Como a reforma do Judiciário em Israel aumenta a polarização no país


Opositores da reforma do judiciário israelense protestam há 36 semanas contra o projeto; defensores da reforma argumentam que redução dos poderes da Suprema Corte pode melhorar a democracia e facilitar a realização da agenda do governo eleito

Por Daniel Gateno

Israel vive um dos momentos de maior polarização em seus 75 anos de história. Com um país dividido por conta de uma proposta de reforma do judiciário e manifestantes que se organizam para protestar de forma consecutiva há 36 semanas, a coalizão do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, segue firme com o seu plano de propostas para redesenhar os poderes da Suprema Corte após aprovar o fim da chamada “clausula de razoabilidade” no mês de julho.

Enquanto a oposição afirma que a Suprema Corte de Israel contribui para o sistema de freios e contrapesos no país e teme que a reforma signifique uma diminuição no nível democrático do país, os que defendem a reforma, apontam que o poder acumulado pelo judiciário israelense não permite que o governo aplique propriamente a agenda pela qual foi eleito.

Com uma coalizão formada por partidos extremistas e religiosos, Netanyahu deseja avançar para aprovar o restante do pacote de reformas após o recesso da Knesset (Parlamento), em outubro.

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Manifestantes protestam contra a reforma do judiciário em Tel Aviv, Israel  Foto: Gital Palti / Reuters

Apesar dos protestos que chegaram a contar com mais de 100 mil pessoas na sede do Poder Legislativo em Jerusalém, e com o apoio de diversos setores da sociedade israelense, as críticas ao poder da Suprema Corte israelense já são de longa data e ocorreram por políticos de diversos espectros.

Para Abraham Shalev, advogado especialista em direito público e pesquisador da Kohelet Policy Forum, think-thank israelense e conservador que apoiou a reforma no judiciário desde os primeiros esboços do projeto de Netanyahu, as mudanças no poder da Suprema Corte são importantes para que a coalizão eleita consiga governar propriamente.

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“A questão que está em jogo aqui é que nos últimos 30 anos ou mais a corte está ganhando cada vez mais poder, restringindo os direitos políticos dos cidadãos de Israel”. apontou Shalev.

Leis Básicas

A discussão sobre a reforma do judiciário passa pelo fato de Israel não ter uma constituição como no Brasil. Quando o país foi criado, em 1948, uma série de leis foram feitas como parte de um projeto para que Israel tivesse uma constituição no futuro. As chamadas “Leis Básicas” funcionam como um ordenamento jurídico do país que vão de atribuições de políticos até de direitos individuais. O Parlamento israelense legisla com base nessas leis, assim como as decisões da Suprema Corte.

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Para os defensores da reforma no judiciário israelense, os questionamentos começaram após a aprovação na Knesset da chamada Lei Básica da Dignidade e Liberdade em 1992. De acordo com o texto desta Lei Básica, “os direitos humanos básicos em Israel são baseados no reconhecimento do valor do ser humano, a santidade de sua vida e seu direito de ser uma pessoa livre e devem ser apoiados no espírito dos princípios da Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel”.

“Essa foi a primeira Lei Básica que tratava de direitos humanos. Mas os parlamentares deixaram claro que esta lei não dava à Suprema Corte o direito de derrubar uma lei e que a aprovação de mais uma Lei Básica não significava que Israel tinha uma constituição”, ponderou o pesquisador da Kohelet Policy Forum.

Primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete ministerial em Jerusalém  Foto: Abir Sultan/ AP
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Após a aprovação da nova Lei Básica, o então presidente da Suprema Corte israelense Aharon Barak afirmou que uma “revolução constitucional” havia ocorrido no país do Oriente Médio. Defensores da reforma apontam que desde então a Suprema Corte tem barrado leis com a justificativa de proteção dos direitos humanos, prática que não havia sido atribuída pelo Parlamento à Corte na época da chancela da Lei Básica.

O que foi aprovado

Em julho, a Knesset aprovou parte da reforma do Judiciário que limita a capacidade da Suprema Corte de anular decisões tomadas pelo governo. Esta parte da reforma modifica uma Lei Básica de Israel, que permitia que a Suprema Corte bloqueasse as decisões tomadas pelo primeiro-ministro pelo padrão da “razoabilidade”.

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Os juízes costumavam usar este instrumento jurídico para bloquear nomeações ministeriais e contestar decisões de planejamento, entre outras medidas do governo.

Com uma coalizão de 64 parlamentares de 120 que compõem a Knesset, a primeira parte da reforma foi aprovada por 64 a zero, após a saída da oposição durante a votação.

O líder da oposição no Parlamento israelense e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, participa de manifestação contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Nir Elias/Reuters
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Para o cientista político e presidente executivo da StandWithus Brasil, André Lajst, a reforma foi aprovada neste momento por conta de uma oportunidade política da coalizão de Netanyahu. “Não tem nenhum partido de centro ou de esquerda dentro da coalizão para fazer objeções ou impedir essa reforma de acontecer, então eles avaliam que o momento de fazer isso é agora”.

“Essa discussão sobre o aumento dessa capacidade que o Supremo tem de intervir no executivo é antiga. Para alguns o Supremo faz parte de um freio e contrapeso para o outro, mas existe um outro lado de quem pensa que o judiciário não deveria ter um poder tão forte de interferência no executivo e por isso essa reforma faria sentido”, pondera Lajst.

Para Shalev, a reforma vai fortalecer a democracia israelense e dar mais voz aos eleitores. “A reforma não torna Israel um país menos democrático. Se o próximo governo quiser acabar com essa reforma, isso vai acontecer. Então quem critica a reforma pode dizer no máximo que é uma lei ruim, mas não que a democracia israelense vai acabar”, aponta Shalev.

Suprema Corte

Após a aprovação da primeira parte do pacote de reformas, a Suprema Corte começou a julgar a legalidade da reforma do judiciário na terça-feira, 12. A Corte ouviu petições por mais de 13 horas e teve o comparecimento dos 15 juízes.

Um editorial do jornal israelense Haaretz chamou o julgamento de “o mais importante do Supremo Tribunal na história de Israel”, mas ainda não é claro se o governo irá respeitar a decisão da Corte. Uma decisão dos juízes não é esperada dentro de alguns meses.

Enquanto a Suprema Corte não finaliza o julgamento, a Corte não proibiu a medida de entrar em vigor durante o julgamento.

Todos os 15 membros da Suprema Corte de Israel ouvem na terça-feira argumentos sobre a reforma judicial Foto: Debbie Hill/UPI/Pool/AP

Outras partes da reforma

Além da abolição da clausula da razoabilidade, o governo Netanyahu pretende continuar votando as outras partes da reforma do judiciário israelense, apesar da forte oposição ao projeto.

De acordo com a proposta, os poderes da Suprema Corte de revisar ou rejeitar leis seriam enfraquecidos, permitindo que uma maioria simples na Knesset (61 parlamentares de 120) anule estas decisões. Atualmente o governo de Netanyahu conta com 64 parlamentares em sua coalizão. Desde que a Lei Básica da Dignidade e Liberdade foi aprovada em 1992, a Suprema Corte invalidou 22 legislações.

