Opinião|Como a ONU pode ajudar a resolver a crise na Venezuela


A organização pode tomar medidas tangíveis após as eleições de julho

Por Beatriz Borges*

Embora este seja, de certa forma, o momento mais sombrio da prolongada crise da Venezuela, é também um momento de possibilidades para aqueles que buscam uma transição democrática. Os cidadãos e a liderança democrática do país expressaram sua vontade na eleição de 28 de julho e cumpriram seu dever de alcançar uma solução autogerida para o dilema. É hora de a comunidade internacional apoiar esses esforços. As Nações Unidas podem liderar o gerenciamento desse conflito aparentemente intratável e de suas graves consequências humanitárias.

Até o momento, o envolvimento da ONU na crise venezuelana tem se concentrado em responder a graves violações de direitos humanos, emergências humanitárias e deslocamento forçado. Nos últimos seis anos, a ONU produziu relatórios e declarações com mais de 2.000 recomendações de seus diversos órgãos.

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A arquitetura humanitária foi estabelecida e, por vários anos, tivemos a presença no local da equipe do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que foi expulsa no início deste ano. Desde 2019, a Venezuela também conta com uma Missão Independente de Apuração de Fatos da ONU, que tem sido um ativo importante para garantir a responsabilização futura.

O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo González, participa de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

No entanto, nas últimas semanas, a natureza do envolvimento da ONU tem se tornado cada vez mais política - uma mudança bem-vinda e necessária, dadas as circunstâncias atuais. Em especial, o Secretário-Geral decidiu publicar um relatório provisório, que inicialmente deveria ser privado, produzido pelo Painel de Especialistas Eleitorais da ONU que observou a eleição presidencial a convite do governo venezuelano. O relatório afirma que a eleição de 28 de julho careceu de “transparência e integridade básicas”.

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A decisão da Suprema Corte da Venezuela de certificar a vitória flagrantemente fraudulenta de Nicolás Maduro por meio de um “processo de verificação” ilegal e inadequado destaca a necessidade de uma ação internacional mais assertiva.

Dentro desse espaço, há, sem dúvida, um papel para a liderança regional dos países latino-americanos, incluindo Brasil, Colômbia e México. No entanto, é essencial que os esforços do Secretário-Geral também sejam incluídos nessas iniciativas, especialmente com quatro meses até a inauguração do próximo mandato presidencial em janeiro de 2025 - tempo suficiente para mais diálogo e ação.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Um papel fundamental

A ONU pode tomar medidas decisivas para lidar com a crise da Venezuela. Algumas opções provavelmente seriam frustradas por vetos no Conselho de Segurança, já que a Rússia e a China detêm um poder sempre ameaçador. No entanto, uma declaração desse órgão pedindo o fim imediato da repressão, bem como a transparência e o respeito aos princípios democráticos, é viável e seria adequada.

Outra medida significativa que a ONU poderia tomar seria adotar uma resolução concordando em enviar uma missão de verificação eleitoral independente com um amplo mandato para monitorar os direitos humanos e a transição política, com o apoio do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Além disso, a ONU deveria intensificar os esforços de ajuda humanitária, e o Secretário-Geral poderia liderar os esforços de mediação, aproveitando a neutralidade da ONU para unir os atores regionais e internacionais em prol de uma solução pacífica.

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Embora a pressão internacional ainda não tenha sido bem-sucedida no caso da Venezuela, o cenário único após a eleição e um esforço unificado e persistente liderado pela ONU, combinados com a liderança regional, poderiam criar as condições necessárias para uma mudança política significativa.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, participa do Fórum sobre a cooperação entre China e África, em Pequim, China  Foto: Greg Baker/AP

A ONU tem ampla experiência com tais ações. O caso da Costa do Marfim e suas eleições de novembro de 2010 oferecem um precedente importante quanto às medidas que poderiam ser empregadas na Venezuela, especificamente no que diz respeito ao Conselho de Segurança e ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

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As ações de ambas as organizações foram determinantes durante e após a crise presidencial que se instalou no país depois que o Conselho Constitucional de Laurent Gbagbo o declarou vencedor das eleições daquele ano, apesar de não ter obtido a maioria dos votos.

