Como a escolha de J.D. Vance como vice de Trump representa o futuro do Partido Republicano


O ex-presidente Donald Trump controla o Partido Republicano com mãos de ferro e escolheu um companheiro de chapa que é fiel às suas ideias e candidato a sucessor, sem precisar agradar outras alas do partido

Por Daniel Gateno
Atualização:

Quando o empresário Donald Trump chocou a elite do Partido Republicano em 2016 ao ganhar as primárias para se tornar o candidato da legenda nas eleições, ele escolheu um candidato do establishment como companheiro de chapa para acalmar os ânimos da base conservadora e evangélica: o então governador de Indiana, Mike Pence. Oito anos depois, o ex-presidente controla o partido com mãos de ferro e não se preocupou em agradar outras alas da legenda ao escolher o senador J.D. Vance como candidato a vice, um político jovem, com pouca experiência e que é mais leal a Trump do que ao próprio partido.

Vance desbancou outros nomes como o senador Marco Rubio e o governador da Virgínia, Glenn Youngkin. Segundo o jornal americano The Washington Post, assim como Trump em 2016, Vance não era o preferido de membros das elites do partido, como o bilionário da mídia Rupert Murdoch.

“Trump escolheu uma pessoa que não tem raízes históricas com o Partido Republicano”, explica o professor do departamento de ciência política do Berea College, Carlos Gustavo Poggio, em entrevista ao Estadão. O político de 39 anos foi eleito senador pela primeira vez em 2022 pelo Estado de Ohio. “Sua entrada na política tem muito a ver com um trumpismo mais extremo, ele inclusive disse que não teria certificado os resultados das eleições de 2020, como o Mike Pence fez”.

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O ex-presidente e candidato presidencial republicano Donald Trump conversa com seu companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, em St Cloud, Minnesota  Foto: Adam Bettcher/AP

Futuro

A indicação de J.D. Vance também representa a primeira vez que Trump sinaliza apoio a um possível sucessor para avançar com a sua agenda MAGA (“Make America Great Again”, slogan e nome do movimento pró-Trump). Caso seja eleito em novembro, o político de 78 anos só poderá servir mais um mandato como presidente e quer solidificar o seu legado e o futuro do Partido Republicano.

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Vance, de 39 anos, representa uma ala chamada de populistas econômicos dentro do Partido Republicano e rompe com as linhas mais tradicionais, traçadas principalmente pelo ex-presidente americano Ronald Reagan. Figuras importantes do partido que seguem a doutrina de Reagan não participaram da Convenção Republicana em Milwaukee há duas semanas e se afastaram da legenda, como o ex-presidente George W. Bush, o senador Mitt Romney e o ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Paul Ryan.

Trump queria uma pessoa da ala mais populista do partido e definitivamente está olhando para 2028, aponta Jason Shepherd, ex-líder republicano que se afastou da legenda após Trump contestar os resultados das eleições de 2020 e aparelhar de vez o partido. “Vance também é muito novo, tem apenas 39 anos, ele tem um potencial enorme para liderar a legenda por muitos anos”, destaca Shepherd.

J.D. Vance, o companheiro de chapa de Donald Trump, participa de um comício em Waite Park, Minnesota  Foto: Alex Brandon/AP
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Em artigo publicado no jornal americano The New York Times, Matthew Continetti, diretor de Estudos de Política Doméstica do Instituto American Enterprise e especialista em conservadorismo americano avalia que Trump escolheu “lealdade e legado no lugar de outras qualidades que outros presidentes buscaram em companheiros de chapa”. Segundo Continetti, J.D. Vance pode ser considerado como o mais articulado defensor da agenda MAGA.

Ruptura

O senador é contrário a posições tradicionais dos republicanos em relação à livre-comércio e monopólios corporativos. Vance também já elogiou sindicatos, criticou Wall Street, trabalhou no Senado com Elizabeth Warren, ícone progressista do Partido Democrata, e elogiou as visões de Bernie Sanders, outro senador progressista que atua como independente.

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“Estamos presenciando a morte do Partido Republicano de Ronald Reagan e o nascimento do partido trumpista. A retórica de Donald Trump não era só contra o Partido Democrata, mas também contra a elite do Partido Republicano”, aponta Poggio.

Em termos de política econômica, o reaganismo era baseado na abertura de comércio, diminuição de tarifas e assinatura de acordos comerciais, destaca o professor da Berea College. “Tudo isso foi criticado por J.D. Vance, que defende ao lado de Trump uma agenda mais protecionista”.

O senador J.D Vance discursa ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump  Foto: Tom E. Puskar/AP
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Trump e Vance também têm uma postura mais isolacionista na política externa. O senador votou contra o pacote de ajuda militar e econômica para a Ucrânia que foi aprovado em abril após meses travado no Congresso dos Estados Unidos por oposição de muitos congressistas republicanos.

“A política externa de Ronald Reagan era de expansão do poder americano, esta é a política que os EUA seguem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Já Trump e Vance são mais isolacionistas, próximos do conservadorismo americano pré-Segunda Guerra Mundial”, explica Poggio.

Segundo Shepherd, o Partido Republicano sempre teve uma ala mais populista e isolacionista, mas o movimento não era majoritário no partido. “Desde Reagan os conservadores basicamente dominaram a legenda, mas sempre tivemos uma pluralidade de ideias. Eu, por exemplo, sou um republicano que está no meio destas duas alas”.

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Para o republicano, Trump e Vance estão certos nas críticas contra alguns acordos de livre-comércio que beneficiam a criação de empregos em outros países e prejudicam os empregos americanos. Shepherd também cita o caso da Otan, onde todos os países devem investir 2% de seu PIB no setor de defesa, mas muitos membros ainda não conseguiram cumprir com esta meta.

“Eu passo a discordar da visão deles na questão isolacionista. Eu sei que precisamos focar nos nossos problemas domésticos, mas simplesmente renunciar das nossas posições no mundo pode abrir um vácuo no mundo que será preenchido por outros países, como China e Rússia”, diz o republicano.

De acordo com Poggio, o modelo de política externa defendido por Trump e Vance reflete um desconforto de uma parcela da população americana com a atual ordem mundial, criada e patrocinada pelos Estados Unidos desde 1945. “Caso essa agenda republicana seja realizada, estaremos diante de uma transformação interna nos EUA e também no sistema internacional”.