A reforma também prevê que a coalizão tenha uma maior representação no comitê que aponta os juízes da Suprema Corte. No sistema atual, a comissão possuí 9 membros, sendo que 5 são juízes e advogados e é necessária uma maioria de 7 de 9 para nomear juízes. Segundo o pesquisador da Kohelet Policy Forum, os representantes jurídicos da comissão votam em bloco, impondo uma direção para a maioria das escolhas de juízes para a Suprema Corte.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, fala com a imprensa antes da reunião do gabinete ministerial do primeiro-ministro  Foto: Abir Sultan/ AP

De acordo com o projeto, a comissão para a escolha de juízes da Suprema Corte aumentaria para 11 membros, com a necessidade de 6 votos para a aprovação de um novo juiz para a corte, que seria composta por 3 juízes, 3 membros da Knesset (2 da coalizão e 1 da oposição), 3 ministros do governo e duas pessoas que seriam apontadas pelo ministro da Justiça. Os 6 votos para a aprovação devem incluir o do parlamentar da oposição e de um dos juízes.

A oposição considera que a reforma na indicação dos juízes abre portas para que a Corte tenha um viés similar ao da coalizão.

Além disso, a reforma também prevê a abolição da exigência de que os ministros obedeçam aos conselhos de seus assessores jurídicos, que ficam sob a jurisdição do procurador-geral. Os ministros são obrigados por lei a acatar as decisões dos assessores jurídicos. Com a reforma, os titulares das pastas poderiam apontar os próprios assessores, que não ficariam sob o comando do procurador.

Lajst avalia que nenhuma outra parte da reforma deve ser aprovada pelo parlamento, principalmente porque parlamentares do Likud, partido do primeiro-ministro, apontam que a coalizão deve dialogar com a oposição em relação as outras partes do projeto. “As pesquisas em Israel já projetaram que se a eleição fosse hoje o partido de Netanyahu não conseguiria formar uma coalizão, existem eleitores desta coalizão que não ficaram satisfeitos com a maneira que o processo foi feito e os parlamentares do Likud sabem disso”, pondera Lajst.

Protestos

Em meio a polarização, os protestos continuam em Israel, com forte participação de pessoas de todas as idades e dos mais diferentes setores como reservistas do exército, médicos e funcionários de empresas de tecnologia que se dizem preocupadas com o futuro da democracia em Israel.

Em artigo de opinião publicado no jornal The Washington Post, o professor Adam Shinar, da Reichman University aponta que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quer reformar o judiciário com o objetivo de enfraquecer a democracia em Israel para alcançar os objetivos de sua coalizão.

“Uma vez que os contrapesos ao poder do Executivo forem removidos, a coalizão de governo de Netanyahu poderá avançar com sua agenda substantiva: fortalecer o controle sobre a Cisjordânia, erguer mais assentamentos coloniais no território palestino e, eventualmente, anexá-lo; aumentar o apoio financeiro aos judeus ultraortodoxos e assegurar sua dispensa do serviço militar”, apontou Shinar.

Para o cientista político André Lajst, os protestos ocorrem também por conta da coalizão que está propondo a reforma. “Para quem está protestando, o problema não é só a reforma, mas quem está fazendo a reforma e porque está fazendo”, acrescenta Lajst. “Um exemplo disso é o Itamar Ben-Gvir, atual ministro da Segurança Nacional, que era tão extremista na juventude a ponto do exército israelense não ter deixado ele cumprir o serviço militar por conta de sua ligação com grupos de extrema-direita durante a juventude”, acrescenta o especialista.

Já o pesquisador do Kohelet Policy Forum avalia que a divisão nacional é ruim para o país. “O governo não agiu necessariamente de uma forma que apazigue os medos das pessoas que estão protestando, o que aumenta a magnitude das manifestações. Infelizmente, existe também um forte apoio da mídia contra a reforma, que cria uma histeria geral entre os que estão protestando”, acrescenta Shalev.

Manifestantes protestam em Tel Aviv contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Abir Sultan/ EFE

Constituição

Um dos grandes questionamentos que ficam com o estresse democrático israelense é se o país seria capaz de criar uma constituição, substituindo as chamadas Leis Básicas.

De acordo com Lajst, o DNA democrático da sociedade israelense faz com que seja possível acreditar que Israel pode chegar a um consenso para que uma constituição seja feita. “Israel sempre foi uma democracia liberal, os direitos civis foram conquistados através de processos democráticos, sempre com muito debate e liberdade de imprensa”, ponderou o cientista político.

Contudo, o especialista avalia que a polarização e as diferentes visões sobre o futuro do país dificultam que a sociedade israelense como um todo possa pensar neste processo.

Para Shalev, da Kohelet Policy Forum, as divisões da sociedade israelense fazem com que o processo para a criação de uma constituição seja muito difícil. “Desde antes da criação de Israel, o movimento sionista tinha divisões muito fortes em questões importantes como o papel do Estado e a importância da religião neste Estado. A Declaração de Independência de Israel diz que o país iria fazer uma assembleia constituinte para depois escrever uma constituição, mas rapidamente se tornou óbvio que isso é impossível por conta das profundas divisões da sociedade israelense”, completou o advogado.

Israel vive um dos momentos de maior polarização em seus 75 anos de história. Com um país dividido por conta de uma proposta de reforma do judiciário e manifestantes que se organizam para protestar de forma consecutiva há 36 semanas, a coalizão do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, segue firme com o seu plano de propostas para redesenhar os poderes da Suprema Corte após aprovar o fim da chamada “clausula de razoabilidade” no mês de julho.

Enquanto a oposição afirma que a Suprema Corte de Israel contribui para o sistema de freios e contrapesos no país e teme que a reforma signifique uma diminuição no nível democrático do país, os que defendem a reforma, apontam que o poder acumulado pelo judiciário israelense não permite que o governo aplique propriamente a agenda pela qual foi eleito.

Com uma coalizão formada por partidos extremistas e religiosos, Netanyahu deseja avançar para aprovar o restante do pacote de reformas após o recesso da Knesset (Parlamento), em outubro.

Manifestantes protestam contra a reforma do judiciário em Tel Aviv, Israel  Foto: Gital Palti / Reuters

Apesar dos protestos que chegaram a contar com mais de 100 mil pessoas na sede do Poder Legislativo em Jerusalém, e com o apoio de diversos setores da sociedade israelense, as críticas ao poder da Suprema Corte israelense já são de longa data e ocorreram por políticos de diversos espectros.

Para Abraham Shalev, advogado especialista em direito público e pesquisador da Kohelet Policy Forum, think-thank israelense e conservador que apoiou a reforma no judiciário desde os primeiros esboços do projeto de Netanyahu, as mudanças no poder da Suprema Corte são importantes para que a coalizão eleita consiga governar propriamente.

“A questão que está em jogo aqui é que nos últimos 30 anos ou mais a corte está ganhando cada vez mais poder, restringindo os direitos políticos dos cidadãos de Israel”. apontou Shalev.

Leis Básicas

A discussão sobre a reforma do judiciário passa pelo fato de Israel não ter uma constituição como no Brasil. Quando o país foi criado, em 1948, uma série de leis foram feitas como parte de um projeto para que Israel tivesse uma constituição no futuro. As chamadas “Leis Básicas” funcionam como um ordenamento jurídico do país que vão de atribuições de políticos até de direitos individuais. O Parlamento israelense legisla com base nessas leis, assim como as decisões da Suprema Corte.

Para os defensores da reforma no judiciário israelense, os questionamentos começaram após a aprovação na Knesset da chamada Lei Básica da Dignidade e Liberdade em 1992. De acordo com o texto desta Lei Básica, “os direitos humanos básicos em Israel são baseados no reconhecimento do valor do ser humano, a santidade de sua vida e seu direito de ser uma pessoa livre e devem ser apoiados no espírito dos princípios da Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel”.

