Como a China poderia sufocar Taiwan com um bloqueio naval


Geografia de Taiwan torna a ilha vulnerável a um bloqueio chinês; população, indústria e portos se concentram no flanco mais próximo à China

Por Chris Buckley, Pablo Robles, Marco Hernandez e Amy Chang Chien

Por décadas, Pequim tem o olhar sobre Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como território. Os chineses fortaleceram seu Exército de Libertação Popular com o objetivo de, por fim, tomar o local caso esforços pacíficos de unificação fracassem. A China modernizou as capacidades de suas Forças Armadas e desenvolveu a maior Marinha do mundo, que agora desafia a supremacia americana nos mares em torno de Taiwan.

Ainda que provavelmente falte à China a capacidade de invadir e tomar o controle rapidamente de Taiwan, o país poderia tentar impor um bloqueio para forçar a ilha a abrir concessões – ou como prelúdio de uma ação militar maior. Nesse cenário, a China tentaria subjugar Taiwan sufocando a ilha e seus 23 milhões de habitantes com um cerco de navios e aeronaves, isolando-a fisicamente, economicamente e até digitalmente.

A China tentou usar os exercícios militares que realizou este mês para sinalizar sua confiança na capacidade do Exército de Libertação Popular de sitiar Taiwan. Os militares chineses dispararam mísseis balísticos nas águas costeiras de Taiwan, a 130 quilômetros da costa da China continental, lançando pelo menos quatro projéteis que cruzaram o céu imediatamente acima da ilha, de acordo com o Japão, e conduziram exercícios em zonas tão próximas à ilha como nunca havia ocorrido.

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Imagem do dia 4 de agosto de 2022 mostra helicópteros militares da China sobrevoando região próxima a Taiwan durante exercício das forças aéreas Foto: Hector Retamal / AFP

Em “A ciência da estratégia”, uma das cartilhas cruciais dos oficiais do Exército de Libertação Popular, Taiwan não é mencionada, mas o alvo é claro. O livro descreve um “bloqueio estratégico” como maneira de “destruir as conexões externas, econômicas e militares, do inimigo, para degradar sua capacidade operacional e seu potencial de guerra e deixá-lo isolado e desamparado”.

Durante os exercícios deste mês, a China evitou manobras mais provocativas, capazes de desencadear uma resposta mais enérgica de Taiwan. Mesmo assim, Pequim conseguiu expressar uma ameaça real, colocando Taiwan em alerta a respeito dos riscos de não atender às exigências dos chineses.

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“Considero que eles deixaram claras suas intenções ao cercar Taiwan e refutar a intervenção estrangeira”, afirmou Ou Si-fu, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, entidade ligada ao Ministério da Defesa taiwanês. “Eles prenderam demonstrar que: ‘Taiwan pode ser isolada, então somos capazes de combatê-la’”.

Um bloqueio real buscaria repelir forças americanas

Após a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, desafiar alertas de Pequim e visitar Taiwan, em 2 de agosto, a China retaliou acionando aeronaves e embarcações militares e disparando mísseis durante exercícios que duraram 72 horas. Pequim determinou seis áreas de exercícios em torno de Taiwan, incluindo nas águas da costa leste da ilha, em um esforço para projetar seu poder para além da China continental.

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Os exercícios não foram um ensaio em escala total. Em um bloqueio real, os 11 mísseis que a China disparou nas águas em torno de Taiwan teriam servido pouco propósito militar, pois os projéteis usados são projetados para atingir alvos terrestres, não embarcações. A China ainda não acionou seus armamentos mais avançados. Os chineses sobrevoaram as proximidades de Taiwan, mas não o território terrestre da ilha. Apesar de três das zonas marítimas que a China determinou para esses exercícios invadirem águas territoriais reivindicadas por Taiwan, na prática os mísseis e navios chineses evitaram essas águas.

“Isso é guerra política”, afirmou Drew Thompson, pesquisador-sênior da Faculdade Lee Kuan Yew de Política Pública, em Cingapura, que trabalhou anteriormente no Pentágono. “O aspecto político do que eles fazem é certas vezes mais importante do que o treinamento real que eles estão realizando.”

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Um bloqueio real envolveria centenas de embarcações e aeronaves a mais, assim como submarinos, tentando fechar os portos e aeroportos de Taiwan e repelir possíveis intervenções marítimas e aéreas dos EUA e seus aliados.

Em um bloqueio, a China teria também de assumir controle dos céus. A China possui várias bases navais e aéreas em seu trecho de costa diante de Taiwan, e muitas outras em numerosos outros pontos de sua costa. Os militares chineses também poderiam tentar derrubar aviões inimigos com mísseis terra-ar ou até atacar as bases americanas em Guam e no Japão.

Estrategistas militares chineses veem um bloqueio como uma estratégia que concede à China flexibilidade para apertar ou afrouxar um nó de forca no pescoço de Taiwan em função de seus objetivos.

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Pequim poderia impor um bloqueio limitado, parando embarcações e as fiscalizando, sem atacar os portos de Taiwan. Dada a dependência de Taiwan em relação a importações de combustíveis e alimentos, até um bloqueio temporário poderia prejudicar a ilha politicamente e economicamente, permitindo à China um caminho contundente para empurrar suas demandas.

“Isso torna possível apertar o cerco e aliviar quando Taiwan ‘aprender sua lição’”, afirmou Phillip Saunders, da Universidade de Defesa Nacional, que coeditou uma nova coleção de ensaios que analisam as opções militares dos chineses em relação à ilha.

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Mas o Exército de Libertação Popular treina para um bloqueio que “seria violento e geraria muitos custos internacionais”, afirmou Saunders. Nesse cenário, a China poderia usar um bloqueio para dar apoio a uma tentativa de invasão total. Esse passo poderia desencadear um conflito potencialmente prolongado e devastador, assim como uma forte reação internacional contra a China prejudicial à sua economia e que lhe ocasionaria isolamento político.

As incertezas em relação ao desfecho de qualquer guerra marítima ou aérea seriam imensas para todos os envolvidos.

China considera informação um campo de batalha crucial

Em um conflito real para tomar Taiwan, a China também buscaria controlar o ambiente de informação. Pequim poderia usar propaganda, desinformação, guerra cibernética e outras ferramentas na esperança de reunir apoio doméstico e semear medo e discórdia em Taiwan e por todo o mundo.

Durante os exercícios recentes, o Exército de Libertação Popular publicou uma torrente de vídeos, fotos e relatórios que enevoaram o limite entre propaganda e desinformação. A campanha incluiu imagens de caças de combate decolando, disparos de mísseis, navios de guerra em patrulha e um trem hospitalar transportando tropas, tudo com intenção de demonstrar uma força pronta para o combate. Mas a campanha também pareceu exagerar as capacidades chinesas, ao retratar forças maiores e mais próximas a Taiwan do que na realidade.

Soldados taiwaneses ao lado de tanque antiaéreo durante exercício militar no dia 18 de agosto Foto: Ritchie B. Tongo / EFE

Estrategistas chineses consideram as armas cibernéticas tão importante quanto as militares em qualquer conflito, e especialistas afirmam que, em um conflito real, a China usaria ciberataques para tentar derrubar as comunicações de Taiwan ou até paralisar seus armamentos. “Quem controlar informação e controlar a internet possuirá o mundo inteiro”, afirma a principal cartilha de estratégia das Forças Armadas chinesas, citando o falecido futurista americano Alvin Toffler.

