US$ 90 mil ao mês de lobby para o governo hondurenho para melhorar suas relações com os EUA. O governo americano, afirmou ele, deveria simplesmente não se importar.

“Se eu fosse o governo americano olhando para Honduras, eu não me importaria com o que eles dissessem”, afirmou Shannon. “O que me importa é, ‘Como a nossa força-tarefa está operando? Nós podemos decolar quando quisermos da base aérea ou lançar nossa aeronave de vigilância (da DEA) e trabalhar com Honduras em interceptações aéreas e marítimas?’. Porque onde mais nós conseguiremos esse tipo de cooperação? (…) Ter uma base segura de operações para esforços antidrogas e de segurança é imensamente importante.”

Os inúmeros bloqueios, restrições e sensibilidades em torno da assistência e das políticas dos EUA “nos coloca em um lugar quase impossível” na competição com a China, afirmou Shannon, expressando uma queixa comum entre muitos diplomatas americanos na ativa.

Mesmo apoiadores ferrenhos do governo Biden preocupam-se com a possibilidade de que seu foco na guerra na Ucrânia e no Indo-Pacífico tenha levado os EUA a perder terreno na América Latina.

“Eu tenho dificuldade para perceber o que este governo tem feito na América Latina com algum empuxo”, afirmou o senador Tim Kaine (democrata da Virgínia), que preside a Subcomissão de Relações Exteriores sobre Hemisfério Ocidental do Senado, a autoridades dos Departamentos de Estado e do Tesouro, durante uma inflamada sessão, em julho.

“Se a oferta da China é, ‘Nós não exigimos nenhuma reforma, peguem algum dinheiro, peguem um investimento’; e a nossa oferta é, ‘Quando vocês nos permitirem melhorar todos esses aspectos de vocês mesmos nós estaremos abertos para mais interação’, (…) nós sempre ficaremos muito, muito, muito para trás mesmo.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEGUCIGALPA, Honduras — Quando a líder deste empobrecido país centro-americano visitou Pequim, em junho, o governo chinês recebeu-a calorosamente. Houve um jantar de Estado em honra à presidente no Grande Salão com presença do líder chinês, Xi Jinping, uma saudação de 21 tiros na Praça Tiananmen e extensas conversas bilaterais durante a visita de seis dias.

Para a China, a atenção concedida a Honduras — há muito um dos mais dóceis parceiros regionais dos Estados Unidos foi tanto propaganda quanto retribuição. Menos de três meses antes da chegada da presidente Xiomara Castro, apesar de apelo enérgicos do governo americano alertando a respeito de falsos galanteios da China, Honduras havia estabelecido relações diplomáticas com Pequim, rompendo seus laços de décadas com Taiwan.

Na arena global da competição EUA-China, tratou-se claramente de uma vitória de Pequim. Mas além do gosto amargo deixado pela mais recente vitória chinesa em política externa, o governo Biden e as Forças Armadas americanas percebem implicações estratégicas potencialmente ameaçadoras.

O presidente chinês, Xi Jinping, realiza uma cerimônia de boas-vindas a presidente de Honduras, Xiomara Castro, fora do Grande Salão do Povo, em Pequim, no dia 12 de junho, durante sua visita de Estado à China Foto: Wang Ye/AP

Há uma base militar dos EUA em Honduras, Soto Cano, com até 1,5 mil soldados, e uma força-tarefa conjunta que trata de prioridades de políticas regionais de Washington, como narcotráfico, crime organizado e migração, assim como resposta a desastres e treinamentos. Entre os vários portos americanos no Oceano Pacífico e no Caribe, de ambos lados da América Central, Puerto Cortés, na costa norte de Honduras, é o maior e o único de águas profundas.

Ainda que os próprios EUA tenham reconhecido a República Popular da China 44 anos atrás, Washington continuou a instar o número cada vez menor de países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan — 13 atualmente — a não mudar. O presidente eleito da Guatemala indicou que planeja seguir a toada. Na América do Sul — onde a China é atualmente a maior parceira comercial — o Paraguai é o bastião solitário. No Caribe, apenas o Haiti e três nações insulares menores reconhecem Taiwan.

