Como a guerra atingiu os oligarcas da Ucrânia e criou espaço para mudanças democráticas no país


País pode ter a oportunidade de reconstruir uma sociedade do pós-guerra mais democrática, menos corrupta e economicamente mais diversificada

Por Kevin Sullivan, David L. Stern e Kostiantyn Khudov

Ao longo de dois dias em outubro, oito mísseis de cruzeiro russos explodiram e destruíram dezenas de milhões de dólares em maquinário na enorme usina de energia movida a carvão desta cidade. Os ataques foram planejados para deixar a Ucrânia no frio e às escuras neste inverno. Mas também aprofundaram a crise financeira do dono da usina, Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país.

A riqueza de Akhmetov caiu de US$ 7,6 bilhões para US$ 4,3 bilhões desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, segundo a Forbes. Em 2012, antes de a Rússia anexar a Crimeia e apoiar os separatistas no leste da Ucrânia, locais onde Akhmetov também tinha muitos ativos, a revista estimou sua fortuna em US$ 16 bilhões.

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As perdas são em grande parte decorrentes da destruição e confisco pela Rússia de suas vastas redes de usinas de energia e aço, minas de carvão e operações agrícolas. O mais notável foram suas duas grandes usinas siderúrgicas na cidade portuária de Mariupol, incluindo a Azovstal, onde combatentes ucranianos restiram às forças russas no início deste ano. Akhmetov está processando a Rússia em até US$ 20 bilhões no Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Empresas de Rinat Akhmetov, como esta fábrica de refrigerantes em Donetsk, foram afetadas pela guerra  Foto: Gleb Garanich / Reuters

Uma oligarquia em crise

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Um bilionário ficando menos bilionário não comove em um país que luta uma guerra por sua própria existência. Mas é exemplar sobre como a invasão russa está afetando os oligarcas da Ucrânia, um grupo de menos de 20 pessoas com fortunas colossais que têm exercido uma influência enorme - e muitas vezes maligna - sobre a política, economia e sociedade da Ucrânia desde a independência do país em 1991.

Em entrevistas com mais de 20 líderes, ex-funcionários ucranianos e americanos, analistas e outros, quase todos concordaram que o poder dominante dos oligarcas na vida ucraniana diminuiu depois da guerra. Eles citaram grandes perdas da guerra, crescente pressão do governo e uma população recém-energizada não mais disposta a tolerar a política do passado. Eles disseram que isso poderia dar à Ucrânia a oportunidade de reconstruir uma sociedade pós-guerra mais democrática, menos corrupta e economicamente mais diversificada.

“Este é o fim de uma época, o fim de uma cultura política”, disse Viktor Andrusiv, ex-conselheiro de Andrii Yermak, o principal assessor do presidente Volodmir Zelenski, que escreveu extensivamente sobre os oligarcas da Ucrânia e agora está lutando na linha de frente com o exército ucraniano.

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Akhmetov, em troca de mensagens com o The Washington Post pelo WhatsApp, também disse que apoia a diversificação econômica. Questionado sobre sua visão da Ucrânia após a guerra, ele pediu um “novo Plano Marshall” de centenas de bilhões de dólares em investimentos e um país refeito à imagem do Ocidente, não da Rússia.

“O objetivo é construir uma Ucrânia nova, forte e europeia, membro da [União Europeia], com instituições fortes, Estado de direito, regras anticorrupção claras, sistema político democrático e tratamento justo dos cidadãos, “disse Akhmetov, que se recusou a dar uma entrevista pessoalmente, mas respondeu a perguntas por escrito.

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A pressão sobre os oligarcas já vinha crescendo antes da invasão da Rússia, com uma lei de “desoligarquização” promovida por Zelenski que entrou em vigor este ano. A lei impõe limites à atividade política de indivíduos super-ricos que atendem a certos critérios, incluindo aqueles que têm participações importantes na televisão e outras mídias para pressionar seus interesses financeiros e agenda política. O governo Zelenski também está elaborando medidas antitruste para acabar com os monopólios controlados por oligarcas em áreas que vão desde a mineração de carvão até a eletricidade e ferrovias.