Durante a visita de Pelosi a Taiwan, Taiwan foi alvo de ciberataques esporádicos e pouco sofisticados, de origem indeterminada, que ocasionaram mais aborrecimentos que perturbações. Pelo menos quatro websites do governo taiwanês foram alvo de ciberataques breves. Hackers dominaram as telas de várias lojas da rede 7-Eleven e da estação ferroviária de Xinzuoying, em Kaohsiung, e exibiram mensagens de condenação a Pelosi.

“A visita sorrateira da bruxa velha a Taiwan é uma provocação grave contra a soberania da mãe-pátria. Aqueles que a promovem ativamente serão por fim julgados pelo povo. Os laços sanguíneos da mesma raça são difíceis de cortar e continuarão atados, e a grande China por fim se unificará!”

Em um conflito real, a China também poderia cortar ou incapacitar os cabos submarinos que transportam cerca de 90% dos dados que conectam Taiwan ao mundo, afirmaram alguns especialistas sobre a ilha. “A maior fraqueza (dos cabos) está onde eles emergem do fundo do mar”, afirmou Ou, o pesquisador taiwanês.

Cortar os cabos submarinos de Taiwan também provocaria caos em outros países interconectados, como Japão e Coreia do Sul.

China cria uma nova normalidade

Mesmo depois de finalizar os exercícios em grande escala deste mês, o Exército de Libertação Popular continuou a intensificar sua presença no Estreito de Taiwan. Forças militares chinesas aumentaram a frequência de seus voos sobre a chamada linha mediana, a fronteira informal entre ambos os lados, que os chineses raramente atravessavam no passado.

Esses voos sinalizam uma nova normalidade na atividade militar chinesa nas proximidades de Taiwan, sublinhando a posição de Pequim em não aceitar as reivindicações taiwanesas de soberania e fronteiras. Exercícios cada vez mais frequentes e próximos também aumentam o risco de Taiwan se dessensibilizar e acabar pega por um ataque surpresa. Levaria minutos para um caça que atravesse essa linha chegar à ilha permanecendo em trajetória reta, em vez de alterar o curso como tem ocorrido.

Soldados taiwaneses disparam artilharia durante treinamento no dia 9 de agosto. Com tensões crescentes com a China, ambos exércitos aumentam exercícios militares Foto: Lam Yik Fei / NYT

“Talvez no futuro esse tipo de ação se normalize da mesma maneira que colocar caranguejos vivos na panela para morrer aos poucos na água fervente”, afirmou Shu Hsiao-huang, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, de Taiwan. “Esse tipo de assédio pode se tornar a norma.”

Nas primeiras três semanas deste mês, a China acionou mais de 600 aeronaves militares no espaço aéreo adjacente à ilha, uma elevação sem precedente no número desses voos.

“Enquanto os EUA e forças externas, incluindo as forças independentistas de Taiwan, fizerem provocações constantes, os exercícios serão cada vez mais intensos e mais frequentes, durarão mais tempo e terão maior escopo”, afirmou em Pequim o comentarista militar e ex-oficial militar chinês Song Zhongping.

A China tem realizado nos anos recentes cada vez mais voos militares através da Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan, uma área mais abrangente do que o espaço aéreo soberano da ilha, como forma comedida de demonstrar a insatisfação de Pequim em relação a Taiwan. Agora, invadindo diariamente a zona aérea, os chineses estão possivelmente tentando também desgastar os aviões e pilotos da Força Aérea taiwanesa. Entre os voos detectados por Taiwan neste mês, muitos foram de caças de combate, mas aviões de vigilância, helicópteros e outros tipos de aeronave também foram identificados.

Líderes chineses afirmam há muito que querem absorver Taiwan pacificamente. Mesmo assim, à medida que a China demonstra crescente ansiedade em relação a Taiwan e sobre dissuadir os EUA de apoiar a ilha, suas exibições de força poderiam se intensificar. Mesmo que nenhum dos lados queira a guerra, existe um risco crescente de um confronto entre as duas superpotências devastar Taiwan.

“Os chineses têm um problema político nesse aspecto toda vez que se sentem compelidos a fazer uma afirmação política dessa magnitude, eles sempre têm que fazer mais do que fizeram anteriormente”, afirmou Lonnie Henley, ex-operador de inteligência dos EUA especializado em forças militares chinesas que agora atua como palestrante na Universidade George Washington. “Temo que, em algum ponto, eles acabem sem margem, em virtude de suas ameaças casa vez mais ruidosas.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Por décadas, Pequim tem o olhar sobre Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como território. Os chineses fortaleceram seu Exército de Libertação Popular com o objetivo de, por fim, tomar o local caso esforços pacíficos de unificação fracassem. A China modernizou as capacidades de suas Forças Armadas e desenvolveu a maior Marinha do mundo, que agora desafia a supremacia americana nos mares em torno de Taiwan.

Ainda que provavelmente falte à China a capacidade de invadir e tomar o controle rapidamente de Taiwan, o país poderia tentar impor um bloqueio para forçar a ilha a abrir concessões – ou como prelúdio de uma ação militar maior. Nesse cenário, a China tentaria subjugar Taiwan sufocando a ilha e seus 23 milhões de habitantes com um cerco de navios e aeronaves, isolando-a fisicamente, economicamente e até digitalmente.

A China tentou usar os exercícios militares que realizou este mês para sinalizar sua confiança na capacidade do Exército de Libertação Popular de sitiar Taiwan. Os militares chineses dispararam mísseis balísticos nas águas costeiras de Taiwan, a 130 quilômetros da costa da China continental, lançando pelo menos quatro projéteis que cruzaram o céu imediatamente acima da ilha, de acordo com o Japão, e conduziram exercícios em zonas tão próximas à ilha como nunca havia ocorrido.

Imagem do dia 4 de agosto de 2022 mostra helicópteros militares da China sobrevoando região próxima a Taiwan durante exercício das forças aéreas Foto: Hector Retamal / AFP

Em “A ciência da estratégia”, uma das cartilhas cruciais dos oficiais do Exército de Libertação Popular, Taiwan não é mencionada, mas o alvo é claro. O livro descreve um “bloqueio estratégico” como maneira de “destruir as conexões externas, econômicas e militares, do inimigo, para degradar sua capacidade operacional e seu potencial de guerra e deixá-lo isolado e desamparado”.

Durante os exercícios deste mês, a China evitou manobras mais provocativas, capazes de desencadear uma resposta mais enérgica de Taiwan. Mesmo assim, Pequim conseguiu expressar uma ameaça real, colocando Taiwan em alerta a respeito dos riscos de não atender às exigências dos chineses.

“Considero que eles deixaram claras suas intenções ao cercar Taiwan e refutar a intervenção estrangeira”, afirmou Ou Si-fu, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, entidade ligada ao Ministério da Defesa taiwanês. “Eles prenderam demonstrar que: ‘Taiwan pode ser isolada, então somos capazes de combatê-la’”.

