Como a polarização política moldou a batalha sobre as origens do coronavírus


Vazamento de laboratório foi classificado como teoria conspiratória, mas a ideia vem ganhando tração mesmo enquanto se acumulam evidências de que a doença emergiu em um mercado

Por Sheryl Gay Stolberg e Benjamin Mueller / The New York Times

WASHINGTON — Na primavera de 2021, com estudos a respeito das origens da pandemia de coronavírus sem chegar a nenhum lugar e o assunto emaranhado em amargas disputas políticas partidárias, o microbiologista David Relman, de Stanford, fez um pedido discreto à sua congressista. Ele disse para sua deputada, Anna Eshoo, que estava organizando uma carta assinada por cientistas proeminentes solicitando uma investigação aberta e independente a respeito das origens da covid-19, considerar também a hipótese de o coronavírus ter vazado de um laboratório em Wuhan, China. Relman queria saber se Eshoo apoiaria a ideia.

A projeção funcionou. Assim que a carta apareceu no website da prestigiada revista científica Science, Eshoo virou uma das primeiras democratas no Congresso a pedir uma investigação a respeito das origens da covid.

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Era o prelúdio de uma maré de mudança política em relação ao assunto: semanas depois, o presidente Joe Biden ordenou uma análise de inteligência minuciosa a respeito de como a pandemia começou, que desde então chegou a conclusões ambíguas.

Instituto de Virologia de Wuhan, na China, recebeu a visita de uma equipe da Organização Mundial da Saúde Foto: REUTERS/Thomas Peter/File Photo

A história da caça pela origem da covid trata em parte da obstrução da China que deixou os cientistas sem evidências suficientes a respeito de um vírus que está em constante mutação. Apesar de todos os dados sugerindo que o coronavírus pode ter saltado de animais selvagens para os humanos em um mercado chinês, provas conclusivas permanecem fora de acesso, assim como evidências que indicariam se o vírus teria vazado de um laboratório.

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Mas essa história é também a respeito de política e sobre como tanto democratas quanto republicanos filtraram as provas existentes através de suas lentes partidárias.

Alguns republicanos ficaram cada vez mais fixados na hipótese de vazamento de laboratório depois que o ex-presidente Donald Trump levantou a ideia nos meses iniciais da pandemia, apesar da pouca evidência que a sustentava. Isso tornou essa teoria tóxica para muitos democratas, que a consideravam um esforço de Trump no sentido de desviar a atenção dos fracassos de seu governo em conter a disseminação do vírus.

O intenso debate político, entrando em seu quarto ano, certas vezes transformou cientistas em lobistas em competição pelo tempo e o apoio dos formuladores de políticas. Relman é apenas um entre vários pesquisadores e pensadores de ideologia parecida que trabalharam nos corredores do poder em Washington para forçar jornalistas, formuladores de políticas e democratas céticos a considerar com seriedade a hipótese de vazamento de laboratório.

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Mas o ímpeto político nem sempre se alinha com as evidências. Mesmo que a hipótese de um vazamento acidental de laboratório tenha ganhado fôlego em Washington, descobertas publicadas na semana passada fundamentaram mais a teoria do mercado. Analisando uma série de dados genéticos coletados em swabs no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan, no início de 2020, virologistas afirmaram ter encontrado amostras tanto do coronavírus quanto de cães-guaxinins comercializados ilegalmente. A descoberta, ainda que longe de conclusiva, apontou para um animal infectado.

Os novos dados do mercado sugerem que a China está ocultando evidências capazes de reformular o debate. Mas por agora, pelo menos, a hipótese de vazamento de laboratório parece prevalecer no tribunal da opinião pública: duas pesquisas recentes mostram que aproximadamente dois terços dos americanos acreditam que a pandemia de covid começou em um laboratório.

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‘Teorias da conspiração’

Em janeiro de 2020, quando o vírus começou a circular em Wuhan, Matthew Pottinger, ex-subconselheiro de segurança nacional de Trump que tinha trabalhado como repórter na China, desenvolveu suspeitas a respeito do Instituto de Virologia de Wuhan, conhecido por sua pesquisa avançada com coronavírus encontrados em morcegos.

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Christopher Wray fez declaração em entrevista à rede americana Fox News, provocando uma reação diplomática de Pequim

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Pottinger fez discretamente uma requisição formal solicitando que autoridades de inteligência investigassem o novo surto.

No ambiente polarizado de Washington, a ideia de que o coronavírus poderia ter surgido em um laboratório em Wuhan começava a ganhar força no debate público. No Capitólio, o senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, levantou a ideia em uma audiência do Senado e no Twitter.

Aproximadamente na mesma época, de acordo com e-mails revelados depois, alguns virologistas americanos disseram privadamente a autoridades de saúde, incluindo  Anthony Fauci, então diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que o coronavírus podia ter sido criado em um laboratório, mas que a hipótese requeria mais estudo.

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Quando analisaram os dados, incluindo em relação a vírus que ocorrem naturalmente com características parecidas com a do novo coronavírus, eles concluíram o oposto. Em um estudo, eles afirmaram que o coronavírus “não é uma construção de laboratório nem um vírus manipulado propositalmente”.

O estudo também afirmou que o novo coronavírus dificilmente teria evoluído no decorrer de experimentos laboratoriais específicos (a análise não considerou atentamente se um cientista que tenha coletado ou isolado um vírus natural possa tê-lo transmitido acidentalmente, hipótese em relação à qual não há nenhuma evidência direta).

Essas descobertas reforçaram a visão expressada em uma carta publicada na revista científica The Lancet em fevereiro de 2020, na qual cientistas, preocupados com a possibilidade das desconfianças a respeito da hipótese de vazamento de laboratório ameaçarem o compartilhamento de dados com a China, condenaram “teorias conspiratórias” a respeito de uma origem relacionada a essa hipótese.

Cientistas proeminentes podem ter se alinhado publicamente, mas o ex-presidente não compartilhava de seu ponto de vista. No fim de abril de 2020, Trump anunciou que havia analisado dados de inteligência que sustentavam a hipótese de vazamento de laboratório, mas que “não tinha permissão” para compartilhá-los. Pottinger disse não se recordar de ter informado Trump a respeito das origens do problema e que não sabia que o ex-presidente faria aquele comentário.

Os democratas mostraram pouca vontade de investigar as origens da pandemia. Da mesma maneira que as falas de Trump a respeito do “vírus chinês”, a sugestão dele sobre o vazamento de laboratório soou-lhes xenofobia e arriscava, segundo sua impressão, alimentar sentimento antiasiático. Eles confiaram em Fauci, que tinha afirmado que as evidências sugeriam firmemente que o vírus não tinha sido manipulado (posteriormente ele afirmou estar aberto à hipótese de acidente em laboratório). Eshoo disse que os comentários dele a fizeram duvidar das pessoas que aceitavam a teoria de vazamento de laboratório. “Pareceu-me que as coisas que o dr. Fauci sabia o levavam a acreditar em algo diferente”, afirmou Eshoo.

Mudando a cabeça dos democratas

Quando Biden venceu a eleição de 2020, alguns especialistas que pediam uma investigação mais completa da hipótese de vazamento de laboratório viram uma oportunidade para persuadir os democratas a considerá-la mais atentamente.