Perfil de Vance

A biografia de J.D. Vance também contribuiu para a escolha de Trump. Antes um crítico do ex-presidente americano, chegando a compará-lo com Adolf Hitler, o político aponta que se surpreendeu com o primeiro mandato do republicano e mudou de ideia sobre ele. Desde 2021, quando o governo Trump acabou, os dois se aproximaram e o ex-presidente apoiou Vance publicamente em sua campanha ao senado no ano seguinte.

Antes de entrar na política, Vance atuou como investidor no Vale do Silício e se formou em direito na Universidade de Yale. Ele ficou conhecido em 2016 quando lançou a autobiografia “Era uma vez um sonho: A história de uma família da classe operária e da crise da sociedade americana”, que virou best-seller do The New York Times.

O livro narra a infância pobre de Vance em Middletown, Ohio, onde sofreu com violência doméstica, abusos e teve que ser criado por seus avós por conta da dependência química de sua mãe. A família do político também tem raízes na região dos Apalaches, no Kentucky, um dos locais mais pobres dos Estados Unidos e que sofre com uma crise de opioides.

O candidato a vice-presidente dos EUA J.D. Vance abraça a sua mãe, Beverly Vance, após discursar na Convenção Republicana, em Milwaulkee  Foto: Chip Somodevilla/AFP

A obra foi elogiada por mostrar a realidade da classe operária rural branca americana e se transformou em leitura obrigatória para entender as condições eleitorais que levaram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016, principalmente no chamado Cinturão da Ferrugem, região no Nordeste americano composta pelos Estados de Iowa, Ohio, Pensilvânia, Michigan, Minnesota e Wisconsin.

O nome faz referência ao aparato industrial que movimentou a economia da região até o século 20 e caiu no ostracismo com o processo de globalização, que fez com que muitas fábricas saíssem dos Estados Unidos e fossem para países como China e México, em busca de mão de obra mais barata.

“O livro foi recebido pelas elites como uma forma de entender porque aqueles eleitores estavam se sentindo esquecidos e porque se sentiam atraídos pelo discurso representado por Donald Trump”, destaca Poggio.

O ex-presidente americano espera que as origens de Vance possam fazer com que o cinturão da ferrugem vote nos republicanos. Os Estados da região são considerados swing states, Estados-pêndulo em português, definição dada aos Estados que não tem um comportamento eleitoral definido, podendo variar entre uma vitória democrata ou republicana, dependendo da eleição.

Em 2016, Trump venceu em Ohio, Pensilvânia, Michigan, Iowa e Wisconsin e foi o vencedor do pleito. Em 2020, o democrata Joe Biden venceu na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Minnesota e foi eleito.

O candidato presidencial republicano Donald Trump participa de comício em Charlotte, Carolina do Norte  Foto: Tom Brenner/Washington Post

Perfil do eleitorado

Com a mudança de postura do Partido Republicano sob Trump, o ex-presidente tenta mediar o apoio que recebeu de bilionários como Peter Thiel, fundador do PayPal, e do homem mais rico do mundo, Elon Musk, com uma posição mais amigável a classe trabalhadora, que antes se mantinha leal ao Partido Democrata.

Desde 2016, o ex-presidente atua como uma voz para um eleitorado trabalhador, rural majoritariamente branco que se sentia esquecido pelo processo de globalização.

Para Poggio, da Berea College, o realinhamento da classe trabalhadora com o trumpismo faz parte de uma tendência mundial que está acontecendo com partidos de direita, principalmente por conta de uma mudança de postura da esquerda mundial. “A esquerda mundial está perdendo a classe trabalhadora porque grande parte da agenda desta nova esquerda é mais focada em costumes e valores, saindo da realidade da classe trabalhadora”.

Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, discursa na Convenção Republicana em Milwaulkee  Foto: Kenny Holston/NYT

Esta mudança de eleitorado foi ressaltada durante a convenção republicana, que recebeu pela primeira vez um discurso de um líder sindical. Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, pediu que os republicanos formulem políticas que sejam mais favoráveis à classe trabalhadora. Seu discurso causou estranheza a membros tradicionais do partido.

“Como muitos conservadores na convenção, eu também achei estranho ver um presidente de um grande sindicato discursar para os republicanos, mas acredito que no final é sobre quem vai proteger os empregos americanos e a classe trabalhadora está percebendo que Donald Trump é esta pessoa”, destaca Shepherd.

Quando o empresário Donald Trump chocou a elite do Partido Republicano em 2016 ao ganhar as primárias para se tornar o candidato da legenda nas eleições, ele escolheu um candidato do establishment como companheiro de chapa para acalmar os ânimos da base conservadora e evangélica: o então governador de Indiana, Mike Pence. Oito anos depois, o ex-presidente controla o partido com mãos de ferro e não se preocupou em agradar outras alas da legenda ao escolher o senador J.D. Vance como candidato a vice, um político jovem, com pouca experiência e que é mais leal a Trump do que ao próprio partido.

Vance desbancou outros nomes como o senador Marco Rubio e o governador da Virgínia, Glenn Youngkin. Segundo o jornal americano The Washington Post, assim como Trump em 2016, Vance não era o preferido de membros das elites do partido, como o bilionário da mídia Rupert Murdoch.

“Trump escolheu uma pessoa que não tem raízes históricas com o Partido Republicano”, explica o professor do departamento de ciência política do Berea College, Carlos Gustavo Poggio, em entrevista ao Estadão. O político de 39 anos foi eleito senador pela primeira vez em 2022 pelo Estado de Ohio. “Sua entrada na política tem muito a ver com um trumpismo mais extremo, ele inclusive disse que não teria certificado os resultados das eleições de 2020, como o Mike Pence fez”.

O ex-presidente e candidato presidencial republicano Donald Trump conversa com seu companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, em St Cloud, Minnesota  Foto: Adam Bettcher/AP

Futuro

A indicação de J.D. Vance também representa a primeira vez que Trump sinaliza apoio a um possível sucessor para avançar com a sua agenda MAGA (“Make America Great Again”, slogan e nome do movimento pró-Trump). Caso seja eleito em novembro, o político de 78 anos só poderá servir mais um mandato como presidente e quer solidificar o seu legado e o futuro do Partido Republicano.

Vance, de 39 anos, representa uma ala chamada de populistas econômicos dentro do Partido Republicano e rompe com as linhas mais tradicionais, traçadas principalmente pelo ex-presidente americano Ronald Reagan. Figuras importantes do partido que seguem a doutrina de Reagan não participaram da Convenção Republicana em Milwaukee há duas semanas e se afastaram da legenda, como o ex-presidente George W. Bush, o senador Mitt Romney e o ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Paul Ryan.

