Como a Ucrânia aprendeu a decodificar a conversa dos russos para salvar vidas


Soldados ucranianos ficaram meses escutando comunicações dos russos e aprenderam seus códigos, contribuindo para uma melhor preparação de Kiev em relação aos ataques de Moscou

Por Samya Kullab

FLORESTA DE SEREBRYANSKY, Ucrânia (AP) — O rádio estala ao receber comunicações inimigas ainda difíceis de decifrar, mas um comando em russo pode ser ouvido claramente: “Preparar cinco saquinhos de chá chineses para o laranja 38″.

Um soldado ucraniano conhecido no campo de batalha como Mikhass, que passou meses ouvindo e analisando comunicações desse tipo, consegue decodificar rapidamente os termos. O significado: Preparar cinco projéteis de artilharia feitos por Pequim e dispará-los contra uma posição ucraniana específica na Floresta de Serebryansky, que forma a linha de frente no tumultuado nordeste do país.

Escondido no porão de uma casa abandonada a 12 quilômetros de distância, Mikhass alerta imediatamente o comandante de uma unidade operando naquela região da floresta, dando a ele minutos cruciais para levar seus homens até as trincheiras e salvar suas vidas.

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Um soldado ucraniano escuta conversas de soldados russos em um abrigo em Bakhmut, Ucrânia  Foto: Efrem Lukatsky/AP

Na defensiva e enfrentando uma escassez crítica de munição e soldados após dois anos de guerra, as forças ucranianas estão recorrendo cada vez mais a uma tática antiga: informações captadas via mensagens de rádio interceptadas, em uma tentativa desesperada de preservar seus recursos mais vitais.

O trabalho árduo é parte de um esforço mais amplo para incrementar e refinar as capacidades de guerra eletrônica para que os soldados possam receber alertas antecipados de ataques iminentes, ao mesmo tempo contando com a inteligência de campo de batalha necessária para tornar seus próprios ataques mais mortais. Para evitar ataques com drones inimigos, o uso de embaralhadores de sinal também está crescendo.

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Após meses de virtual impasse ao longo dos mil quilômetros da linha de frente, a Ucrânia aguarda ataques violentos esse ano por parte de um inimigo russo determinado a desgastar suas defesas para conseguir penetrá-las. O presidente russo Vladimir Putin disse que não haverá paz até que a Rússia alcance seus objetivos, que incluem a recaptura de toda a região do Donbas, no leste da Ucrânia, anexada ilegalmente pelos russos em 2022.

O comandante promovido semana passada como líder do exército da Ucrânia, general Oleksandr Syrskyi, destacou a importância da guerra eletrônica, e o ministro da defesa do país aumentou os gastos com pessoal e tecnologia para reforçar essas capacidades.

Um soldado ucraniano trabalha com um sistema de guerra eletrônica para ouvir conversas russas em um abrigo na linha de frente perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP
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Salvando vidas

A Rússia, que controla aproximadamente um quinto da Ucrânia, dispõe da vantagem de uma indústria doméstica de armamentos mais desenvolvida, usando o recrutamento e a coerção para convocar soldados.

Para a Ucrânia, a falta de munição obrigou as brigadas a usar munição comedidamente, atirando somente depois de identificar alvos precisos. A dificuldade de mobilização de mais soldados significa que os comandantes ucranianos precisam cuidar especialmente de proteger as vidas de seus homens enquanto tentam rechaçar ferozes ataques russos.

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É nesse contexto que melhorias na vigilância, interceptação e embaralhamento se tornaram mais urgentes.

Vários quilômetros ao sul da posição de Mikhass, na cidade de Konstantinivka (região de Donetsk), a unidade de guerra eletrônica da 93a Brigada está usando embaralhadores para afastar drones de ataque, a principal causa de ferimentos em soldados na região.

Um soldado ucraniano instala um sistema de guerra eletrônica para reprimir drones russos na linha de frente, perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP
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O comandante do pelotão está alerta, observando um notebook que mostra sinais apanhados por pequenas antenas instaladas perto da linha de frente. Quando um drone russo de ataque modelo Lancet se aproxima de sua área de operações, a tela se ilumina com essa atividade.