Em dezembro de 2020, Jamie Metzl, especialista em biossegurança e tecnologia do Atlantic Council, que trabalhou no governo de Bill Clinton, marcou um telefonema privado com Jake Sullivan, então prestes a assumir como conselheiro de segurança nacional. Metzl disse ter argumentado “que uma origem relacionada a pesquisa era uma possibilidade bastante real”.

Metzl juntou-se a um pequeno grupo, organizado por cientistas franceses e belgas, que afirmava que a hipótese do vazamento de laboratório não podia ser descartada. Os cientistas, afirmou ele, estavam com dificuldade para publicar cartas em revistas científicas. Com a ajuda de Metzl, o grupo publicou suas percepções em meios de comunicação de todo o planeta.

Aproximadamente na mesma época, em março de 2021, alguns virologistas se frustraram com um relatório muito aguardado a respeito das origens da pandemia assinado pela Organização Mundial da Saúde e a China.

O relatório não rastreava os casos até os pontos iniciais que os especialistas queriam. E classificava a hipótese do coronavírus ter sido levado a Wuhan em pacotes de comida congelada — um cenário improvável mas agradável à China porque ela poderia empurrar a culpa para fora de suas fronteiras — como mais possível do que um incidente em laboratório.

Ainda não havia evidência de algum vazamento de laboratório, mas tanta coisa continuava desconhecida — e a China parecia tão determinada em atrapalhar os caminhos para as respostas — que mais cientistas começaram a pedir uma consideração mais atenta.

Relman, de Stanford, organizou uma carta à revista Science com outros colegas proeminentes, incluindo Alina Chan, conselheira científica do Instituto Broad , em Cambridge, Massachusetts, e Jesse Bloom, virologista do Centro de Oncologia Fred Hutchinson, em Seattle.

Em agosto, Metzl ajudou a organizar uma reunião bipartidária de senadores para tratar da hipóteses de vazamento de laboratório, na qual Relman e Bloom falaram. “Eu saí da reunião com a mente muito mais aberta”, afirmou o senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut.

Dicas de mercado

Conforme os apoiadores da hipótese de vazamento de laboratório expunham seus argumentos no Congresso, o biólogo evolucionário Michael Worobey, da Universidade do Arizona, se preparou para testar essas alegações. Depois de investigar — e ajudar a desacreditar — uma teoria de que a aids vinha de vacinas contra pólio contaminadas, ele considerou que o vazamento de laboratório era possível e portanto assinou a carta publicada na Science.

Worobey afirmou que, primeiramente, encorajou a revista científica Nature a requerer que pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan disponibilizassem sequenciamentos genéticos de coronavírus anteriores que eles haviam relatado na publicação. O que fizeram pouco depois. Em maio de 2021, eles postaram um estudo descrevendo esses vírus, nenhum dos quais relacionado próximo o suficiente com o coronavírus da pandemia ao ponto de manipulação genética ser capaz de tê-lo produzido.

Em seguida, Worobey analisou os primeiros pacientes de covid conhecidos e constatou que um número desproporcional trabalhava no mercado ou tinha visitado o local.

Ao mesmo tempo, emergiram evidências de que mamíferos conhecidos por espalhar coronavírus — incluindo cães-guaxinins, que são mamíferos peludos, parentes das raposas — estavam sendo vendidos vivos no mercado de Huanan antes da pandemia. E em setembro de 2021, um estudo de coronavírus recentemente descobertos em morcegos do Laos mostrou que vírus que ocorrem naturalmente eram capazes de saltar para células humanas.

Novas informações a respeito do trabalho do Instituto de Virologia de Wuhan também intensificavam as preocupações relativas a um possível vazamento de laboratório, mesmo que provas contundentes de um incidente desse tipo continuassem não existindo.

Para os cientistas, os esforços do instituto em estudar coronavírus desconhecidos levantavam dúvidas a respeito do que mais os estudos teriam coletado. Essas dúvidas ficaram mais evidentes com as notícias do outono de 2021, de que a EcoHealth Alliance, uma instituição de pesquisa, havia buscado financiamento do Departamento de Defesa em 2018 para estabelecer uma parceria com o instituto de virologia em experimentos que  teriam alterado geneticamente vários tipos de coronavírus.

A proposta não foi financiada. Mas as preocupações alimentaram ataques dos republicanos contra o Fauci por seu instituto ter financiado outros projetos da EcoHealth e chamou atenção para a teoria de vazamento de laboratório.

O biólogo molecular Richard Ebright, da Universidade Rutgers, tinha argumentado publicamente que a hipótese do vazamento de laboratório deveria ser considerada e afirmou que ajudou assessores do Congresso a selecionar perguntas que o senador republicano Rand Paul queria fazer para Fauci em audiências futuras. E Relman afirmou que tentou ajudar republicanos da Comissão de Energia e Comércio da Câmara que estavam examinando a pesquisa a encontrar pontos em comum com os democratas.

As apurações no Congresso ganharam impulso mesmo enquanto a pesquisa de Worobey pendeu para a origem no mercado. Em fevereiro de 2022, ele e outros afirmaram que a ocorrência dos primeiros casos de covid em torno do mercado de  Huanan não podia se explicar simplesmente pelo acaso. Um segundo estudo da equipe, considerando a diversidade genética de vírus coletados no início da pandemia, também apontaram para o mercado.

Os estudos, publicados na revista Science, persuadiram muitos virologistas de que o notoriamente perigoso comércio de animais tinha, como em ocasiões anteriores na China, ocasionado um surto mortífero.

Mas alguns cientistas e legisladores continuam céticos. No Senado, assessores estão em uma investigação bipartidária de vários meses a respeito das origens da pandemia, incluindo a hipótese de vazamento de laboratório. O relatório resultante — que, sinalizando as persistentes divisões partidárias, foi apoiado apenas por republicanos — afirmou que riscos de segurança no Instituto de Virologia de Wuhan tornavam provável um vazamento de laboratório. Mas o texto não apresentou nenhuma prova direta sugerindo o que realmente aconteceu.

Semanas após a publicação do relatório, os republicanos conquistaram controle da Câmara.

Este mês, a nova Subcomissão da Câmara sobre a Pandemia de Coronavírus realizou sua primeira audiência para analisar as origens da covid. A teoria do mercado mal foi discutida.

Alguns cientistas consideraram a audiência parcial e repleta de imprecisões científicas. Ebright, contudo, viu uma oportunidade. Com os deputados republicanos liderando as audiências a respeito da covid e os democratas controlando o Senado por uma pequena margem, ele espera mobilizar o público para pressionar por audiências bipartidárias no Senado a respeito das origens da covid.

“O equilíbrio político está sobre o fio da navalha”, afirmou ele. “Uma quantidade muito pequena de ativismo poderia surtir impacto significativo.”

Outros cientistas, porém, afirmaram que a campanha dos proponentes da hipótese de vazamento de laboratório, longe de criar uma discussão mais aberta, ocasionou a ascensão de ataques tão virulentos que muitos pesquisadores estão relutantes em falar publicamente a respeito do assunto.

Os dados mais recentes relativos aos cães-guaxinins, que segundo virólogos acrescentam credibilidade à hipótese de origem no mercado, criaram uma nova pressão sobre a China pelo compartilhamento de informação que possa ligar a origem da covid a animais selvagens. Mas outros afirmam que as novas descobertas relacionadas ao mercado, assim como as anteriores, têm brechas.