O oligarca ucraniano, Rinat Akhmetov (centro) ao lado do capitão do Shakhtar Donetsk Darijo Srna (direita) e do técnico romento Mircea Lucescu (esquerda), em foto de 2009 quando o clube venceu a copa da Uefa: investimento pesado no clube Foto: Kai Pfaffenbach/REUTERS

“O sistema era tão forte e bem institucionalizado que era muito difícil de quebrar, mas faremos tudo o que pudermos para garantir que ele nunca se recupere”, disse Rostislav Shurma, um assessor econômico próximo de Zelenski, que já trabalhou por muitos anos como alto executivo da siderúrgica de Akhmetov, Metinvest. Muitos analistas alertaram que as pessoas mais ricas do país ainda são incrivelmente ricas e influentes.

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“Eles não estão desaparecendo”, disse Andrusiv. “O fundamental é acabar com seus monopólios, que foram produzidos por suas conexões políticas. Agora eles terão que agir mais como grandes empresários”.

Akhmetov e outros críticos alertaram que o ataque de Zelenski aos oligarcas pode ser uma tomada de poder disfarçada de reforma. “As relações com os negócios devem ser reguladas de maneira civilizada, seguida por todos os países desenvolvidos, e não por meio de leis populistas”, disse Akhmetov ao The Post. “Nem os Estados Unidos nem a UE. tem uma lei sobre ‘oligarcas’ que permitiria fazer listas ilegais de indesejáveis por meio de procedimentos extrajudiciais. Em vez disso, eles têm uma lei sobre lobby em vigor.”

Akhmetov também contestou ser chamado de oligarca. “Não sou um oligarca”, disse ele ao The Post. “Nunca fui e não serei um oligarca. Sou o maior investidor privado, empregador e contribuinte da Ucrânia.”

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Bateria de mísseis Patriot chegam à Polônia: Zelenski busca aproximação com a Europa para isolar oligarcas Foto: Evan Vucci / AP

Doação para a guerra

Desde que a invasão russa começou em 24 de fevereiro, Akhmetov disse que não deixou a Ucrânia e vive em Kiev, que é sua casa desde 2014. Ele também se tornou o maior doador privado da Ucrânia para a guerra. Ele doou mais de US$ 100 milhões em ajuda militar e humanitária – de drones a comida. A maioria dos outros oligarcas também tem falado alto e em público com seu apoio patriótico à Ucrânia e a Zelenski.

Alguns críticos disseram que Akhmetov está tentando expiar suas ações em 2014, quando inicialmente parecia não ter certeza sobre sua lealdade depois que a Rússia anexou a Crimeia e apoiou os separatistas no leste. Ele acabou apoiando a Ucrânia.

“Vou começar a respeitá-lo depois que ele começar a vender todas as suas mansões na Suíça, França e Reino Unido e criar um fundo para apoiar o exército na Ucrânia”, disse Daria Kaleniuk, diretora executiva do Centro de Ação Anticorrupção e uma das principais defensores da reforma no país.

Questionado sobre as críticas de que deveria fazer ainda mais, Akhmetov disse: “Meu negócio foi o que mais sofreu. Talvez não seja muito modesto da minha parte dizer isso, mas ajudo muito mais do que qualquer outra pessoa e não vou parar.”

A Ucrânia tem sido dominada por oligarcas desde os dias caóticos após a queda da União Soviética na década de 1990, quando um pequeno número de indivíduos adquiriu a baixo custo maciços ativos estatais, incluindo minas, fábricas, ferrovias e empresas agrícolas que foram privatizadas às pressas.

Autoridade da Ucrânia inspeciona os danos de um míssil russo em uma usina de Rinat Akhmetov em Burshtin: prejuízo de bilhões de dólares desde o começo do conflito Foto: Ed Ram/The Washington Post

Esses novos capitalistas acumularam enormes fortunas e protegeram seus novos impérios construindo - e às vezes comprando - influência na mídia, nas principais agências governamentais e no parlamento.

Akhmetov, por exemplo, concorreu ao Verkhovna Rada, ou parlamento nacional, e foi eleito em 2006 como membro do Partido das Regiões, considerado próximo de Moscou. Ele foi um dos primeiros e entusiasmados apoiadores de Viktor Yanukovich, que se tornou presidente da Ucrânia em 2010. Yanukovich fugiu para a Rússia durante as revoltas na Ucrânia em 2014, desencadeada por sua insistência em laços mais estreitos com Moscou depois que ele reverteu uma promessa anterior de se juntar à União Européia.