O comandante, conhecido no campo de batalha como Oleksandr, ativa um botão para ligar o embaralhador, que interfere com o radar do drone; o efeito é semelhante ao de ofuscar alguém com uma luz brilhante para desorientar a pessoa.

“É essencial”, diz ele a respeito da operação. “Muitos estão morrendo por causa desses drones.”

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Operadores de rádio como Mikhass se revezam em turnos contínuos.

As antenas das quais ele depende para detectar sinais de rádio russos são camufladas, projetando-se das árvores na floresta perto de Kreminna, próximas às posições russas. A partir de uma silenciosa central de comando em um porão próximo, Mikhass e outros soldados fumam sem parar, escutando com seus fones de ouvido.

Um soldado ucraniano olha para o monitor de um sistema de guerra eletrônica em um abrigo para reprimir drones russos na linha de frente, perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

Uma nova e sofisticada antena de localização de sinal, parecida com um carrossel, usa a triangulação para detectar a origem das ondas de rádio.

Essa informação é cruzada com as imagens obtidas a partir de drones de reconhecimento, usando mapas detalhados das posições inimigas para lentamente interpretar o significado daquilo.

Eles fazem parte dos 50 membros de uma unidade de inteligência apelidada de Coelhinhos de Cherkess — o nome foi inspirado no estrategista chinês Sun Tzu, que aconselhava os guerreiros a fingirem fraqueza em momentos de força.

“Ninguém levaria os coelhinhos a sério, certo?” disse Cherkess, comandante da unidade.

As mensagens de rádio interceptadas revelam que o Kremlin está determinado a controlar toda a Floresta de Serebryansky, que separa Lyman, controlada pela Ucrânia, de Kreminna, ocupada pela Rússia. É parte de um esforço para chegar ao vilarejo de Torske, em Donetsk, situado a oeste de Kreminna. A partir de Torske, a Rússia estará mais perto de capturar a central de Lyman, nas imediações, o que seria um golpe devastador para a Ucrânia, prejudicando sua capacidade de levar suprimentos à linha de frente.

Um soldado ucraniano instala uma antena de sistema de guerra eletrônica para ouvir conversas russas na linha de frente perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia Foto: Efrem Lukatsky/AP

Decodificando ordens

Cherkess e seus homens, em sua maioria voluntários vindos da infantaria, compreendem que não poderia haver mais em jogo, especialmente diante dos crescentes sinais de que o apoio dos aliados do Ocidente está menos garantido.

Depois de escutar as mensagens em russo por horas e horas a cada dia, boa parte delas relacionadas ao movimento de tropas, fogo de artilharia e uso de drones de reconhecimento, eles gradualmente começaram a entender o seu significado, com a ajuda de software especializado.

“Pepinos” são morteiros, “cenouras” são lança-granadas, e as posições são citadas usando um código numérico e uma cor correspondente. A unidade levou meses para decodificar essas ordens russas.

A chegada de novos equipamentos de combate e mais munição, e especialmente a mobilização da infantaria, são indícios da iminência de um novo ataque.

“(O soldado) não quer saber que tipo de radar os russos estão usando. Ele precisa de informação para saber se haverá um ataque esta noite, quem será mobilizado, e se haverá tanques, veículos blindados, ou apenas infantaria”, disse Cherkess. “E temos que entender quanto tempo temos para nos preparar. Uma semana? Duas? Um mês?”

Informações antecipando a movimentação de tropas inimigas também são úteis para soldados ucranianos buscando oportunidades ofensivas, disse ele. É assim que podem causar o maior número de baixas.

Na semana passada, uma operação russa de ataque foi realizada contra uma brigada vizinha. Mas os soldados ucranianos ali posicionados estavam preparados para receber seus inimigos.

Mantendo a dianteira

É impossível exagerar a importância da vigilância eletrônica, disse Yaroslav Kalinin, diretor executivo da Infozahyst, empresa contratada pelo ministério da defesa da Ucrânia.