“Preocupo-me bastante por estarmos nos debruçando sobre pedaços de informação incompleta e que não pode ser verificada”, afirmou Relman. Depois de anos de política polarizadora, Eshoo disse preferir que a investigação a respeito das origens da covid seja tirada do Congresso e entregue a um painel independente. “Política partidária e ciência é uma combinação tóxica”, disse ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON — Na primavera de 2021, com estudos a respeito das origens da pandemia de coronavírus sem chegar a nenhum lugar e o assunto emaranhado em amargas disputas políticas partidárias, o microbiologista David Relman, de Stanford, fez um pedido discreto à sua congressista. Ele disse para sua deputada, Anna Eshoo, que estava organizando uma carta assinada por cientistas proeminentes solicitando uma investigação aberta e independente a respeito das origens da covid-19, considerar também a hipótese de o coronavírus ter vazado de um laboratório em Wuhan, China. Relman queria saber se Eshoo apoiaria a ideia.

A projeção funcionou. Assim que a carta apareceu no website da prestigiada revista científica Science, Eshoo virou uma das primeiras democratas no Congresso a pedir uma investigação a respeito das origens da covid.

Era o prelúdio de uma maré de mudança política em relação ao assunto: semanas depois, o presidente Joe Biden ordenou uma análise de inteligência minuciosa a respeito de como a pandemia começou, que desde então chegou a conclusões ambíguas.

Instituto de Virologia de Wuhan, na China, recebeu a visita de uma equipe da Organização Mundial da Saúde Foto: REUTERS/Thomas Peter/File Photo

A história da caça pela origem da covid trata em parte da obstrução da China que deixou os cientistas sem evidências suficientes a respeito de um vírus que está em constante mutação. Apesar de todos os dados sugerindo que o coronavírus pode ter saltado de animais selvagens para os humanos em um mercado chinês, provas conclusivas permanecem fora de acesso, assim como evidências que indicariam se o vírus teria vazado de um laboratório.

Mas essa história é também a respeito de política e sobre como tanto democratas quanto republicanos filtraram as provas existentes através de suas lentes partidárias.

Alguns republicanos ficaram cada vez mais fixados na hipótese de vazamento de laboratório depois que o ex-presidente Donald Trump levantou a ideia nos meses iniciais da pandemia, apesar da pouca evidência que a sustentava. Isso tornou essa teoria tóxica para muitos democratas, que a consideravam um esforço de Trump no sentido de desviar a atenção dos fracassos de seu governo em conter a disseminação do vírus.

O intenso debate político, entrando em seu quarto ano, certas vezes transformou cientistas em lobistas em competição pelo tempo e o apoio dos formuladores de políticas. Relman é apenas um entre vários pesquisadores e pensadores de ideologia parecida que trabalharam nos corredores do poder em Washington para forçar jornalistas, formuladores de políticas e democratas céticos a considerar com seriedade a hipótese de vazamento de laboratório.

Mas o ímpeto político nem sempre se alinha com as evidências. Mesmo que a hipótese de um vazamento acidental de laboratório tenha ganhado fôlego em Washington, descobertas publicadas na semana passada fundamentaram mais a teoria do mercado. Analisando uma série de dados genéticos coletados em swabs no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan, no início de 2020, virologistas afirmaram ter encontrado amostras tanto do coronavírus quanto de cães-guaxinins comercializados ilegalmente. A descoberta, ainda que longe de conclusiva, apontou para um animal infectado.

Os novos dados do mercado sugerem que a China está ocultando evidências capazes de reformular o debate. Mas por agora, pelo menos, a hipótese de vazamento de laboratório parece prevalecer no tribunal da opinião pública: duas pesquisas recentes mostram que aproximadamente dois terços dos americanos acreditam que a pandemia de covid começou em um laboratório.

‘Teorias da conspiração’

Em janeiro de 2020, quando o vírus começou a circular em Wuhan, Matthew Pottinger, ex-subconselheiro de segurança nacional de Trump que tinha trabalhado como repórter na China, desenvolveu suspeitas a respeito do Instituto de Virologia de Wuhan, conhecido por sua pesquisa avançada com coronavírus encontrados em morcegos.

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Christopher Wray fez declaração em entrevista à rede americana Fox News, provocando uma reação diplomática de Pequim

Pottinger fez discretamente uma requisição formal solicitando que autoridades de inteligência investigassem o novo surto.

No ambiente polarizado de Washington, a ideia de que o coronavírus poderia ter surgido em um laboratório em Wuhan começava a ganhar força no debate público. No Capitólio, o senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, levantou a ideia em uma audiência do Senado e no Twitter.

Aproximadamente na mesma época, de acordo com e-mails revelados depois, alguns virologistas americanos disseram privadamente a autoridades de saúde, incluindo  Anthony Fauci, então diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que o coronavírus podia ter sido criado em um laboratório, mas que a hipótese requeria mais estudo.

Quando analisaram os dados, incluindo em relação a vírus que ocorrem naturalmente com características parecidas com a do novo coronavírus, eles concluíram o oposto. Em um estudo, eles afirmaram que o coronavírus “não é uma construção de laboratório nem um vírus manipulado propositalmente”.

O estudo também afirmou que o novo coronavírus dificilmente teria evoluído no decorrer de experimentos laboratoriais específicos (a análise não considerou atentamente se um cientista que tenha coletado ou isolado um vírus natural possa tê-lo transmitido acidentalmente, hipótese em relação à qual não há nenhuma evidência direta).

Essas descobertas reforçaram a visão expressada em uma carta publicada na revista científica The Lancet em fevereiro de 2020, na qual cientistas, preocupados com a possibilidade das desconfianças a respeito da hipótese de vazamento de laboratório ameaçarem o compartilhamento de dados com a China, condenaram “teorias conspiratórias” a respeito de uma origem relacionada a essa hipótese.

Cientistas proeminentes podem ter se alinhado publicamente, mas o ex-presidente não compartilhava de seu ponto de vista. No fim de abril de 2020, Trump anunciou que havia analisado dados de inteligência que sustentavam a hipótese de vazamento de laboratório, mas que “não tinha permissão” para compartilhá-los. Pottinger disse não se recordar de ter informado Trump a respeito das origens do problema e que não sabia que o ex-presidente faria aquele comentário.

Os democratas mostraram pouca vontade de investigar as origens da pandemia. Da mesma maneira que as falas de Trump a respeito do “vírus chinês”, a sugestão dele sobre o vazamento de laboratório soou-lhes xenofobia e arriscava, segundo sua impressão, alimentar sentimento antiasiático. Eles confiaram em Fauci, que tinha afirmado que as evidências sugeriam firmemente que o vírus não tinha sido manipulado (posteriormente ele afirmou estar aberto à hipótese de acidente em laboratório). Eshoo disse que os comentários dele a fizeram duvidar das pessoas que aceitavam a teoria de vazamento de laboratório. “Pareceu-me que as coisas que o dr. Fauci sabia o levavam a acreditar em algo diferente”, afirmou Eshoo.

Mudando a cabeça dos democratas

Quando Biden venceu a eleição de 2020, alguns especialistas que pediam uma investigação mais completa da hipótese de vazamento de laboratório viram uma oportunidade para persuadir os democratas a considerá-la mais atentamente.

Em dezembro de 2020, Jamie Metzl, especialista em biossegurança e tecnologia do Atlantic Council, que trabalhou no governo de Bill Clinton, marcou um telefonema privado com Jake Sullivan, então prestes a assumir como conselheiro de segurança nacional. Metzl disse ter argumentado “que uma origem relacionada a pesquisa era uma possibilidade bastante real”.

