O documento da Otan divulgado na segunda-feira, 14, esconde um monstro, o míssil russo Satan II, com suas 100 toneladas e capacidade nuclear para destruir, sozinho, um país do tamanho da França. A cuidadosa linguagem diplomática também cita o crescente poder das forças da China – ágeis, sofisticadas e pouco dadas à negociação de pontos estratégicos. Tópicos de preocupação, Pequim e Moscou desenvolvem mísseis que voam acima de 7 mil quilômetros por hora e planejam, cada um, a instalação de bases de apoio em dez diferentes pontos do planeta.
A partir da reunião da Otan em Lisboa, em 2010, os EUA, ainda sob Barack Obama, começaram a negligenciar os desafios da Otan, principalmente porque a Rússia parecia estar mantendo seus programas. Outras prioridades surgiram e, o mais perigoso, houve um relaxamento do Congresso americano, que quase não falava sobre russos e chineses.
O resultado é o que se tem hoje: Vladimir Putin não só manteve os programas de defesa, mas renovou as Forças Armadas, oferecendo no mercado equipamentos de primeira linha, tanques, artilharia e uma família de mísseis de hipervelocidade. A coisa mais impressionante do ponto de vista estratégico é o Satan II, que tem alcance de 18 mil km e mede 35 metros de comprimento. Ele é capaz de destruir sozinho um país do tamanho da França porque leva na ogiva até 12 cargas nucleares independentes que podem ser lançadas em 12 lugares enquanto voa.
Parece, no entanto, que a maior preocupação da Otan é com a China, e não com a Rússia. Isso porque russos e americanos são como um casal que briga muito, mas sempre acaba se entendendo. Nenhum dos dois tem interesse em atacar o outro. Ao contrário, a polarização parece estimulante para o desenvolvimento e para o estilo de política externa dos dois.
Já a China tem um comportamento novo. Rússia e EUA têm um efetivo equivalente de mais ou menos 1,3 a 1,5 milhão de combatentes cada. No caso da China, ela já começa com 2,5 milhões. Além disso, Pequim desenvolve um programa antigo, que começou com Deng Xiaoping, sucessor de Mao, que não só reformou a economia como transformou o país em potência militar. E as metas vêm sendo cumpridas desde então. O orçamento militar da China cresce 30% um ano após o outro.
As forças da China têm hoje duas características: são ágeis e modernas. Os EUA ainda são de longe a maior potência do mundo, têm 11 porta-aviões, mas a China vem diminuindo o espaço. Ela tem dois porta-aviões e um terceiro em construção. O quarto, de propulsão nuclear, está em fase de projeto. Eles são muito grandes, carregam 40 aviões de combate. São modernos e levaram em média quatro anos para serem construídos.
Assim, a China vem se transformando em grande potência naval. À essa altura, ela tem 570 embarcações. É verdade que poucas podem ser consideradas estratégicas: são apenas 3 submarinos nucleares, com capacidade de lançar mísseis atômicos. Mas, ao mesmo tempo, os chineses têm planos de construir 355 navios de superfície, todos com capacidade de fogo. E isso com uma rapidez impressionante.
Outra característica da China é que ela quase não se submete a tratados internacionais multilaterais. Se o Brasil quiser explorar o Pré-Sal, por exemplo, ele precisa cumprir uma série de pré-requisitos, assumir compromissos com a ONU e conseguir o direito de explorar a região. Como a China quase não é signatária de acordos, nada impede que ela vá à mesma região, leve uma sonda e explore. A política externa chinesa, portanto, é pouco dada a negociar suas pretensões. Por isso, a visão da Otan é agora bem mais assertiva.
Tanto Rússia quanto China também pretendem expandir suas bases. Algumas dizem respeito ao Brasil: Pequim e Moscou querem colocar um pé na Venezuela. São bases de apoio logístico, mas são bases. Tanto Putin quanto Xi Jinping têm planos para dez diferentes bases ao redor do mundo. A grande discussão, portanto, é o que está por trás de tudo isso. Por isso, no documento que reúne 79 temas e 71 tópicos, a maior preocupação é impedir o crescimento militar de Rússia e China.