“Essa foi a primeira Lei Básica que tratava de direitos humanos. Mas os parlamentares deixaram claro que esta lei não dava à Suprema Corte o direito de derrubar uma lei e que a aprovação de mais uma Lei Básica não significava que Israel tinha uma constituição”, ponderou o pesquisador da Kohelet Policy Forum.

Primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete ministerial em Jerusalém  Foto: Abir Sultan/ AP

Após a aprovação da nova Lei Básica, o então presidente da Suprema Corte israelense Aharon Barak afirmou que uma “revolução constitucional” havia ocorrido no país do Oriente Médio. Defensores da reforma apontam que desde então a Suprema Corte tem barrado leis com a justificativa de proteção dos direitos humanos, prática que não havia sido atribuída pelo Parlamento à Corte na época da chancela da Lei Básica.

O que foi aprovado

Em julho, a Knesset aprovou parte da reforma do Judiciário que limita a capacidade da Suprema Corte de anular decisões tomadas pelo governo. Esta parte da reforma modifica uma Lei Básica de Israel, que permitia que a Suprema Corte bloqueasse as decisões tomadas pelo primeiro-ministro pelo padrão da “razoabilidade”.

Os juízes costumavam usar este instrumento jurídico para bloquear nomeações ministeriais e contestar decisões de planejamento, entre outras medidas do governo.

Com uma coalizão de 64 parlamentares de 120 que compõem a Knesset, a primeira parte da reforma foi aprovada por 64 a zero, após a saída da oposição durante a votação.

O líder da oposição no Parlamento israelense e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, participa de manifestação contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Nir Elias/Reuters

Para o cientista político e presidente executivo da StandWithus Brasil, André Lajst, a reforma foi aprovada neste momento por conta de uma oportunidade política da coalizão de Netanyahu. “Não tem nenhum partido de centro ou de esquerda dentro da coalizão para fazer objeções ou impedir essa reforma de acontecer, então eles avaliam que o momento de fazer isso é agora”.

“Essa discussão sobre o aumento dessa capacidade que o Supremo tem de intervir no executivo é antiga. Para alguns o Supremo faz parte de um freio e contrapeso para o outro, mas existe um outro lado de quem pensa que o judiciário não deveria ter um poder tão forte de interferência no executivo e por isso essa reforma faria sentido”, pondera Lajst.

Para Shalev, a reforma vai fortalecer a democracia israelense e dar mais voz aos eleitores. “A reforma não torna Israel um país menos democrático. Se o próximo governo quiser acabar com essa reforma, isso vai acontecer. Então quem critica a reforma pode dizer no máximo que é uma lei ruim, mas não que a democracia israelense vai acabar”, aponta Shalev.

Suprema Corte

Após a aprovação da primeira parte do pacote de reformas, a Suprema Corte começou a julgar a legalidade da reforma do judiciário na terça-feira, 12. A Corte ouviu petições por mais de 13 horas e teve o comparecimento dos 15 juízes.

Um editorial do jornal israelense Haaretz chamou o julgamento de “o mais importante do Supremo Tribunal na história de Israel”, mas ainda não é claro se o governo irá respeitar a decisão da Corte. Uma decisão dos juízes não é esperada dentro de alguns meses.

Enquanto a Suprema Corte não finaliza o julgamento, a Corte não proibiu a medida de entrar em vigor durante o julgamento.

Todos os 15 membros da Suprema Corte de Israel ouvem na terça-feira argumentos sobre a reforma judicial Foto: Debbie Hill/UPI/Pool/AP

Outras partes da reforma

Além da abolição da clausula da razoabilidade, o governo Netanyahu pretende continuar votando as outras partes da reforma do judiciário israelense, apesar da forte oposição ao projeto.

De acordo com a proposta, os poderes da Suprema Corte de revisar ou rejeitar leis seriam enfraquecidos, permitindo que uma maioria simples na Knesset (61 parlamentares de 120) anule estas decisões. Atualmente o governo de Netanyahu conta com 64 parlamentares em sua coalizão. Desde que a Lei Básica da Dignidade e Liberdade foi aprovada em 1992, a Suprema Corte invalidou 22 legislações.

A reforma também prevê que a coalizão tenha uma maior representação no comitê que aponta os juízes da Suprema Corte. No sistema atual, a comissão possuí 9 membros, sendo que 5 são juízes e advogados e é necessária uma maioria de 7 de 9 para nomear juízes. Segundo o pesquisador da Kohelet Policy Forum, os representantes jurídicos da comissão votam em bloco, impondo uma direção para a maioria das escolhas de juízes para a Suprema Corte.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, fala com a imprensa antes da reunião do gabinete ministerial do primeiro-ministro  Foto: Abir Sultan/ AP

De acordo com o projeto, a comissão para a escolha de juízes da Suprema Corte aumentaria para 11 membros, com a necessidade de 6 votos para a aprovação de um novo juiz para a corte, que seria composta por 3 juízes, 3 membros da Knesset (2 da coalizão e 1 da oposição), 3 ministros do governo e duas pessoas que seriam apontadas pelo ministro da Justiça. Os 6 votos para a aprovação devem incluir o do parlamentar da oposição e de um dos juízes.

A oposição considera que a reforma na indicação dos juízes abre portas para que a Corte tenha um viés similar ao da coalizão.

Além disso, a reforma também prevê a abolição da exigência de que os ministros obedeçam aos conselhos de seus assessores jurídicos, que ficam sob a jurisdição do procurador-geral. Os ministros são obrigados por lei a acatar as decisões dos assessores jurídicos. Com a reforma, os titulares das pastas poderiam apontar os próprios assessores, que não ficariam sob o comando do procurador.

Lajst avalia que nenhuma outra parte da reforma deve ser aprovada pelo parlamento, principalmente porque parlamentares do Likud, partido do primeiro-ministro, apontam que a coalizão deve dialogar com a oposição em relação as outras partes do projeto. “As pesquisas em Israel já projetaram que se a eleição fosse hoje o partido de Netanyahu não conseguiria formar uma coalizão, existem eleitores desta coalizão que não ficaram satisfeitos com a maneira que o processo foi feito e os parlamentares do Likud sabem disso”, pondera Lajst.

Protestos

Em meio a polarização, os protestos continuam em Israel, com forte participação de pessoas de todas as idades e dos mais diferentes setores como reservistas do exército, médicos e funcionários de empresas de tecnologia que se dizem preocupadas com o futuro da democracia em Israel.

Em artigo de opinião publicado no jornal The Washington Post, o professor Adam Shinar, da Reichman University aponta que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quer reformar o judiciário com o objetivo de enfraquecer a democracia em Israel para alcançar os objetivos de sua coalizão.

“Uma vez que os contrapesos ao poder do Executivo forem removidos, a coalizão de governo de Netanyahu poderá avançar com sua agenda substantiva: fortalecer o controle sobre a Cisjordânia, erguer mais assentamentos coloniais no território palestino e, eventualmente, anexá-lo; aumentar o apoio financeiro aos judeus ultraortodoxos e assegurar sua dispensa do serviço militar”, apontou Shinar.

Para o cientista político André Lajst, os protestos ocorrem também por conta da coalizão que está propondo a reforma. “Para quem está protestando, o problema não é só a reforma, mas quem está fazendo a reforma e porque está fazendo”, acrescenta Lajst. “Um exemplo disso é o Itamar Ben-Gvir, atual ministro da Segurança Nacional, que era tão extremista na juventude a ponto do exército israelense não ter deixado ele cumprir o serviço militar por conta de sua ligação com grupos de extrema-direita durante a juventude”, acrescenta o especialista.