Metzl juntou-se a um pequeno grupo, organizado por cientistas franceses e belgas, que afirmava que a hipótese do vazamento de laboratório não podia ser descartada. Os cientistas, afirmou ele, estavam com dificuldade para publicar cartas em revistas científicas. Com a ajuda de Metzl, o grupo publicou suas percepções em meios de comunicação de todo o planeta.

Aproximadamente na mesma época, em março de 2021, alguns virologistas se frustraram com um relatório muito aguardado a respeito das origens da pandemia assinado pela Organização Mundial da Saúde e a China.

O relatório não rastreava os casos até os pontos iniciais que os especialistas queriam. E classificava a hipótese do coronavírus ter sido levado a Wuhan em pacotes de comida congelada — um cenário improvável mas agradável à China porque ela poderia empurrar a culpa para fora de suas fronteiras — como mais possível do que um incidente em laboratório.

Ainda não havia evidência de algum vazamento de laboratório, mas tanta coisa continuava desconhecida — e a China parecia tão determinada em atrapalhar os caminhos para as respostas — que mais cientistas começaram a pedir uma consideração mais atenta.

Relman, de Stanford, organizou uma carta à revista Science com outros colegas proeminentes, incluindo Alina Chan, conselheira científica do Instituto Broad , em Cambridge, Massachusetts, e Jesse Bloom, virologista do Centro de Oncologia Fred Hutchinson, em Seattle.

Em agosto, Metzl ajudou a organizar uma reunião bipartidária de senadores para tratar da hipóteses de vazamento de laboratório, na qual Relman e Bloom falaram. “Eu saí da reunião com a mente muito mais aberta”, afirmou o senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut.

Dicas de mercado

Conforme os apoiadores da hipótese de vazamento de laboratório expunham seus argumentos no Congresso, o biólogo evolucionário Michael Worobey, da Universidade do Arizona, se preparou para testar essas alegações. Depois de investigar — e ajudar a desacreditar — uma teoria de que a aids vinha de vacinas contra pólio contaminadas, ele considerou que o vazamento de laboratório era possível e portanto assinou a carta publicada na Science.

Worobey afirmou que, primeiramente, encorajou a revista científica Nature a requerer que pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan disponibilizassem sequenciamentos genéticos de coronavírus anteriores que eles haviam relatado na publicação. O que fizeram pouco depois. Em maio de 2021, eles postaram um estudo descrevendo esses vírus, nenhum dos quais relacionado próximo o suficiente com o coronavírus da pandemia ao ponto de manipulação genética ser capaz de tê-lo produzido.

Em seguida, Worobey analisou os primeiros pacientes de covid conhecidos e constatou que um número desproporcional trabalhava no mercado ou tinha visitado o local.

Ao mesmo tempo, emergiram evidências de que mamíferos conhecidos por espalhar coronavírus — incluindo cães-guaxinins, que são mamíferos peludos, parentes das raposas — estavam sendo vendidos vivos no mercado de Huanan antes da pandemia. E em setembro de 2021, um estudo de coronavírus recentemente descobertos em morcegos do Laos mostrou que vírus que ocorrem naturalmente eram capazes de saltar para células humanas.

Novas informações a respeito do trabalho do Instituto de Virologia de Wuhan também intensificavam as preocupações relativas a um possível vazamento de laboratório, mesmo que provas contundentes de um incidente desse tipo continuassem não existindo.

Para os cientistas, os esforços do instituto em estudar coronavírus desconhecidos levantavam dúvidas a respeito do que mais os estudos teriam coletado. Essas dúvidas ficaram mais evidentes com as notícias do outono de 2021, de que a EcoHealth Alliance, uma instituição de pesquisa, havia buscado financiamento do Departamento de Defesa em 2018 para estabelecer uma parceria com o instituto de virologia em experimentos que  teriam alterado geneticamente vários tipos de coronavírus.

A proposta não foi financiada. Mas as preocupações alimentaram ataques dos republicanos contra o Fauci por seu instituto ter financiado outros projetos da EcoHealth e chamou atenção para a teoria de vazamento de laboratório.

O biólogo molecular Richard Ebright, da Universidade Rutgers, tinha argumentado publicamente que a hipótese do vazamento de laboratório deveria ser considerada e afirmou que ajudou assessores do Congresso a selecionar perguntas que o senador republicano Rand Paul queria fazer para Fauci em audiências futuras. E Relman afirmou que tentou ajudar republicanos da Comissão de Energia e Comércio da Câmara que estavam examinando a pesquisa a encontrar pontos em comum com os democratas.

As apurações no Congresso ganharam impulso mesmo enquanto a pesquisa de Worobey pendeu para a origem no mercado. Em fevereiro de 2022, ele e outros afirmaram que a ocorrência dos primeiros casos de covid em torno do mercado de  Huanan não podia se explicar simplesmente pelo acaso. Um segundo estudo da equipe, considerando a diversidade genética de vírus coletados no início da pandemia, também apontaram para o mercado.

Os estudos, publicados na revista Science, persuadiram muitos virologistas de que o notoriamente perigoso comércio de animais tinha, como em ocasiões anteriores na China, ocasionado um surto mortífero.

Mas alguns cientistas e legisladores continuam céticos. No Senado, assessores estão em uma investigação bipartidária de vários meses a respeito das origens da pandemia, incluindo a hipótese de vazamento de laboratório. O relatório resultante — que, sinalizando as persistentes divisões partidárias, foi apoiado apenas por republicanos — afirmou que riscos de segurança no Instituto de Virologia de Wuhan tornavam provável um vazamento de laboratório. Mas o texto não apresentou nenhuma prova direta sugerindo o que realmente aconteceu.

Semanas após a publicação do relatório, os republicanos conquistaram controle da Câmara.

Este mês, a nova Subcomissão da Câmara sobre a Pandemia de Coronavírus realizou sua primeira audiência para analisar as origens da covid. A teoria do mercado mal foi discutida.

Alguns cientistas consideraram a audiência parcial e repleta de imprecisões científicas. Ebright, contudo, viu uma oportunidade. Com os deputados republicanos liderando as audiências a respeito da covid e os democratas controlando o Senado por uma pequena margem, ele espera mobilizar o público para pressionar por audiências bipartidárias no Senado a respeito das origens da covid.

“O equilíbrio político está sobre o fio da navalha”, afirmou ele. “Uma quantidade muito pequena de ativismo poderia surtir impacto significativo.”

Outros cientistas, porém, afirmaram que a campanha dos proponentes da hipótese de vazamento de laboratório, longe de criar uma discussão mais aberta, ocasionou a ascensão de ataques tão virulentos que muitos pesquisadores estão relutantes em falar publicamente a respeito do assunto.

Os dados mais recentes relativos aos cães-guaxinins, que segundo virólogos acrescentam credibilidade à hipótese de origem no mercado, criaram uma nova pressão sobre a China pelo compartilhamento de informação que possa ligar a origem da covid a animais selvagens. Mas outros afirmam que as novas descobertas relacionadas ao mercado, assim como as anteriores, têm brechas.