Um bloqueio real buscaria repelir forças americanas

Após a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, desafiar alertas de Pequim e visitar Taiwan, em 2 de agosto, a China retaliou acionando aeronaves e embarcações militares e disparando mísseis durante exercícios que duraram 72 horas. Pequim determinou seis áreas de exercícios em torno de Taiwan, incluindo nas águas da costa leste da ilha, em um esforço para projetar seu poder para além da China continental.

Os exercícios não foram um ensaio em escala total. Em um bloqueio real, os 11 mísseis que a China disparou nas águas em torno de Taiwan teriam servido pouco propósito militar, pois os projéteis usados são projetados para atingir alvos terrestres, não embarcações. A China ainda não acionou seus armamentos mais avançados. Os chineses sobrevoaram as proximidades de Taiwan, mas não o território terrestre da ilha. Apesar de três das zonas marítimas que a China determinou para esses exercícios invadirem águas territoriais reivindicadas por Taiwan, na prática os mísseis e navios chineses evitaram essas águas.

“Isso é guerra política”, afirmou Drew Thompson, pesquisador-sênior da Faculdade Lee Kuan Yew de Política Pública, em Cingapura, que trabalhou anteriormente no Pentágono. “O aspecto político do que eles fazem é certas vezes mais importante do que o treinamento real que eles estão realizando.”

Um bloqueio real envolveria centenas de embarcações e aeronaves a mais, assim como submarinos, tentando fechar os portos e aeroportos de Taiwan e repelir possíveis intervenções marítimas e aéreas dos EUA e seus aliados.

Em um bloqueio, a China teria também de assumir controle dos céus. A China possui várias bases navais e aéreas em seu trecho de costa diante de Taiwan, e muitas outras em numerosos outros pontos de sua costa. Os militares chineses também poderiam tentar derrubar aviões inimigos com mísseis terra-ar ou até atacar as bases americanas em Guam e no Japão.

Estrategistas militares chineses veem um bloqueio como uma estratégia que concede à China flexibilidade para apertar ou afrouxar um nó de forca no pescoço de Taiwan em função de seus objetivos.

Pequim poderia impor um bloqueio limitado, parando embarcações e as fiscalizando, sem atacar os portos de Taiwan. Dada a dependência de Taiwan em relação a importações de combustíveis e alimentos, até um bloqueio temporário poderia prejudicar a ilha politicamente e economicamente, permitindo à China um caminho contundente para empurrar suas demandas.

“Isso torna possível apertar o cerco e aliviar quando Taiwan ‘aprender sua lição’”, afirmou Phillip Saunders, da Universidade de Defesa Nacional, que coeditou uma nova coleção de ensaios que analisam as opções militares dos chineses em relação à ilha.

Mas o Exército de Libertação Popular treina para um bloqueio que “seria violento e geraria muitos custos internacionais”, afirmou Saunders. Nesse cenário, a China poderia usar um bloqueio para dar apoio a uma tentativa de invasão total. Esse passo poderia desencadear um conflito potencialmente prolongado e devastador, assim como uma forte reação internacional contra a China prejudicial à sua economia e que lhe ocasionaria isolamento político.

As incertezas em relação ao desfecho de qualquer guerra marítima ou aérea seriam imensas para todos os envolvidos.

China considera informação um campo de batalha crucial

Em um conflito real para tomar Taiwan, a China também buscaria controlar o ambiente de informação. Pequim poderia usar propaganda, desinformação, guerra cibernética e outras ferramentas na esperança de reunir apoio doméstico e semear medo e discórdia em Taiwan e por todo o mundo.

Durante os exercícios recentes, o Exército de Libertação Popular publicou uma torrente de vídeos, fotos e relatórios que enevoaram o limite entre propaganda e desinformação. A campanha incluiu imagens de caças de combate decolando, disparos de mísseis, navios de guerra em patrulha e um trem hospitalar transportando tropas, tudo com intenção de demonstrar uma força pronta para o combate. Mas a campanha também pareceu exagerar as capacidades chinesas, ao retratar forças maiores e mais próximas a Taiwan do que na realidade.

Soldados taiwaneses ao lado de tanque antiaéreo durante exercício militar no dia 18 de agosto Foto: Ritchie B. Tongo / EFE

Estrategistas chineses consideram as armas cibernéticas tão importante quanto as militares em qualquer conflito, e especialistas afirmam que, em um conflito real, a China usaria ciberataques para tentar derrubar as comunicações de Taiwan ou até paralisar seus armamentos. “Quem controlar informação e controlar a internet possuirá o mundo inteiro”, afirma a principal cartilha de estratégia das Forças Armadas chinesas, citando o falecido futurista americano Alvin Toffler.

Durante a visita de Pelosi a Taiwan, Taiwan foi alvo de ciberataques esporádicos e pouco sofisticados, de origem indeterminada, que ocasionaram mais aborrecimentos que perturbações. Pelo menos quatro websites do governo taiwanês foram alvo de ciberataques breves. Hackers dominaram as telas de várias lojas da rede 7-Eleven e da estação ferroviária de Xinzuoying, em Kaohsiung, e exibiram mensagens de condenação a Pelosi.

“A visita sorrateira da bruxa velha a Taiwan é uma provocação grave contra a soberania da mãe-pátria. Aqueles que a promovem ativamente serão por fim julgados pelo povo. Os laços sanguíneos da mesma raça são difíceis de cortar e continuarão atados, e a grande China por fim se unificará!”

Em um conflito real, a China também poderia cortar ou incapacitar os cabos submarinos que transportam cerca de 90% dos dados que conectam Taiwan ao mundo, afirmaram alguns especialistas sobre a ilha. “A maior fraqueza (dos cabos) está onde eles emergem do fundo do mar”, afirmou Ou, o pesquisador taiwanês.

Cortar os cabos submarinos de Taiwan também provocaria caos em outros países interconectados, como Japão e Coreia do Sul.

China cria uma nova normalidade

Mesmo depois de finalizar os exercícios em grande escala deste mês, o Exército de Libertação Popular continuou a intensificar sua presença no Estreito de Taiwan. Forças militares chinesas aumentaram a frequência de seus voos sobre a chamada linha mediana, a fronteira informal entre ambos os lados, que os chineses raramente atravessavam no passado.

Esses voos sinalizam uma nova normalidade na atividade militar chinesa nas proximidades de Taiwan, sublinhando a posição de Pequim em não aceitar as reivindicações taiwanesas de soberania e fronteiras. Exercícios cada vez mais frequentes e próximos também aumentam o risco de Taiwan se dessensibilizar e acabar pega por um ataque surpresa. Levaria minutos para um caça que atravesse essa linha chegar à ilha permanecendo em trajetória reta, em vez de alterar o curso como tem ocorrido.

Soldados taiwaneses disparam artilharia durante treinamento no dia 9 de agosto. Com tensões crescentes com a China, ambos exércitos aumentam exercícios militares Foto: Lam Yik Fei / NYT

“Talvez no futuro esse tipo de ação se normalize da mesma maneira que colocar caranguejos vivos na panela para morrer aos poucos na água fervente”, afirmou Shu Hsiao-huang, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, de Taiwan. “Esse tipo de assédio pode se tornar a norma.”

Nas primeiras três semanas deste mês, a China acionou mais de 600 aeronaves militares no espaço aéreo adjacente à ilha, uma elevação sem precedente no número desses voos.