Antes da guerra, a Infozahyst prestava serviços de escuta telefônica para os gabinetes do presidente e do primeiro-ministro. Quando a guerra começou, a empresa se adaptou para ajudar o exército fabricando um versátil sistema de localização de sinal, atualmente em alta demanda.

Recentemente, o governo dobrou seu contrato de compra com a Infozahyst, de acordo com Kalinin.

O reforço das capacidades de vigilância é em parte uma admissão da necessidade de alcançar os russos, que investiram pesado nesse tipo de tecnologia muito antes de invadirem a Ucrânia.

Bombeiros ucranianos observam um prédio destruído após um bombardeio aéreo russo em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Escritório do governo de Kharkiv / AP

Kalinin acredita que dispositivos melhores, menores e mais fáceis de esconder acabarão dando à Ucrânia uma vantagem.

Os russos sabem que suas comunicações são interceptadas e, periodicamente, tentam enganar o inimigo com informações falsas. Cabe a operadores de rádio como Mikhass discernir as mensagens importantes em meio a esse ruído.

“A artilharia deles nos ajuda”, explicou ele. “Eles avisam onde vão disparar, e então verificamos onde os disparos atingiram.”

“Laranja 38″, a localização que Mikhass captou recentemente como destino de um futuro ataque, é representada no mapa por um pequeno ponto, cercado por centenas de outros pontos que representam localizações já decodificadas. “Precisamos de muito tempo para revelar esses pontos”, disse ele.

E, com a Rússia aumentando a pressão, o tempo está se esgotando. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

FLORESTA DE SEREBRYANSKY, Ucrânia (AP) — O rádio estala ao receber comunicações inimigas ainda difíceis de decifrar, mas um comando em russo pode ser ouvido claramente: “Preparar cinco saquinhos de chá chineses para o laranja 38″.

Um soldado ucraniano conhecido no campo de batalha como Mikhass, que passou meses ouvindo e analisando comunicações desse tipo, consegue decodificar rapidamente os termos. O significado: Preparar cinco projéteis de artilharia feitos por Pequim e dispará-los contra uma posição ucraniana específica na Floresta de Serebryansky, que forma a linha de frente no tumultuado nordeste do país.

Escondido no porão de uma casa abandonada a 12 quilômetros de distância, Mikhass alerta imediatamente o comandante de uma unidade operando naquela região da floresta, dando a ele minutos cruciais para levar seus homens até as trincheiras e salvar suas vidas.

Um soldado ucraniano escuta conversas de soldados russos em um abrigo em Bakhmut, Ucrânia  Foto: Efrem Lukatsky/AP

Na defensiva e enfrentando uma escassez crítica de munição e soldados após dois anos de guerra, as forças ucranianas estão recorrendo cada vez mais a uma tática antiga: informações captadas via mensagens de rádio interceptadas, em uma tentativa desesperada de preservar seus recursos mais vitais.

O trabalho árduo é parte de um esforço mais amplo para incrementar e refinar as capacidades de guerra eletrônica para que os soldados possam receber alertas antecipados de ataques iminentes, ao mesmo tempo contando com a inteligência de campo de batalha necessária para tornar seus próprios ataques mais mortais. Para evitar ataques com drones inimigos, o uso de embaralhadores de sinal também está crescendo.

Após meses de virtual impasse ao longo dos mil quilômetros da linha de frente, a Ucrânia aguarda ataques violentos esse ano por parte de um inimigo russo determinado a desgastar suas defesas para conseguir penetrá-las. O presidente russo Vladimir Putin disse que não haverá paz até que a Rússia alcance seus objetivos, que incluem a recaptura de toda a região do Donbas, no leste da Ucrânia, anexada ilegalmente pelos russos em 2022.

O comandante promovido semana passada como líder do exército da Ucrânia, general Oleksandr Syrskyi, destacou a importância da guerra eletrônica, e o ministro da defesa do país aumentou os gastos com pessoal e tecnologia para reforçar essas capacidades.