É essencial acrescentar que essas missões nem sempre são bem-sucedidas: as missões políticas especiais enviadas ao Afeganistão (2004-2015) e ao Haiti (apoiando as eleições de 2006, 2010 e 2015) obtiveram apenas resultados moderados, especificamente em relação à sustentabilidade. Elas são lembretes essenciais da necessidade de um engajamento internacional estratégico, com foco na proteção dos direitos humanos e da justiça como meio para uma paz duradoura.

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Um esforço conjunto

A vontade política e o diálogo entre todas as partes são essenciais para que a ONU envie uma missão de verificação eleitoral à Venezuela. A solicitação de tal missão normalmente precisa vir do governo venezuelano ou ser facilitada por meio de acordos envolvendo organizações internacionais e as principais partes interessadas.

O Equador fornece um exemplo relevante: argumentando que a situação da Venezuela poderia se tornar uma “ameaça direta à estabilidade regional e à segurança internacional”, sua missão diplomática na ONU planeja levar a questão da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU.

O sucesso da missão depende da geração de consenso e cooperação para lidar com a crise de legitimidade eleitoral e direitos humanos. Embora seja possível trabalhar para resolver essas questões, alcançar um progresso significativo exige o compromisso de todos os lados. Maduro ainda pode impedir a implantação e as operações da missão, mas, com acordos políticos suficientes, pode haver um caminho a seguir para mitigar esses desafios e avançar os objetivos da missão.

O candidato presidencial venezuelano Edmundo González participa de um comício em Maracaibo, Venezuela, ao lado da líder da oposição, María Corina Machado  Foto: Marian Carrasquero/NYT

Os venezuelanos têm alguns meses difíceis pela frente, mas estamos determinados a lutar pela liberdade. Assim como aproveitamos o momento e votamos na recente eleição, a comunidade internacional deve aproveitar essa breve janela de oportunidade para pressionar pela democratização.

Este não é um momento para a Venezuela ser deixada para trás, sozinha em sua busca para recuperar a alternância de poderes e a coexistência de diversas visões políticas. Chegou a hora da ONU e da liderança democrática regional, e é fundamental exercer uma diplomacia ousada e decisiva para apoiar os venezuelanos em sua busca pela democracia.

Embora este seja, de certa forma, o momento mais sombrio da prolongada crise da Venezuela, é também um momento de possibilidades para aqueles que buscam uma transição democrática. Os cidadãos e a liderança democrática do país expressaram sua vontade na eleição de 28 de julho e cumpriram seu dever de alcançar uma solução autogerida para o dilema. É hora de a comunidade internacional apoiar esses esforços. As Nações Unidas podem liderar o gerenciamento desse conflito aparentemente intratável e de suas graves consequências humanitárias.

Até o momento, o envolvimento da ONU na crise venezuelana tem se concentrado em responder a graves violações de direitos humanos, emergências humanitárias e deslocamento forçado. Nos últimos seis anos, a ONU produziu relatórios e declarações com mais de 2.000 recomendações de seus diversos órgãos.

A arquitetura humanitária foi estabelecida e, por vários anos, tivemos a presença no local da equipe do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que foi expulsa no início deste ano. Desde 2019, a Venezuela também conta com uma Missão Independente de Apuração de Fatos da ONU, que tem sido um ativo importante para garantir a responsabilização futura.

O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo González, participa de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

No entanto, nas últimas semanas, a natureza do envolvimento da ONU tem se tornado cada vez mais política - uma mudança bem-vinda e necessária, dadas as circunstâncias atuais. Em especial, o Secretário-Geral decidiu publicar um relatório provisório, que inicialmente deveria ser privado, produzido pelo Painel de Especialistas Eleitorais da ONU que observou a eleição presidencial a convite do governo venezuelano. O relatório afirma que a eleição de 28 de julho careceu de “transparência e integridade básicas”.