Trump queria uma pessoa da ala mais populista do partido e definitivamente está olhando para 2028, aponta Jason Shepherd, ex-líder republicano que se afastou da legenda após Trump contestar os resultados das eleições de 2020 e aparelhar de vez o partido. “Vance também é muito novo, tem apenas 39 anos, ele tem um potencial enorme para liderar a legenda por muitos anos”, destaca Shepherd.

J.D. Vance, o companheiro de chapa de Donald Trump, participa de um comício em Waite Park, Minnesota  Foto: Alex Brandon/AP

Em artigo publicado no jornal americano The New York Times, Matthew Continetti, diretor de Estudos de Política Doméstica do Instituto American Enterprise e especialista em conservadorismo americano avalia que Trump escolheu “lealdade e legado no lugar de outras qualidades que outros presidentes buscaram em companheiros de chapa”. Segundo Continetti, J.D. Vance pode ser considerado como o mais articulado defensor da agenda MAGA.

Ruptura

O senador é contrário a posições tradicionais dos republicanos em relação à livre-comércio e monopólios corporativos. Vance também já elogiou sindicatos, criticou Wall Street, trabalhou no Senado com Elizabeth Warren, ícone progressista do Partido Democrata, e elogiou as visões de Bernie Sanders, outro senador progressista que atua como independente.

“Estamos presenciando a morte do Partido Republicano de Ronald Reagan e o nascimento do partido trumpista. A retórica de Donald Trump não era só contra o Partido Democrata, mas também contra a elite do Partido Republicano”, aponta Poggio.

Em termos de política econômica, o reaganismo era baseado na abertura de comércio, diminuição de tarifas e assinatura de acordos comerciais, destaca o professor da Berea College. “Tudo isso foi criticado por J.D. Vance, que defende ao lado de Trump uma agenda mais protecionista”.

O senador J.D Vance discursa ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump  Foto: Tom E. Puskar/AP

Trump e Vance também têm uma postura mais isolacionista na política externa. O senador votou contra o pacote de ajuda militar e econômica para a Ucrânia que foi aprovado em abril após meses travado no Congresso dos Estados Unidos por oposição de muitos congressistas republicanos.

“A política externa de Ronald Reagan era de expansão do poder americano, esta é a política que os EUA seguem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Já Trump e Vance são mais isolacionistas, próximos do conservadorismo americano pré-Segunda Guerra Mundial”, explica Poggio.

Segundo Shepherd, o Partido Republicano sempre teve uma ala mais populista e isolacionista, mas o movimento não era majoritário no partido. “Desde Reagan os conservadores basicamente dominaram a legenda, mas sempre tivemos uma pluralidade de ideias. Eu, por exemplo, sou um republicano que está no meio destas duas alas”.

Para o republicano, Trump e Vance estão certos nas críticas contra alguns acordos de livre-comércio que beneficiam a criação de empregos em outros países e prejudicam os empregos americanos. Shepherd também cita o caso da Otan, onde todos os países devem investir 2% de seu PIB no setor de defesa, mas muitos membros ainda não conseguiram cumprir com esta meta.

“Eu passo a discordar da visão deles na questão isolacionista. Eu sei que precisamos focar nos nossos problemas domésticos, mas simplesmente renunciar das nossas posições no mundo pode abrir um vácuo no mundo que será preenchido por outros países, como China e Rússia”, diz o republicano.

De acordo com Poggio, o modelo de política externa defendido por Trump e Vance reflete um desconforto de uma parcela da população americana com a atual ordem mundial, criada e patrocinada pelos Estados Unidos desde 1945. “Caso essa agenda republicana seja realizada, estaremos diante de uma transformação interna nos EUA e também no sistema internacional”.

Perfil de Vance

A biografia de J.D. Vance também contribuiu para a escolha de Trump. Antes um crítico do ex-presidente americano, chegando a compará-lo com Adolf Hitler, o político aponta que se surpreendeu com o primeiro mandato do republicano e mudou de ideia sobre ele. Desde 2021, quando o governo Trump acabou, os dois se aproximaram e o ex-presidente apoiou Vance publicamente em sua campanha ao senado no ano seguinte.

Antes de entrar na política, Vance atuou como investidor no Vale do Silício e se formou em direito na Universidade de Yale. Ele ficou conhecido em 2016 quando lançou a autobiografia “Era uma vez um sonho: A história de uma família da classe operária e da crise da sociedade americana”, que virou best-seller do The New York Times.

O livro narra a infância pobre de Vance em Middletown, Ohio, onde sofreu com violência doméstica, abusos e teve que ser criado por seus avós por conta da dependência química de sua mãe. A família do político também tem raízes na região dos Apalaches, no Kentucky, um dos locais mais pobres dos Estados Unidos e que sofre com uma crise de opioides.

O candidato a vice-presidente dos EUA J.D. Vance abraça a sua mãe, Beverly Vance, após discursar na Convenção Republicana, em Milwaulkee  Foto: Chip Somodevilla/AFP

A obra foi elogiada por mostrar a realidade da classe operária rural branca americana e se transformou em leitura obrigatória para entender as condições eleitorais que levaram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016, principalmente no chamado Cinturão da Ferrugem, região no Nordeste americano composta pelos Estados de Iowa, Ohio, Pensilvânia, Michigan, Minnesota e Wisconsin.

O nome faz referência ao aparato industrial que movimentou a economia da região até o século 20 e caiu no ostracismo com o processo de globalização, que fez com que muitas fábricas saíssem dos Estados Unidos e fossem para países como China e México, em busca de mão de obra mais barata.

“O livro foi recebido pelas elites como uma forma de entender porque aqueles eleitores estavam se sentindo esquecidos e porque se sentiam atraídos pelo discurso representado por Donald Trump”, destaca Poggio.

O ex-presidente americano espera que as origens de Vance possam fazer com que o cinturão da ferrugem vote nos republicanos. Os Estados da região são considerados swing states, Estados-pêndulo em português, definição dada aos Estados que não tem um comportamento eleitoral definido, podendo variar entre uma vitória democrata ou republicana, dependendo da eleição.

Em 2016, Trump venceu em Ohio, Pensilvânia, Michigan, Iowa e Wisconsin e foi o vencedor do pleito. Em 2020, o democrata Joe Biden venceu na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Minnesota e foi eleito.

O candidato presidencial republicano Donald Trump participa de comício em Charlotte, Carolina do Norte  Foto: Tom Brenner/Washington Post

Perfil do eleitorado

Com a mudança de postura do Partido Republicano sob Trump, o ex-presidente tenta mediar o apoio que recebeu de bilionários como Peter Thiel, fundador do PayPal, e do homem mais rico do mundo, Elon Musk, com uma posição mais amigável a classe trabalhadora, que antes se mantinha leal ao Partido Democrata.