“Enquanto os EUA e forças externas, incluindo as forças independentistas de Taiwan, fizerem provocações constantes, os exercícios serão cada vez mais intensos e mais frequentes, durarão mais tempo e terão maior escopo”, afirmou em Pequim o comentarista militar e ex-oficial militar chinês Song Zhongping.

A China tem realizado nos anos recentes cada vez mais voos militares através da Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan, uma área mais abrangente do que o espaço aéreo soberano da ilha, como forma comedida de demonstrar a insatisfação de Pequim em relação a Taiwan. Agora, invadindo diariamente a zona aérea, os chineses estão possivelmente tentando também desgastar os aviões e pilotos da Força Aérea taiwanesa. Entre os voos detectados por Taiwan neste mês, muitos foram de caças de combate, mas aviões de vigilância, helicópteros e outros tipos de aeronave também foram identificados.

Líderes chineses afirmam há muito que querem absorver Taiwan pacificamente. Mesmo assim, à medida que a China demonstra crescente ansiedade em relação a Taiwan e sobre dissuadir os EUA de apoiar a ilha, suas exibições de força poderiam se intensificar. Mesmo que nenhum dos lados queira a guerra, existe um risco crescente de um confronto entre as duas superpotências devastar Taiwan.

“Os chineses têm um problema político nesse aspecto toda vez que se sentem compelidos a fazer uma afirmação política dessa magnitude, eles sempre têm que fazer mais do que fizeram anteriormente”, afirmou Lonnie Henley, ex-operador de inteligência dos EUA especializado em forças militares chinesas que agora atua como palestrante na Universidade George Washington. “Temo que, em algum ponto, eles acabem sem margem, em virtude de suas ameaças casa vez mais ruidosas.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Por décadas, Pequim tem o olhar sobre Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como território. Os chineses fortaleceram seu Exército de Libertação Popular com o objetivo de, por fim, tomar o local caso esforços pacíficos de unificação fracassem. A China modernizou as capacidades de suas Forças Armadas e desenvolveu a maior Marinha do mundo, que agora desafia a supremacia americana nos mares em torno de Taiwan.

Ainda que provavelmente falte à China a capacidade de invadir e tomar o controle rapidamente de Taiwan, o país poderia tentar impor um bloqueio para forçar a ilha a abrir concessões – ou como prelúdio de uma ação militar maior. Nesse cenário, a China tentaria subjugar Taiwan sufocando a ilha e seus 23 milhões de habitantes com um cerco de navios e aeronaves, isolando-a fisicamente, economicamente e até digitalmente.

A China tentou usar os exercícios militares que realizou este mês para sinalizar sua confiança na capacidade do Exército de Libertação Popular de sitiar Taiwan. Os militares chineses dispararam mísseis balísticos nas águas costeiras de Taiwan, a 130 quilômetros da costa da China continental, lançando pelo menos quatro projéteis que cruzaram o céu imediatamente acima da ilha, de acordo com o Japão, e conduziram exercícios em zonas tão próximas à ilha como nunca havia ocorrido.

Imagem do dia 4 de agosto de 2022 mostra helicópteros militares da China sobrevoando região próxima a Taiwan durante exercício das forças aéreas Foto: Hector Retamal / AFP

Em “A ciência da estratégia”, uma das cartilhas cruciais dos oficiais do Exército de Libertação Popular, Taiwan não é mencionada, mas o alvo é claro. O livro descreve um “bloqueio estratégico” como maneira de “destruir as conexões externas, econômicas e militares, do inimigo, para degradar sua capacidade operacional e seu potencial de guerra e deixá-lo isolado e desamparado”.

Durante os exercícios deste mês, a China evitou manobras mais provocativas, capazes de desencadear uma resposta mais enérgica de Taiwan. Mesmo assim, Pequim conseguiu expressar uma ameaça real, colocando Taiwan em alerta a respeito dos riscos de não atender às exigências dos chineses.

“Considero que eles deixaram claras suas intenções ao cercar Taiwan e refutar a intervenção estrangeira”, afirmou Ou Si-fu, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, entidade ligada ao Ministério da Defesa taiwanês. “Eles prenderam demonstrar que: ‘Taiwan pode ser isolada, então somos capazes de combatê-la’”.

Um bloqueio real buscaria repelir forças americanas

Após a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, desafiar alertas de Pequim e visitar Taiwan, em 2 de agosto, a China retaliou acionando aeronaves e embarcações militares e disparando mísseis durante exercícios que duraram 72 horas. Pequim determinou seis áreas de exercícios em torno de Taiwan, incluindo nas águas da costa leste da ilha, em um esforço para projetar seu poder para além da China continental.

Os exercícios não foram um ensaio em escala total. Em um bloqueio real, os 11 mísseis que a China disparou nas águas em torno de Taiwan teriam servido pouco propósito militar, pois os projéteis usados são projetados para atingir alvos terrestres, não embarcações. A China ainda não acionou seus armamentos mais avançados. Os chineses sobrevoaram as proximidades de Taiwan, mas não o território terrestre da ilha. Apesar de três das zonas marítimas que a China determinou para esses exercícios invadirem águas territoriais reivindicadas por Taiwan, na prática os mísseis e navios chineses evitaram essas águas.

“Isso é guerra política”, afirmou Drew Thompson, pesquisador-sênior da Faculdade Lee Kuan Yew de Política Pública, em Cingapura, que trabalhou anteriormente no Pentágono. “O aspecto político do que eles fazem é certas vezes mais importante do que o treinamento real que eles estão realizando.”

Um bloqueio real envolveria centenas de embarcações e aeronaves a mais, assim como submarinos, tentando fechar os portos e aeroportos de Taiwan e repelir possíveis intervenções marítimas e aéreas dos EUA e seus aliados.

Em um bloqueio, a China teria também de assumir controle dos céus. A China possui várias bases navais e aéreas em seu trecho de costa diante de Taiwan, e muitas outras em numerosos outros pontos de sua costa. Os militares chineses também poderiam tentar derrubar aviões inimigos com mísseis terra-ar ou até atacar as bases americanas em Guam e no Japão.

Estrategistas militares chineses veem um bloqueio como uma estratégia que concede à China flexibilidade para apertar ou afrouxar um nó de forca no pescoço de Taiwan em função de seus objetivos.

Pequim poderia impor um bloqueio limitado, parando embarcações e as fiscalizando, sem atacar os portos de Taiwan. Dada a dependência de Taiwan em relação a importações de combustíveis e alimentos, até um bloqueio temporário poderia prejudicar a ilha politicamente e economicamente, permitindo à China um caminho contundente para empurrar suas demandas.

“Isso torna possível apertar o cerco e aliviar quando Taiwan ‘aprender sua lição’”, afirmou Phillip Saunders, da Universidade de Defesa Nacional, que coeditou uma nova coleção de ensaios que analisam as opções militares dos chineses em relação à ilha.

Mas o Exército de Libertação Popular treina para um bloqueio que “seria violento e geraria muitos custos internacionais”, afirmou Saunders. Nesse cenário, a China poderia usar um bloqueio para dar apoio a uma tentativa de invasão total. Esse passo poderia desencadear um conflito potencialmente prolongado e devastador, assim como uma forte reação internacional contra a China prejudicial à sua economia e que lhe ocasionaria isolamento político.

As incertezas em relação ao desfecho de qualquer guerra marítima ou aérea seriam imensas para todos os envolvidos.