A decisão da Suprema Corte da Venezuela de certificar a vitória flagrantemente fraudulenta de Nicolás Maduro por meio de um “processo de verificação” ilegal e inadequado destaca a necessidade de uma ação internacional mais assertiva.

Dentro desse espaço, há, sem dúvida, um papel para a liderança regional dos países latino-americanos, incluindo Brasil, Colômbia e México. No entanto, é essencial que os esforços do Secretário-Geral também sejam incluídos nessas iniciativas, especialmente com quatro meses até a inauguração do próximo mandato presidencial em janeiro de 2025 - tempo suficiente para mais diálogo e ação.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um papel fundamental

A ONU pode tomar medidas decisivas para lidar com a crise da Venezuela. Algumas opções provavelmente seriam frustradas por vetos no Conselho de Segurança, já que a Rússia e a China detêm um poder sempre ameaçador. No entanto, uma declaração desse órgão pedindo o fim imediato da repressão, bem como a transparência e o respeito aos princípios democráticos, é viável e seria adequada.

Outra medida significativa que a ONU poderia tomar seria adotar uma resolução concordando em enviar uma missão de verificação eleitoral independente com um amplo mandato para monitorar os direitos humanos e a transição política, com o apoio do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Além disso, a ONU deveria intensificar os esforços de ajuda humanitária, e o Secretário-Geral poderia liderar os esforços de mediação, aproveitando a neutralidade da ONU para unir os atores regionais e internacionais em prol de uma solução pacífica.

Embora a pressão internacional ainda não tenha sido bem-sucedida no caso da Venezuela, o cenário único após a eleição e um esforço unificado e persistente liderado pela ONU, combinados com a liderança regional, poderiam criar as condições necessárias para uma mudança política significativa.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, participa do Fórum sobre a cooperação entre China e África, em Pequim, China  Foto: Greg Baker/AP

A ONU tem ampla experiência com tais ações. O caso da Costa do Marfim e suas eleições de novembro de 2010 oferecem um precedente importante quanto às medidas que poderiam ser empregadas na Venezuela, especificamente no que diz respeito ao Conselho de Segurança e ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

As ações de ambas as organizações foram determinantes durante e após a crise presidencial que se instalou no país depois que o Conselho Constitucional de Laurent Gbagbo o declarou vencedor das eleições daquele ano, apesar de não ter obtido a maioria dos votos.

É essencial acrescentar que essas missões nem sempre são bem-sucedidas: as missões políticas especiais enviadas ao Afeganistão (2004-2015) e ao Haiti (apoiando as eleições de 2006, 2010 e 2015) obtiveram apenas resultados moderados, especificamente em relação à sustentabilidade. Elas são lembretes essenciais da necessidade de um engajamento internacional estratégico, com foco na proteção dos direitos humanos e da justiça como meio para uma paz duradoura.

Um esforço conjunto

A vontade política e o diálogo entre todas as partes são essenciais para que a ONU envie uma missão de verificação eleitoral à Venezuela. A solicitação de tal missão normalmente precisa vir do governo venezuelano ou ser facilitada por meio de acordos envolvendo organizações internacionais e as principais partes interessadas.

O Equador fornece um exemplo relevante: argumentando que a situação da Venezuela poderia se tornar uma “ameaça direta à estabilidade regional e à segurança internacional”, sua missão diplomática na ONU planeja levar a questão da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU.

O sucesso da missão depende da geração de consenso e cooperação para lidar com a crise de legitimidade eleitoral e direitos humanos. Embora seja possível trabalhar para resolver essas questões, alcançar um progresso significativo exige o compromisso de todos os lados. Maduro ainda pode impedir a implantação e as operações da missão, mas, com acordos políticos suficientes, pode haver um caminho a seguir para mitigar esses desafios e avançar os objetivos da missão.