Desde 2016, o ex-presidente atua como uma voz para um eleitorado trabalhador, rural majoritariamente branco que se sentia esquecido pelo processo de globalização.

Para Poggio, da Berea College, o realinhamento da classe trabalhadora com o trumpismo faz parte de uma tendência mundial que está acontecendo com partidos de direita, principalmente por conta de uma mudança de postura da esquerda mundial. “A esquerda mundial está perdendo a classe trabalhadora porque grande parte da agenda desta nova esquerda é mais focada em costumes e valores, saindo da realidade da classe trabalhadora”.

Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, discursa na Convenção Republicana em Milwaulkee  Foto: Kenny Holston/NYT

Esta mudança de eleitorado foi ressaltada durante a convenção republicana, que recebeu pela primeira vez um discurso de um líder sindical. Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, pediu que os republicanos formulem políticas que sejam mais favoráveis à classe trabalhadora. Seu discurso causou estranheza a membros tradicionais do partido.

“Como muitos conservadores na convenção, eu também achei estranho ver um presidente de um grande sindicato discursar para os republicanos, mas acredito que no final é sobre quem vai proteger os empregos americanos e a classe trabalhadora está percebendo que Donald Trump é esta pessoa”, destaca Shepherd.

Quando o empresário Donald Trump chocou a elite do Partido Republicano em 2016 ao ganhar as primárias para se tornar o candidato da legenda nas eleições, ele escolheu um candidato do establishment como companheiro de chapa para acalmar os ânimos da base conservadora e evangélica: o então governador de Indiana, Mike Pence. Oito anos depois, o ex-presidente controla o partido com mãos de ferro e não se preocupou em agradar outras alas da legenda ao escolher o senador J.D. Vance como candidato a vice, um político jovem, com pouca experiência e que é mais leal a Trump do que ao próprio partido.

Vance desbancou outros nomes como o senador Marco Rubio e o governador da Virgínia, Glenn Youngkin. Segundo o jornal americano The Washington Post, assim como Trump em 2016, Vance não era o preferido de membros das elites do partido, como o bilionário da mídia Rupert Murdoch.

“Trump escolheu uma pessoa que não tem raízes históricas com o Partido Republicano”, explica o professor do departamento de ciência política do Berea College, Carlos Gustavo Poggio, em entrevista ao Estadão. O político de 39 anos foi eleito senador pela primeira vez em 2022 pelo Estado de Ohio. “Sua entrada na política tem muito a ver com um trumpismo mais extremo, ele inclusive disse que não teria certificado os resultados das eleições de 2020, como o Mike Pence fez”.

O ex-presidente e candidato presidencial republicano Donald Trump conversa com seu companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, em St Cloud, Minnesota  Foto: Adam Bettcher/AP

Futuro

A indicação de J.D. Vance também representa a primeira vez que Trump sinaliza apoio a um possível sucessor para avançar com a sua agenda MAGA (“Make America Great Again”, slogan e nome do movimento pró-Trump). Caso seja eleito em novembro, o político de 78 anos só poderá servir mais um mandato como presidente e quer solidificar o seu legado e o futuro do Partido Republicano.

Vance, de 39 anos, representa uma ala chamada de populistas econômicos dentro do Partido Republicano e rompe com as linhas mais tradicionais, traçadas principalmente pelo ex-presidente americano Ronald Reagan. Figuras importantes do partido que seguem a doutrina de Reagan não participaram da Convenção Republicana em Milwaukee há duas semanas e se afastaram da legenda, como o ex-presidente George W. Bush, o senador Mitt Romney e o ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Paul Ryan.

Trump queria uma pessoa da ala mais populista do partido e definitivamente está olhando para 2028, aponta Jason Shepherd, ex-líder republicano que se afastou da legenda após Trump contestar os resultados das eleições de 2020 e aparelhar de vez o partido. “Vance também é muito novo, tem apenas 39 anos, ele tem um potencial enorme para liderar a legenda por muitos anos”, destaca Shepherd.

J.D. Vance, o companheiro de chapa de Donald Trump, participa de um comício em Waite Park, Minnesota  Foto: Alex Brandon/AP

Em artigo publicado no jornal americano The New York Times, Matthew Continetti, diretor de Estudos de Política Doméstica do Instituto American Enterprise e especialista em conservadorismo americano avalia que Trump escolheu “lealdade e legado no lugar de outras qualidades que outros presidentes buscaram em companheiros de chapa”. Segundo Continetti, J.D. Vance pode ser considerado como o mais articulado defensor da agenda MAGA.

Ruptura

O senador é contrário a posições tradicionais dos republicanos em relação à livre-comércio e monopólios corporativos. Vance também já elogiou sindicatos, criticou Wall Street, trabalhou no Senado com Elizabeth Warren, ícone progressista do Partido Democrata, e elogiou as visões de Bernie Sanders, outro senador progressista que atua como independente.

“Estamos presenciando a morte do Partido Republicano de Ronald Reagan e o nascimento do partido trumpista. A retórica de Donald Trump não era só contra o Partido Democrata, mas também contra a elite do Partido Republicano”, aponta Poggio.

Em termos de política econômica, o reaganismo era baseado na abertura de comércio, diminuição de tarifas e assinatura de acordos comerciais, destaca o professor da Berea College. “Tudo isso foi criticado por J.D. Vance, que defende ao lado de Trump uma agenda mais protecionista”.

O senador J.D Vance discursa ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump  Foto: Tom E. Puskar/AP

Trump e Vance também têm uma postura mais isolacionista na política externa. O senador votou contra o pacote de ajuda militar e econômica para a Ucrânia que foi aprovado em abril após meses travado no Congresso dos Estados Unidos por oposição de muitos congressistas republicanos.

“A política externa de Ronald Reagan era de expansão do poder americano, esta é a política que os EUA seguem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Já Trump e Vance são mais isolacionistas, próximos do conservadorismo americano pré-Segunda Guerra Mundial”, explica Poggio.

Segundo Shepherd, o Partido Republicano sempre teve uma ala mais populista e isolacionista, mas o movimento não era majoritário no partido. “Desde Reagan os conservadores basicamente dominaram a legenda, mas sempre tivemos uma pluralidade de ideias. Eu, por exemplo, sou um republicano que está no meio destas duas alas”.