“Preocupo-me bastante por estarmos nos debruçando sobre pedaços de informação incompleta e que não pode ser verificada”, afirmou Relman. Depois de anos de política polarizadora, Eshoo disse preferir que a investigação a respeito das origens da covid seja tirada do Congresso e entregue a um painel independente. “Política partidária e ciência é uma combinação tóxica”, disse ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON — Na primavera de 2021, com estudos a respeito das origens da pandemia de coronavírus sem chegar a nenhum lugar e o assunto emaranhado em amargas disputas políticas partidárias, o microbiologista David Relman, de Stanford, fez um pedido discreto à sua congressista. Ele disse para sua deputada, Anna Eshoo, que estava organizando uma carta assinada por cientistas proeminentes solicitando uma investigação aberta e independente a respeito das origens da covid-19, considerar também a hipótese de o coronavírus ter vazado de um laboratório em Wuhan, China. Relman queria saber se Eshoo apoiaria a ideia.

A projeção funcionou. Assim que a carta apareceu no website da prestigiada revista científica Science, Eshoo virou uma das primeiras democratas no Congresso a pedir uma investigação a respeito das origens da covid.

Era o prelúdio de uma maré de mudança política em relação ao assunto: semanas depois, o presidente Joe Biden ordenou uma análise de inteligência minuciosa a respeito de como a pandemia começou, que desde então chegou a conclusões ambíguas.

Instituto de Virologia de Wuhan, na China, recebeu a visita de uma equipe da Organização Mundial da Saúde Foto: REUTERS/Thomas Peter/File Photo

A história da caça pela origem da covid trata em parte da obstrução da China que deixou os cientistas sem evidências suficientes a respeito de um vírus que está em constante mutação. Apesar de todos os dados sugerindo que o coronavírus pode ter saltado de animais selvagens para os humanos em um mercado chinês, provas conclusivas permanecem fora de acesso, assim como evidências que indicariam se o vírus teria vazado de um laboratório.

Mas essa história é também a respeito de política e sobre como tanto democratas quanto republicanos filtraram as provas existentes através de suas lentes partidárias.

Alguns republicanos ficaram cada vez mais fixados na hipótese de vazamento de laboratório depois que o ex-presidente Donald Trump levantou a ideia nos meses iniciais da pandemia, apesar da pouca evidência que a sustentava. Isso tornou essa teoria tóxica para muitos democratas, que a consideravam um esforço de Trump no sentido de desviar a atenção dos fracassos de seu governo em conter a disseminação do vírus.

O intenso debate político, entrando em seu quarto ano, certas vezes transformou cientistas em lobistas em competição pelo tempo e o apoio dos formuladores de políticas. Relman é apenas um entre vários pesquisadores e pensadores de ideologia parecida que trabalharam nos corredores do poder em Washington para forçar jornalistas, formuladores de políticas e democratas céticos a considerar com seriedade a hipótese de vazamento de laboratório.

Mas o ímpeto político nem sempre se alinha com as evidências. Mesmo que a hipótese de um vazamento acidental de laboratório tenha ganhado fôlego em Washington, descobertas publicadas na semana passada fundamentaram mais a teoria do mercado. Analisando uma série de dados genéticos coletados em swabs no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan, no início de 2020, virologistas afirmaram ter encontrado amostras tanto do coronavírus quanto de cães-guaxinins comercializados ilegalmente. A descoberta, ainda que longe de conclusiva, apontou para um animal infectado.

Os novos dados do mercado sugerem que a China está ocultando evidências capazes de reformular o debate. Mas por agora, pelo menos, a hipótese de vazamento de laboratório parece prevalecer no tribunal da opinião pública: duas pesquisas recentes mostram que aproximadamente dois terços dos americanos acreditam que a pandemia de covid começou em um laboratório.

‘Teorias da conspiração’

Em janeiro de 2020, quando o vírus começou a circular em Wuhan, Matthew Pottinger, ex-subconselheiro de segurança nacional de Trump que tinha trabalhado como repórter na China, desenvolveu suspeitas a respeito do Instituto de Virologia de Wuhan, conhecido por sua pesquisa avançada com coronavírus encontrados em morcegos.

Seu navegador não suporta esse video.

Christopher Wray fez declaração em entrevista à rede americana Fox News, provocando uma reação diplomática de Pequim

Pottinger fez discretamente uma requisição formal solicitando que autoridades de inteligência investigassem o novo surto.

No ambiente polarizado de Washington, a ideia de que o coronavírus poderia ter surgido em um laboratório em Wuhan começava a ganhar força no debate público. No Capitólio, o senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, levantou a ideia em uma audiência do Senado e no Twitter.

Aproximadamente na mesma época, de acordo com e-mails revelados depois, alguns virologistas americanos disseram privadamente a autoridades de saúde, incluindo  Anthony Fauci, então diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que o coronavírus podia ter sido criado em um laboratório, mas que a hipótese requeria mais estudo.

Quando analisaram os dados, incluindo em relação a vírus que ocorrem naturalmente com características parecidas com a do novo coronavírus, eles concluíram o oposto. Em um estudo, eles afirmaram que o coronavírus “não é uma construção de laboratório nem um vírus manipulado propositalmente”.

O estudo também afirmou que o novo coronavírus dificilmente teria evoluído no decorrer de experimentos laboratoriais específicos (a análise não considerou atentamente se um cientista que tenha coletado ou isolado um vírus natural possa tê-lo transmitido acidentalmente, hipótese em relação à qual não há nenhuma evidência direta).

Essas descobertas reforçaram a visão expressada em uma carta publicada na revista científica The Lancet em fevereiro de 2020, na qual cientistas, preocupados com a possibilidade das desconfianças a respeito da hipótese de vazamento de laboratório ameaçarem o compartilhamento de dados com a China, condenaram “teorias conspiratórias” a respeito de uma origem relacionada a essa hipótese.

Cientistas proeminentes podem ter se alinhado publicamente, mas o ex-presidente não compartilhava de seu ponto de vista. No fim de abril de 2020, Trump anunciou que havia analisado dados de inteligência que sustentavam a hipótese de vazamento de laboratório, mas que “não tinha permissão” para compartilhá-los. Pottinger disse não se recordar de ter informado Trump a respeito das origens do problema e que não sabia que o ex-presidente faria aquele comentário.

Os democratas mostraram pouca vontade de investigar as origens da pandemia. Da mesma maneira que as falas de Trump a respeito do “vírus chinês”, a sugestão dele sobre o vazamento de laboratório soou-lhes xenofobia e arriscava, segundo sua impressão, alimentar sentimento antiasiático. Eles confiaram em Fauci, que tinha afirmado que as evidências sugeriam firmemente que o vírus não tinha sido manipulado (posteriormente ele afirmou estar aberto à hipótese de acidente em laboratório). Eshoo disse que os comentários dele a fizeram duvidar das pessoas que aceitavam a teoria de vazamento de laboratório. “Pareceu-me que as coisas que o dr. Fauci sabia o levavam a acreditar em algo diferente”, afirmou Eshoo.

Mudando a cabeça dos democratas

Quando Biden venceu a eleição de 2020, alguns especialistas que pediam uma investigação mais completa da hipótese de vazamento de laboratório viram uma oportunidade para persuadir os democratas a considerá-la mais atentamente.

Em dezembro de 2020, Jamie Metzl, especialista em biossegurança e tecnologia do Atlantic Council, que trabalhou no governo de Bill Clinton, marcou um telefonema privado com Jake Sullivan, então prestes a assumir como conselheiro de segurança nacional. Metzl disse ter argumentado “que uma origem relacionada a pesquisa era uma possibilidade bastante real”.