China considera informação um campo de batalha crucial

Em um conflito real para tomar Taiwan, a China também buscaria controlar o ambiente de informação. Pequim poderia usar propaganda, desinformação, guerra cibernética e outras ferramentas na esperança de reunir apoio doméstico e semear medo e discórdia em Taiwan e por todo o mundo.

Durante os exercícios recentes, o Exército de Libertação Popular publicou uma torrente de vídeos, fotos e relatórios que enevoaram o limite entre propaganda e desinformação. A campanha incluiu imagens de caças de combate decolando, disparos de mísseis, navios de guerra em patrulha e um trem hospitalar transportando tropas, tudo com intenção de demonstrar uma força pronta para o combate. Mas a campanha também pareceu exagerar as capacidades chinesas, ao retratar forças maiores e mais próximas a Taiwan do que na realidade.

Soldados taiwaneses ao lado de tanque antiaéreo durante exercício militar no dia 18 de agosto Foto: Ritchie B. Tongo / EFE

Estrategistas chineses consideram as armas cibernéticas tão importante quanto as militares em qualquer conflito, e especialistas afirmam que, em um conflito real, a China usaria ciberataques para tentar derrubar as comunicações de Taiwan ou até paralisar seus armamentos. “Quem controlar informação e controlar a internet possuirá o mundo inteiro”, afirma a principal cartilha de estratégia das Forças Armadas chinesas, citando o falecido futurista americano Alvin Toffler.

Durante a visita de Pelosi a Taiwan, Taiwan foi alvo de ciberataques esporádicos e pouco sofisticados, de origem indeterminada, que ocasionaram mais aborrecimentos que perturbações. Pelo menos quatro websites do governo taiwanês foram alvo de ciberataques breves. Hackers dominaram as telas de várias lojas da rede 7-Eleven e da estação ferroviária de Xinzuoying, em Kaohsiung, e exibiram mensagens de condenação a Pelosi.

“A visita sorrateira da bruxa velha a Taiwan é uma provocação grave contra a soberania da mãe-pátria. Aqueles que a promovem ativamente serão por fim julgados pelo povo. Os laços sanguíneos da mesma raça são difíceis de cortar e continuarão atados, e a grande China por fim se unificará!”

Em um conflito real, a China também poderia cortar ou incapacitar os cabos submarinos que transportam cerca de 90% dos dados que conectam Taiwan ao mundo, afirmaram alguns especialistas sobre a ilha. “A maior fraqueza (dos cabos) está onde eles emergem do fundo do mar”, afirmou Ou, o pesquisador taiwanês.

Cortar os cabos submarinos de Taiwan também provocaria caos em outros países interconectados, como Japão e Coreia do Sul.

China cria uma nova normalidade

Mesmo depois de finalizar os exercícios em grande escala deste mês, o Exército de Libertação Popular continuou a intensificar sua presença no Estreito de Taiwan. Forças militares chinesas aumentaram a frequência de seus voos sobre a chamada linha mediana, a fronteira informal entre ambos os lados, que os chineses raramente atravessavam no passado.

Esses voos sinalizam uma nova normalidade na atividade militar chinesa nas proximidades de Taiwan, sublinhando a posição de Pequim em não aceitar as reivindicações taiwanesas de soberania e fronteiras. Exercícios cada vez mais frequentes e próximos também aumentam o risco de Taiwan se dessensibilizar e acabar pega por um ataque surpresa. Levaria minutos para um caça que atravesse essa linha chegar à ilha permanecendo em trajetória reta, em vez de alterar o curso como tem ocorrido.

Soldados taiwaneses disparam artilharia durante treinamento no dia 9 de agosto. Com tensões crescentes com a China, ambos exércitos aumentam exercícios militares Foto: Lam Yik Fei / NYT

“Talvez no futuro esse tipo de ação se normalize da mesma maneira que colocar caranguejos vivos na panela para morrer aos poucos na água fervente”, afirmou Shu Hsiao-huang, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, de Taiwan. “Esse tipo de assédio pode se tornar a norma.”

Nas primeiras três semanas deste mês, a China acionou mais de 600 aeronaves militares no espaço aéreo adjacente à ilha, uma elevação sem precedente no número desses voos.

“Enquanto os EUA e forças externas, incluindo as forças independentistas de Taiwan, fizerem provocações constantes, os exercícios serão cada vez mais intensos e mais frequentes, durarão mais tempo e terão maior escopo”, afirmou em Pequim o comentarista militar e ex-oficial militar chinês Song Zhongping.

A China tem realizado nos anos recentes cada vez mais voos militares através da Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan, uma área mais abrangente do que o espaço aéreo soberano da ilha, como forma comedida de demonstrar a insatisfação de Pequim em relação a Taiwan. Agora, invadindo diariamente a zona aérea, os chineses estão possivelmente tentando também desgastar os aviões e pilotos da Força Aérea taiwanesa. Entre os voos detectados por Taiwan neste mês, muitos foram de caças de combate, mas aviões de vigilância, helicópteros e outros tipos de aeronave também foram identificados.

Líderes chineses afirmam há muito que querem absorver Taiwan pacificamente. Mesmo assim, à medida que a China demonstra crescente ansiedade em relação a Taiwan e sobre dissuadir os EUA de apoiar a ilha, suas exibições de força poderiam se intensificar. Mesmo que nenhum dos lados queira a guerra, existe um risco crescente de um confronto entre as duas superpotências devastar Taiwan.

“Os chineses têm um problema político nesse aspecto toda vez que se sentem compelidos a fazer uma afirmação política dessa magnitude, eles sempre têm que fazer mais do que fizeram anteriormente”, afirmou Lonnie Henley, ex-operador de inteligência dos EUA especializado em forças militares chinesas que agora atua como palestrante na Universidade George Washington. “Temo que, em algum ponto, eles acabem sem margem, em virtude de suas ameaças casa vez mais ruidosas.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Por décadas, Pequim tem o olhar sobre Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como território. Os chineses fortaleceram seu Exército de Libertação Popular com o objetivo de, por fim, tomar o local caso esforços pacíficos de unificação fracassem. A China modernizou as capacidades de suas Forças Armadas e desenvolveu a maior Marinha do mundo, que agora desafia a supremacia americana nos mares em torno de Taiwan.

Ainda que provavelmente falte à China a capacidade de invadir e tomar o controle rapidamente de Taiwan, o país poderia tentar impor um bloqueio para forçar a ilha a abrir concessões – ou como prelúdio de uma ação militar maior. Nesse cenário, a China tentaria subjugar Taiwan sufocando a ilha e seus 23 milhões de habitantes com um cerco de navios e aeronaves, isolando-a fisicamente, economicamente e até digitalmente.

A China tentou usar os exercícios militares que realizou este mês para sinalizar sua confiança na capacidade do Exército de Libertação Popular de sitiar Taiwan. Os militares chineses dispararam mísseis balísticos nas águas costeiras de Taiwan, a 130 quilômetros da costa da China continental, lançando pelo menos quatro projéteis que cruzaram o céu imediatamente acima da ilha, de acordo com o Japão, e conduziram exercícios em zonas tão próximas à ilha como nunca havia ocorrido.