O governo de Castro rejeitou as preocupações dos EUA classificando-as como exageradas e complacentes. “Nós temos uma boa relação com os EUA em defesa e segurança, disse à reportagem o ministro hondurenho de Relações Exteriores, Enrique Reina. “Eu acho que isso não mudará absolutamente. Nosso interesse é cooperar (com a China em áreas gerais: educação, saúde, tecnologia relacionada a uso civil, transporte, infraestrutura. Mas nada relacionado a segurança e defesa.”

Como outros países no Hemisfério, Honduras moveu-se para a esquerda, e o governo “democrata socialista” de Castro está expandindo suas alianças políticas e econômicas nessa direção. “Para algumas pessoas”, afirmou Reina sem mencionar nomes, “parece difícil perceber que nós somos um governo que toma suas próprias decisões”.

Um grafite visto no dia 22 de agosto em um muro de uma rua da capital hondurenha, Tegucigalpa, declara: “Honduras está com Taiwan”. Foto: Karen DeYoung/The Washington Post

Reconhecer a China, com seu enorme mercado importador de matérias-primas e apetite para investimentos no exterior, trata de “pragmatismo, não ideologia”, afirmou ele. A China pode ser “um problema para os interesses políticos dos EUA. Mas para nós é principalmente uma oportunidade para buscar outras alternativas para cooperação”.

Até aqui há pouca evidência da presença da China em Honduras. A nova embaixada chinesa ocupa temporariamente dependências de um hotel luxuoso. As ruas são repletas de lanchonetes Dunkin’, Pizza Hut e McDonald’s, e comércios locais fazem publicidade em inglês. Num bairro do centro de Tegucigalpa, um grafite solitário declara em em espanhol, “Honduras está com Taiwan”.

Pequim afirma que tem muito a oferecer a Honduras. Enquanto “país em desenvolvimento” que alcançou um rápido crescimento, a China tem uma experiência de que é “mais fácil compartilhar” maior que a de outros parceiros, afirmou o porta-voz da Embaixada Chinesa em Washington, Liu Pengyu. (A Embaixada Chinesa em Tegucigalpa não respondeu a repetidos pedidos de entrevista.)

Com políticas e mercados mais “previsíveis” e “estáveis”, afirmou Liu, a China tem oferecido à América Latina uma alternativa cada vez mais atrativa às relações com os EUA. “Talvez o Ocidente precise de uma estratégia mais inteligente”, afirmou ele.

O ministro das Relações Exteriores de Honduras, Enrique Reina, à esquerda, e Qin Gang, então ministro das Relações Exteriores da China, fazem um brinde em uma cerimônia em Pequim, em 26 de março, após o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Foto: Greg Baker/AP

Na boca do gol

A ajuda e os investimentos dos EUA em toda a América Latina são vistos como vagarosos na concretização e significativamente exigentes em relação ao registro em direitos humanos e democracia dos países, juntamente com uma preferência pelo setor privado e organizações não governamentais. Honduras, conhecido há muito por violência e corrupção, foi objeto de escrutínio particular dos EUA. Em contraste, as ofertas da China de comércio e investimento, pouco exigentes, seduzem cada vez mais que laços tradicionais ou ideologias na região.

A China com frequência tem oferecido condições melhores do que empresas americanas e obtido contratos de projetos de infraestrutura e exploração de matéria-prima, incluindo minérios, em países que apoiam fielmente Washington, como Colômbia. Mesmo quando as relações diplomáticas do Brasil com Pequim esfriaram durante o governo direitista do ex-presidente Jair Bolsonaro, o comércio e o investimento continuaram a crescer entre os países. Na Argentina, uma massiva estação de observação espacial administrada pela Direção Geral de Lançamento e Controle de Trajetória de Satélites da China, que é parte da Força de Apoio Estratégico das Forças Armadas Chinesas, aponta sua antena para os céus da Patagônia. A China fez investimentos significativos nas substanciais jazidas de lítio no Chile.

A América Central tem obtido poucas contrapartidas visíveis pelos reposicionamentos diplomáticos, à exceção do Panamá, onde a China passou a operar dos dois lados do Canal.