Os oligarcas da Ucrânia também conseguiram exercer maior poder político do que seus colegas na Rússia, em parte porque a Ucrânia nunca produziu um líder autoritário como Vladimir Putin com o poder de esmagá-los ou cooptá-los.

O resultado da influência dos oligarcas tem sido uma nação há muito oprimida por instituições fracas, disseram analistas. Isso deixou a Ucrânia “presa na transição entre o comunismo e o capitalismo”, disse Vladislav Rashkovan, ex-vice-governador do Banco Central da Ucrânia que agora representa o país no conselho executivo do Fundo Monetário Internacional.

Zelenski em reunião virtual com o presidente francês, Emmanuel Macron  Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

Definindo um oligarca

A relação de Zelenski com os oligarcas tem sido complicada desde o início, especialmente com aquele que talvez tenha sido seu apoiador mais influente durante sua campanha presidencial.

Ihor Kolomoisky fez fortuna nas décadas de 1990 e 2000 em empresas de energia, bancos, companhias aéreas e mídia. A estação de TV 1+1 de Kolomoisky era o lar de “Servant of the People”, o programa de comédia que fez de Zelenski um nome familiar na Ucrânia. Zelenski interpretou um professor que foi eleito presidente depois que um aluno postou um vídeo viral dele denunciando oligarcas corruptos.

Ainda assim, quando Zelenski decidiu concorrer à presidência na vida real, ele recebeu um grande incentivo do oligarca quando Kolomoiski o promoveu em sua estação de televisão.

Rashkovan, do FMI, lembrou que na véspera das eleições de 2019, quando as redes de televisão foram proibidas por lei de veicular programação política, a rede de Kolomoiski era toda Zelenski, o dia todo.

Mostrava seu programa de TV e um documentário sobre o ator que virou político Ronald Reagan, para o qual Zelenski havia feito a locução em ucraniano. Não era abertamente político, mas a intenção era clara.

Apesar do apoio que recebeu de Kolomoiski, Zelenski fez campanha com a promessa de atacar a corrupção e, em 2021, apresentou o projeto de lei de “desoligarquização” no parlamento.

Perseguir os oligarcas amplamente desprezados do país foi uma jogada politicamente perspicaz para um presidente cujos índices de aprovação estavam diminuindo e que estava sob ataque nas estações de televisão pertencentes aos próprios oligarcas. Zelenski era muito popular quando assumiu o cargo, mas foi cada vez mais visto como ineficaz à medida que seu mandato avançava – até que a guerra o transformou em um ícone internacional.

“Zelenski é uma pessoa superambiciosa que entende que, se não quebrar o esqueleto desse sistema, esse sistema o destruirá”, disse Serhi Leshchenko, assessor de Zelenski. “Eles quiseram lutar com ele. E um dia Zelenski decidiu: ‘Ok, vocês querem me desafiar? Eu aceito o desafio.’”

Ao longo de dois dias em outubro, oito mísseis de cruzeiro russos explodiram e destruíram dezenas de milhões de dólares em maquinário na enorme usina de energia movida a carvão desta cidade. Os ataques foram planejados para deixar a Ucrânia no frio e às escuras neste inverno. Mas também aprofundaram a crise financeira do dono da usina, Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país.

A riqueza de Akhmetov caiu de US$ 7,6 bilhões para US$ 4,3 bilhões desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, segundo a Forbes. Em 2012, antes de a Rússia anexar a Crimeia e apoiar os separatistas no leste da Ucrânia, locais onde Akhmetov também tinha muitos ativos, a revista estimou sua fortuna em US$ 16 bilhões.

