Após um ano de combates brutais, nos quais milhares de vidas foram perdidas, infraestrutura civil destruída e danos incalculáveis causados, a guerra chegou a um impasse. Nenhum dos lados aceitará um acordo negociado. No campo de batalha, exércitos derrotados disputam pequenas faixas de território, a um custo terrível. A ameaça de uma escalada nuclear paira no ar.
Esta descrição não é da Ucrânia de hoje; é a península coreana em 1951. Não há duas guerras exatamente iguais, é claro. Mas na longa história da carnificina, uma guerra se destaca por sua relevância para o atual banho de sangue na Ucrânia: a guerra da Coreia, de 1950 a 1953, onde os sul-coreanos e seus aliados, liderados pelos Estados Unidos, lutaram contra tropas norte-coreanas e chinesas, apoiadas pela União Soviética. Há todos os tipos de lições a serem aprendidas com o conflito. Mas o mais importante pode ser como ele terminou.
Na Ucrânia, o fim da guerra parece muito distante. Para a Rússia, a vitória provavelmente implicaria em garantir o território ucraniano que reivindica como seu. Para a Ucrânia, nada menos do que expulsar as tropas russas do país – incluindo a Crimeia – bastará. Nenhum dos lados está interessado em negociações e é difícil ver como um acordo de paz aconteceria.
Na Coreia, a situação era semelhante: nem os norte-coreanos nem os sul-coreanos, nem seus patrocinadores, tinham pressa em acabar com a guerra. Mas o conflito – que ceifou até três milhões de vidas e destruiu cidades inteiras – gradualmente se dissipou, levando a um cessar-fogo e a uma divisão temporária da península coreana que se mostrou mais duradoura do que qualquer um poderia imaginar na época. No final, uma guerra paralisada provou ser preferível às alternativas.
A decisão de iniciar a guerra na Coreia foi tomada por um homem: Josef Stalin, líder da União Soviética. Depois de inicialmente rejeitar os apelos do ditador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, pela permissão soviética para invadir o sul, Stalin mudou de ideia em janeiro de 1950. Por duas razões. Primeiro, com a iminente conclusão do Tratado de Aliança Sino-Soviético, que seria assinado em Moscou em 14 de fevereiro de 1950, Stalin sabia que poderia contar com a participação dos chineses na guerra, se necessário.
Em segundo lugar, e de importância potencialmente maior, foram os sinais enganosos dos Estados Unidos. O principal deles foi o famoso pronunciamento do secretário de Estado Dean Acheson, em 12 de janeiro de 1950, que excluiu a Coreia do “perímetro defensivo” dos Estados Unidos. Combinado com inteligência interceptada, foi o suficiente para tranquilizar Stalin - erroneamente, como se viu - de que os Estados Unidos não iriam intervir na Coreia.
Dada a luz verde para invadir, as forças norte-coreanas cruzaram o paralelo 38 em 25 de junho de 1950, logo capturando Seul e avançando em uma grande varredura que poderia muito bem ter terminado com a captura de toda a Coreia. Mas uma intervenção decisiva dos Estados Unidos, sob a bandeira das Nações Unidas, trouxe desordem às fileiras norte-coreanas e mudou o rumo da guerra. No final de setembro de 1950, o general Douglas MacArthur, encarregado do esforço de guerra do Ocidente, tomou a fatídica decisão de entrar na Coreia do Norte, com o objetivo de libertar a metade norte do país.
Guerra na Ucrânia
Observando esses desenvolvimentos de longe, Stalin instou os chineses a entrar na briga. Depois de alguma hesitação inicial, Mao Tsé-tung, cuja vitória comunista na China ocorrera apenas um ano antes, concordou. Os chineses começaram secretamente a entrar na Coreia do Norte no final de outubro de 1950. A guerra entrou em um novo estágio sangrento.
Inicialmente, os “voluntários do povo” chineses (como essas tropas foram deliberadamente chamadas de forma errada) obtiveram vitórias impressionantes, empurrando as forças das Nações Unidas para o sul do paralelo 38 e recapturando Seul. Mas seu ímpeto não durou. Atormentada por dificuldades logísticas e bombardeios americanos, a ofensiva se esgotou em maio de 1951. Mas os americanos também não conseguiram avançar muito nos meses seguintes. Embora os dois lados tenham travado várias batalhas entre 1951 e 1953, a guerra basicamente parou.