O candidato presidencial venezuelano Edmundo González participa de um comício em Maracaibo, Venezuela, ao lado da líder da oposição, María Corina Machado  Foto: Marian Carrasquero/NYT

Os venezuelanos têm alguns meses difíceis pela frente, mas estamos determinados a lutar pela liberdade. Assim como aproveitamos o momento e votamos na recente eleição, a comunidade internacional deve aproveitar essa breve janela de oportunidade para pressionar pela democratização.

Este não é um momento para a Venezuela ser deixada para trás, sozinha em sua busca para recuperar a alternância de poderes e a coexistência de diversas visões políticas. Chegou a hora da ONU e da liderança democrática regional, e é fundamental exercer uma diplomacia ousada e decisiva para apoiar os venezuelanos em sua busca pela democracia.

Embora este seja, de certa forma, o momento mais sombrio da prolongada crise da Venezuela, é também um momento de possibilidades para aqueles que buscam uma transição democrática. Os cidadãos e a liderança democrática do país expressaram sua vontade na eleição de 28 de julho e cumpriram seu dever de alcançar uma solução autogerida para o dilema. É hora de a comunidade internacional apoiar esses esforços. As Nações Unidas podem liderar o gerenciamento desse conflito aparentemente intratável e de suas graves consequências humanitárias.

Até o momento, o envolvimento da ONU na crise venezuelana tem se concentrado em responder a graves violações de direitos humanos, emergências humanitárias e deslocamento forçado. Nos últimos seis anos, a ONU produziu relatórios e declarações com mais de 2.000 recomendações de seus diversos órgãos.

A arquitetura humanitária foi estabelecida e, por vários anos, tivemos a presença no local da equipe do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que foi expulsa no início deste ano. Desde 2019, a Venezuela também conta com uma Missão Independente de Apuração de Fatos da ONU, que tem sido um ativo importante para garantir a responsabilização futura.

O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo González, participa de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

No entanto, nas últimas semanas, a natureza do envolvimento da ONU tem se tornado cada vez mais política - uma mudança bem-vinda e necessária, dadas as circunstâncias atuais. Em especial, o Secretário-Geral decidiu publicar um relatório provisório, que inicialmente deveria ser privado, produzido pelo Painel de Especialistas Eleitorais da ONU que observou a eleição presidencial a convite do governo venezuelano. O relatório afirma que a eleição de 28 de julho careceu de “transparência e integridade básicas”.

A decisão da Suprema Corte da Venezuela de certificar a vitória flagrantemente fraudulenta de Nicolás Maduro por meio de um “processo de verificação” ilegal e inadequado destaca a necessidade de uma ação internacional mais assertiva.

Dentro desse espaço, há, sem dúvida, um papel para a liderança regional dos países latino-americanos, incluindo Brasil, Colômbia e México. No entanto, é essencial que os esforços do Secretário-Geral também sejam incluídos nessas iniciativas, especialmente com quatro meses até a inauguração do próximo mandato presidencial em janeiro de 2025 - tempo suficiente para mais diálogo e ação.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um papel fundamental

A ONU pode tomar medidas decisivas para lidar com a crise da Venezuela. Algumas opções provavelmente seriam frustradas por vetos no Conselho de Segurança, já que a Rússia e a China detêm um poder sempre ameaçador. No entanto, uma declaração desse órgão pedindo o fim imediato da repressão, bem como a transparência e o respeito aos princípios democráticos, é viável e seria adequada.

Outra medida significativa que a ONU poderia tomar seria adotar uma resolução concordando em enviar uma missão de verificação eleitoral independente com um amplo mandato para monitorar os direitos humanos e a transição política, com o apoio do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Além disso, a ONU deveria intensificar os esforços de ajuda humanitária, e o Secretário-Geral poderia liderar os esforços de mediação, aproveitando a neutralidade da ONU para unir os atores regionais e internacionais em prol de uma solução pacífica.