Para o republicano, Trump e Vance estão certos nas críticas contra alguns acordos de livre-comércio que beneficiam a criação de empregos em outros países e prejudicam os empregos americanos. Shepherd também cita o caso da Otan, onde todos os países devem investir 2% de seu PIB no setor de defesa, mas muitos membros ainda não conseguiram cumprir com esta meta.

“Eu passo a discordar da visão deles na questão isolacionista. Eu sei que precisamos focar nos nossos problemas domésticos, mas simplesmente renunciar das nossas posições no mundo pode abrir um vácuo no mundo que será preenchido por outros países, como China e Rússia”, diz o republicano.

De acordo com Poggio, o modelo de política externa defendido por Trump e Vance reflete um desconforto de uma parcela da população americana com a atual ordem mundial, criada e patrocinada pelos Estados Unidos desde 1945. “Caso essa agenda republicana seja realizada, estaremos diante de uma transformação interna nos EUA e também no sistema internacional”.

Perfil de Vance

A biografia de J.D. Vance também contribuiu para a escolha de Trump. Antes um crítico do ex-presidente americano, chegando a compará-lo com Adolf Hitler, o político aponta que se surpreendeu com o primeiro mandato do republicano e mudou de ideia sobre ele. Desde 2021, quando o governo Trump acabou, os dois se aproximaram e o ex-presidente apoiou Vance publicamente em sua campanha ao senado no ano seguinte.

Antes de entrar na política, Vance atuou como investidor no Vale do Silício e se formou em direito na Universidade de Yale. Ele ficou conhecido em 2016 quando lançou a autobiografia “Era uma vez um sonho: A história de uma família da classe operária e da crise da sociedade americana”, que virou best-seller do The New York Times.

O livro narra a infância pobre de Vance em Middletown, Ohio, onde sofreu com violência doméstica, abusos e teve que ser criado por seus avós por conta da dependência química de sua mãe. A família do político também tem raízes na região dos Apalaches, no Kentucky, um dos locais mais pobres dos Estados Unidos e que sofre com uma crise de opioides.

O candidato a vice-presidente dos EUA J.D. Vance abraça a sua mãe, Beverly Vance, após discursar na Convenção Republicana, em Milwaulkee  Foto: Chip Somodevilla/AFP

A obra foi elogiada por mostrar a realidade da classe operária rural branca americana e se transformou em leitura obrigatória para entender as condições eleitorais que levaram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016, principalmente no chamado Cinturão da Ferrugem, região no Nordeste americano composta pelos Estados de Iowa, Ohio, Pensilvânia, Michigan, Minnesota e Wisconsin.

O nome faz referência ao aparato industrial que movimentou a economia da região até o século 20 e caiu no ostracismo com o processo de globalização, que fez com que muitas fábricas saíssem dos Estados Unidos e fossem para países como China e México, em busca de mão de obra mais barata.

“O livro foi recebido pelas elites como uma forma de entender porque aqueles eleitores estavam se sentindo esquecidos e porque se sentiam atraídos pelo discurso representado por Donald Trump”, destaca Poggio.

O ex-presidente americano espera que as origens de Vance possam fazer com que o cinturão da ferrugem vote nos republicanos. Os Estados da região são considerados swing states, Estados-pêndulo em português, definição dada aos Estados que não tem um comportamento eleitoral definido, podendo variar entre uma vitória democrata ou republicana, dependendo da eleição.

Em 2016, Trump venceu em Ohio, Pensilvânia, Michigan, Iowa e Wisconsin e foi o vencedor do pleito. Em 2020, o democrata Joe Biden venceu na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Minnesota e foi eleito.

O candidato presidencial republicano Donald Trump participa de comício em Charlotte, Carolina do Norte  Foto: Tom Brenner/Washington Post

Perfil do eleitorado

Com a mudança de postura do Partido Republicano sob Trump, o ex-presidente tenta mediar o apoio que recebeu de bilionários como Peter Thiel, fundador do PayPal, e do homem mais rico do mundo, Elon Musk, com uma posição mais amigável a classe trabalhadora, que antes se mantinha leal ao Partido Democrata.

Desde 2016, o ex-presidente atua como uma voz para um eleitorado trabalhador, rural majoritariamente branco que se sentia esquecido pelo processo de globalização.

Para Poggio, da Berea College, o realinhamento da classe trabalhadora com o trumpismo faz parte de uma tendência mundial que está acontecendo com partidos de direita, principalmente por conta de uma mudança de postura da esquerda mundial. “A esquerda mundial está perdendo a classe trabalhadora porque grande parte da agenda desta nova esquerda é mais focada em costumes e valores, saindo da realidade da classe trabalhadora”.

Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, discursa na Convenção Republicana em Milwaulkee  Foto: Kenny Holston/NYT

Esta mudança de eleitorado foi ressaltada durante a convenção republicana, que recebeu pela primeira vez um discurso de um líder sindical. Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, pediu que os republicanos formulem políticas que sejam mais favoráveis à classe trabalhadora. Seu discurso causou estranheza a membros tradicionais do partido.

“Como muitos conservadores na convenção, eu também achei estranho ver um presidente de um grande sindicato discursar para os republicanos, mas acredito que no final é sobre quem vai proteger os empregos americanos e a classe trabalhadora está percebendo que Donald Trump é esta pessoa”, destaca Shepherd.

Quando o empresário Donald Trump chocou a elite do Partido Republicano em 2016 ao ganhar as primárias para se tornar o candidato da legenda nas eleições, ele escolheu um candidato do establishment como companheiro de chapa para acalmar os ânimos da base conservadora e evangélica: o então governador de Indiana, Mike Pence. Oito anos depois, o ex-presidente controla o partido com mãos de ferro e não se preocupou em agradar outras alas da legenda ao escolher o senador J.D. Vance como candidato a vice, um político jovem, com pouca experiência e que é mais leal a Trump do que ao próprio partido.

Vance desbancou outros nomes como o senador Marco Rubio e o governador da Virgínia, Glenn Youngkin. Segundo o jornal americano The Washington Post, assim como Trump em 2016, Vance não era o preferido de membros das elites do partido, como o bilionário da mídia Rupert Murdoch.

“Trump escolheu uma pessoa que não tem raízes históricas com o Partido Republicano”, explica o professor do departamento de ciência política do Berea College, Carlos Gustavo Poggio, em entrevista ao Estadão. O político de 39 anos foi eleito senador pela primeira vez em 2022 pelo Estado de Ohio. “Sua entrada na política tem muito a ver com um trumpismo mais extremo, ele inclusive disse que não teria certificado os resultados das eleições de 2020, como o Mike Pence fez”.