Metzl juntou-se a um pequeno grupo, organizado por cientistas franceses e belgas, que afirmava que a hipótese do vazamento de laboratório não podia ser descartada. Os cientistas, afirmou ele, estavam com dificuldade para publicar cartas em revistas científicas. Com a ajuda de Metzl, o grupo publicou suas percepções em meios de comunicação de todo o planeta.

Aproximadamente na mesma época, em março de 2021, alguns virologistas se frustraram com um relatório muito aguardado a respeito das origens da pandemia assinado pela Organização Mundial da Saúde e a China.

O relatório não rastreava os casos até os pontos iniciais que os especialistas queriam. E classificava a hipótese do coronavírus ter sido levado a Wuhan em pacotes de comida congelada — um cenário improvável mas agradável à China porque ela poderia empurrar a culpa para fora de suas fronteiras — como mais possível do que um incidente em laboratório.

Ainda não havia evidência de algum vazamento de laboratório, mas tanta coisa continuava desconhecida — e a China parecia tão determinada em atrapalhar os caminhos para as respostas — que mais cientistas começaram a pedir uma consideração mais atenta.

Relman, de Stanford, organizou uma carta à revista Science com outros colegas proeminentes, incluindo Alina Chan, conselheira científica do Instituto Broad , em Cambridge, Massachusetts, e Jesse Bloom, virologista do Centro de Oncologia Fred Hutchinson, em Seattle.

Em agosto, Metzl ajudou a organizar uma reunião bipartidária de senadores para tratar da hipóteses de vazamento de laboratório, na qual Relman e Bloom falaram. “Eu saí da reunião com a mente muito mais aberta”, afirmou o senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut.

Dicas de mercado

Conforme os apoiadores da hipótese de vazamento de laboratório expunham seus argumentos no Congresso, o biólogo evolucionário Michael Worobey, da Universidade do Arizona, se preparou para testar essas alegações. Depois de investigar — e ajudar a desacreditar — uma teoria de que a aids vinha de vacinas contra pólio contaminadas, ele considerou que o vazamento de laboratório era possível e portanto assinou a carta publicada na Science.

Worobey afirmou que, primeiramente, encorajou a revista científica Nature a requerer que pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan disponibilizassem sequenciamentos genéticos de coronavírus anteriores que eles haviam relatado na publicação. O que fizeram pouco depois. Em maio de 2021, eles postaram um estudo descrevendo esses vírus, nenhum dos quais relacionado próximo o suficiente com o coronavírus da pandemia ao ponto de manipulação genética ser capaz de tê-lo produzido.

Em seguida, Worobey analisou os primeiros pacientes de covid conhecidos e constatou que um número desproporcional trabalhava no mercado ou tinha visitado o local.

Ao mesmo tempo, emergiram evidências de que mamíferos conhecidos por espalhar coronavírus — incluindo cães-guaxinins, que são mamíferos peludos, parentes das raposas — estavam sendo vendidos vivos no mercado de Huanan antes da pandemia. E em setembro de 2021, um estudo de coronavírus recentemente descobertos em morcegos do Laos mostrou que vírus que ocorrem naturalmente eram capazes de saltar para células humanas.

Novas informações a respeito do trabalho do Instituto de Virologia de Wuhan também intensificavam as preocupações relativas a um possível vazamento de laboratório, mesmo que provas contundentes de um incidente desse tipo continuassem não existindo.

Para os cientistas, os esforços do instituto em estudar coronavírus desconhecidos levantavam dúvidas a respeito do que mais os estudos teriam coletado. Essas dúvidas ficaram mais evidentes com as notícias do outono de 2021, de que a EcoHealth Alliance, uma instituição de pesquisa, havia buscado financiamento do Departamento de Defesa em 2018 para estabelecer uma parceria com o instituto de virologia em experimentos que  teriam alterado geneticamente vários tipos de coronavírus.

A proposta não foi financiada. Mas as preocupações alimentaram ataques dos republicanos contra o Fauci por seu instituto ter financiado outros projetos da EcoHealth e chamou atenção para a teoria de vazamento de laboratório.

O biólogo molecular Richard Ebright, da Universidade Rutgers, tinha argumentado publicamente que a hipótese do vazamento de laboratório deveria ser considerada e afirmou que ajudou assessores do Congresso a selecionar perguntas que o senador republicano Rand Paul queria fazer para Fauci em audiências futuras. E Relman afirmou que tentou ajudar republicanos da Comissão de Energia e Comércio da Câmara que estavam examinando a pesquisa a encontrar pontos em comum com os democratas.

As apurações no Congresso ganharam impulso mesmo enquanto a pesquisa de Worobey pendeu para a origem no mercado. Em fevereiro de 2022, ele e outros afirmaram que a ocorrência dos primeiros casos de covid em torno do mercado de  Huanan não podia se explicar simplesmente pelo acaso. Um segundo estudo da equipe, considerando a diversidade genética de vírus coletados no início da pandemia, também apontaram para o mercado.

Os estudos, publicados na revista Science, persuadiram muitos virologistas de que o notoriamente perigoso comércio de animais tinha, como em ocasiões anteriores na China, ocasionado um surto mortífero.

Mas alguns cientistas e legisladores continuam céticos. No Senado, assessores estão em uma investigação bipartidária de vários meses a respeito das origens da pandemia, incluindo a hipótese de vazamento de laboratório. O relatório resultante — que, sinalizando as persistentes divisões partidárias, foi apoiado apenas por republicanos — afirmou que riscos de segurança no Instituto de Virologia de Wuhan tornavam provável um vazamento de laboratório. Mas o texto não apresentou nenhuma prova direta sugerindo o que realmente aconteceu.

Semanas após a publicação do relatório, os republicanos conquistaram controle da Câmara.

Este mês, a nova Subcomissão da Câmara sobre a Pandemia de Coronavírus realizou sua primeira audiência para analisar as origens da covid. A teoria do mercado mal foi discutida.

Alguns cientistas consideraram a audiência parcial e repleta de imprecisões científicas. Ebright, contudo, viu uma oportunidade. Com os deputados republicanos liderando as audiências a respeito da covid e os democratas controlando o Senado por uma pequena margem, ele espera mobilizar o público para pressionar por audiências bipartidárias no Senado a respeito das origens da covid.

“O equilíbrio político está sobre o fio da navalha”, afirmou ele. “Uma quantidade muito pequena de ativismo poderia surtir impacto significativo.”

Outros cientistas, porém, afirmaram que a campanha dos proponentes da hipótese de vazamento de laboratório, longe de criar uma discussão mais aberta, ocasionou a ascensão de ataques tão virulentos que muitos pesquisadores estão relutantes em falar publicamente a respeito do assunto.

Os dados mais recentes relativos aos cães-guaxinins, que segundo virólogos acrescentam credibilidade à hipótese de origem no mercado, criaram uma nova pressão sobre a China pelo compartilhamento de informação que possa ligar a origem da covid a animais selvagens. Mas outros afirmam que as novas descobertas relacionadas ao mercado, assim como as anteriores, têm brechas.