Embora a pressão internacional ainda não tenha sido bem-sucedida no caso da Venezuela, o cenário único após a eleição e um esforço unificado e persistente liderado pela ONU, combinados com a liderança regional, poderiam criar as condições necessárias para uma mudança política significativa.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, participa do Fórum sobre a cooperação entre China e África, em Pequim, China  Foto: Greg Baker/AP

A ONU tem ampla experiência com tais ações. O caso da Costa do Marfim e suas eleições de novembro de 2010 oferecem um precedente importante quanto às medidas que poderiam ser empregadas na Venezuela, especificamente no que diz respeito ao Conselho de Segurança e ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

As ações de ambas as organizações foram determinantes durante e após a crise presidencial que se instalou no país depois que o Conselho Constitucional de Laurent Gbagbo o declarou vencedor das eleições daquele ano, apesar de não ter obtido a maioria dos votos.

É essencial acrescentar que essas missões nem sempre são bem-sucedidas: as missões políticas especiais enviadas ao Afeganistão (2004-2015) e ao Haiti (apoiando as eleições de 2006, 2010 e 2015) obtiveram apenas resultados moderados, especificamente em relação à sustentabilidade. Elas são lembretes essenciais da necessidade de um engajamento internacional estratégico, com foco na proteção dos direitos humanos e da justiça como meio para uma paz duradoura.

Um esforço conjunto

A vontade política e o diálogo entre todas as partes são essenciais para que a ONU envie uma missão de verificação eleitoral à Venezuela. A solicitação de tal missão normalmente precisa vir do governo venezuelano ou ser facilitada por meio de acordos envolvendo organizações internacionais e as principais partes interessadas.

O Equador fornece um exemplo relevante: argumentando que a situação da Venezuela poderia se tornar uma “ameaça direta à estabilidade regional e à segurança internacional”, sua missão diplomática na ONU planeja levar a questão da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU.

O sucesso da missão depende da geração de consenso e cooperação para lidar com a crise de legitimidade eleitoral e direitos humanos. Embora seja possível trabalhar para resolver essas questões, alcançar um progresso significativo exige o compromisso de todos os lados. Maduro ainda pode impedir a implantação e as operações da missão, mas, com acordos políticos suficientes, pode haver um caminho a seguir para mitigar esses desafios e avançar os objetivos da missão.

O candidato presidencial venezuelano Edmundo González participa de um comício em Maracaibo, Venezuela, ao lado da líder da oposição, María Corina Machado  Foto: Marian Carrasquero/NYT

Os venezuelanos têm alguns meses difíceis pela frente, mas estamos determinados a lutar pela liberdade. Assim como aproveitamos o momento e votamos na recente eleição, a comunidade internacional deve aproveitar essa breve janela de oportunidade para pressionar pela democratização.

Este não é um momento para a Venezuela ser deixada para trás, sozinha em sua busca para recuperar a alternância de poderes e a coexistência de diversas visões políticas. Chegou a hora da ONU e da liderança democrática regional, e é fundamental exercer uma diplomacia ousada e decisiva para apoiar os venezuelanos em sua busca pela democracia.

Embora este seja, de certa forma, o momento mais sombrio da prolongada crise da Venezuela, é também um momento de possibilidades para aqueles que buscam uma transição democrática. Os cidadãos e a liderança democrática do país expressaram sua vontade na eleição de 28 de julho e cumpriram seu dever de alcançar uma solução autogerida para o dilema. É hora de a comunidade internacional apoiar esses esforços. As Nações Unidas podem liderar o gerenciamento desse conflito aparentemente intratável e de suas graves consequências humanitárias.

Até o momento, o envolvimento da ONU na crise venezuelana tem se concentrado em responder a graves violações de direitos humanos, emergências humanitárias e deslocamento forçado. Nos últimos seis anos, a ONU produziu relatórios e declarações com mais de 2.000 recomendações de seus diversos órgãos.