Na Costa Rica, o primeiro país latino-americano a descartar Taiwan, em 2007, a China construiu um novo estádio de futebol — replicando sua “diplomacia futebolística” por toda a África. Mas enquanto uma grande rodovia é construída pelos chineses, o projeto de uma refinaria de petróleo foi cancelado, e esperanças de exportar mais para a China não se materializaram.

O presidente da China, Xi Jinping, o segundo a partir da esquerda, ouve o então presidente panamenho Juan Carlos Varela, ao lado da primeira-dama chinesa, Peng Liyan, e a primeira-dama do Panamá, Lorena Castillo, em frente a um navio contêiner chinês no Canal do Panamá em 2018  Foto: Luis Acosta/AFP

“Nós conseguimos o estádio, 200 carros de polícia chineses e vários programas de infraestrutura a serem desenvolvidos”, afirmou em entrevista recente o ex-presidente costa-riquenho Luis Guillermo Solís, que governou o país de 2014 a 2018. “Eu passei as tropas em revista”, durante uma visita à China em 2015 em que encontrou-se com Xi, acrescentou Solís. “Era janeiro, estava frio. Eu não ganhei tendas douradas com dragões.”

Infraestrutura

Além de ajuda para reestruturar sua dívida nacional, Honduras busca empréstimos e investimentos para uma longa lista de possíveis projetos de infraestrutura: pelo menos quatro represas para melhorar a produção de eletricidade; rodovias; comunicações; um novo hospital; e uma nova penitenciária proposta para membros de gangue, narcotraficantes e outros criminosos em uma ilha desabitada no Caribe, a cerca de 160 quilômetros da costa hondurenha.

O modelo de desenvolvimento da China “tem muito a ensinar” para este país de 10 milhões de habitantes, disse à TV chinesa Ricardo Salgado, ministro do Planejamento de Castro e líder da torcida pela nova relação, poucos dias antes dos laços diplomáticos serem estabelecidos. “Nos próximos quatro anos, nós poderemos criar pelo menos meio milhão de empregos.”

Até aqui, Pequim não se comprometeu com nenhuma das propostas hondurenhas, e Reina afirmou que os EUA, a União Europeia, o Japão e outros países são bem-vindos para oferecer financiamento a Honduras. “Nós veremos quais desses países estão interessados em investir nesses projetos.”

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao centro, fala com a presidente de Honduras, Xiomara Castro, à direita, após a posse de Castro como a primeira mulher presidente de Honduras em janeiro de 2022 Foto: Inti Ocon/

Além das relações bilaterais, a China tem se movimentado para se inserir em organizações regionais. Em agosto, o Parlamento Centro-Americano aprovou a expulsão de Taiwan como “observadora permanente” e transferiu esse status para a República Popular da China. “Isso mostra novamente que o princípio de Uma China representa a tendência irrefreável dos tempos e tem apoio esmagador do povo”, afirmou o ministério chinês de Relações Exteriores.

Mesmo que alguns dos retornos sonhados pelos novos parceiros da China no Hemisfério ainda não tenham se materializado, autoridades tanto no Pentágono quanto no Departamento de Estado preocupam-se há anos com a possibilidade das consecutivas de vitórias diplomáticas da China terem construído fundações para ameaças futuras.

“A RPC está investindo em infraestruturas críticas, incluindo portos de águas profundas, cibernética e instalações espaciais, que possuem potencial de uso duplo para atividades malignas tanto comerciais quanto militares”, afirmou ao Congresso americano a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, em março. “Em qualquer conflito potencial, a RPC poderia exercer influência em portos regionais para restringir acesso naval e comercial dos EUA. Trata-se de um risco estratégico que nós não podemos aceitar nem ignorar.”

“Eles estão na linha da pequena área dos EUA”, afirmou Richardson a um fórum no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, em agosto.

Demanda por bilhões

Quando Castro mencionou planos para estabelecer relações com a China durante sua campanha presidencial, em 2021, o governo Biden se movimentou, enviando o subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, à capital hondurenha, Tegucigalpa, para encontrar-se com a então candidata. “Eu enfatizei a importância de olhar realmente para a realidade das relações, o que há em oferta, tendo todas as informações antes de tomar uma decisão”, afirmou Nichols em entrevista.