As perdas são em grande parte decorrentes da destruição e confisco pela Rússia de suas vastas redes de usinas de energia e aço, minas de carvão e operações agrícolas. O mais notável foram suas duas grandes usinas siderúrgicas na cidade portuária de Mariupol, incluindo a Azovstal, onde combatentes ucranianos restiram às forças russas no início deste ano. Akhmetov está processando a Rússia em até US$ 20 bilhões no Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Empresas de Rinat Akhmetov, como esta fábrica de refrigerantes em Donetsk, foram afetadas pela guerra  Foto: Gleb Garanich / Reuters

Uma oligarquia em crise

Um bilionário ficando menos bilionário não comove em um país que luta uma guerra por sua própria existência. Mas é exemplar sobre como a invasão russa está afetando os oligarcas da Ucrânia, um grupo de menos de 20 pessoas com fortunas colossais que têm exercido uma influência enorme - e muitas vezes maligna - sobre a política, economia e sociedade da Ucrânia desde a independência do país em 1991.

Em entrevistas com mais de 20 líderes, ex-funcionários ucranianos e americanos, analistas e outros, quase todos concordaram que o poder dominante dos oligarcas na vida ucraniana diminuiu depois da guerra. Eles citaram grandes perdas da guerra, crescente pressão do governo e uma população recém-energizada não mais disposta a tolerar a política do passado. Eles disseram que isso poderia dar à Ucrânia a oportunidade de reconstruir uma sociedade pós-guerra mais democrática, menos corrupta e economicamente mais diversificada.

“Este é o fim de uma época, o fim de uma cultura política”, disse Viktor Andrusiv, ex-conselheiro de Andrii Yermak, o principal assessor do presidente Volodmir Zelenski, que escreveu extensivamente sobre os oligarcas da Ucrânia e agora está lutando na linha de frente com o exército ucraniano.

Akhmetov, em troca de mensagens com o The Washington Post pelo WhatsApp, também disse que apoia a diversificação econômica. Questionado sobre sua visão da Ucrânia após a guerra, ele pediu um “novo Plano Marshall” de centenas de bilhões de dólares em investimentos e um país refeito à imagem do Ocidente, não da Rússia.

“O objetivo é construir uma Ucrânia nova, forte e europeia, membro da [União Europeia], com instituições fortes, Estado de direito, regras anticorrupção claras, sistema político democrático e tratamento justo dos cidadãos, “disse Akhmetov, que se recusou a dar uma entrevista pessoalmente, mas respondeu a perguntas por escrito.

A pressão sobre os oligarcas já vinha crescendo antes da invasão da Rússia, com uma lei de “desoligarquização” promovida por Zelenski que entrou em vigor este ano. A lei impõe limites à atividade política de indivíduos super-ricos que atendem a certos critérios, incluindo aqueles que têm participações importantes na televisão e outras mídias para pressionar seus interesses financeiros e agenda política. O governo Zelenski também está elaborando medidas antitruste para acabar com os monopólios controlados por oligarcas em áreas que vão desde a mineração de carvão até a eletricidade e ferrovias.

O oligarca ucraniano, Rinat Akhmetov (centro) ao lado do capitão do Shakhtar Donetsk Darijo Srna (direita) e do técnico romento Mircea Lucescu (esquerda), em foto de 2009 quando o clube venceu a copa da Uefa: investimento pesado no clube Foto: Kai Pfaffenbach/REUTERS

“O sistema era tão forte e bem institucionalizado que era muito difícil de quebrar, mas faremos tudo o que pudermos para garantir que ele nunca se recupere”, disse Rostislav Shurma, um assessor econômico próximo de Zelenski, que já trabalhou por muitos anos como alto executivo da siderúrgica de Akhmetov, Metinvest. Muitos analistas alertaram que as pessoas mais ricas do país ainda são incrivelmente ricas e influentes.

“Eles não estão desaparecendo”, disse Andrusiv. “O fundamental é acabar com seus monopólios, que foram produzidos por suas conexões políticas. Agora eles terão que agir mais como grandes empresários”.

Akhmetov e outros críticos alertaram que o ataque de Zelenski aos oligarcas pode ser uma tomada de poder disfarçada de reforma. “As relações com os negócios devem ser reguladas de maneira civilizada, seguida por todos os países desenvolvidos, e não por meio de leis populistas”, disse Akhmetov ao The Post. “Nem os Estados Unidos nem a UE. tem uma lei sobre ‘oligarcas’ que permitiria fazer listas ilegais de indesejáveis por meio de procedimentos extrajudiciais. Em vez disso, eles têm uma lei sobre lobby em vigor.”