Um soldado ucraniano trabalha com um sistema de guerra eletrônica para ouvir conversas russas em um abrigo na linha de frente perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

Salvando vidas

A Rússia, que controla aproximadamente um quinto da Ucrânia, dispõe da vantagem de uma indústria doméstica de armamentos mais desenvolvida, usando o recrutamento e a coerção para convocar soldados.

Para a Ucrânia, a falta de munição obrigou as brigadas a usar munição comedidamente, atirando somente depois de identificar alvos precisos. A dificuldade de mobilização de mais soldados significa que os comandantes ucranianos precisam cuidar especialmente de proteger as vidas de seus homens enquanto tentam rechaçar ferozes ataques russos.

É nesse contexto que melhorias na vigilância, interceptação e embaralhamento se tornaram mais urgentes.

Vários quilômetros ao sul da posição de Mikhass, na cidade de Konstantinivka (região de Donetsk), a unidade de guerra eletrônica da 93a Brigada está usando embaralhadores para afastar drones de ataque, a principal causa de ferimentos em soldados na região.

Um soldado ucraniano instala um sistema de guerra eletrônica para reprimir drones russos na linha de frente, perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

O comandante do pelotão está alerta, observando um notebook que mostra sinais apanhados por pequenas antenas instaladas perto da linha de frente. Quando um drone russo de ataque modelo Lancet se aproxima de sua área de operações, a tela se ilumina com essa atividade.

O comandante, conhecido no campo de batalha como Oleksandr, ativa um botão para ligar o embaralhador, que interfere com o radar do drone; o efeito é semelhante ao de ofuscar alguém com uma luz brilhante para desorientar a pessoa.

“É essencial”, diz ele a respeito da operação. “Muitos estão morrendo por causa desses drones.”

Operadores de rádio como Mikhass se revezam em turnos contínuos.

As antenas das quais ele depende para detectar sinais de rádio russos são camufladas, projetando-se das árvores na floresta perto de Kreminna, próximas às posições russas. A partir de uma silenciosa central de comando em um porão próximo, Mikhass e outros soldados fumam sem parar, escutando com seus fones de ouvido.

Um soldado ucraniano olha para o monitor de um sistema de guerra eletrônica em um abrigo para reprimir drones russos na linha de frente, perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

Uma nova e sofisticada antena de localização de sinal, parecida com um carrossel, usa a triangulação para detectar a origem das ondas de rádio.

Essa informação é cruzada com as imagens obtidas a partir de drones de reconhecimento, usando mapas detalhados das posições inimigas para lentamente interpretar o significado daquilo.

Eles fazem parte dos 50 membros de uma unidade de inteligência apelidada de Coelhinhos de Cherkess — o nome foi inspirado no estrategista chinês Sun Tzu, que aconselhava os guerreiros a fingirem fraqueza em momentos de força.

“Ninguém levaria os coelhinhos a sério, certo?” disse Cherkess, comandante da unidade.

As mensagens de rádio interceptadas revelam que o Kremlin está determinado a controlar toda a Floresta de Serebryansky, que separa Lyman, controlada pela Ucrânia, de Kreminna, ocupada pela Rússia. É parte de um esforço para chegar ao vilarejo de Torske, em Donetsk, situado a oeste de Kreminna. A partir de Torske, a Rússia estará mais perto de capturar a central de Lyman, nas imediações, o que seria um golpe devastador para a Ucrânia, prejudicando sua capacidade de levar suprimentos à linha de frente.

Um soldado ucraniano instala uma antena de sistema de guerra eletrônica para ouvir conversas russas na linha de frente perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia Foto: Efrem Lukatsky/AP

Decodificando ordens

Cherkess e seus homens, em sua maioria voluntários vindos da infantaria, compreendem que não poderia haver mais em jogo, especialmente diante dos crescentes sinais de que o apoio dos aliados do Ocidente está menos garantido.

Depois de escutar as mensagens em russo por horas e horas a cada dia, boa parte delas relacionadas ao movimento de tropas, fogo de artilharia e uso de drones de reconhecimento, eles gradualmente começaram a entender o seu significado, com a ajuda de software especializado.