Ele retornou a Honduras para outra rodada diplomática como parte da delegação liderada pela vice-presidente Kamala Harris à posse de Castro, em janeiro de 2022. “Nós queremos garantir que eles entendam que a RPC frequentemente deixou de cumprir promessas que fez para encorajar países a alterar seu reconhecimento” em relação a Taiwan, afirmou Nichols, “e que os benefícios prometidos com frequência provam-se efêmeros (…) ou inexistentes; que as dívidas decorrentes dos projetos que eles defendem (…) têm causado arrependimentos”.

Taiwan enviou sua própria delegação para a posse, liderada pelo vice-presidente Lai Ching-te. Durante uma reunião com Castro, relatou o gabinete presidencial taiwanês, a nova líder hondurenha “recordou-se com gratidão dos muitos anos da assistência de Taiwan a Honduras e (…) enfatizou sua intenção de continuar a aprofundar relações amistosas”.

Castro esperou mais de um ano para cumprir sua promessa de campanha. Em 15 de março, ela revelou na plataforma X, então conhecida como Twitter, que tinha instruído Reina a iniciar negociações com Pequim, e o acordo foi concluído 10 dias depois. Taiwan mostrou bastante insatisfação. Em uma conferência de imprensa em Taipei, a capital, o ministro taiwanês de Relações Exteriores, Joseph Wu afirmou que Reina escreveu-lhe pouco antes do rompimento exigindo US$ 2,45 bilhões — US$ 90 milhões para um hospital, US$ 350 milhões para uma represa e US$ 2 bilhões para “abater (…) de sua dívida nacional”. Wu comparou o pedido a “chantagem”.

Reina descreveu as conversas anteriores ao rompimento com Taiwan como “francas” e “pragmáticas”. Taiwan, afirmou ele, não respondeu às propostas hondurenhas para negociar novos termos para sua dívida e considerar “um empréstimo para construir alguns projetos hidroelétricos importantes”.

A reação pública do Departamento de Estado foi sucinta: o rompimento com Taiwan foi uma decisão soberana de Honduras que o país tinha todo o direito de tomar, afirmou a chancelaria americana, ainda que a China “com frequência faça promessas em troca de reconhecimento diplomático que acabam não sendo cumpridas”.

A mensagem de Castro para a região e o mundo, afirmou Gustavo Irías, diretor-executivo do não governamental Centro para Estudo da Democracia, de Honduras, foi: “nós deixamos de ser uma república de bananas e não seguiremos necessariamente os ditames da política externa americana”.

A vice presidente de Taiwan, Lai Ching-te, desembarca na base aérea de Soto Cano em janeiro de 2022 para participar da cerimonia de posse de Xiomara Castro como presidente de Honduras  Foto: Orlando Sierra/AFP

Olhos atentos

O anúncio a respeito da China serviu como uma distração temporária do caos político e dos impasses que se seguiram desde que a coalizão de Castro assumiu, após anos do que a presidente qualifica como uma “narcoditadura” que prejudicou a economia, enfraqueceu as instituições e ocasionou corrupção endêmica.

Seu antecessor, Juan Orlando Hernández, cuja aquiescência à política de defesa e cooperação dos EUA em relação a temas migratórios garantiu-lhe a simpatia dos governos Obama e Trump, foi indiciado pelo Departamento de Justiça americano por tráfico de drogas e armas. Ele foi extraditado no início do ano passado pelo governo Castro e aguarda julgamento em Nova York.

A vitória eleitoral de Castro no primeiro turno, defendendo justiça social, fim da impunidade e crescimento econômico, deixou claro que os hondurenhos estavam entusiasmados com as mudanças que ela prometia. Assim como o governo Biden.

Mas sem maioria no Legislativo, Castro fez pouco progresso no avanço das principais propostas para retirar poder de seus oponentes políticos, do setor privado e dos investidores estrangeiros — a “elite corrupta”, como seu governo os descreve.

A presidente de Honduras, Xiomara Castro, com o seu marido e ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya Foto: Gustavo Amador/E

Críticos afirmam que Castro se interessa mais em ideologia do que em governar, reforçando laços com os governos esquerdistas da Venezuela e da Nicarágua e copiando o populismo autocrático do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que lidou com a violência das gangues declarando um estado de emergência e prendendo dezenas de milhares em uma megaprisão construída recentemente.