A arquitetura humanitária foi estabelecida e, por vários anos, tivemos a presença no local da equipe do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que foi expulsa no início deste ano. Desde 2019, a Venezuela também conta com uma Missão Independente de Apuração de Fatos da ONU, que tem sido um ativo importante para garantir a responsabilização futura.

O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo González, participa de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

No entanto, nas últimas semanas, a natureza do envolvimento da ONU tem se tornado cada vez mais política - uma mudança bem-vinda e necessária, dadas as circunstâncias atuais. Em especial, o Secretário-Geral decidiu publicar um relatório provisório, que inicialmente deveria ser privado, produzido pelo Painel de Especialistas Eleitorais da ONU que observou a eleição presidencial a convite do governo venezuelano. O relatório afirma que a eleição de 28 de julho careceu de “transparência e integridade básicas”.

A decisão da Suprema Corte da Venezuela de certificar a vitória flagrantemente fraudulenta de Nicolás Maduro por meio de um “processo de verificação” ilegal e inadequado destaca a necessidade de uma ação internacional mais assertiva.

Dentro desse espaço, há, sem dúvida, um papel para a liderança regional dos países latino-americanos, incluindo Brasil, Colômbia e México. No entanto, é essencial que os esforços do Secretário-Geral também sejam incluídos nessas iniciativas, especialmente com quatro meses até a inauguração do próximo mandato presidencial em janeiro de 2025 - tempo suficiente para mais diálogo e ação.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um papel fundamental

A ONU pode tomar medidas decisivas para lidar com a crise da Venezuela. Algumas opções provavelmente seriam frustradas por vetos no Conselho de Segurança, já que a Rússia e a China detêm um poder sempre ameaçador. No entanto, uma declaração desse órgão pedindo o fim imediato da repressão, bem como a transparência e o respeito aos princípios democráticos, é viável e seria adequada.

Outra medida significativa que a ONU poderia tomar seria adotar uma resolução concordando em enviar uma missão de verificação eleitoral independente com um amplo mandato para monitorar os direitos humanos e a transição política, com o apoio do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Além disso, a ONU deveria intensificar os esforços de ajuda humanitária, e o Secretário-Geral poderia liderar os esforços de mediação, aproveitando a neutralidade da ONU para unir os atores regionais e internacionais em prol de uma solução pacífica.

Embora a pressão internacional ainda não tenha sido bem-sucedida no caso da Venezuela, o cenário único após a eleição e um esforço unificado e persistente liderado pela ONU, combinados com a liderança regional, poderiam criar as condições necessárias para uma mudança política significativa.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, participa do Fórum sobre a cooperação entre China e África, em Pequim, China  Foto: Greg Baker/AP

A ONU tem ampla experiência com tais ações. O caso da Costa do Marfim e suas eleições de novembro de 2010 oferecem um precedente importante quanto às medidas que poderiam ser empregadas na Venezuela, especificamente no que diz respeito ao Conselho de Segurança e ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

As ações de ambas as organizações foram determinantes durante e após a crise presidencial que se instalou no país depois que o Conselho Constitucional de Laurent Gbagbo o declarou vencedor das eleições daquele ano, apesar de não ter obtido a maioria dos votos.

É essencial acrescentar que essas missões nem sempre são bem-sucedidas: as missões políticas especiais enviadas ao Afeganistão (2004-2015) e ao Haiti (apoiando as eleições de 2006, 2010 e 2015) obtiveram apenas resultados moderados, especificamente em relação à sustentabilidade. Elas são lembretes essenciais da necessidade de um engajamento internacional estratégico, com foco na proteção dos direitos humanos e da justiça como meio para uma paz duradoura.

Um esforço conjunto

A vontade política e o diálogo entre todas as partes são essenciais para que a ONU envie uma missão de verificação eleitoral à Venezuela. A solicitação de tal missão normalmente precisa vir do governo venezuelano ou ser facilitada por meio de acordos envolvendo organizações internacionais e as principais partes interessadas.