“Preocupo-me bastante por estarmos nos debruçando sobre pedaços de informação incompleta e que não pode ser verificada”, afirmou Relman. Depois de anos de política polarizadora, Eshoo disse preferir que a investigação a respeito das origens da covid seja tirada do Congresso e entregue a um painel independente. “Política partidária e ciência é uma combinação tóxica”, disse ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON — Na primavera de 2021, com estudos a respeito das origens da pandemia de coronavírus sem chegar a nenhum lugar e o assunto emaranhado em amargas disputas políticas partidárias, o microbiologista David Relman, de Stanford, fez um pedido discreto à sua congressista. Ele disse para sua deputada, Anna Eshoo, que estava organizando uma carta assinada por cientistas proeminentes solicitando uma investigação aberta e independente a respeito das origens da covid-19, considerar também a hipótese de o coronavírus ter vazado de um laboratório em Wuhan, China. Relman queria saber se Eshoo apoiaria a ideia.

A projeção funcionou. Assim que a carta apareceu no website da prestigiada revista científica Science, Eshoo virou uma das primeiras democratas no Congresso a pedir uma investigação a respeito das origens da covid.

Era o prelúdio de uma maré de mudança política em relação ao assunto: semanas depois, o presidente Joe Biden ordenou uma análise de inteligência minuciosa a respeito de como a pandemia começou, que desde então chegou a conclusões ambíguas.

Instituto de Virologia de Wuhan, na China, recebeu a visita de uma equipe da Organização Mundial da Saúde Foto: REUTERS/Thomas Peter/File Photo

A história da caça pela origem da covid trata em parte da obstrução da China que deixou os cientistas sem evidências suficientes a respeito de um vírus que está em constante mutação. Apesar de todos os dados sugerindo que o coronavírus pode ter saltado de animais selvagens para os humanos em um mercado chinês, provas conclusivas permanecem fora de acesso, assim como evidências que indicariam se o vírus teria vazado de um laboratório.

Mas essa história é também a respeito de política e sobre como tanto democratas quanto republicanos filtraram as provas existentes através de suas lentes partidárias.

Alguns republicanos ficaram cada vez mais fixados na hipótese de vazamento de laboratório depois que o ex-presidente Donald Trump levantou a ideia nos meses iniciais da pandemia, apesar da pouca evidência que a sustentava. Isso tornou essa teoria tóxica para muitos democratas, que a consideravam um esforço de Trump no sentido de desviar a atenção dos fracassos de seu governo em conter a disseminação do vírus.

O intenso debate político, entrando em seu quarto ano, certas vezes transformou cientistas em lobistas em competição pelo tempo e o apoio dos formuladores de políticas. Relman é apenas um entre vários pesquisadores e pensadores de ideologia parecida que trabalharam nos corredores do poder em Washington para forçar jornalistas, formuladores de políticas e democratas céticos a considerar com seriedade a hipótese de vazamento de laboratório.

Mas o ímpeto político nem sempre se alinha com as evidências. Mesmo que a hipótese de um vazamento acidental de laboratório tenha ganhado fôlego em Washington, descobertas publicadas na semana passada fundamentaram mais a teoria do mercado. Analisando uma série de dados genéticos coletados em swabs no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan, no início de 2020, virologistas afirmaram ter encontrado amostras tanto do coronavírus quanto de cães-guaxinins comercializados ilegalmente. A descoberta, ainda que longe de conclusiva, apontou para um animal infectado.

Os novos dados do mercado sugerem que a China está ocultando evidências capazes de reformular o debate. Mas por agora, pelo menos, a hipótese de vazamento de laboratório parece prevalecer no tribunal da opinião pública: duas pesquisas recentes mostram que aproximadamente dois terços dos americanos acreditam que a pandemia de covid começou em um laboratório.

‘Teorias da conspiração’

Em janeiro de 2020, quando o vírus começou a circular em Wuhan, Matthew Pottinger, ex-subconselheiro de segurança nacional de Trump que tinha trabalhado como repórter na China, desenvolveu suspeitas a respeito do Instituto de Virologia de Wuhan, conhecido por sua pesquisa avançada com coronavírus encontrados em morcegos.

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Christopher Wray fez declaração em entrevista à rede americana Fox News, provocando uma reação diplomática de Pequim

Pottinger fez discretamente uma requisição formal solicitando que autoridades de inteligência investigassem o novo surto.

No ambiente polarizado de Washington, a ideia de que o coronavírus poderia ter surgido em um laboratório em Wuhan começava a ganhar força no debate público. No Capitólio, o senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, levantou a ideia em uma audiência do Senado e no Twitter.

Aproximadamente na mesma época, de acordo com e-mails revelados depois, alguns virologistas americanos disseram privadamente a autoridades de saúde, incluindo  Anthony Fauci, então diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que o coronavírus podia ter sido criado em um laboratório, mas que a hipótese requeria mais estudo.

Quando analisaram os dados, incluindo em relação a vírus que ocorrem naturalmente com características parecidas com a do novo coronavírus, eles concluíram o oposto. Em um estudo, eles afirmaram que o coronavírus “não é uma construção de laboratório nem um vírus manipulado propositalmente”.

O estudo também afirmou que o novo coronavírus dificilmente teria evoluído no decorrer de experimentos laboratoriais específicos (a análise não considerou atentamente se um cientista que tenha coletado ou isolado um vírus natural possa tê-lo transmitido acidentalmente, hipótese em relação à qual não há nenhuma evidência direta).

Essas descobertas reforçaram a visão expressada em uma carta publicada na revista científica The Lancet em fevereiro de 2020, na qual cientistas, preocupados com a possibilidade das desconfianças a respeito da hipótese de vazamento de laboratório ameaçarem o compartilhamento de dados com a China, condenaram “teorias conspiratórias” a respeito de uma origem relacionada a essa hipótese.

Cientistas proeminentes podem ter se alinhado publicamente, mas o ex-presidente não compartilhava de seu ponto de vista. No fim de abril de 2020, Trump anunciou que havia analisado dados de inteligência que sustentavam a hipótese de vazamento de laboratório, mas que “não tinha permissão” para compartilhá-los. Pottinger disse não se recordar de ter informado Trump a respeito das origens do problema e que não sabia que o ex-presidente faria aquele comentário.

Os democratas mostraram pouca vontade de investigar as origens da pandemia. Da mesma maneira que as falas de Trump a respeito do “vírus chinês”, a sugestão dele sobre o vazamento de laboratório soou-lhes xenofobia e arriscava, segundo sua impressão, alimentar sentimento antiasiático. Eles confiaram em Fauci, que tinha afirmado que as evidências sugeriam firmemente que o vírus não tinha sido manipulado (posteriormente ele afirmou estar aberto à hipótese de acidente em laboratório). Eshoo disse que os comentários dele a fizeram duvidar das pessoas que aceitavam a teoria de vazamento de laboratório. “Pareceu-me que as coisas que o dr. Fauci sabia o levavam a acreditar em algo diferente”, afirmou Eshoo.

Mudando a cabeça dos democratas

Quando Biden venceu a eleição de 2020, alguns especialistas que pediam uma investigação mais completa da hipótese de vazamento de laboratório viram uma oportunidade para persuadir os democratas a considerá-la mais atentamente.

Em dezembro de 2020, Jamie Metzl, especialista em biossegurança e tecnologia do Atlantic Council, que trabalhou no governo de Bill Clinton, marcou um telefonema privado com Jake Sullivan, então prestes a assumir como conselheiro de segurança nacional. Metzl disse ter argumentado “que uma origem relacionada a pesquisa era uma possibilidade bastante real”.