O ex-presidente e candidato presidencial republicano Donald Trump conversa com seu companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, em St Cloud, Minnesota  Foto: Adam Bettcher/AP

Futuro

A indicação de J.D. Vance também representa a primeira vez que Trump sinaliza apoio a um possível sucessor para avançar com a sua agenda MAGA (“Make America Great Again”, slogan e nome do movimento pró-Trump). Caso seja eleito em novembro, o político de 78 anos só poderá servir mais um mandato como presidente e quer solidificar o seu legado e o futuro do Partido Republicano.

Vance, de 39 anos, representa uma ala chamada de populistas econômicos dentro do Partido Republicano e rompe com as linhas mais tradicionais, traçadas principalmente pelo ex-presidente americano Ronald Reagan. Figuras importantes do partido que seguem a doutrina de Reagan não participaram da Convenção Republicana em Milwaukee há duas semanas e se afastaram da legenda, como o ex-presidente George W. Bush, o senador Mitt Romney e o ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Paul Ryan.

Trump queria uma pessoa da ala mais populista do partido e definitivamente está olhando para 2028, aponta Jason Shepherd, ex-líder republicano que se afastou da legenda após Trump contestar os resultados das eleições de 2020 e aparelhar de vez o partido. “Vance também é muito novo, tem apenas 39 anos, ele tem um potencial enorme para liderar a legenda por muitos anos”, destaca Shepherd.

J.D. Vance, o companheiro de chapa de Donald Trump, participa de um comício em Waite Park, Minnesota  Foto: Alex Brandon/AP

Em artigo publicado no jornal americano The New York Times, Matthew Continetti, diretor de Estudos de Política Doméstica do Instituto American Enterprise e especialista em conservadorismo americano avalia que Trump escolheu “lealdade e legado no lugar de outras qualidades que outros presidentes buscaram em companheiros de chapa”. Segundo Continetti, J.D. Vance pode ser considerado como o mais articulado defensor da agenda MAGA.

Ruptura

O senador é contrário a posições tradicionais dos republicanos em relação à livre-comércio e monopólios corporativos. Vance também já elogiou sindicatos, criticou Wall Street, trabalhou no Senado com Elizabeth Warren, ícone progressista do Partido Democrata, e elogiou as visões de Bernie Sanders, outro senador progressista que atua como independente.

“Estamos presenciando a morte do Partido Republicano de Ronald Reagan e o nascimento do partido trumpista. A retórica de Donald Trump não era só contra o Partido Democrata, mas também contra a elite do Partido Republicano”, aponta Poggio.

Em termos de política econômica, o reaganismo era baseado na abertura de comércio, diminuição de tarifas e assinatura de acordos comerciais, destaca o professor da Berea College. “Tudo isso foi criticado por J.D. Vance, que defende ao lado de Trump uma agenda mais protecionista”.

O senador J.D Vance discursa ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump  Foto: Tom E. Puskar/AP

Trump e Vance também têm uma postura mais isolacionista na política externa. O senador votou contra o pacote de ajuda militar e econômica para a Ucrânia que foi aprovado em abril após meses travado no Congresso dos Estados Unidos por oposição de muitos congressistas republicanos.

“A política externa de Ronald Reagan era de expansão do poder americano, esta é a política que os EUA seguem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Já Trump e Vance são mais isolacionistas, próximos do conservadorismo americano pré-Segunda Guerra Mundial”, explica Poggio.

Segundo Shepherd, o Partido Republicano sempre teve uma ala mais populista e isolacionista, mas o movimento não era majoritário no partido. “Desde Reagan os conservadores basicamente dominaram a legenda, mas sempre tivemos uma pluralidade de ideias. Eu, por exemplo, sou um republicano que está no meio destas duas alas”.

Para o republicano, Trump e Vance estão certos nas críticas contra alguns acordos de livre-comércio que beneficiam a criação de empregos em outros países e prejudicam os empregos americanos. Shepherd também cita o caso da Otan, onde todos os países devem investir 2% de seu PIB no setor de defesa, mas muitos membros ainda não conseguiram cumprir com esta meta.

“Eu passo a discordar da visão deles na questão isolacionista. Eu sei que precisamos focar nos nossos problemas domésticos, mas simplesmente renunciar das nossas posições no mundo pode abrir um vácuo no mundo que será preenchido por outros países, como China e Rússia”, diz o republicano.

De acordo com Poggio, o modelo de política externa defendido por Trump e Vance reflete um desconforto de uma parcela da população americana com a atual ordem mundial, criada e patrocinada pelos Estados Unidos desde 1945. “Caso essa agenda republicana seja realizada, estaremos diante de uma transformação interna nos EUA e também no sistema internacional”.

Perfil de Vance

A biografia de J.D. Vance também contribuiu para a escolha de Trump. Antes um crítico do ex-presidente americano, chegando a compará-lo com Adolf Hitler, o político aponta que se surpreendeu com o primeiro mandato do republicano e mudou de ideia sobre ele. Desde 2021, quando o governo Trump acabou, os dois se aproximaram e o ex-presidente apoiou Vance publicamente em sua campanha ao senado no ano seguinte.

Antes de entrar na política, Vance atuou como investidor no Vale do Silício e se formou em direito na Universidade de Yale. Ele ficou conhecido em 2016 quando lançou a autobiografia “Era uma vez um sonho: A história de uma família da classe operária e da crise da sociedade americana”, que virou best-seller do The New York Times.

O livro narra a infância pobre de Vance em Middletown, Ohio, onde sofreu com violência doméstica, abusos e teve que ser criado por seus avós por conta da dependência química de sua mãe. A família do político também tem raízes na região dos Apalaches, no Kentucky, um dos locais mais pobres dos Estados Unidos e que sofre com uma crise de opioides.

O candidato a vice-presidente dos EUA J.D. Vance abraça a sua mãe, Beverly Vance, após discursar na Convenção Republicana, em Milwaulkee  Foto: Chip Somodevilla/AFP

A obra foi elogiada por mostrar a realidade da classe operária rural branca americana e se transformou em leitura obrigatória para entender as condições eleitorais que levaram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016, principalmente no chamado Cinturão da Ferrugem, região no Nordeste americano composta pelos Estados de Iowa, Ohio, Pensilvânia, Michigan, Minnesota e Wisconsin.

O nome faz referência ao aparato industrial que movimentou a economia da região até o século 20 e caiu no ostracismo com o processo de globalização, que fez com que muitas fábricas saíssem dos Estados Unidos e fossem para países como China e México, em busca de mão de obra mais barata.