Ficou claro no verão de 1951 que a guerra não iria a lugar nenhum, mas levou mais dois anos - pontuados por uma barragem de artilharia letal na linha de controle e combates intermitentes - antes que a luta chegasse ao fim. Nesse ínterim, dezenas de milhares foram mortos e o bombardeio generalizado das hidrelétricas da Coreia do Norte pelos EUA levou a completos apagões no Norte.
A razão aparente para o atraso foi que muitos prisioneiros de guerra chineses e norte-coreanos não mostraram interesse em serem trocados, preferindo ficar com seus captores. Mas o verdadeiro problema era a relutância de Stalin em concordar com um cessar-fogo. “Não acho que você precise apressar a guerra na Coreia”, escreveu ele a Mao em junho de 1951. “Uma guerra prolongada, antes de tudo, está permitindo que as tropas chinesas aperfeiçoem as habilidades modernas de combate no campo de batalha e, em segundo lugar, está abalando o regime de Truman nos EUA e minando o prestígio das forças anglo-americanas”.
O ditador ficou perfeitamente feliz em deixar a guerra continuar. Afinal, os chineses, os coreanos e os americanos eram os que mais morriam. Foi somente com a morte de Stalin em março de 1953 que os líderes soviéticos reconsideraram toda a desventura e incitaram seus aliados a um tratado.
O acordo de armistício foi devidamente assinado na pequena aldeia de Panmunjom em 27 de julho de 1953. Foi, fundamentalmente, um cessar-fogo. Não houve nenhum tratado de paz, nenhum acordo negociado. Tecnicamente, a guerra está congelada, não terminada.
Mesmo assim, seguiu-se uma paz incerta que, de maneira surpreendente, manteve-se. Há indícios de que Kim Il-sung ponderou outra invasão da Coreia do Sul no final dos anos 1960, quando os Estados Unidos, enfrentando a derrota no Vietnã, pareciam menos preparados para outro front na Coreia.
Mas nem os chineses nem os soviéticos estavam entusiasmados. A aliança sino-soviética havia afundado há muito tempo, e os antigos camaradas de armas até travaram uma breve guerra por sua fronteira disputada em 1969. Na década de 1970, a Coreia do Norte começou a ficar substancialmente para trás na competição econômica com o sul. A unificação, se viesse, poderia ser apenas nos termos de Seul.
Setenta anos após o armistício coreano, a dinastia Kim ainda governa o Norte. O terrível regime, agora armado com armas nucleares, ainda é apoiado pela China e pela Rússia e, por sua vez, ajudou os russos a guerrear na Ucrânia, fornecendo munição. A China também adotou uma visão benigna da desventura de Vladimir Putin, embora, ao contrário de Stalin em 1951, Xi Jinping não queira ver essa guerra se arrastar indefinidamente. Ele certamente ficaria muito feliz com um cessar-fogo.
Essa pode, de fato, ser a solução preferida em outros setores – certamente no sul global, que não vê nada a ganhar com o conflito, e entre muitos países do Ocidente. Os partidos mais claramente contrários à ideia são aqueles que estão lutando no terreno: os russos e os ucranianos. Para a Ucrânia, repelindo uma força invasora que reivindica quase um quarto de seu território, tal posição é compreensível.
No entanto, se nenhum dos lados obtiver ganhos significativos nos próximos meses, o conflito poderá estar caminhando para um cessar-fogo. Os ucranianos, embora talvez não tenham recuperado totalmente seus territórios, terão se defendido de um inimigo agressivo. Os russos, por sua vez, podem disfarçar sua derrota estratégica como uma vitória tática. O conflito será congelado, um resultado longe do ideal. No entanto, se aprendemos alguma coisa com a Guerra da Coreia, é que um conflito congelado é melhor do que uma derrota total ou uma exaustiva guerra de atrito.
Hoje, a brilhante metrópole de Seul – devastada pela Guerra da Coreia – serve como um lembrete de que não são aqueles que vencem a guerra que importam, mas aqueles que conquistam a paz.
* Serguei Radchenko é um historiador da Guerra Fria.