O Equador fornece um exemplo relevante: argumentando que a situação da Venezuela poderia se tornar uma “ameaça direta à estabilidade regional e à segurança internacional”, sua missão diplomática na ONU planeja levar a questão da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU.

O sucesso da missão depende da geração de consenso e cooperação para lidar com a crise de legitimidade eleitoral e direitos humanos. Embora seja possível trabalhar para resolver essas questões, alcançar um progresso significativo exige o compromisso de todos os lados. Maduro ainda pode impedir a implantação e as operações da missão, mas, com acordos políticos suficientes, pode haver um caminho a seguir para mitigar esses desafios e avançar os objetivos da missão.

O candidato presidencial venezuelano Edmundo González participa de um comício em Maracaibo, Venezuela, ao lado da líder da oposição, María Corina Machado  Foto: Marian Carrasquero/NYT

Os venezuelanos têm alguns meses difíceis pela frente, mas estamos determinados a lutar pela liberdade. Assim como aproveitamos o momento e votamos na recente eleição, a comunidade internacional deve aproveitar essa breve janela de oportunidade para pressionar pela democratização.

Este não é um momento para a Venezuela ser deixada para trás, sozinha em sua busca para recuperar a alternância de poderes e a coexistência de diversas visões políticas. Chegou a hora da ONU e da liderança democrática regional, e é fundamental exercer uma diplomacia ousada e decisiva para apoiar os venezuelanos em sua busca pela democracia.

Embora este seja, de certa forma, o momento mais sombrio da prolongada crise da Venezuela, é também um momento de possibilidades para aqueles que buscam uma transição democrática. Os cidadãos e a liderança democrática do país expressaram sua vontade na eleição de 28 de julho e cumpriram seu dever de alcançar uma solução autogerida para o dilema. É hora de a comunidade internacional apoiar esses esforços. As Nações Unidas podem liderar o gerenciamento desse conflito aparentemente intratável e de suas graves consequências humanitárias.

Até o momento, o envolvimento da ONU na crise venezuelana tem se concentrado em responder a graves violações de direitos humanos, emergências humanitárias e deslocamento forçado. Nos últimos seis anos, a ONU produziu relatórios e declarações com mais de 2.000 recomendações de seus diversos órgãos.

A arquitetura humanitária foi estabelecida e, por vários anos, tivemos a presença no local da equipe do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que foi expulsa no início deste ano. Desde 2019, a Venezuela também conta com uma Missão Independente de Apuração de Fatos da ONU, que tem sido um ativo importante para garantir a responsabilização futura.

O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo González, participa de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

No entanto, nas últimas semanas, a natureza do envolvimento da ONU tem se tornado cada vez mais política - uma mudança bem-vinda e necessária, dadas as circunstâncias atuais. Em especial, o Secretário-Geral decidiu publicar um relatório provisório, que inicialmente deveria ser privado, produzido pelo Painel de Especialistas Eleitorais da ONU que observou a eleição presidencial a convite do governo venezuelano. O relatório afirma que a eleição de 28 de julho careceu de “transparência e integridade básicas”.

A decisão da Suprema Corte da Venezuela de certificar a vitória flagrantemente fraudulenta de Nicolás Maduro por meio de um “processo de verificação” ilegal e inadequado destaca a necessidade de uma ação internacional mais assertiva.

Dentro desse espaço, há, sem dúvida, um papel para a liderança regional dos países latino-americanos, incluindo Brasil, Colômbia e México. No entanto, é essencial que os esforços do Secretário-Geral também sejam incluídos nessas iniciativas, especialmente com quatro meses até a inauguração do próximo mandato presidencial em janeiro de 2025 - tempo suficiente para mais diálogo e ação.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um papel fundamental

A ONU pode tomar medidas decisivas para lidar com a crise da Venezuela. Algumas opções provavelmente seriam frustradas por vetos no Conselho de Segurança, já que a Rússia e a China detêm um poder sempre ameaçador. No entanto, uma declaração desse órgão pedindo o fim imediato da repressão, bem como a transparência e o respeito aos princípios democráticos, é viável e seria adequada.