Já o pesquisador do Kohelet Policy Forum avalia que a divisão nacional é ruim para o país. “O governo não agiu necessariamente de uma forma que apazigue os medos das pessoas que estão protestando, o que aumenta a magnitude das manifestações. Infelizmente, existe também um forte apoio da mídia contra a reforma, que cria uma histeria geral entre os que estão protestando”, acrescenta Shalev.

Manifestantes protestam em Tel Aviv contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Abir Sultan/ EFE

Constituição

Um dos grandes questionamentos que ficam com o estresse democrático israelense é se o país seria capaz de criar uma constituição, substituindo as chamadas Leis Básicas.

De acordo com Lajst, o DNA democrático da sociedade israelense faz com que seja possível acreditar que Israel pode chegar a um consenso para que uma constituição seja feita. “Israel sempre foi uma democracia liberal, os direitos civis foram conquistados através de processos democráticos, sempre com muito debate e liberdade de imprensa”, ponderou o cientista político.

Contudo, o especialista avalia que a polarização e as diferentes visões sobre o futuro do país dificultam que a sociedade israelense como um todo possa pensar neste processo.

Para Shalev, da Kohelet Policy Forum, as divisões da sociedade israelense fazem com que o processo para a criação de uma constituição seja muito difícil. “Desde antes da criação de Israel, o movimento sionista tinha divisões muito fortes em questões importantes como o papel do Estado e a importância da religião neste Estado. A Declaração de Independência de Israel diz que o país iria fazer uma assembleia constituinte para depois escrever uma constituição, mas rapidamente se tornou óbvio que isso é impossível por conta das profundas divisões da sociedade israelense”, completou o advogado.

Israel vive um dos momentos de maior polarização em seus 75 anos de história. Com um país dividido por conta de uma proposta de reforma do judiciário e manifestantes que se organizam para protestar de forma consecutiva há 36 semanas, a coalizão do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, segue firme com o seu plano de propostas para redesenhar os poderes da Suprema Corte após aprovar o fim da chamada “clausula de razoabilidade” no mês de julho.

Enquanto a oposição afirma que a Suprema Corte de Israel contribui para o sistema de freios e contrapesos no país e teme que a reforma signifique uma diminuição no nível democrático do país, os que defendem a reforma, apontam que o poder acumulado pelo judiciário israelense não permite que o governo aplique propriamente a agenda pela qual foi eleito.

Com uma coalizão formada por partidos extremistas e religiosos, Netanyahu deseja avançar para aprovar o restante do pacote de reformas após o recesso da Knesset (Parlamento), em outubro.

Manifestantes protestam contra a reforma do judiciário em Tel Aviv, Israel  Foto: Gital Palti / Reuters

Apesar dos protestos que chegaram a contar com mais de 100 mil pessoas na sede do Poder Legislativo em Jerusalém, e com o apoio de diversos setores da sociedade israelense, as críticas ao poder da Suprema Corte israelense já são de longa data e ocorreram por políticos de diversos espectros.

Para Abraham Shalev, advogado especialista em direito público e pesquisador da Kohelet Policy Forum, think-thank israelense e conservador que apoiou a reforma no judiciário desde os primeiros esboços do projeto de Netanyahu, as mudanças no poder da Suprema Corte são importantes para que a coalizão eleita consiga governar propriamente.

“A questão que está em jogo aqui é que nos últimos 30 anos ou mais a corte está ganhando cada vez mais poder, restringindo os direitos políticos dos cidadãos de Israel”. apontou Shalev.

Leis Básicas

A discussão sobre a reforma do judiciário passa pelo fato de Israel não ter uma constituição como no Brasil. Quando o país foi criado, em 1948, uma série de leis foram feitas como parte de um projeto para que Israel tivesse uma constituição no futuro. As chamadas “Leis Básicas” funcionam como um ordenamento jurídico do país que vão de atribuições de políticos até de direitos individuais. O Parlamento israelense legisla com base nessas leis, assim como as decisões da Suprema Corte.

Para os defensores da reforma no judiciário israelense, os questionamentos começaram após a aprovação na Knesset da chamada Lei Básica da Dignidade e Liberdade em 1992. De acordo com o texto desta Lei Básica, “os direitos humanos básicos em Israel são baseados no reconhecimento do valor do ser humano, a santidade de sua vida e seu direito de ser uma pessoa livre e devem ser apoiados no espírito dos princípios da Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel”.

“Essa foi a primeira Lei Básica que tratava de direitos humanos. Mas os parlamentares deixaram claro que esta lei não dava à Suprema Corte o direito de derrubar uma lei e que a aprovação de mais uma Lei Básica não significava que Israel tinha uma constituição”, ponderou o pesquisador da Kohelet Policy Forum.

Primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete ministerial em Jerusalém  Foto: Abir Sultan/ AP

Após a aprovação da nova Lei Básica, o então presidente da Suprema Corte israelense Aharon Barak afirmou que uma “revolução constitucional” havia ocorrido no país do Oriente Médio. Defensores da reforma apontam que desde então a Suprema Corte tem barrado leis com a justificativa de proteção dos direitos humanos, prática que não havia sido atribuída pelo Parlamento à Corte na época da chancela da Lei Básica.

O que foi aprovado

Em julho, a Knesset aprovou parte da reforma do Judiciário que limita a capacidade da Suprema Corte de anular decisões tomadas pelo governo. Esta parte da reforma modifica uma Lei Básica de Israel, que permitia que a Suprema Corte bloqueasse as decisões tomadas pelo primeiro-ministro pelo padrão da “razoabilidade”.

Os juízes costumavam usar este instrumento jurídico para bloquear nomeações ministeriais e contestar decisões de planejamento, entre outras medidas do governo.

Com uma coalizão de 64 parlamentares de 120 que compõem a Knesset, a primeira parte da reforma foi aprovada por 64 a zero, após a saída da oposição durante a votação.

O líder da oposição no Parlamento israelense e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, participa de manifestação contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Nir Elias/Reuters

Para o cientista político e presidente executivo da StandWithus Brasil, André Lajst, a reforma foi aprovada neste momento por conta de uma oportunidade política da coalizão de Netanyahu. “Não tem nenhum partido de centro ou de esquerda dentro da coalizão para fazer objeções ou impedir essa reforma de acontecer, então eles avaliam que o momento de fazer isso é agora”.

“Essa discussão sobre o aumento dessa capacidade que o Supremo tem de intervir no executivo é antiga. Para alguns o Supremo faz parte de um freio e contrapeso para o outro, mas existe um outro lado de quem pensa que o judiciário não deveria ter um poder tão forte de interferência no executivo e por isso essa reforma faria sentido”, pondera Lajst.

Para Shalev, a reforma vai fortalecer a democracia israelense e dar mais voz aos eleitores. “A reforma não torna Israel um país menos democrático. Se o próximo governo quiser acabar com essa reforma, isso vai acontecer. Então quem critica a reforma pode dizer no máximo que é uma lei ruim, mas não que a democracia israelense vai acabar”, aponta Shalev.

Suprema Corte

Após a aprovação da primeira parte do pacote de reformas, a Suprema Corte começou a julgar a legalidade da reforma do judiciário na terça-feira, 12. A Corte ouviu petições por mais de 13 horas e teve o comparecimento dos 15 juízes.

Um editorial do jornal israelense Haaretz chamou o julgamento de “o mais importante do Supremo Tribunal na história de Israel”, mas ainda não é claro se o governo irá respeitar a decisão da Corte. Uma decisão dos juízes não é esperada dentro de alguns meses.