Akhmetov também contestou ser chamado de oligarca. “Não sou um oligarca”, disse ele ao The Post. “Nunca fui e não serei um oligarca. Sou o maior investidor privado, empregador e contribuinte da Ucrânia.”

Bateria de mísseis Patriot chegam à Polônia: Zelenski busca aproximação com a Europa para isolar oligarcas Foto: Evan Vucci / AP

Doação para a guerra

Desde que a invasão russa começou em 24 de fevereiro, Akhmetov disse que não deixou a Ucrânia e vive em Kiev, que é sua casa desde 2014. Ele também se tornou o maior doador privado da Ucrânia para a guerra. Ele doou mais de US$ 100 milhões em ajuda militar e humanitária – de drones a comida. A maioria dos outros oligarcas também tem falado alto e em público com seu apoio patriótico à Ucrânia e a Zelenski.

Alguns críticos disseram que Akhmetov está tentando expiar suas ações em 2014, quando inicialmente parecia não ter certeza sobre sua lealdade depois que a Rússia anexou a Crimeia e apoiou os separatistas no leste. Ele acabou apoiando a Ucrânia.

“Vou começar a respeitá-lo depois que ele começar a vender todas as suas mansões na Suíça, França e Reino Unido e criar um fundo para apoiar o exército na Ucrânia”, disse Daria Kaleniuk, diretora executiva do Centro de Ação Anticorrupção e uma das principais defensores da reforma no país.

Questionado sobre as críticas de que deveria fazer ainda mais, Akhmetov disse: “Meu negócio foi o que mais sofreu. Talvez não seja muito modesto da minha parte dizer isso, mas ajudo muito mais do que qualquer outra pessoa e não vou parar.”

A Ucrânia tem sido dominada por oligarcas desde os dias caóticos após a queda da União Soviética na década de 1990, quando um pequeno número de indivíduos adquiriu a baixo custo maciços ativos estatais, incluindo minas, fábricas, ferrovias e empresas agrícolas que foram privatizadas às pressas.

Autoridade da Ucrânia inspeciona os danos de um míssil russo em uma usina de Rinat Akhmetov em Burshtin: prejuízo de bilhões de dólares desde o começo do conflito Foto: Ed Ram/The Washington Post

Esses novos capitalistas acumularam enormes fortunas e protegeram seus novos impérios construindo - e às vezes comprando - influência na mídia, nas principais agências governamentais e no parlamento.

Akhmetov, por exemplo, concorreu ao Verkhovna Rada, ou parlamento nacional, e foi eleito em 2006 como membro do Partido das Regiões, considerado próximo de Moscou. Ele foi um dos primeiros e entusiasmados apoiadores de Viktor Yanukovich, que se tornou presidente da Ucrânia em 2010. Yanukovich fugiu para a Rússia durante as revoltas na Ucrânia em 2014, desencadeada por sua insistência em laços mais estreitos com Moscou depois que ele reverteu uma promessa anterior de se juntar à União Européia.

Os oligarcas da Ucrânia também conseguiram exercer maior poder político do que seus colegas na Rússia, em parte porque a Ucrânia nunca produziu um líder autoritário como Vladimir Putin com o poder de esmagá-los ou cooptá-los.

O resultado da influência dos oligarcas tem sido uma nação há muito oprimida por instituições fracas, disseram analistas. Isso deixou a Ucrânia “presa na transição entre o comunismo e o capitalismo”, disse Vladislav Rashkovan, ex-vice-governador do Banco Central da Ucrânia que agora representa o país no conselho executivo do Fundo Monetário Internacional.

Zelenski em reunião virtual com o presidente francês, Emmanuel Macron  Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

Definindo um oligarca

A relação de Zelenski com os oligarcas tem sido complicada desde o início, especialmente com aquele que talvez tenha sido seu apoiador mais influente durante sua campanha presidencial.

Ihor Kolomoisky fez fortuna nas décadas de 1990 e 2000 em empresas de energia, bancos, companhias aéreas e mídia. A estação de TV 1+1 de Kolomoisky era o lar de “Servant of the People”, o programa de comédia que fez de Zelenski um nome familiar na Ucrânia. Zelenski interpretou um professor que foi eleito presidente depois que um aluno postou um vídeo viral dele denunciando oligarcas corruptos.