Imagem do dia 4 de agosto de 2022 mostra helicópteros militares da China sobrevoando região próxima a Taiwan durante exercício das forças aéreas Foto: Hector Retamal / AFP

Em “A ciência da estratégia”, uma das cartilhas cruciais dos oficiais do Exército de Libertação Popular, Taiwan não é mencionada, mas o alvo é claro. O livro descreve um “bloqueio estratégico” como maneira de “destruir as conexões externas, econômicas e militares, do inimigo, para degradar sua capacidade operacional e seu potencial de guerra e deixá-lo isolado e desamparado”.

Durante os exercícios deste mês, a China evitou manobras mais provocativas, capazes de desencadear uma resposta mais enérgica de Taiwan. Mesmo assim, Pequim conseguiu expressar uma ameaça real, colocando Taiwan em alerta a respeito dos riscos de não atender às exigências dos chineses.

“Considero que eles deixaram claras suas intenções ao cercar Taiwan e refutar a intervenção estrangeira”, afirmou Ou Si-fu, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, entidade ligada ao Ministério da Defesa taiwanês. “Eles prenderam demonstrar que: ‘Taiwan pode ser isolada, então somos capazes de combatê-la’”.

Um bloqueio real buscaria repelir forças americanas

Após a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, desafiar alertas de Pequim e visitar Taiwan, em 2 de agosto, a China retaliou acionando aeronaves e embarcações militares e disparando mísseis durante exercícios que duraram 72 horas. Pequim determinou seis áreas de exercícios em torno de Taiwan, incluindo nas águas da costa leste da ilha, em um esforço para projetar seu poder para além da China continental.

Os exercícios não foram um ensaio em escala total. Em um bloqueio real, os 11 mísseis que a China disparou nas águas em torno de Taiwan teriam servido pouco propósito militar, pois os projéteis usados são projetados para atingir alvos terrestres, não embarcações. A China ainda não acionou seus armamentos mais avançados. Os chineses sobrevoaram as proximidades de Taiwan, mas não o território terrestre da ilha. Apesar de três das zonas marítimas que a China determinou para esses exercícios invadirem águas territoriais reivindicadas por Taiwan, na prática os mísseis e navios chineses evitaram essas águas.

“Isso é guerra política”, afirmou Drew Thompson, pesquisador-sênior da Faculdade Lee Kuan Yew de Política Pública, em Cingapura, que trabalhou anteriormente no Pentágono. “O aspecto político do que eles fazem é certas vezes mais importante do que o treinamento real que eles estão realizando.”

Um bloqueio real envolveria centenas de embarcações e aeronaves a mais, assim como submarinos, tentando fechar os portos e aeroportos de Taiwan e repelir possíveis intervenções marítimas e aéreas dos EUA e seus aliados.

Em um bloqueio, a China teria também de assumir controle dos céus. A China possui várias bases navais e aéreas em seu trecho de costa diante de Taiwan, e muitas outras em numerosos outros pontos de sua costa. Os militares chineses também poderiam tentar derrubar aviões inimigos com mísseis terra-ar ou até atacar as bases americanas em Guam e no Japão.

Estrategistas militares chineses veem um bloqueio como uma estratégia que concede à China flexibilidade para apertar ou afrouxar um nó de forca no pescoço de Taiwan em função de seus objetivos.

Pequim poderia impor um bloqueio limitado, parando embarcações e as fiscalizando, sem atacar os portos de Taiwan. Dada a dependência de Taiwan em relação a importações de combustíveis e alimentos, até um bloqueio temporário poderia prejudicar a ilha politicamente e economicamente, permitindo à China um caminho contundente para empurrar suas demandas.

“Isso torna possível apertar o cerco e aliviar quando Taiwan ‘aprender sua lição’”, afirmou Phillip Saunders, da Universidade de Defesa Nacional, que coeditou uma nova coleção de ensaios que analisam as opções militares dos chineses em relação à ilha.

Mas o Exército de Libertação Popular treina para um bloqueio que “seria violento e geraria muitos custos internacionais”, afirmou Saunders. Nesse cenário, a China poderia usar um bloqueio para dar apoio a uma tentativa de invasão total. Esse passo poderia desencadear um conflito potencialmente prolongado e devastador, assim como uma forte reação internacional contra a China prejudicial à sua economia e que lhe ocasionaria isolamento político.

As incertezas em relação ao desfecho de qualquer guerra marítima ou aérea seriam imensas para todos os envolvidos.

China considera informação um campo de batalha crucial

Em um conflito real para tomar Taiwan, a China também buscaria controlar o ambiente de informação. Pequim poderia usar propaganda, desinformação, guerra cibernética e outras ferramentas na esperança de reunir apoio doméstico e semear medo e discórdia em Taiwan e por todo o mundo.

Durante os exercícios recentes, o Exército de Libertação Popular publicou uma torrente de vídeos, fotos e relatórios que enevoaram o limite entre propaganda e desinformação. A campanha incluiu imagens de caças de combate decolando, disparos de mísseis, navios de guerra em patrulha e um trem hospitalar transportando tropas, tudo com intenção de demonstrar uma força pronta para o combate. Mas a campanha também pareceu exagerar as capacidades chinesas, ao retratar forças maiores e mais próximas a Taiwan do que na realidade.

Soldados taiwaneses ao lado de tanque antiaéreo durante exercício militar no dia 18 de agosto Foto: Ritchie B. Tongo / EFE

Estrategistas chineses consideram as armas cibernéticas tão importante quanto as militares em qualquer conflito, e especialistas afirmam que, em um conflito real, a China usaria ciberataques para tentar derrubar as comunicações de Taiwan ou até paralisar seus armamentos. “Quem controlar informação e controlar a internet possuirá o mundo inteiro”, afirma a principal cartilha de estratégia das Forças Armadas chinesas, citando o falecido futurista americano Alvin Toffler.

Durante a visita de Pelosi a Taiwan, Taiwan foi alvo de ciberataques esporádicos e pouco sofisticados, de origem indeterminada, que ocasionaram mais aborrecimentos que perturbações. Pelo menos quatro websites do governo taiwanês foram alvo de ciberataques breves. Hackers dominaram as telas de várias lojas da rede 7-Eleven e da estação ferroviária de Xinzuoying, em Kaohsiung, e exibiram mensagens de condenação a Pelosi.

“A visita sorrateira da bruxa velha a Taiwan é uma provocação grave contra a soberania da mãe-pátria. Aqueles que a promovem ativamente serão por fim julgados pelo povo. Os laços sanguíneos da mesma raça são difíceis de cortar e continuarão atados, e a grande China por fim se unificará!”

Em um conflito real, a China também poderia cortar ou incapacitar os cabos submarinos que transportam cerca de 90% dos dados que conectam Taiwan ao mundo, afirmaram alguns especialistas sobre a ilha. “A maior fraqueza (dos cabos) está onde eles emergem do fundo do mar”, afirmou Ou, o pesquisador taiwanês.

Cortar os cabos submarinos de Taiwan também provocaria caos em outros países interconectados, como Japão e Coreia do Sul.

China cria uma nova normalidade

Mesmo depois de finalizar os exercícios em grande escala deste mês, o Exército de Libertação Popular continuou a intensificar sua presença no Estreito de Taiwan. Forças militares chinesas aumentaram a frequência de seus voos sobre a chamada linha mediana, a fronteira informal entre ambos os lados, que os chineses raramente atravessavam no passado.