Enquanto a Suprema Corte não finaliza o julgamento, a Corte não proibiu a medida de entrar em vigor durante o julgamento.

Todos os 15 membros da Suprema Corte de Israel ouvem na terça-feira argumentos sobre a reforma judicial Foto: Debbie Hill/UPI/Pool/AP

Outras partes da reforma

Além da abolição da clausula da razoabilidade, o governo Netanyahu pretende continuar votando as outras partes da reforma do judiciário israelense, apesar da forte oposição ao projeto.

De acordo com a proposta, os poderes da Suprema Corte de revisar ou rejeitar leis seriam enfraquecidos, permitindo que uma maioria simples na Knesset (61 parlamentares de 120) anule estas decisões. Atualmente o governo de Netanyahu conta com 64 parlamentares em sua coalizão. Desde que a Lei Básica da Dignidade e Liberdade foi aprovada em 1992, a Suprema Corte invalidou 22 legislações.

A reforma também prevê que a coalizão tenha uma maior representação no comitê que aponta os juízes da Suprema Corte. No sistema atual, a comissão possuí 9 membros, sendo que 5 são juízes e advogados e é necessária uma maioria de 7 de 9 para nomear juízes. Segundo o pesquisador da Kohelet Policy Forum, os representantes jurídicos da comissão votam em bloco, impondo uma direção para a maioria das escolhas de juízes para a Suprema Corte.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, fala com a imprensa antes da reunião do gabinete ministerial do primeiro-ministro  Foto: Abir Sultan/ AP

De acordo com o projeto, a comissão para a escolha de juízes da Suprema Corte aumentaria para 11 membros, com a necessidade de 6 votos para a aprovação de um novo juiz para a corte, que seria composta por 3 juízes, 3 membros da Knesset (2 da coalizão e 1 da oposição), 3 ministros do governo e duas pessoas que seriam apontadas pelo ministro da Justiça. Os 6 votos para a aprovação devem incluir o do parlamentar da oposição e de um dos juízes.

A oposição considera que a reforma na indicação dos juízes abre portas para que a Corte tenha um viés similar ao da coalizão.

Além disso, a reforma também prevê a abolição da exigência de que os ministros obedeçam aos conselhos de seus assessores jurídicos, que ficam sob a jurisdição do procurador-geral. Os ministros são obrigados por lei a acatar as decisões dos assessores jurídicos. Com a reforma, os titulares das pastas poderiam apontar os próprios assessores, que não ficariam sob o comando do procurador.

Lajst avalia que nenhuma outra parte da reforma deve ser aprovada pelo parlamento, principalmente porque parlamentares do Likud, partido do primeiro-ministro, apontam que a coalizão deve dialogar com a oposição em relação as outras partes do projeto. “As pesquisas em Israel já projetaram que se a eleição fosse hoje o partido de Netanyahu não conseguiria formar uma coalizão, existem eleitores desta coalizão que não ficaram satisfeitos com a maneira que o processo foi feito e os parlamentares do Likud sabem disso”, pondera Lajst.

Protestos

Em meio a polarização, os protestos continuam em Israel, com forte participação de pessoas de todas as idades e dos mais diferentes setores como reservistas do exército, médicos e funcionários de empresas de tecnologia que se dizem preocupadas com o futuro da democracia em Israel.

Em artigo de opinião publicado no jornal The Washington Post, o professor Adam Shinar, da Reichman University aponta que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quer reformar o judiciário com o objetivo de enfraquecer a democracia em Israel para alcançar os objetivos de sua coalizão.

“Uma vez que os contrapesos ao poder do Executivo forem removidos, a coalizão de governo de Netanyahu poderá avançar com sua agenda substantiva: fortalecer o controle sobre a Cisjordânia, erguer mais assentamentos coloniais no território palestino e, eventualmente, anexá-lo; aumentar o apoio financeiro aos judeus ultraortodoxos e assegurar sua dispensa do serviço militar”, apontou Shinar.

Para o cientista político André Lajst, os protestos ocorrem também por conta da coalizão que está propondo a reforma. “Para quem está protestando, o problema não é só a reforma, mas quem está fazendo a reforma e porque está fazendo”, acrescenta Lajst. “Um exemplo disso é o Itamar Ben-Gvir, atual ministro da Segurança Nacional, que era tão extremista na juventude a ponto do exército israelense não ter deixado ele cumprir o serviço militar por conta de sua ligação com grupos de extrema-direita durante a juventude”, acrescenta o especialista.

Já o pesquisador do Kohelet Policy Forum avalia que a divisão nacional é ruim para o país. “O governo não agiu necessariamente de uma forma que apazigue os medos das pessoas que estão protestando, o que aumenta a magnitude das manifestações. Infelizmente, existe também um forte apoio da mídia contra a reforma, que cria uma histeria geral entre os que estão protestando”, acrescenta Shalev.

Manifestantes protestam em Tel Aviv contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Abir Sultan/ EFE

Constituição

Um dos grandes questionamentos que ficam com o estresse democrático israelense é se o país seria capaz de criar uma constituição, substituindo as chamadas Leis Básicas.

De acordo com Lajst, o DNA democrático da sociedade israelense faz com que seja possível acreditar que Israel pode chegar a um consenso para que uma constituição seja feita. “Israel sempre foi uma democracia liberal, os direitos civis foram conquistados através de processos democráticos, sempre com muito debate e liberdade de imprensa”, ponderou o cientista político.

Contudo, o especialista avalia que a polarização e as diferentes visões sobre o futuro do país dificultam que a sociedade israelense como um todo possa pensar neste processo.

Para Shalev, da Kohelet Policy Forum, as divisões da sociedade israelense fazem com que o processo para a criação de uma constituição seja muito difícil. “Desde antes da criação de Israel, o movimento sionista tinha divisões muito fortes em questões importantes como o papel do Estado e a importância da religião neste Estado. A Declaração de Independência de Israel diz que o país iria fazer uma assembleia constituinte para depois escrever uma constituição, mas rapidamente se tornou óbvio que isso é impossível por conta das profundas divisões da sociedade israelense”, completou o advogado.

Israel vive um dos momentos de maior polarização em seus 75 anos de história. Com um país dividido por conta de uma proposta de reforma do judiciário e manifestantes que se organizam para protestar de forma consecutiva há 36 semanas, a coalizão do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, segue firme com o seu plano de propostas para redesenhar os poderes da Suprema Corte após aprovar o fim da chamada “clausula de razoabilidade” no mês de julho.

Enquanto a oposição afirma que a Suprema Corte de Israel contribui para o sistema de freios e contrapesos no país e teme que a reforma signifique uma diminuição no nível democrático do país, os que defendem a reforma, apontam que o poder acumulado pelo judiciário israelense não permite que o governo aplique propriamente a agenda pela qual foi eleito.

Com uma coalizão formada por partidos extremistas e religiosos, Netanyahu deseja avançar para aprovar o restante do pacote de reformas após o recesso da Knesset (Parlamento), em outubro.

Manifestantes protestam contra a reforma do judiciário em Tel Aviv, Israel  Foto: Gital Palti / Reuters

Apesar dos protestos que chegaram a contar com mais de 100 mil pessoas na sede do Poder Legislativo em Jerusalém, e com o apoio de diversos setores da sociedade israelense, as críticas ao poder da Suprema Corte israelense já são de longa data e ocorreram por políticos de diversos espectros.