Ainda assim, quando Zelenski decidiu concorrer à presidência na vida real, ele recebeu um grande incentivo do oligarca quando Kolomoiski o promoveu em sua estação de televisão.

Rashkovan, do FMI, lembrou que na véspera das eleições de 2019, quando as redes de televisão foram proibidas por lei de veicular programação política, a rede de Kolomoiski era toda Zelenski, o dia todo.

Mostrava seu programa de TV e um documentário sobre o ator que virou político Ronald Reagan, para o qual Zelenski havia feito a locução em ucraniano. Não era abertamente político, mas a intenção era clara.

Apesar do apoio que recebeu de Kolomoiski, Zelenski fez campanha com a promessa de atacar a corrupção e, em 2021, apresentou o projeto de lei de “desoligarquização” no parlamento.

Perseguir os oligarcas amplamente desprezados do país foi uma jogada politicamente perspicaz para um presidente cujos índices de aprovação estavam diminuindo e que estava sob ataque nas estações de televisão pertencentes aos próprios oligarcas. Zelenski era muito popular quando assumiu o cargo, mas foi cada vez mais visto como ineficaz à medida que seu mandato avançava – até que a guerra o transformou em um ícone internacional.

“Zelenski é uma pessoa superambiciosa que entende que, se não quebrar o esqueleto desse sistema, esse sistema o destruirá”, disse Serhi Leshchenko, assessor de Zelenski. “Eles quiseram lutar com ele. E um dia Zelenski decidiu: ‘Ok, vocês querem me desafiar? Eu aceito o desafio.’”

Ao longo de dois dias em outubro, oito mísseis de cruzeiro russos explodiram e destruíram dezenas de milhões de dólares em maquinário na enorme usina de energia movida a carvão desta cidade. Os ataques foram planejados para deixar a Ucrânia no frio e às escuras neste inverno. Mas também aprofundaram a crise financeira do dono da usina, Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país.

A riqueza de Akhmetov caiu de US$ 7,6 bilhões para US$ 4,3 bilhões desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, segundo a Forbes. Em 2012, antes de a Rússia anexar a Crimeia e apoiar os separatistas no leste da Ucrânia, locais onde Akhmetov também tinha muitos ativos, a revista estimou sua fortuna em US$ 16 bilhões.

As perdas são em grande parte decorrentes da destruição e confisco pela Rússia de suas vastas redes de usinas de energia e aço, minas de carvão e operações agrícolas. O mais notável foram suas duas grandes usinas siderúrgicas na cidade portuária de Mariupol, incluindo a Azovstal, onde combatentes ucranianos restiram às forças russas no início deste ano. Akhmetov está processando a Rússia em até US$ 20 bilhões no Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Empresas de Rinat Akhmetov, como esta fábrica de refrigerantes em Donetsk, foram afetadas pela guerra  Foto: Gleb Garanich / Reuters

Uma oligarquia em crise

Um bilionário ficando menos bilionário não comove em um país que luta uma guerra por sua própria existência. Mas é exemplar sobre como a invasão russa está afetando os oligarcas da Ucrânia, um grupo de menos de 20 pessoas com fortunas colossais que têm exercido uma influência enorme - e muitas vezes maligna - sobre a política, economia e sociedade da Ucrânia desde a independência do país em 1991.

Em entrevistas com mais de 20 líderes, ex-funcionários ucranianos e americanos, analistas e outros, quase todos concordaram que o poder dominante dos oligarcas na vida ucraniana diminuiu depois da guerra. Eles citaram grandes perdas da guerra, crescente pressão do governo e uma população recém-energizada não mais disposta a tolerar a política do passado. Eles disseram que isso poderia dar à Ucrânia a oportunidade de reconstruir uma sociedade pós-guerra mais democrática, menos corrupta e economicamente mais diversificada.

“Este é o fim de uma época, o fim de uma cultura política”, disse Viktor Andrusiv, ex-conselheiro de Andrii Yermak, o principal assessor do presidente Volodmir Zelenski, que escreveu extensivamente sobre os oligarcas da Ucrânia e agora está lutando na linha de frente com o exército ucraniano.