Esses voos sinalizam uma nova normalidade na atividade militar chinesa nas proximidades de Taiwan, sublinhando a posição de Pequim em não aceitar as reivindicações taiwanesas de soberania e fronteiras. Exercícios cada vez mais frequentes e próximos também aumentam o risco de Taiwan se dessensibilizar e acabar pega por um ataque surpresa. Levaria minutos para um caça que atravesse essa linha chegar à ilha permanecendo em trajetória reta, em vez de alterar o curso como tem ocorrido.

Soldados taiwaneses disparam artilharia durante treinamento no dia 9 de agosto. Com tensões crescentes com a China, ambos exércitos aumentam exercícios militares Foto: Lam Yik Fei / NYT

“Talvez no futuro esse tipo de ação se normalize da mesma maneira que colocar caranguejos vivos na panela para morrer aos poucos na água fervente”, afirmou Shu Hsiao-huang, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, de Taiwan. “Esse tipo de assédio pode se tornar a norma.”

Nas primeiras três semanas deste mês, a China acionou mais de 600 aeronaves militares no espaço aéreo adjacente à ilha, uma elevação sem precedente no número desses voos.

“Enquanto os EUA e forças externas, incluindo as forças independentistas de Taiwan, fizerem provocações constantes, os exercícios serão cada vez mais intensos e mais frequentes, durarão mais tempo e terão maior escopo”, afirmou em Pequim o comentarista militar e ex-oficial militar chinês Song Zhongping.

A China tem realizado nos anos recentes cada vez mais voos militares através da Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan, uma área mais abrangente do que o espaço aéreo soberano da ilha, como forma comedida de demonstrar a insatisfação de Pequim em relação a Taiwan. Agora, invadindo diariamente a zona aérea, os chineses estão possivelmente tentando também desgastar os aviões e pilotos da Força Aérea taiwanesa. Entre os voos detectados por Taiwan neste mês, muitos foram de caças de combate, mas aviões de vigilância, helicópteros e outros tipos de aeronave também foram identificados.

Líderes chineses afirmam há muito que querem absorver Taiwan pacificamente. Mesmo assim, à medida que a China demonstra crescente ansiedade em relação a Taiwan e sobre dissuadir os EUA de apoiar a ilha, suas exibições de força poderiam se intensificar. Mesmo que nenhum dos lados queira a guerra, existe um risco crescente de um confronto entre as duas superpotências devastar Taiwan.

“Os chineses têm um problema político nesse aspecto toda vez que se sentem compelidos a fazer uma afirmação política dessa magnitude, eles sempre têm que fazer mais do que fizeram anteriormente”, afirmou Lonnie Henley, ex-operador de inteligência dos EUA especializado em forças militares chinesas que agora atua como palestrante na Universidade George Washington. “Temo que, em algum ponto, eles acabem sem margem, em virtude de suas ameaças casa vez mais ruidosas.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Por décadas, Pequim tem o olhar sobre Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como território. Os chineses fortaleceram seu Exército de Libertação Popular com o objetivo de, por fim, tomar o local caso esforços pacíficos de unificação fracassem. A China modernizou as capacidades de suas Forças Armadas e desenvolveu a maior Marinha do mundo, que agora desafia a supremacia americana nos mares em torno de Taiwan.

Ainda que provavelmente falte à China a capacidade de invadir e tomar o controle rapidamente de Taiwan, o país poderia tentar impor um bloqueio para forçar a ilha a abrir concessões – ou como prelúdio de uma ação militar maior. Nesse cenário, a China tentaria subjugar Taiwan sufocando a ilha e seus 23 milhões de habitantes com um cerco de navios e aeronaves, isolando-a fisicamente, economicamente e até digitalmente.

A China tentou usar os exercícios militares que realizou este mês para sinalizar sua confiança na capacidade do Exército de Libertação Popular de sitiar Taiwan. Os militares chineses dispararam mísseis balísticos nas águas costeiras de Taiwan, a 130 quilômetros da costa da China continental, lançando pelo menos quatro projéteis que cruzaram o céu imediatamente acima da ilha, de acordo com o Japão, e conduziram exercícios em zonas tão próximas à ilha como nunca havia ocorrido.

Imagem do dia 4 de agosto de 2022 mostra helicópteros militares da China sobrevoando região próxima a Taiwan durante exercício das forças aéreas Foto: Hector Retamal / AFP

Em “A ciência da estratégia”, uma das cartilhas cruciais dos oficiais do Exército de Libertação Popular, Taiwan não é mencionada, mas o alvo é claro. O livro descreve um “bloqueio estratégico” como maneira de “destruir as conexões externas, econômicas e militares, do inimigo, para degradar sua capacidade operacional e seu potencial de guerra e deixá-lo isolado e desamparado”.

Durante os exercícios deste mês, a China evitou manobras mais provocativas, capazes de desencadear uma resposta mais enérgica de Taiwan. Mesmo assim, Pequim conseguiu expressar uma ameaça real, colocando Taiwan em alerta a respeito dos riscos de não atender às exigências dos chineses.

“Considero que eles deixaram claras suas intenções ao cercar Taiwan e refutar a intervenção estrangeira”, afirmou Ou Si-fu, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, entidade ligada ao Ministério da Defesa taiwanês. “Eles prenderam demonstrar que: ‘Taiwan pode ser isolada, então somos capazes de combatê-la’”.

Um bloqueio real buscaria repelir forças americanas

Após a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, desafiar alertas de Pequim e visitar Taiwan, em 2 de agosto, a China retaliou acionando aeronaves e embarcações militares e disparando mísseis durante exercícios que duraram 72 horas. Pequim determinou seis áreas de exercícios em torno de Taiwan, incluindo nas águas da costa leste da ilha, em um esforço para projetar seu poder para além da China continental.

Os exercícios não foram um ensaio em escala total. Em um bloqueio real, os 11 mísseis que a China disparou nas águas em torno de Taiwan teriam servido pouco propósito militar, pois os projéteis usados são projetados para atingir alvos terrestres, não embarcações. A China ainda não acionou seus armamentos mais avançados. Os chineses sobrevoaram as proximidades de Taiwan, mas não o território terrestre da ilha. Apesar de três das zonas marítimas que a China determinou para esses exercícios invadirem águas territoriais reivindicadas por Taiwan, na prática os mísseis e navios chineses evitaram essas águas.

“Isso é guerra política”, afirmou Drew Thompson, pesquisador-sênior da Faculdade Lee Kuan Yew de Política Pública, em Cingapura, que trabalhou anteriormente no Pentágono. “O aspecto político do que eles fazem é certas vezes mais importante do que o treinamento real que eles estão realizando.”

Um bloqueio real envolveria centenas de embarcações e aeronaves a mais, assim como submarinos, tentando fechar os portos e aeroportos de Taiwan e repelir possíveis intervenções marítimas e aéreas dos EUA e seus aliados.

Em um bloqueio, a China teria também de assumir controle dos céus. A China possui várias bases navais e aéreas em seu trecho de costa diante de Taiwan, e muitas outras em numerosos outros pontos de sua costa. Os militares chineses também poderiam tentar derrubar aviões inimigos com mísseis terra-ar ou até atacar as bases americanas em Guam e no Japão.