“Pepinos” são morteiros, “cenouras” são lança-granadas, e as posições são citadas usando um código numérico e uma cor correspondente. A unidade levou meses para decodificar essas ordens russas.

A chegada de novos equipamentos de combate e mais munição, e especialmente a mobilização da infantaria, são indícios da iminência de um novo ataque.

“(O soldado) não quer saber que tipo de radar os russos estão usando. Ele precisa de informação para saber se haverá um ataque esta noite, quem será mobilizado, e se haverá tanques, veículos blindados, ou apenas infantaria”, disse Cherkess. “E temos que entender quanto tempo temos para nos preparar. Uma semana? Duas? Um mês?”

Informações antecipando a movimentação de tropas inimigas também são úteis para soldados ucranianos buscando oportunidades ofensivas, disse ele. É assim que podem causar o maior número de baixas.

Na semana passada, uma operação russa de ataque foi realizada contra uma brigada vizinha. Mas os soldados ucranianos ali posicionados estavam preparados para receber seus inimigos.

Mantendo a dianteira

É impossível exagerar a importância da vigilância eletrônica, disse Yaroslav Kalinin, diretor executivo da Infozahyst, empresa contratada pelo ministério da defesa da Ucrânia.

Antes da guerra, a Infozahyst prestava serviços de escuta telefônica para os gabinetes do presidente e do primeiro-ministro. Quando a guerra começou, a empresa se adaptou para ajudar o exército fabricando um versátil sistema de localização de sinal, atualmente em alta demanda.

Recentemente, o governo dobrou seu contrato de compra com a Infozahyst, de acordo com Kalinin.

O reforço das capacidades de vigilância é em parte uma admissão da necessidade de alcançar os russos, que investiram pesado nesse tipo de tecnologia muito antes de invadirem a Ucrânia.

Bombeiros ucranianos observam um prédio destruído após um bombardeio aéreo russo em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Escritório do governo de Kharkiv / AP

Kalinin acredita que dispositivos melhores, menores e mais fáceis de esconder acabarão dando à Ucrânia uma vantagem.

Os russos sabem que suas comunicações são interceptadas e, periodicamente, tentam enganar o inimigo com informações falsas. Cabe a operadores de rádio como Mikhass discernir as mensagens importantes em meio a esse ruído.

“A artilharia deles nos ajuda”, explicou ele. “Eles avisam onde vão disparar, e então verificamos onde os disparos atingiram.”

“Laranja 38″, a localização que Mikhass captou recentemente como destino de um futuro ataque, é representada no mapa por um pequeno ponto, cercado por centenas de outros pontos que representam localizações já decodificadas. “Precisamos de muito tempo para revelar esses pontos”, disse ele.

E, com a Rússia aumentando a pressão, o tempo está se esgotando. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

FLORESTA DE SEREBRYANSKY, Ucrânia (AP) — O rádio estala ao receber comunicações inimigas ainda difíceis de decifrar, mas um comando em russo pode ser ouvido claramente: “Preparar cinco saquinhos de chá chineses para o laranja 38″.

Um soldado ucraniano conhecido no campo de batalha como Mikhass, que passou meses ouvindo e analisando comunicações desse tipo, consegue decodificar rapidamente os termos. O significado: Preparar cinco projéteis de artilharia feitos por Pequim e dispará-los contra uma posição ucraniana específica na Floresta de Serebryansky, que forma a linha de frente no tumultuado nordeste do país.

Escondido no porão de uma casa abandonada a 12 quilômetros de distância, Mikhass alerta imediatamente o comandante de uma unidade operando naquela região da floresta, dando a ele minutos cruciais para levar seus homens até as trincheiras e salvar suas vidas.

Um soldado ucraniano escuta conversas de soldados russos em um abrigo em Bakhmut, Ucrânia  Foto: Efrem Lukatsky/AP

Na defensiva e enfrentando uma escassez crítica de munição e soldados após dois anos de guerra, as forças ucranianas estão recorrendo cada vez mais a uma tática antiga: informações captadas via mensagens de rádio interceptadas, em uma tentativa desesperada de preservar seus recursos mais vitais.