“O livro foi recebido pelas elites como uma forma de entender porque aqueles eleitores estavam se sentindo esquecidos e porque se sentiam atraídos pelo discurso representado por Donald Trump”, destaca Poggio.

O ex-presidente americano espera que as origens de Vance possam fazer com que o cinturão da ferrugem vote nos republicanos. Os Estados da região são considerados swing states, Estados-pêndulo em português, definição dada aos Estados que não tem um comportamento eleitoral definido, podendo variar entre uma vitória democrata ou republicana, dependendo da eleição.

Em 2016, Trump venceu em Ohio, Pensilvânia, Michigan, Iowa e Wisconsin e foi o vencedor do pleito. Em 2020, o democrata Joe Biden venceu na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Minnesota e foi eleito.

O candidato presidencial republicano Donald Trump participa de comício em Charlotte, Carolina do Norte  Foto: Tom Brenner/Washington Post

Perfil do eleitorado

Com a mudança de postura do Partido Republicano sob Trump, o ex-presidente tenta mediar o apoio que recebeu de bilionários como Peter Thiel, fundador do PayPal, e do homem mais rico do mundo, Elon Musk, com uma posição mais amigável a classe trabalhadora, que antes se mantinha leal ao Partido Democrata.

Desde 2016, o ex-presidente atua como uma voz para um eleitorado trabalhador, rural majoritariamente branco que se sentia esquecido pelo processo de globalização.

Para Poggio, da Berea College, o realinhamento da classe trabalhadora com o trumpismo faz parte de uma tendência mundial que está acontecendo com partidos de direita, principalmente por conta de uma mudança de postura da esquerda mundial. “A esquerda mundial está perdendo a classe trabalhadora porque grande parte da agenda desta nova esquerda é mais focada em costumes e valores, saindo da realidade da classe trabalhadora”.

Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, discursa na Convenção Republicana em Milwaulkee  Foto: Kenny Holston/NYT

Esta mudança de eleitorado foi ressaltada durante a convenção republicana, que recebeu pela primeira vez um discurso de um líder sindical. Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, pediu que os republicanos formulem políticas que sejam mais favoráveis à classe trabalhadora. Seu discurso causou estranheza a membros tradicionais do partido.

“Como muitos conservadores na convenção, eu também achei estranho ver um presidente de um grande sindicato discursar para os republicanos, mas acredito que no final é sobre quem vai proteger os empregos americanos e a classe trabalhadora está percebendo que Donald Trump é esta pessoa”, destaca Shepherd.

Quando o empresário Donald Trump chocou a elite do Partido Republicano em 2016 ao ganhar as primárias para se tornar o candidato da legenda nas eleições, ele escolheu um candidato do establishment como companheiro de chapa para acalmar os ânimos da base conservadora e evangélica: o então governador de Indiana, Mike Pence. Oito anos depois, o ex-presidente controla o partido com mãos de ferro e não se preocupou em agradar outras alas da legenda ao escolher o senador J.D. Vance como candidato a vice, um político jovem, com pouca experiência e que é mais leal a Trump do que ao próprio partido.

Vance desbancou outros nomes como o senador Marco Rubio e o governador da Virgínia, Glenn Youngkin. Segundo o jornal americano The Washington Post, assim como Trump em 2016, Vance não era o preferido de membros das elites do partido, como o bilionário da mídia Rupert Murdoch.

“Trump escolheu uma pessoa que não tem raízes históricas com o Partido Republicano”, explica o professor do departamento de ciência política do Berea College, Carlos Gustavo Poggio, em entrevista ao Estadão. O político de 39 anos foi eleito senador pela primeira vez em 2022 pelo Estado de Ohio. “Sua entrada na política tem muito a ver com um trumpismo mais extremo, ele inclusive disse que não teria certificado os resultados das eleições de 2020, como o Mike Pence fez”.

O ex-presidente e candidato presidencial republicano Donald Trump conversa com seu companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, em St Cloud, Minnesota  Foto: Adam Bettcher/AP

Futuro

A indicação de J.D. Vance também representa a primeira vez que Trump sinaliza apoio a um possível sucessor para avançar com a sua agenda MAGA (“Make America Great Again”, slogan e nome do movimento pró-Trump). Caso seja eleito em novembro, o político de 78 anos só poderá servir mais um mandato como presidente e quer solidificar o seu legado e o futuro do Partido Republicano.

Vance, de 39 anos, representa uma ala chamada de populistas econômicos dentro do Partido Republicano e rompe com as linhas mais tradicionais, traçadas principalmente pelo ex-presidente americano Ronald Reagan. Figuras importantes do partido que seguem a doutrina de Reagan não participaram da Convenção Republicana em Milwaukee há duas semanas e se afastaram da legenda, como o ex-presidente George W. Bush, o senador Mitt Romney e o ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Paul Ryan.

Trump queria uma pessoa da ala mais populista do partido e definitivamente está olhando para 2028, aponta Jason Shepherd, ex-líder republicano que se afastou da legenda após Trump contestar os resultados das eleições de 2020 e aparelhar de vez o partido. “Vance também é muito novo, tem apenas 39 anos, ele tem um potencial enorme para liderar a legenda por muitos anos”, destaca Shepherd.

J.D. Vance, o companheiro de chapa de Donald Trump, participa de um comício em Waite Park, Minnesota  Foto: Alex Brandon/AP

Em artigo publicado no jornal americano The New York Times, Matthew Continetti, diretor de Estudos de Política Doméstica do Instituto American Enterprise e especialista em conservadorismo americano avalia que Trump escolheu “lealdade e legado no lugar de outras qualidades que outros presidentes buscaram em companheiros de chapa”. Segundo Continetti, J.D. Vance pode ser considerado como o mais articulado defensor da agenda MAGA.

Ruptura

O senador é contrário a posições tradicionais dos republicanos em relação à livre-comércio e monopólios corporativos. Vance também já elogiou sindicatos, criticou Wall Street, trabalhou no Senado com Elizabeth Warren, ícone progressista do Partido Democrata, e elogiou as visões de Bernie Sanders, outro senador progressista que atua como independente.

“Estamos presenciando a morte do Partido Republicano de Ronald Reagan e o nascimento do partido trumpista. A retórica de Donald Trump não era só contra o Partido Democrata, mas também contra a elite do Partido Republicano”, aponta Poggio.