Estrategistas militares chineses veem um bloqueio como uma estratégia que concede à China flexibilidade para apertar ou afrouxar um nó de forca no pescoço de Taiwan em função de seus objetivos.

Pequim poderia impor um bloqueio limitado, parando embarcações e as fiscalizando, sem atacar os portos de Taiwan. Dada a dependência de Taiwan em relação a importações de combustíveis e alimentos, até um bloqueio temporário poderia prejudicar a ilha politicamente e economicamente, permitindo à China um caminho contundente para empurrar suas demandas.

“Isso torna possível apertar o cerco e aliviar quando Taiwan ‘aprender sua lição’”, afirmou Phillip Saunders, da Universidade de Defesa Nacional, que coeditou uma nova coleção de ensaios que analisam as opções militares dos chineses em relação à ilha.

Mas o Exército de Libertação Popular treina para um bloqueio que “seria violento e geraria muitos custos internacionais”, afirmou Saunders. Nesse cenário, a China poderia usar um bloqueio para dar apoio a uma tentativa de invasão total. Esse passo poderia desencadear um conflito potencialmente prolongado e devastador, assim como uma forte reação internacional contra a China prejudicial à sua economia e que lhe ocasionaria isolamento político.

As incertezas em relação ao desfecho de qualquer guerra marítima ou aérea seriam imensas para todos os envolvidos.

China considera informação um campo de batalha crucial

Em um conflito real para tomar Taiwan, a China também buscaria controlar o ambiente de informação. Pequim poderia usar propaganda, desinformação, guerra cibernética e outras ferramentas na esperança de reunir apoio doméstico e semear medo e discórdia em Taiwan e por todo o mundo.

Durante os exercícios recentes, o Exército de Libertação Popular publicou uma torrente de vídeos, fotos e relatórios que enevoaram o limite entre propaganda e desinformação. A campanha incluiu imagens de caças de combate decolando, disparos de mísseis, navios de guerra em patrulha e um trem hospitalar transportando tropas, tudo com intenção de demonstrar uma força pronta para o combate. Mas a campanha também pareceu exagerar as capacidades chinesas, ao retratar forças maiores e mais próximas a Taiwan do que na realidade.

Soldados taiwaneses ao lado de tanque antiaéreo durante exercício militar no dia 18 de agosto Foto: Ritchie B. Tongo / EFE

Estrategistas chineses consideram as armas cibernéticas tão importante quanto as militares em qualquer conflito, e especialistas afirmam que, em um conflito real, a China usaria ciberataques para tentar derrubar as comunicações de Taiwan ou até paralisar seus armamentos. “Quem controlar informação e controlar a internet possuirá o mundo inteiro”, afirma a principal cartilha de estratégia das Forças Armadas chinesas, citando o falecido futurista americano Alvin Toffler.

Durante a visita de Pelosi a Taiwan, Taiwan foi alvo de ciberataques esporádicos e pouco sofisticados, de origem indeterminada, que ocasionaram mais aborrecimentos que perturbações. Pelo menos quatro websites do governo taiwanês foram alvo de ciberataques breves. Hackers dominaram as telas de várias lojas da rede 7-Eleven e da estação ferroviária de Xinzuoying, em Kaohsiung, e exibiram mensagens de condenação a Pelosi.

“A visita sorrateira da bruxa velha a Taiwan é uma provocação grave contra a soberania da mãe-pátria. Aqueles que a promovem ativamente serão por fim julgados pelo povo. Os laços sanguíneos da mesma raça são difíceis de cortar e continuarão atados, e a grande China por fim se unificará!”

Em um conflito real, a China também poderia cortar ou incapacitar os cabos submarinos que transportam cerca de 90% dos dados que conectam Taiwan ao mundo, afirmaram alguns especialistas sobre a ilha. “A maior fraqueza (dos cabos) está onde eles emergem do fundo do mar”, afirmou Ou, o pesquisador taiwanês.

Cortar os cabos submarinos de Taiwan também provocaria caos em outros países interconectados, como Japão e Coreia do Sul.

China cria uma nova normalidade

Mesmo depois de finalizar os exercícios em grande escala deste mês, o Exército de Libertação Popular continuou a intensificar sua presença no Estreito de Taiwan. Forças militares chinesas aumentaram a frequência de seus voos sobre a chamada linha mediana, a fronteira informal entre ambos os lados, que os chineses raramente atravessavam no passado.

Esses voos sinalizam uma nova normalidade na atividade militar chinesa nas proximidades de Taiwan, sublinhando a posição de Pequim em não aceitar as reivindicações taiwanesas de soberania e fronteiras. Exercícios cada vez mais frequentes e próximos também aumentam o risco de Taiwan se dessensibilizar e acabar pega por um ataque surpresa. Levaria minutos para um caça que atravesse essa linha chegar à ilha permanecendo em trajetória reta, em vez de alterar o curso como tem ocorrido.

Soldados taiwaneses disparam artilharia durante treinamento no dia 9 de agosto. Com tensões crescentes com a China, ambos exércitos aumentam exercícios militares Foto: Lam Yik Fei / NYT

“Talvez no futuro esse tipo de ação se normalize da mesma maneira que colocar caranguejos vivos na panela para morrer aos poucos na água fervente”, afirmou Shu Hsiao-huang, pesquisador do Instituto para Defesa Nacional e Pesquisa em Segurança, de Taiwan. “Esse tipo de assédio pode se tornar a norma.”

Nas primeiras três semanas deste mês, a China acionou mais de 600 aeronaves militares no espaço aéreo adjacente à ilha, uma elevação sem precedente no número desses voos.

“Enquanto os EUA e forças externas, incluindo as forças independentistas de Taiwan, fizerem provocações constantes, os exercícios serão cada vez mais intensos e mais frequentes, durarão mais tempo e terão maior escopo”, afirmou em Pequim o comentarista militar e ex-oficial militar chinês Song Zhongping.

A China tem realizado nos anos recentes cada vez mais voos militares através da Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan, uma área mais abrangente do que o espaço aéreo soberano da ilha, como forma comedida de demonstrar a insatisfação de Pequim em relação a Taiwan. Agora, invadindo diariamente a zona aérea, os chineses estão possivelmente tentando também desgastar os aviões e pilotos da Força Aérea taiwanesa. Entre os voos detectados por Taiwan neste mês, muitos foram de caças de combate, mas aviões de vigilância, helicópteros e outros tipos de aeronave também foram identificados.

Líderes chineses afirmam há muito que querem absorver Taiwan pacificamente. Mesmo assim, à medida que a China demonstra crescente ansiedade em relação a Taiwan e sobre dissuadir os EUA de apoiar a ilha, suas exibições de força poderiam se intensificar. Mesmo que nenhum dos lados queira a guerra, existe um risco crescente de um confronto entre as duas superpotências devastar Taiwan.

“Os chineses têm um problema político nesse aspecto toda vez que se sentem compelidos a fazer uma afirmação política dessa magnitude, eles sempre têm que fazer mais do que fizeram anteriormente”, afirmou Lonnie Henley, ex-operador de inteligência dos EUA especializado em forças militares chinesas que agora atua como palestrante na Universidade George Washington. “Temo que, em algum ponto, eles acabem sem margem, em virtude de suas ameaças casa vez mais ruidosas.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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