O trabalho árduo é parte de um esforço mais amplo para incrementar e refinar as capacidades de guerra eletrônica para que os soldados possam receber alertas antecipados de ataques iminentes, ao mesmo tempo contando com a inteligência de campo de batalha necessária para tornar seus próprios ataques mais mortais. Para evitar ataques com drones inimigos, o uso de embaralhadores de sinal também está crescendo.

Após meses de virtual impasse ao longo dos mil quilômetros da linha de frente, a Ucrânia aguarda ataques violentos esse ano por parte de um inimigo russo determinado a desgastar suas defesas para conseguir penetrá-las. O presidente russo Vladimir Putin disse que não haverá paz até que a Rússia alcance seus objetivos, que incluem a recaptura de toda a região do Donbas, no leste da Ucrânia, anexada ilegalmente pelos russos em 2022.

O comandante promovido semana passada como líder do exército da Ucrânia, general Oleksandr Syrskyi, destacou a importância da guerra eletrônica, e o ministro da defesa do país aumentou os gastos com pessoal e tecnologia para reforçar essas capacidades.

Um soldado ucraniano trabalha com um sistema de guerra eletrônica para ouvir conversas russas em um abrigo na linha de frente perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

Salvando vidas

A Rússia, que controla aproximadamente um quinto da Ucrânia, dispõe da vantagem de uma indústria doméstica de armamentos mais desenvolvida, usando o recrutamento e a coerção para convocar soldados.

Para a Ucrânia, a falta de munição obrigou as brigadas a usar munição comedidamente, atirando somente depois de identificar alvos precisos. A dificuldade de mobilização de mais soldados significa que os comandantes ucranianos precisam cuidar especialmente de proteger as vidas de seus homens enquanto tentam rechaçar ferozes ataques russos.

É nesse contexto que melhorias na vigilância, interceptação e embaralhamento se tornaram mais urgentes.

Vários quilômetros ao sul da posição de Mikhass, na cidade de Konstantinivka (região de Donetsk), a unidade de guerra eletrônica da 93a Brigada está usando embaralhadores para afastar drones de ataque, a principal causa de ferimentos em soldados na região.

Um soldado ucraniano instala um sistema de guerra eletrônica para reprimir drones russos na linha de frente, perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

O comandante do pelotão está alerta, observando um notebook que mostra sinais apanhados por pequenas antenas instaladas perto da linha de frente. Quando um drone russo de ataque modelo Lancet se aproxima de sua área de operações, a tela se ilumina com essa atividade.

O comandante, conhecido no campo de batalha como Oleksandr, ativa um botão para ligar o embaralhador, que interfere com o radar do drone; o efeito é semelhante ao de ofuscar alguém com uma luz brilhante para desorientar a pessoa.

“É essencial”, diz ele a respeito da operação. “Muitos estão morrendo por causa desses drones.”

Operadores de rádio como Mikhass se revezam em turnos contínuos.

As antenas das quais ele depende para detectar sinais de rádio russos são camufladas, projetando-se das árvores na floresta perto de Kreminna, próximas às posições russas. A partir de uma silenciosa central de comando em um porão próximo, Mikhass e outros soldados fumam sem parar, escutando com seus fones de ouvido.

Um soldado ucraniano olha para o monitor de um sistema de guerra eletrônica em um abrigo para reprimir drones russos na linha de frente, perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 29 de janeiro de 2024 Foto: Efrem Lukatsky/AP

Uma nova e sofisticada antena de localização de sinal, parecida com um carrossel, usa a triangulação para detectar a origem das ondas de rádio.

Essa informação é cruzada com as imagens obtidas a partir de drones de reconhecimento, usando mapas detalhados das posições inimigas para lentamente interpretar o significado daquilo.

Eles fazem parte dos 50 membros de uma unidade de inteligência apelidada de Coelhinhos de Cherkess — o nome foi inspirado no estrategista chinês Sun Tzu, que aconselhava os guerreiros a fingirem fraqueza em momentos de força.

“Ninguém levaria os coelhinhos a sério, certo?” disse Cherkess, comandante da unidade.