Akhmetov, em troca de mensagens com o The Washington Post pelo WhatsApp, também disse que apoia a diversificação econômica. Questionado sobre sua visão da Ucrânia após a guerra, ele pediu um “novo Plano Marshall” de centenas de bilhões de dólares em investimentos e um país refeito à imagem do Ocidente, não da Rússia.

“O objetivo é construir uma Ucrânia nova, forte e europeia, membro da [União Europeia], com instituições fortes, Estado de direito, regras anticorrupção claras, sistema político democrático e tratamento justo dos cidadãos, “disse Akhmetov, que se recusou a dar uma entrevista pessoalmente, mas respondeu a perguntas por escrito.

A pressão sobre os oligarcas já vinha crescendo antes da invasão da Rússia, com uma lei de “desoligarquização” promovida por Zelenski que entrou em vigor este ano. A lei impõe limites à atividade política de indivíduos super-ricos que atendem a certos critérios, incluindo aqueles que têm participações importantes na televisão e outras mídias para pressionar seus interesses financeiros e agenda política. O governo Zelenski também está elaborando medidas antitruste para acabar com os monopólios controlados por oligarcas em áreas que vão desde a mineração de carvão até a eletricidade e ferrovias.

O oligarca ucraniano, Rinat Akhmetov (centro) ao lado do capitão do Shakhtar Donetsk Darijo Srna (direita) e do técnico romento Mircea Lucescu (esquerda), em foto de 2009 quando o clube venceu a copa da Uefa: investimento pesado no clube Foto: Kai Pfaffenbach/REUTERS

“O sistema era tão forte e bem institucionalizado que era muito difícil de quebrar, mas faremos tudo o que pudermos para garantir que ele nunca se recupere”, disse Rostislav Shurma, um assessor econômico próximo de Zelenski, que já trabalhou por muitos anos como alto executivo da siderúrgica de Akhmetov, Metinvest. Muitos analistas alertaram que as pessoas mais ricas do país ainda são incrivelmente ricas e influentes.

“Eles não estão desaparecendo”, disse Andrusiv. “O fundamental é acabar com seus monopólios, que foram produzidos por suas conexões políticas. Agora eles terão que agir mais como grandes empresários”.

Akhmetov e outros críticos alertaram que o ataque de Zelenski aos oligarcas pode ser uma tomada de poder disfarçada de reforma. “As relações com os negócios devem ser reguladas de maneira civilizada, seguida por todos os países desenvolvidos, e não por meio de leis populistas”, disse Akhmetov ao The Post. “Nem os Estados Unidos nem a UE. tem uma lei sobre ‘oligarcas’ que permitiria fazer listas ilegais de indesejáveis por meio de procedimentos extrajudiciais. Em vez disso, eles têm uma lei sobre lobby em vigor.”

Akhmetov também contestou ser chamado de oligarca. “Não sou um oligarca”, disse ele ao The Post. “Nunca fui e não serei um oligarca. Sou o maior investidor privado, empregador e contribuinte da Ucrânia.”

Bateria de mísseis Patriot chegam à Polônia: Zelenski busca aproximação com a Europa para isolar oligarcas Foto: Evan Vucci / AP

Doação para a guerra

Desde que a invasão russa começou em 24 de fevereiro, Akhmetov disse que não deixou a Ucrânia e vive em Kiev, que é sua casa desde 2014. Ele também se tornou o maior doador privado da Ucrânia para a guerra. Ele doou mais de US$ 100 milhões em ajuda militar e humanitária – de drones a comida. A maioria dos outros oligarcas também tem falado alto e em público com seu apoio patriótico à Ucrânia e a Zelenski.

Alguns críticos disseram que Akhmetov está tentando expiar suas ações em 2014, quando inicialmente parecia não ter certeza sobre sua lealdade depois que a Rússia anexou a Crimeia e apoiou os separatistas no leste. Ele acabou apoiando a Ucrânia.

“Vou começar a respeitá-lo depois que ele começar a vender todas as suas mansões na Suíça, França e Reino Unido e criar um fundo para apoiar o exército na Ucrânia”, disse Daria Kaleniuk, diretora executiva do Centro de Ação Anticorrupção e uma das principais defensores da reforma no país.

Questionado sobre as críticas de que deveria fazer ainda mais, Akhmetov disse: “Meu negócio foi o que mais sofreu. Talvez não seja muito modesto da minha parte dizer isso, mas ajudo muito mais do que qualquer outra pessoa e não vou parar.”