Para Abraham Shalev, advogado especialista em direito público e pesquisador da Kohelet Policy Forum, think-thank israelense e conservador que apoiou a reforma no judiciário desde os primeiros esboços do projeto de Netanyahu, as mudanças no poder da Suprema Corte são importantes para que a coalizão eleita consiga governar propriamente.

“A questão que está em jogo aqui é que nos últimos 30 anos ou mais a corte está ganhando cada vez mais poder, restringindo os direitos políticos dos cidadãos de Israel”. apontou Shalev.

Leis Básicas

A discussão sobre a reforma do judiciário passa pelo fato de Israel não ter uma constituição como no Brasil. Quando o país foi criado, em 1948, uma série de leis foram feitas como parte de um projeto para que Israel tivesse uma constituição no futuro. As chamadas “Leis Básicas” funcionam como um ordenamento jurídico do país que vão de atribuições de políticos até de direitos individuais. O Parlamento israelense legisla com base nessas leis, assim como as decisões da Suprema Corte.

Para os defensores da reforma no judiciário israelense, os questionamentos começaram após a aprovação na Knesset da chamada Lei Básica da Dignidade e Liberdade em 1992. De acordo com o texto desta Lei Básica, “os direitos humanos básicos em Israel são baseados no reconhecimento do valor do ser humano, a santidade de sua vida e seu direito de ser uma pessoa livre e devem ser apoiados no espírito dos princípios da Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel”.

“Essa foi a primeira Lei Básica que tratava de direitos humanos. Mas os parlamentares deixaram claro que esta lei não dava à Suprema Corte o direito de derrubar uma lei e que a aprovação de mais uma Lei Básica não significava que Israel tinha uma constituição”, ponderou o pesquisador da Kohelet Policy Forum.

Primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete ministerial em Jerusalém  Foto: Abir Sultan/ AP

Após a aprovação da nova Lei Básica, o então presidente da Suprema Corte israelense Aharon Barak afirmou que uma “revolução constitucional” havia ocorrido no país do Oriente Médio. Defensores da reforma apontam que desde então a Suprema Corte tem barrado leis com a justificativa de proteção dos direitos humanos, prática que não havia sido atribuída pelo Parlamento à Corte na época da chancela da Lei Básica.

O que foi aprovado

Em julho, a Knesset aprovou parte da reforma do Judiciário que limita a capacidade da Suprema Corte de anular decisões tomadas pelo governo. Esta parte da reforma modifica uma Lei Básica de Israel, que permitia que a Suprema Corte bloqueasse as decisões tomadas pelo primeiro-ministro pelo padrão da “razoabilidade”.

Os juízes costumavam usar este instrumento jurídico para bloquear nomeações ministeriais e contestar decisões de planejamento, entre outras medidas do governo.

Com uma coalizão de 64 parlamentares de 120 que compõem a Knesset, a primeira parte da reforma foi aprovada por 64 a zero, após a saída da oposição durante a votação.

O líder da oposição no Parlamento israelense e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, participa de manifestação contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Nir Elias/Reuters

Para o cientista político e presidente executivo da StandWithus Brasil, André Lajst, a reforma foi aprovada neste momento por conta de uma oportunidade política da coalizão de Netanyahu. “Não tem nenhum partido de centro ou de esquerda dentro da coalizão para fazer objeções ou impedir essa reforma de acontecer, então eles avaliam que o momento de fazer isso é agora”.

“Essa discussão sobre o aumento dessa capacidade que o Supremo tem de intervir no executivo é antiga. Para alguns o Supremo faz parte de um freio e contrapeso para o outro, mas existe um outro lado de quem pensa que o judiciário não deveria ter um poder tão forte de interferência no executivo e por isso essa reforma faria sentido”, pondera Lajst.

Para Shalev, a reforma vai fortalecer a democracia israelense e dar mais voz aos eleitores. “A reforma não torna Israel um país menos democrático. Se o próximo governo quiser acabar com essa reforma, isso vai acontecer. Então quem critica a reforma pode dizer no máximo que é uma lei ruim, mas não que a democracia israelense vai acabar”, aponta Shalev.

Suprema Corte

Após a aprovação da primeira parte do pacote de reformas, a Suprema Corte começou a julgar a legalidade da reforma do judiciário na terça-feira, 12. A Corte ouviu petições por mais de 13 horas e teve o comparecimento dos 15 juízes.

Um editorial do jornal israelense Haaretz chamou o julgamento de “o mais importante do Supremo Tribunal na história de Israel”, mas ainda não é claro se o governo irá respeitar a decisão da Corte. Uma decisão dos juízes não é esperada dentro de alguns meses.

Enquanto a Suprema Corte não finaliza o julgamento, a Corte não proibiu a medida de entrar em vigor durante o julgamento.

Todos os 15 membros da Suprema Corte de Israel ouvem na terça-feira argumentos sobre a reforma judicial Foto: Debbie Hill/UPI/Pool/AP

Outras partes da reforma

Além da abolição da clausula da razoabilidade, o governo Netanyahu pretende continuar votando as outras partes da reforma do judiciário israelense, apesar da forte oposição ao projeto.

De acordo com a proposta, os poderes da Suprema Corte de revisar ou rejeitar leis seriam enfraquecidos, permitindo que uma maioria simples na Knesset (61 parlamentares de 120) anule estas decisões. Atualmente o governo de Netanyahu conta com 64 parlamentares em sua coalizão. Desde que a Lei Básica da Dignidade e Liberdade foi aprovada em 1992, a Suprema Corte invalidou 22 legislações.

A reforma também prevê que a coalizão tenha uma maior representação no comitê que aponta os juízes da Suprema Corte. No sistema atual, a comissão possuí 9 membros, sendo que 5 são juízes e advogados e é necessária uma maioria de 7 de 9 para nomear juízes. Segundo o pesquisador da Kohelet Policy Forum, os representantes jurídicos da comissão votam em bloco, impondo uma direção para a maioria das escolhas de juízes para a Suprema Corte.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, fala com a imprensa antes da reunião do gabinete ministerial do primeiro-ministro  Foto: Abir Sultan/ AP

De acordo com o projeto, a comissão para a escolha de juízes da Suprema Corte aumentaria para 11 membros, com a necessidade de 6 votos para a aprovação de um novo juiz para a corte, que seria composta por 3 juízes, 3 membros da Knesset (2 da coalizão e 1 da oposição), 3 ministros do governo e duas pessoas que seriam apontadas pelo ministro da Justiça. Os 6 votos para a aprovação devem incluir o do parlamentar da oposição e de um dos juízes.

A oposição considera que a reforma na indicação dos juízes abre portas para que a Corte tenha um viés similar ao da coalizão.

Além disso, a reforma também prevê a abolição da exigência de que os ministros obedeçam aos conselhos de seus assessores jurídicos, que ficam sob a jurisdição do procurador-geral. Os ministros são obrigados por lei a acatar as decisões dos assessores jurídicos. Com a reforma, os titulares das pastas poderiam apontar os próprios assessores, que não ficariam sob o comando do procurador.

Lajst avalia que nenhuma outra parte da reforma deve ser aprovada pelo parlamento, principalmente porque parlamentares do Likud, partido do primeiro-ministro, apontam que a coalizão deve dialogar com a oposição em relação as outras partes do projeto. “As pesquisas em Israel já projetaram que se a eleição fosse hoje o partido de Netanyahu não conseguiria formar uma coalizão, existem eleitores desta coalizão que não ficaram satisfeitos com a maneira que o processo foi feito e os parlamentares do Likud sabem disso”, pondera Lajst.