Da mesma forma que seus antecessores, afirmam os críticos, Castro lotou seu governo de parentes e camaradas de ideologia. Seu filho e seu marido, Manuel Zelaya — ex-presidente hondurenho deposto em um golpe, em 2009, e apoiado por alguns dos atuais oponentes de Castro — são seus principais conselheiros presidenciais. Um sobrinho virou ministro da Defesa. Sua filha, legisladora, tem figurado com proeminência na nascente relação com a China.

“O governo tem conseguido criar uma imagem da China como salvadora”, afirmou Helui Castillo, encarregada de política comercial do Conselho Hondurenho de Empreendimentos Privados (COHEP), a maior organização empresarial e comercial do país. “Em termos de comércio, eu não acho que haverá grande mudança”, afirmou ela.

Mesmo antes da abertura das relações diplomáticas, o comércio de Honduras com a China só ficava atrás dos negócios com os EUA no país centro-americano, apesar de muito mais desequilibrado. Além de café e pequenas produções, os americanos importam roupas e tecidos fabricados em Honduras e pequenos aparelhos elétricos — itens que a China exporta em quantidade. Em troca de uma ampla gama de itens de comunicação, tecnologia e manufatura, Honduras exporta quantidades relativamente pequenas de produtos agrícolas e matérias-primas para a China.

Apesar de sua influência raramente ser vista em projetos e investimentos, os EUA estão profundamente inseridos em Honduras. Os estimados US$ 8,5 bilhões em remessas enviados para o país centro-americano no ano passado, de acordo com o Banco Mundial — quase inteiramente pelo 1,1 milhão de hondurenhos vivendo nos EUA — “é a maior parte da nossa economia”, afirmou Castillo. “Todos nós temos parentes lá. Os EUA ficam a duas horas daqui, são nossos maiores parceiros comerciais. Nós temos base (dos EUA) aqui. As relações são fortes. Muitas pessoas falam alto que não gostam dos EUA, mas secretamente (…) querem ir para a Disney e ficam na fila para conseguir vistos.”

Retratando a nova relação China-Honduras como feliz, mutuamente benéfica e prioritária para ambos os governos, com grandes promoções em Honduras, pelo TikTok e outras redes sociais, a agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, inaugurou uma redação em Tegucigalpa e anunciou planos de tornar a capital hondurenha seu polo de operações na América Central. Pouco após as relações diplomáticas serem inauguradas, um grupo de 30 jornalistas hondurenhos foi levado para uma viagem de 10 dias à China com todas as despesas pagas.

“Tudo é muito moderno”, afirmou um dos enviados, que falou sob condição de anonimato para evitar problemas com o governo. “Carros autônomos, tecnologias incríveis, edifícios enormes, alto nível de educação. Nós recebemos tratamento VIP, e todos os dias foram repletos de atividades”, com visitas a infraestruturas massivas e reuniões com autoridades locais e nacionais.

Tudo conduzido sob o olhar atento dos prestativos funcionários do ministério chinês de Relações Exteriores, afirmou o jornalista.

O Departamento Central de Propaganda da China assinou um acordo — um dos 17 pactos bilaterais firmados durante a visita de Castro — segundo o qual a comissão de telecomunicações de Honduras transmitirá e promoverá produções do estatal China Media Group. Os dois países também “formarão um mecanismo de cooperação em reportagem”, juntamente com intercâmbios de tecnologia e pessoal, para “ajudar as relações China-Honduras a decolar em um início robusto”, noticiou a TV chinesa.

Uma vendedora de frutas empurra seu carrinho em um mercado nos arredores de Tegucigalpa em novembro de 2021, dias após a eleição de Castro como presidente Foto: Moises Castillo/

Deixe estar

Conforme as autoridades hondurenhas gabavam-se dos fortes laços com Pequim, com frequência com farpas veladas para Washington, a embaixadora americana em Tegucigalpa, Laura Dogu, partiu para o ataque. “No ano que passou desde minha chegada, ficou claro para mim que muitos hondurenhos não entendem completamente como o povo dos EUA apoia o povo de Honduras”, afirmou ela em discurso à Câmara de Comércio Honduras-EUA, em agosto.