As mensagens de rádio interceptadas revelam que o Kremlin está determinado a controlar toda a Floresta de Serebryansky, que separa Lyman, controlada pela Ucrânia, de Kreminna, ocupada pela Rússia. É parte de um esforço para chegar ao vilarejo de Torske, em Donetsk, situado a oeste de Kreminna. A partir de Torske, a Rússia estará mais perto de capturar a central de Lyman, nas imediações, o que seria um golpe devastador para a Ucrânia, prejudicando sua capacidade de levar suprimentos à linha de frente.

Um soldado ucraniano instala uma antena de sistema de guerra eletrônica para ouvir conversas russas na linha de frente perto de Bakhmut, região de Donetsk, Ucrânia Foto: Efrem Lukatsky/AP

Decodificando ordens

Cherkess e seus homens, em sua maioria voluntários vindos da infantaria, compreendem que não poderia haver mais em jogo, especialmente diante dos crescentes sinais de que o apoio dos aliados do Ocidente está menos garantido.

Depois de escutar as mensagens em russo por horas e horas a cada dia, boa parte delas relacionadas ao movimento de tropas, fogo de artilharia e uso de drones de reconhecimento, eles gradualmente começaram a entender o seu significado, com a ajuda de software especializado.

“Pepinos” são morteiros, “cenouras” são lança-granadas, e as posições são citadas usando um código numérico e uma cor correspondente. A unidade levou meses para decodificar essas ordens russas.

A chegada de novos equipamentos de combate e mais munição, e especialmente a mobilização da infantaria, são indícios da iminência de um novo ataque.

“(O soldado) não quer saber que tipo de radar os russos estão usando. Ele precisa de informação para saber se haverá um ataque esta noite, quem será mobilizado, e se haverá tanques, veículos blindados, ou apenas infantaria”, disse Cherkess. “E temos que entender quanto tempo temos para nos preparar. Uma semana? Duas? Um mês?”

Informações antecipando a movimentação de tropas inimigas também são úteis para soldados ucranianos buscando oportunidades ofensivas, disse ele. É assim que podem causar o maior número de baixas.

Na semana passada, uma operação russa de ataque foi realizada contra uma brigada vizinha. Mas os soldados ucranianos ali posicionados estavam preparados para receber seus inimigos.

Mantendo a dianteira

É impossível exagerar a importância da vigilância eletrônica, disse Yaroslav Kalinin, diretor executivo da Infozahyst, empresa contratada pelo ministério da defesa da Ucrânia.

Antes da guerra, a Infozahyst prestava serviços de escuta telefônica para os gabinetes do presidente e do primeiro-ministro. Quando a guerra começou, a empresa se adaptou para ajudar o exército fabricando um versátil sistema de localização de sinal, atualmente em alta demanda.

Recentemente, o governo dobrou seu contrato de compra com a Infozahyst, de acordo com Kalinin.

O reforço das capacidades de vigilância é em parte uma admissão da necessidade de alcançar os russos, que investiram pesado nesse tipo de tecnologia muito antes de invadirem a Ucrânia.

Bombeiros ucranianos observam um prédio destruído após um bombardeio aéreo russo em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Escritório do governo de Kharkiv / AP

Kalinin acredita que dispositivos melhores, menores e mais fáceis de esconder acabarão dando à Ucrânia uma vantagem.

Os russos sabem que suas comunicações são interceptadas e, periodicamente, tentam enganar o inimigo com informações falsas. Cabe a operadores de rádio como Mikhass discernir as mensagens importantes em meio a esse ruído.

“A artilharia deles nos ajuda”, explicou ele. “Eles avisam onde vão disparar, e então verificamos onde os disparos atingiram.”

“Laranja 38″, a localização que Mikhass captou recentemente como destino de um futuro ataque, é representada no mapa por um pequeno ponto, cercado por centenas de outros pontos que representam localizações já decodificadas. “Precisamos de muito tempo para revelar esses pontos”, disse ele.

E, com a Rússia aumentando a pressão, o tempo está se esgotando. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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