Protestos

Em meio a polarização, os protestos continuam em Israel, com forte participação de pessoas de todas as idades e dos mais diferentes setores como reservistas do exército, médicos e funcionários de empresas de tecnologia que se dizem preocupadas com o futuro da democracia em Israel.

Em artigo de opinião publicado no jornal The Washington Post, o professor Adam Shinar, da Reichman University aponta que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quer reformar o judiciário com o objetivo de enfraquecer a democracia em Israel para alcançar os objetivos de sua coalizão.

“Uma vez que os contrapesos ao poder do Executivo forem removidos, a coalizão de governo de Netanyahu poderá avançar com sua agenda substantiva: fortalecer o controle sobre a Cisjordânia, erguer mais assentamentos coloniais no território palestino e, eventualmente, anexá-lo; aumentar o apoio financeiro aos judeus ultraortodoxos e assegurar sua dispensa do serviço militar”, apontou Shinar.

Para o cientista político André Lajst, os protestos ocorrem também por conta da coalizão que está propondo a reforma. “Para quem está protestando, o problema não é só a reforma, mas quem está fazendo a reforma e porque está fazendo”, acrescenta Lajst. “Um exemplo disso é o Itamar Ben-Gvir, atual ministro da Segurança Nacional, que era tão extremista na juventude a ponto do exército israelense não ter deixado ele cumprir o serviço militar por conta de sua ligação com grupos de extrema-direita durante a juventude”, acrescenta o especialista.

Já o pesquisador do Kohelet Policy Forum avalia que a divisão nacional é ruim para o país. “O governo não agiu necessariamente de uma forma que apazigue os medos das pessoas que estão protestando, o que aumenta a magnitude das manifestações. Infelizmente, existe também um forte apoio da mídia contra a reforma, que cria uma histeria geral entre os que estão protestando”, acrescenta Shalev.

Manifestantes protestam em Tel Aviv contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Abir Sultan/ EFE

Constituição

Um dos grandes questionamentos que ficam com o estresse democrático israelense é se o país seria capaz de criar uma constituição, substituindo as chamadas Leis Básicas.

De acordo com Lajst, o DNA democrático da sociedade israelense faz com que seja possível acreditar que Israel pode chegar a um consenso para que uma constituição seja feita. “Israel sempre foi uma democracia liberal, os direitos civis foram conquistados através de processos democráticos, sempre com muito debate e liberdade de imprensa”, ponderou o cientista político.

Contudo, o especialista avalia que a polarização e as diferentes visões sobre o futuro do país dificultam que a sociedade israelense como um todo possa pensar neste processo.

Para Shalev, da Kohelet Policy Forum, as divisões da sociedade israelense fazem com que o processo para a criação de uma constituição seja muito difícil. “Desde antes da criação de Israel, o movimento sionista tinha divisões muito fortes em questões importantes como o papel do Estado e a importância da religião neste Estado. A Declaração de Independência de Israel diz que o país iria fazer uma assembleia constituinte para depois escrever uma constituição, mas rapidamente se tornou óbvio que isso é impossível por conta das profundas divisões da sociedade israelense”, completou o advogado.

Israel vive um dos momentos de maior polarização em seus 75 anos de história. Com um país dividido por conta de uma proposta de reforma do judiciário e manifestantes que se organizam para protestar de forma consecutiva há 36 semanas, a coalizão do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, segue firme com o seu plano de propostas para redesenhar os poderes da Suprema Corte após aprovar o fim da chamada “clausula de razoabilidade” no mês de julho.

Enquanto a oposição afirma que a Suprema Corte de Israel contribui para o sistema de freios e contrapesos no país e teme que a reforma signifique uma diminuição no nível democrático do país, os que defendem a reforma, apontam que o poder acumulado pelo judiciário israelense não permite que o governo aplique propriamente a agenda pela qual foi eleito.

Com uma coalizão formada por partidos extremistas e religiosos, Netanyahu deseja avançar para aprovar o restante do pacote de reformas após o recesso da Knesset (Parlamento), em outubro.

Manifestantes protestam contra a reforma do judiciário em Tel Aviv, Israel  Foto: Gital Palti / Reuters

Apesar dos protestos que chegaram a contar com mais de 100 mil pessoas na sede do Poder Legislativo em Jerusalém, e com o apoio de diversos setores da sociedade israelense, as críticas ao poder da Suprema Corte israelense já são de longa data e ocorreram por políticos de diversos espectros.

Para Abraham Shalev, advogado especialista em direito público e pesquisador da Kohelet Policy Forum, think-thank israelense e conservador que apoiou a reforma no judiciário desde os primeiros esboços do projeto de Netanyahu, as mudanças no poder da Suprema Corte são importantes para que a coalizão eleita consiga governar propriamente.

“A questão que está em jogo aqui é que nos últimos 30 anos ou mais a corte está ganhando cada vez mais poder, restringindo os direitos políticos dos cidadãos de Israel”. apontou Shalev.

Leis Básicas

A discussão sobre a reforma do judiciário passa pelo fato de Israel não ter uma constituição como no Brasil. Quando o país foi criado, em 1948, uma série de leis foram feitas como parte de um projeto para que Israel tivesse uma constituição no futuro. As chamadas “Leis Básicas” funcionam como um ordenamento jurídico do país que vão de atribuições de políticos até de direitos individuais. O Parlamento israelense legisla com base nessas leis, assim como as decisões da Suprema Corte.

Para os defensores da reforma no judiciário israelense, os questionamentos começaram após a aprovação na Knesset da chamada Lei Básica da Dignidade e Liberdade em 1992. De acordo com o texto desta Lei Básica, “os direitos humanos básicos em Israel são baseados no reconhecimento do valor do ser humano, a santidade de sua vida e seu direito de ser uma pessoa livre e devem ser apoiados no espírito dos princípios da Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel”.

“Essa foi a primeira Lei Básica que tratava de direitos humanos. Mas os parlamentares deixaram claro que esta lei não dava à Suprema Corte o direito de derrubar uma lei e que a aprovação de mais uma Lei Básica não significava que Israel tinha uma constituição”, ponderou o pesquisador da Kohelet Policy Forum.

Primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete ministerial em Jerusalém  Foto: Abir Sultan/ AP

Após a aprovação da nova Lei Básica, o então presidente da Suprema Corte israelense Aharon Barak afirmou que uma “revolução constitucional” havia ocorrido no país do Oriente Médio. Defensores da reforma apontam que desde então a Suprema Corte tem barrado leis com a justificativa de proteção dos direitos humanos, prática que não havia sido atribuída pelo Parlamento à Corte na época da chancela da Lei Básica.

O que foi aprovado

Em julho, a Knesset aprovou parte da reforma do Judiciário que limita a capacidade da Suprema Corte de anular decisões tomadas pelo governo. Esta parte da reforma modifica uma Lei Básica de Israel, que permitia que a Suprema Corte bloqueasse as decisões tomadas pelo primeiro-ministro pelo padrão da “razoabilidade”.

Os juízes costumavam usar este instrumento jurídico para bloquear nomeações ministeriais e contestar decisões de planejamento, entre outras medidas do governo.

Com uma coalizão de 64 parlamentares de 120 que compõem a Knesset, a primeira parte da reforma foi aprovada por 64 a zero, após a saída da oposição durante a votação.

O líder da oposição no Parlamento israelense e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, participa de manifestação contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Nir Elias/Reuters

Para o cientista político e presidente executivo da StandWithus Brasil, André Lajst, a reforma foi aprovada neste momento por conta de uma oportunidade política da coalizão de Netanyahu. “Não tem nenhum partido de centro ou de esquerda dentro da coalizão para fazer objeções ou impedir essa reforma de acontecer, então eles avaliam que o momento de fazer isso é agora”.