Metzl juntou-se a um pequeno grupo, organizado por cientistas franceses e belgas, que afirmava que a hipótese do vazamento de laboratório não podia ser descartada. Os cientistas, afirmou ele, estavam com dificuldade para publicar cartas em revistas científicas. Com a ajuda de Metzl, o grupo publicou suas percepções em meios de comunicação de todo o planeta.

Aproximadamente na mesma época, em março de 2021, alguns virologistas se frustraram com um relatório muito aguardado a respeito das origens da pandemia assinado pela Organização Mundial da Saúde e a China.

O relatório não rastreava os casos até os pontos iniciais que os especialistas queriam. E classificava a hipótese do coronavírus ter sido levado a Wuhan em pacotes de comida congelada — um cenário improvável mas agradável à China porque ela poderia empurrar a culpa para fora de suas fronteiras — como mais possível do que um incidente em laboratório.

Ainda não havia evidência de algum vazamento de laboratório, mas tanta coisa continuava desconhecida — e a China parecia tão determinada em atrapalhar os caminhos para as respostas — que mais cientistas começaram a pedir uma consideração mais atenta.

Relman, de Stanford, organizou uma carta à revista Science com outros colegas proeminentes, incluindo Alina Chan, conselheira científica do Instituto Broad , em Cambridge, Massachusetts, e Jesse Bloom, virologista do Centro de Oncologia Fred Hutchinson, em Seattle.

Em agosto, Metzl ajudou a organizar uma reunião bipartidária de senadores para tratar da hipóteses de vazamento de laboratório, na qual Relman e Bloom falaram. “Eu saí da reunião com a mente muito mais aberta”, afirmou o senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut.

Dicas de mercado

Conforme os apoiadores da hipótese de vazamento de laboratório expunham seus argumentos no Congresso, o biólogo evolucionário Michael Worobey, da Universidade do Arizona, se preparou para testar essas alegações. Depois de investigar — e ajudar a desacreditar — uma teoria de que a aids vinha de vacinas contra pólio contaminadas, ele considerou que o vazamento de laboratório era possível e portanto assinou a carta publicada na Science.

Worobey afirmou que, primeiramente, encorajou a revista científica Nature a requerer que pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan disponibilizassem sequenciamentos genéticos de coronavírus anteriores que eles haviam relatado na publicação. O que fizeram pouco depois. Em maio de 2021, eles postaram um estudo descrevendo esses vírus, nenhum dos quais relacionado próximo o suficiente com o coronavírus da pandemia ao ponto de manipulação genética ser capaz de tê-lo produzido.

Em seguida, Worobey analisou os primeiros pacientes de covid conhecidos e constatou que um número desproporcional trabalhava no mercado ou tinha visitado o local.

Ao mesmo tempo, emergiram evidências de que mamíferos conhecidos por espalhar coronavírus — incluindo cães-guaxinins, que são mamíferos peludos, parentes das raposas — estavam sendo vendidos vivos no mercado de Huanan antes da pandemia. E em setembro de 2021, um estudo de coronavírus recentemente descobertos em morcegos do Laos mostrou que vírus que ocorrem naturalmente eram capazes de saltar para células humanas.

Novas informações a respeito do trabalho do Instituto de Virologia de Wuhan também intensificavam as preocupações relativas a um possível vazamento de laboratório, mesmo que provas contundentes de um incidente desse tipo continuassem não existindo.

Para os cientistas, os esforços do instituto em estudar coronavírus desconhecidos levantavam dúvidas a respeito do que mais os estudos teriam coletado. Essas dúvidas ficaram mais evidentes com as notícias do outono de 2021, de que a EcoHealth Alliance, uma instituição de pesquisa, havia buscado financiamento do Departamento de Defesa em 2018 para estabelecer uma parceria com o instituto de virologia em experimentos que  teriam alterado geneticamente vários tipos de coronavírus.

A proposta não foi financiada. Mas as preocupações alimentaram ataques dos republicanos contra o Fauci por seu instituto ter financiado outros projetos da EcoHealth e chamou atenção para a teoria de vazamento de laboratório.

O biólogo molecular Richard Ebright, da Universidade Rutgers, tinha argumentado publicamente que a hipótese do vazamento de laboratório deveria ser considerada e afirmou que ajudou assessores do Congresso a selecionar perguntas que o senador republicano Rand Paul queria fazer para Fauci em audiências futuras. E Relman afirmou que tentou ajudar republicanos da Comissão de Energia e Comércio da Câmara que estavam examinando a pesquisa a encontrar pontos em comum com os democratas.

As apurações no Congresso ganharam impulso mesmo enquanto a pesquisa de Worobey pendeu para a origem no mercado. Em fevereiro de 2022, ele e outros afirmaram que a ocorrência dos primeiros casos de covid em torno do mercado de  Huanan não podia se explicar simplesmente pelo acaso. Um segundo estudo da equipe, considerando a diversidade genética de vírus coletados no início da pandemia, também apontaram para o mercado.

Os estudos, publicados na revista Science, persuadiram muitos virologistas de que o notoriamente perigoso comércio de animais tinha, como em ocasiões anteriores na China, ocasionado um surto mortífero.

Mas alguns cientistas e legisladores continuam céticos. No Senado, assessores estão em uma investigação bipartidária de vários meses a respeito das origens da pandemia, incluindo a hipótese de vazamento de laboratório. O relatório resultante — que, sinalizando as persistentes divisões partidárias, foi apoiado apenas por republicanos — afirmou que riscos de segurança no Instituto de Virologia de Wuhan tornavam provável um vazamento de laboratório. Mas o texto não apresentou nenhuma prova direta sugerindo o que realmente aconteceu.

Semanas após a publicação do relatório, os republicanos conquistaram controle da Câmara.

Este mês, a nova Subcomissão da Câmara sobre a Pandemia de Coronavírus realizou sua primeira audiência para analisar as origens da covid. A teoria do mercado mal foi discutida.

Alguns cientistas consideraram a audiência parcial e repleta de imprecisões científicas. Ebright, contudo, viu uma oportunidade. Com os deputados republicanos liderando as audiências a respeito da covid e os democratas controlando o Senado por uma pequena margem, ele espera mobilizar o público para pressionar por audiências bipartidárias no Senado a respeito das origens da covid.

“O equilíbrio político está sobre o fio da navalha”, afirmou ele. “Uma quantidade muito pequena de ativismo poderia surtir impacto significativo.”

Outros cientistas, porém, afirmaram que a campanha dos proponentes da hipótese de vazamento de laboratório, longe de criar uma discussão mais aberta, ocasionou a ascensão de ataques tão virulentos que muitos pesquisadores estão relutantes em falar publicamente a respeito do assunto.

Os dados mais recentes relativos aos cães-guaxinins, que segundo virólogos acrescentam credibilidade à hipótese de origem no mercado, criaram uma nova pressão sobre a China pelo compartilhamento de informação que possa ligar a origem da covid a animais selvagens. Mas outros afirmam que as novas descobertas relacionadas ao mercado, assim como as anteriores, têm brechas.

“Preocupo-me bastante por estarmos nos debruçando sobre pedaços de informação incompleta e que não pode ser verificada”, afirmou Relman. Depois de anos de política polarizadora, Eshoo disse preferir que a investigação a respeito das origens da covid seja tirada do Congresso e entregue a um painel independente. “Política partidária e ciência é uma combinação tóxica”, disse ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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