A Ucrânia tem sido dominada por oligarcas desde os dias caóticos após a queda da União Soviética na década de 1990, quando um pequeno número de indivíduos adquiriu a baixo custo maciços ativos estatais, incluindo minas, fábricas, ferrovias e empresas agrícolas que foram privatizadas às pressas.

Autoridade da Ucrânia inspeciona os danos de um míssil russo em uma usina de Rinat Akhmetov em Burshtin: prejuízo de bilhões de dólares desde o começo do conflito Foto: Ed Ram/The Washington Post

Esses novos capitalistas acumularam enormes fortunas e protegeram seus novos impérios construindo - e às vezes comprando - influência na mídia, nas principais agências governamentais e no parlamento.

Akhmetov, por exemplo, concorreu ao Verkhovna Rada, ou parlamento nacional, e foi eleito em 2006 como membro do Partido das Regiões, considerado próximo de Moscou. Ele foi um dos primeiros e entusiasmados apoiadores de Viktor Yanukovich, que se tornou presidente da Ucrânia em 2010. Yanukovich fugiu para a Rússia durante as revoltas na Ucrânia em 2014, desencadeada por sua insistência em laços mais estreitos com Moscou depois que ele reverteu uma promessa anterior de se juntar à União Européia.

Os oligarcas da Ucrânia também conseguiram exercer maior poder político do que seus colegas na Rússia, em parte porque a Ucrânia nunca produziu um líder autoritário como Vladimir Putin com o poder de esmagá-los ou cooptá-los.

O resultado da influência dos oligarcas tem sido uma nação há muito oprimida por instituições fracas, disseram analistas. Isso deixou a Ucrânia “presa na transição entre o comunismo e o capitalismo”, disse Vladislav Rashkovan, ex-vice-governador do Banco Central da Ucrânia que agora representa o país no conselho executivo do Fundo Monetário Internacional.

Zelenski em reunião virtual com o presidente francês, Emmanuel Macron  Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

Definindo um oligarca

A relação de Zelenski com os oligarcas tem sido complicada desde o início, especialmente com aquele que talvez tenha sido seu apoiador mais influente durante sua campanha presidencial.

Ihor Kolomoisky fez fortuna nas décadas de 1990 e 2000 em empresas de energia, bancos, companhias aéreas e mídia. A estação de TV 1+1 de Kolomoisky era o lar de “Servant of the People”, o programa de comédia que fez de Zelenski um nome familiar na Ucrânia. Zelenski interpretou um professor que foi eleito presidente depois que um aluno postou um vídeo viral dele denunciando oligarcas corruptos.

Ainda assim, quando Zelenski decidiu concorrer à presidência na vida real, ele recebeu um grande incentivo do oligarca quando Kolomoiski o promoveu em sua estação de televisão.

Rashkovan, do FMI, lembrou que na véspera das eleições de 2019, quando as redes de televisão foram proibidas por lei de veicular programação política, a rede de Kolomoiski era toda Zelenski, o dia todo.

Mostrava seu programa de TV e um documentário sobre o ator que virou político Ronald Reagan, para o qual Zelenski havia feito a locução em ucraniano. Não era abertamente político, mas a intenção era clara.

Apesar do apoio que recebeu de Kolomoiski, Zelenski fez campanha com a promessa de atacar a corrupção e, em 2021, apresentou o projeto de lei de “desoligarquização” no parlamento.

Perseguir os oligarcas amplamente desprezados do país foi uma jogada politicamente perspicaz para um presidente cujos índices de aprovação estavam diminuindo e que estava sob ataque nas estações de televisão pertencentes aos próprios oligarcas. Zelenski era muito popular quando assumiu o cargo, mas foi cada vez mais visto como ineficaz à medida que seu mandato avançava – até que a guerra o transformou em um ícone internacional.

“Zelenski é uma pessoa superambiciosa que entende que, se não quebrar o esqueleto desse sistema, esse sistema o destruirá”, disse Serhi Leshchenko, assessor de Zelenski. “Eles quiseram lutar com ele. E um dia Zelenski decidiu: ‘Ok, vocês querem me desafiar? Eu aceito o desafio.’”

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