Outra medida significativa que a ONU poderia tomar seria adotar uma resolução concordando em enviar uma missão de verificação eleitoral independente com um amplo mandato para monitorar os direitos humanos e a transição política, com o apoio do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Além disso, a ONU deveria intensificar os esforços de ajuda humanitária, e o Secretário-Geral poderia liderar os esforços de mediação, aproveitando a neutralidade da ONU para unir os atores regionais e internacionais em prol de uma solução pacífica.

Embora a pressão internacional ainda não tenha sido bem-sucedida no caso da Venezuela, o cenário único após a eleição e um esforço unificado e persistente liderado pela ONU, combinados com a liderança regional, poderiam criar as condições necessárias para uma mudança política significativa.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, participa do Fórum sobre a cooperação entre China e África, em Pequim, China  Foto: Greg Baker/AP

A ONU tem ampla experiência com tais ações. O caso da Costa do Marfim e suas eleições de novembro de 2010 oferecem um precedente importante quanto às medidas que poderiam ser empregadas na Venezuela, especificamente no que diz respeito ao Conselho de Segurança e ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

As ações de ambas as organizações foram determinantes durante e após a crise presidencial que se instalou no país depois que o Conselho Constitucional de Laurent Gbagbo o declarou vencedor das eleições daquele ano, apesar de não ter obtido a maioria dos votos.

É essencial acrescentar que essas missões nem sempre são bem-sucedidas: as missões políticas especiais enviadas ao Afeganistão (2004-2015) e ao Haiti (apoiando as eleições de 2006, 2010 e 2015) obtiveram apenas resultados moderados, especificamente em relação à sustentabilidade. Elas são lembretes essenciais da necessidade de um engajamento internacional estratégico, com foco na proteção dos direitos humanos e da justiça como meio para uma paz duradoura.

Um esforço conjunto

A vontade política e o diálogo entre todas as partes são essenciais para que a ONU envie uma missão de verificação eleitoral à Venezuela. A solicitação de tal missão normalmente precisa vir do governo venezuelano ou ser facilitada por meio de acordos envolvendo organizações internacionais e as principais partes interessadas.

O Equador fornece um exemplo relevante: argumentando que a situação da Venezuela poderia se tornar uma “ameaça direta à estabilidade regional e à segurança internacional”, sua missão diplomática na ONU planeja levar a questão da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU.

O sucesso da missão depende da geração de consenso e cooperação para lidar com a crise de legitimidade eleitoral e direitos humanos. Embora seja possível trabalhar para resolver essas questões, alcançar um progresso significativo exige o compromisso de todos os lados. Maduro ainda pode impedir a implantação e as operações da missão, mas, com acordos políticos suficientes, pode haver um caminho a seguir para mitigar esses desafios e avançar os objetivos da missão.

O candidato presidencial venezuelano Edmundo González participa de um comício em Maracaibo, Venezuela, ao lado da líder da oposição, María Corina Machado  Foto: Marian Carrasquero/NYT

Os venezuelanos têm alguns meses difíceis pela frente, mas estamos determinados a lutar pela liberdade. Assim como aproveitamos o momento e votamos na recente eleição, a comunidade internacional deve aproveitar essa breve janela de oportunidade para pressionar pela democratização.

Este não é um momento para a Venezuela ser deixada para trás, sozinha em sua busca para recuperar a alternância de poderes e a coexistência de diversas visões políticas. Chegou a hora da ONU e da liderança democrática regional, e é fundamental exercer uma diplomacia ousada e decisiva para apoiar os venezuelanos em sua busca pela democracia.

Opinião por Beatriz Borges*

*Borges é advogada, acadêmica e defensora dos direitos humanos da Venezuela. É diretora executiva da organização sem fins lucrativos CEPAZ (Centro de Justiça e Paz) e professora associada e pesquisadora da Universidade Católica Andrés Bello

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