Dogu ressaltou que o comércio bilateral cresceu de maneira recorde, 22%, no ano passado. Desde o início do governo de Castro, afirmou ela, “o governo dos EUA iniciou programas que representarão um investimento de mais de US$ 800 milhões”.

“Nossos requerimentos são criar empregos para os hondurenhos e que o projeto siga padrões internacionais ambientais e laborais”, afirmou Dogu. Ela acrescentou que agências americanas oferecem treinamento e suporte em uma ampla gama de atividades e serviços, incluindo empreendedorismo, educação, direito e governança, direitos humanos, agricultura e combate à corrupção.

“Os laços entre os nossos países e povos não podem ser rompidos”, afirmou Dogu.

Mas conversas com várias autoridades e outras fontes em ambos os países, muitas falando sob condição de anonimato para fornecer relatos sinceros e evitar antagonismos, deixaram claro que a relação tensionou. Alguns creem que Castro e seu marido se ressentem do que consideraram um apoio insuficiente dos EUA pela restituição de Zelaya à presidência após o golpe de 2009. Em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em 20 de setembro, Castro atribuiu sua eleição àqueles que “surgiram da resistência nas ruas contra o golpe de Estado” que o destituiu.

Os fuzileiros navais dos EUA chegam à base aérea de Soto Cano, em Comayagua, Honduras, em junho de 2019 para realizar projetos de assistência humanitária. Foto: Orlando Sierra/A

“Isso sem dúvida moldou sua visão de mundo, afirmou Nichols, o subsecretário de Estado. “‘Rancor’ é um estado emocional, portanto eu não estou em posição para caracterizar a coisa dessa maneira. O que eu direi é que nosso foco é manter uma relação robusta.”

Mas as autoridades de Castro percebem um desrespeito de Washington — que ainda não convidou a líder hondurenha para um encontro com o presidente Joe Biden na Casa Branca — e uma política que insiste nas teclas da corrupção e dos direitos humanos em vez de falar em desenvolvimento; e fornece ajuda não militar a setores da sociedade antagonistas ao governo.

Tom Shannon, veterano do Departamento de Estado que ocupou posições graduadas na formulação de políticas para América Latina, trabalha atualmente na firma de advocacia Arnold and Porter, em Washington, onde administra um contrato de US$ 90 mil ao mês de lobby para o governo hondurenho para melhorar suas relações com os EUA. O governo americano, afirmou ele, deveria simplesmente não se importar.

“Se eu fosse o governo americano olhando para Honduras, eu não me importaria com o que eles dissessem”, afirmou Shannon. “O que me importa é, ‘Como a nossa força-tarefa está operando? Nós podemos decolar quando quisermos da base aérea ou lançar nossa aeronave de vigilância (da DEA) e trabalhar com Honduras em interceptações aéreas e marítimas?’. Porque onde mais nós conseguiremos esse tipo de cooperação? (…) Ter uma base segura de operações para esforços antidrogas e de segurança é imensamente importante.”

Os inúmeros bloqueios, restrições e sensibilidades em torno da assistência e das políticas dos EUA “nos coloca em um lugar quase impossível” na competição com a China, afirmou Shannon, expressando uma queixa comum entre muitos diplomatas americanos na ativa.

Mesmo apoiadores ferrenhos do governo Biden preocupam-se com a possibilidade de que seu foco na guerra na Ucrânia e no Indo-Pacífico tenha levado os EUA a perder terreno na América Latina.

“Eu tenho dificuldade para perceber o que este governo tem feito na América Latina com algum empuxo”, afirmou o senador Tim Kaine (democrata da Virgínia), que preside a Subcomissão de Relações Exteriores sobre Hemisfério Ocidental do Senado, a autoridades dos Departamentos de Estado e do Tesouro, durante uma inflamada sessão, em julho.

“Se a oferta da China é, ‘Nós não exigimos nenhuma reforma, peguem algum dinheiro, peguem um investimento’; e a nossa oferta é, ‘Quando vocês nos permitirem melhorar todos esses aspectos de vocês mesmos nós estaremos abertos para mais interação’, (…) nós sempre ficaremos muito, muito, muito para trás mesmo.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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