“Essa discussão sobre o aumento dessa capacidade que o Supremo tem de intervir no executivo é antiga. Para alguns o Supremo faz parte de um freio e contrapeso para o outro, mas existe um outro lado de quem pensa que o judiciário não deveria ter um poder tão forte de interferência no executivo e por isso essa reforma faria sentido”, pondera Lajst.

Para Shalev, a reforma vai fortalecer a democracia israelense e dar mais voz aos eleitores. “A reforma não torna Israel um país menos democrático. Se o próximo governo quiser acabar com essa reforma, isso vai acontecer. Então quem critica a reforma pode dizer no máximo que é uma lei ruim, mas não que a democracia israelense vai acabar”, aponta Shalev.

Suprema Corte

Após a aprovação da primeira parte do pacote de reformas, a Suprema Corte começou a julgar a legalidade da reforma do judiciário na terça-feira, 12. A Corte ouviu petições por mais de 13 horas e teve o comparecimento dos 15 juízes.

Um editorial do jornal israelense Haaretz chamou o julgamento de “o mais importante do Supremo Tribunal na história de Israel”, mas ainda não é claro se o governo irá respeitar a decisão da Corte. Uma decisão dos juízes não é esperada dentro de alguns meses.

Enquanto a Suprema Corte não finaliza o julgamento, a Corte não proibiu a medida de entrar em vigor durante o julgamento.

Todos os 15 membros da Suprema Corte de Israel ouvem na terça-feira argumentos sobre a reforma judicial Foto: Debbie Hill/UPI/Pool/AP

Outras partes da reforma

Além da abolição da clausula da razoabilidade, o governo Netanyahu pretende continuar votando as outras partes da reforma do judiciário israelense, apesar da forte oposição ao projeto.

De acordo com a proposta, os poderes da Suprema Corte de revisar ou rejeitar leis seriam enfraquecidos, permitindo que uma maioria simples na Knesset (61 parlamentares de 120) anule estas decisões. Atualmente o governo de Netanyahu conta com 64 parlamentares em sua coalizão. Desde que a Lei Básica da Dignidade e Liberdade foi aprovada em 1992, a Suprema Corte invalidou 22 legislações.

A reforma também prevê que a coalizão tenha uma maior representação no comitê que aponta os juízes da Suprema Corte. No sistema atual, a comissão possuí 9 membros, sendo que 5 são juízes e advogados e é necessária uma maioria de 7 de 9 para nomear juízes. Segundo o pesquisador da Kohelet Policy Forum, os representantes jurídicos da comissão votam em bloco, impondo uma direção para a maioria das escolhas de juízes para a Suprema Corte.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, fala com a imprensa antes da reunião do gabinete ministerial do primeiro-ministro  Foto: Abir Sultan/ AP

De acordo com o projeto, a comissão para a escolha de juízes da Suprema Corte aumentaria para 11 membros, com a necessidade de 6 votos para a aprovação de um novo juiz para a corte, que seria composta por 3 juízes, 3 membros da Knesset (2 da coalizão e 1 da oposição), 3 ministros do governo e duas pessoas que seriam apontadas pelo ministro da Justiça. Os 6 votos para a aprovação devem incluir o do parlamentar da oposição e de um dos juízes.

A oposição considera que a reforma na indicação dos juízes abre portas para que a Corte tenha um viés similar ao da coalizão.

Além disso, a reforma também prevê a abolição da exigência de que os ministros obedeçam aos conselhos de seus assessores jurídicos, que ficam sob a jurisdição do procurador-geral. Os ministros são obrigados por lei a acatar as decisões dos assessores jurídicos. Com a reforma, os titulares das pastas poderiam apontar os próprios assessores, que não ficariam sob o comando do procurador.

Lajst avalia que nenhuma outra parte da reforma deve ser aprovada pelo parlamento, principalmente porque parlamentares do Likud, partido do primeiro-ministro, apontam que a coalizão deve dialogar com a oposição em relação as outras partes do projeto. “As pesquisas em Israel já projetaram que se a eleição fosse hoje o partido de Netanyahu não conseguiria formar uma coalizão, existem eleitores desta coalizão que não ficaram satisfeitos com a maneira que o processo foi feito e os parlamentares do Likud sabem disso”, pondera Lajst.

Protestos

Em meio a polarização, os protestos continuam em Israel, com forte participação de pessoas de todas as idades e dos mais diferentes setores como reservistas do exército, médicos e funcionários de empresas de tecnologia que se dizem preocupadas com o futuro da democracia em Israel.

Em artigo de opinião publicado no jornal The Washington Post, o professor Adam Shinar, da Reichman University aponta que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quer reformar o judiciário com o objetivo de enfraquecer a democracia em Israel para alcançar os objetivos de sua coalizão.

“Uma vez que os contrapesos ao poder do Executivo forem removidos, a coalizão de governo de Netanyahu poderá avançar com sua agenda substantiva: fortalecer o controle sobre a Cisjordânia, erguer mais assentamentos coloniais no território palestino e, eventualmente, anexá-lo; aumentar o apoio financeiro aos judeus ultraortodoxos e assegurar sua dispensa do serviço militar”, apontou Shinar.

Para o cientista político André Lajst, os protestos ocorrem também por conta da coalizão que está propondo a reforma. “Para quem está protestando, o problema não é só a reforma, mas quem está fazendo a reforma e porque está fazendo”, acrescenta Lajst. “Um exemplo disso é o Itamar Ben-Gvir, atual ministro da Segurança Nacional, que era tão extremista na juventude a ponto do exército israelense não ter deixado ele cumprir o serviço militar por conta de sua ligação com grupos de extrema-direita durante a juventude”, acrescenta o especialista.

Já o pesquisador do Kohelet Policy Forum avalia que a divisão nacional é ruim para o país. “O governo não agiu necessariamente de uma forma que apazigue os medos das pessoas que estão protestando, o que aumenta a magnitude das manifestações. Infelizmente, existe também um forte apoio da mídia contra a reforma, que cria uma histeria geral entre os que estão protestando”, acrescenta Shalev.

Manifestantes protestam em Tel Aviv contra a reforma do judiciário em Israel  Foto: Abir Sultan/ EFE

Constituição

Um dos grandes questionamentos que ficam com o estresse democrático israelense é se o país seria capaz de criar uma constituição, substituindo as chamadas Leis Básicas.

De acordo com Lajst, o DNA democrático da sociedade israelense faz com que seja possível acreditar que Israel pode chegar a um consenso para que uma constituição seja feita. “Israel sempre foi uma democracia liberal, os direitos civis foram conquistados através de processos democráticos, sempre com muito debate e liberdade de imprensa”, ponderou o cientista político.

Contudo, o especialista avalia que a polarização e as diferentes visões sobre o futuro do país dificultam que a sociedade israelense como um todo possa pensar neste processo.

Para Shalev, da Kohelet Policy Forum, as divisões da sociedade israelense fazem com que o processo para a criação de uma constituição seja muito difícil. “Desde antes da criação de Israel, o movimento sionista tinha divisões muito fortes em questões importantes como o papel do Estado e a importância da religião neste Estado. A Declaração de Independência de Israel diz que o país iria fazer uma assembleia constituinte para depois escrever uma constituição, mas rapidamente se tornou óbvio que isso é impossível por conta das profundas divisões da sociedade israelense”, completou o advogado.

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