Em termos de política econômica, o reaganismo era baseado na abertura de comércio, diminuição de tarifas e assinatura de acordos comerciais, destaca o professor da Berea College. “Tudo isso foi criticado por J.D. Vance, que defende ao lado de Trump uma agenda mais protecionista”.

O senador J.D Vance discursa ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump  Foto: Tom E. Puskar/AP

Trump e Vance também têm uma postura mais isolacionista na política externa. O senador votou contra o pacote de ajuda militar e econômica para a Ucrânia que foi aprovado em abril após meses travado no Congresso dos Estados Unidos por oposição de muitos congressistas republicanos.

“A política externa de Ronald Reagan era de expansão do poder americano, esta é a política que os EUA seguem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Já Trump e Vance são mais isolacionistas, próximos do conservadorismo americano pré-Segunda Guerra Mundial”, explica Poggio.

Segundo Shepherd, o Partido Republicano sempre teve uma ala mais populista e isolacionista, mas o movimento não era majoritário no partido. “Desde Reagan os conservadores basicamente dominaram a legenda, mas sempre tivemos uma pluralidade de ideias. Eu, por exemplo, sou um republicano que está no meio destas duas alas”.

Para o republicano, Trump e Vance estão certos nas críticas contra alguns acordos de livre-comércio que beneficiam a criação de empregos em outros países e prejudicam os empregos americanos. Shepherd também cita o caso da Otan, onde todos os países devem investir 2% de seu PIB no setor de defesa, mas muitos membros ainda não conseguiram cumprir com esta meta.

“Eu passo a discordar da visão deles na questão isolacionista. Eu sei que precisamos focar nos nossos problemas domésticos, mas simplesmente renunciar das nossas posições no mundo pode abrir um vácuo no mundo que será preenchido por outros países, como China e Rússia”, diz o republicano.

De acordo com Poggio, o modelo de política externa defendido por Trump e Vance reflete um desconforto de uma parcela da população americana com a atual ordem mundial, criada e patrocinada pelos Estados Unidos desde 1945. “Caso essa agenda republicana seja realizada, estaremos diante de uma transformação interna nos EUA e também no sistema internacional”.

Perfil de Vance

A biografia de J.D. Vance também contribuiu para a escolha de Trump. Antes um crítico do ex-presidente americano, chegando a compará-lo com Adolf Hitler, o político aponta que se surpreendeu com o primeiro mandato do republicano e mudou de ideia sobre ele. Desde 2021, quando o governo Trump acabou, os dois se aproximaram e o ex-presidente apoiou Vance publicamente em sua campanha ao senado no ano seguinte.

Antes de entrar na política, Vance atuou como investidor no Vale do Silício e se formou em direito na Universidade de Yale. Ele ficou conhecido em 2016 quando lançou a autobiografia “Era uma vez um sonho: A história de uma família da classe operária e da crise da sociedade americana”, que virou best-seller do The New York Times.

O livro narra a infância pobre de Vance em Middletown, Ohio, onde sofreu com violência doméstica, abusos e teve que ser criado por seus avós por conta da dependência química de sua mãe. A família do político também tem raízes na região dos Apalaches, no Kentucky, um dos locais mais pobres dos Estados Unidos e que sofre com uma crise de opioides.

O candidato a vice-presidente dos EUA J.D. Vance abraça a sua mãe, Beverly Vance, após discursar na Convenção Republicana, em Milwaulkee  Foto: Chip Somodevilla/AFP

A obra foi elogiada por mostrar a realidade da classe operária rural branca americana e se transformou em leitura obrigatória para entender as condições eleitorais que levaram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016, principalmente no chamado Cinturão da Ferrugem, região no Nordeste americano composta pelos Estados de Iowa, Ohio, Pensilvânia, Michigan, Minnesota e Wisconsin.

O nome faz referência ao aparato industrial que movimentou a economia da região até o século 20 e caiu no ostracismo com o processo de globalização, que fez com que muitas fábricas saíssem dos Estados Unidos e fossem para países como China e México, em busca de mão de obra mais barata.

“O livro foi recebido pelas elites como uma forma de entender porque aqueles eleitores estavam se sentindo esquecidos e porque se sentiam atraídos pelo discurso representado por Donald Trump”, destaca Poggio.

O ex-presidente americano espera que as origens de Vance possam fazer com que o cinturão da ferrugem vote nos republicanos. Os Estados da região são considerados swing states, Estados-pêndulo em português, definição dada aos Estados que não tem um comportamento eleitoral definido, podendo variar entre uma vitória democrata ou republicana, dependendo da eleição.

Em 2016, Trump venceu em Ohio, Pensilvânia, Michigan, Iowa e Wisconsin e foi o vencedor do pleito. Em 2020, o democrata Joe Biden venceu na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Minnesota e foi eleito.

O candidato presidencial republicano Donald Trump participa de comício em Charlotte, Carolina do Norte  Foto: Tom Brenner/Washington Post

Perfil do eleitorado

Com a mudança de postura do Partido Republicano sob Trump, o ex-presidente tenta mediar o apoio que recebeu de bilionários como Peter Thiel, fundador do PayPal, e do homem mais rico do mundo, Elon Musk, com uma posição mais amigável a classe trabalhadora, que antes se mantinha leal ao Partido Democrata.

Desde 2016, o ex-presidente atua como uma voz para um eleitorado trabalhador, rural majoritariamente branco que se sentia esquecido pelo processo de globalização.

Para Poggio, da Berea College, o realinhamento da classe trabalhadora com o trumpismo faz parte de uma tendência mundial que está acontecendo com partidos de direita, principalmente por conta de uma mudança de postura da esquerda mundial. “A esquerda mundial está perdendo a classe trabalhadora porque grande parte da agenda desta nova esquerda é mais focada em costumes e valores, saindo da realidade da classe trabalhadora”.

Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, discursa na Convenção Republicana em Milwaulkee  Foto: Kenny Holston/NYT

Esta mudança de eleitorado foi ressaltada durante a convenção republicana, que recebeu pela primeira vez um discurso de um líder sindical. Sean O´Brien, presidente do Teamsters, sindicato que representa mais de 1 milhão de trabalhadores nos EUA, pediu que os republicanos formulem políticas que sejam mais favoráveis à classe trabalhadora. Seu discurso causou estranheza a membros tradicionais do partido.

“Como muitos conservadores na convenção, eu também achei estranho ver um presidente de um grande sindicato discursar para os republicanos, mas acredito que no final é sobre quem vai proteger os empregos americanos e a classe trabalhadora está percebendo que Donald Trump é esta pessoa”, destaca Shepherd.

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