O rádio dos ucranianos emitiu um alerta urgente: um veículo russo apinhado de soldados de infantaria estava à espreita em um bosque e tinha de ser eliminado.
A missão foi dada a Viktor, de 40 anos, comandante de um Veículo de Combate Bradley, de fabricação americana, que patrulhava uma das principais estradas da zona rural do vilarejo de Sokil, no leste da Ucrânia, onde o Kremlin tem ganhado terreno este ano.
Os russos emergiram das árvores e, por alguns caóticos segundos, os dois veículos aceleraram um na direção do outro disparando suas armas pesadas — como num torneio medieval. Um soldado caiu do veículo russo em alta velocidade. O carro de Viktor levou um tiro catastrófico ao seu sistema de mira, o que desabilitou sua principal arma.
“Vai pra cima cima dele”, ordenou Viktor ao seu piloto. Esse combate, de 31 de maio, capturado pela câmera de um drone, cujas imagens viralizaram posteriormente, sublinha o modo com que Kiev tem usado seus Bradleys fornecidos pelos Estados Unidos de maneiras extremas e singulares para compensar seus exauridos estoques de munições de artilharia e sua escassez de contingente, afirmaram soldados e analistas. Um vídeo editado do incidente foi publicado pelo ministério ucraniano da Defesa.
Após serem entregues para a Ucrânia, no ano passado, os Bradleys americanos, cada um pesando cerca de 28 toneladas, foram usados inicialmente como aríetes para perfurar defesas russas durante a fracassada contraofensiva do ano passado. Mas agora têm sido acionados para caçar e eliminar outros veículos blindados, resgatar soldados feridos e como um armamento móvel para destruir posições inimigas, afirmaram observadores.
No outono (Hemisfério Norte), a 47.ª Brigada Mecanizada Separada e seus Bradleys movimentaram-se para o leste, até Donetsk, para combater os russos na estratégica cidade de Avdiivka, capturada pelas forças de Moscou. Sua tropa cumpriu todas essas missões e mais, afirmou ele, relatando também como seus soldados usaram o poder de fogo do Bradley para destruir um tanque e um carro batedor.
“Explodiram lindamente”, afirmou Viktor. “Queimaram rápido, como um fósforo.”
Viktor conversou com o Washington Post sob a condição de que somente seu primeiro nome fosse revelado, seguindo o protocolo militar da Ucrânia. Numa entrevista concedida no hospital onde se recuperava de ferimentos sofridos em um outro incidente, ele elogiou a blindagem do Bradley e o treinamento que recebeu de militares americanos na Alemanha, no ano passado.
Viktor listou todos os armamentos do veículo, incluindo seus mísseis guiados e seu canhão de 25 milímetros, que é capaz de disparar projéteis do tamanho de uma salsicha capazes de perfurar blindagens. Quando os projéteis atingem soldados da infantaria russa, afirmou ele, “não sobra nada”.
Os EUA forneceram 300 Bradleys para a Ucrânia, de acordo com informações do Pentágono. Desenvolvido pelos americanos nos anos 80 para proteger e complementar a frota do Exército de M1 Abrams, o Bradley ganhou o apelido de “táxi de batalha”, por sua capacidade de transportar seis soldados como passageiros sob sua pesada blindagem protetora.
O novo uso dos Bradleys é uma maneira pela qual o Exército da Ucrânia busca compensar seus atuais desafios no campo de batalha, causados em grande medida pela longa interrupção no fornecimento de ajuda militar dos EUA durante meses de impasse político em Washington.
A doutrina americana determina comumente que os Bradleys operem em grupos e juntamente com veículos como tanques, atingindo tipicamente alvos a longa distância, para evitar fogo inimigo. Essa estratégia é complementada com a proteção adicional de uma Força Aérea robusta. Mas o fornecimento limitado de veículos terrestres e aeronaves de combate para a Ucrânia e a persistente ameaça dos drones armados dos russos forçaram os comandantes ucranianos a mobilizar um ou dois veículos por missão, para evitar detecção.
Os comandantes ucranianos, em dificuldades por causa da escassez de munições, por exemplo, têm usado os Bradleys para atacar trincheiras inimigas e outras posições de combate, afirmou Rob Lee, pesquisador-sênior do Foreign Policy Research Institute, sediado na Filadélfia, que acompanha a guerra proximamente. Ele disse que essa flexibilidade pode ajudar a preservar soldados de infantaria de unidades cujos contingentes baixaram.
A curta distância, os Bradleys também são capazes de atacar edifícios que abrigam soldados russos e fortificações mais leves — uma missão perigosa, que é melhor ser cumprida por unidades de artilharia disparando a distâncias seguras, mas que tem sido realizada porque os projéteis de obuses têm sido racionados.
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Em um episódio notável, um drone ucraniano localizou um soldado ferido, que mostrava sua identidade militar para indicar que era amigo. Uma hora depois, um Bradley foi acionado para resgatá-lo.
“O Bradley é uma maneira eficaz de (os ucranianos) compensarem diferentes tipos de limitações sob as quais operam”, afirmou Lee.
Mas o confronto de 31 de maio foi especialmente incomum, dada a proximidade entre os veículos e a dimensão de sua brutalidade. Pelo menos dois soldados do blindado russo, identificado como BTR-82, saltaram ou caíram do veículo durante a troca de fogo. O carro de Viktor foi atingido três vezes.
Viktor ordenou ao piloto que rumasse diretamente na direção do veículo russo, ciente de que contava com várias toneladas a mais de aço e blindagem ao seu lado. Os russos desviaram na direção da relva, e os tripulantes que sobreviveram, depois de perder o jogo de quem desiste primeiro, buscaram abrigo em um edifício, mostra a filmagem do drone ucraniano.
O Bradley retornou para uma posição amiga em seu poder, afirmou Viktor. Outros soldados ucranianos atacaram a área a pé para combater os russos, disse ele.
Depois que o vídeo viralizou, perfis pró-Rússia postaram uma filmagem de drone alegando que o Bradley de Viktor tinha sido destruído, forçando sua tripulação a fugir.
Viktor qualificou esses relatos como desinformação e mostrou sua unidade em outra missão, naquela mesma área, três dias depois. Nesse episódio, afirmou ele, seu Bradley substituto passou por cima de uma mina, o que provocou numerosos ferimentos na tripulação. O piloto foi lançado através da escotilha e encontrado posteriormente durante buscas na área. Outro soldado, no banco de trás, quebrou uma perna.
A cabeça de Viktor bateu contra a estrutura do veículo, e ele sofreu ferimentos nas costas e nos joelhos.
Alguns dos ucranianos envolvidos na explosão da mina seguem no hospital e outros retornaram ao serviço, afirmou ele. Viktor passará um mês em recuperação antes de retornar para sua unidade, onde uma das limitações mais prementes é o baixo estoque de munições fornecidas pelos EUA. “Sempre falta”, afirmou ele. “Se tivéssemos mais balas, teríamos trabalhado mais.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO