“Estão preparando a coroação”, afirma um gerente de padaria em Caracas, capital da Venezuela, enquanto equipes de limpeza ajeitam as ruas do lado de fora. Em 10 de janeiro, Nicolás Maduro tomará posse de seu terceiro mandato como presidente no edifício da Assembleia Nacional, nas proximidades. Seu mandato desafiará a vontade popular. Em julho, uma clara maioria de venezuelanos votou contra ele, mas a autoridade eleitoral, controlada pelo regime, declarou que Maduro venceu a eleição com 52% dos votos.
Não será a primeira vez que ele veste a faixa presidencial em meio à controvérsia. A eleição anterior, em 2018, também foi uma farsa, com os principais líderes da oposição impedidos de concorrer. Mas desta vez a fraude foi mais longe. A oposição reuniu e publicou dezenas de milhares de recibos de máquinas de votação para provar que seu candidato venceu. Tudo em vão. “Temos de aceitar que a Venezuela está prestes a se tornar uma ditadura completa”, diz um diplomata ocidental em Caracas.
Em protesto, a maioria dos governos europeus não enviará nenhum representante à cerimônia. Mesmo países da região que já foram simpáticos, incluindo Brasil, Colômbia e México, não serão representados em alto nível. Espera-se que todos enviem apenas seus embaixadores residentes. Os Estados Unidos, que não têm relações diplomáticas com o governo da Venezuela desde 2019, estarão ausentes.
Outros autocratas da região, como os presidentes de Cuba e Nicarágua, quase certamente aparecerão. O presidente Vladimir Putin será representado por Viacheslav Volodin, presidente da Duma, o Parlamento da Rússia. China, Irã e Turquia provavelmente mandarão enviados especiais. Organizações estrangeiras de “solidariedade” esquerdistas foram convidadas para uma “conferência contra o fascismo” em Caracas que coincidirá com a posse. O regime citará sua presença como prova de apoio internacional.
O verdadeiro vencedor da eleição, Edmundo González, de 75 anos, está exilado na Espanha. De acordo com a contagem da oposição, esse ex-embaixador pouco conhecido obteve 67% dos votos, contra 30% de Maduro. Ele prometeu retornar ao seu país a tempo para o que deveria ser sua própria posse. “Voltarei à Venezuela por terra, ar ou mar”, prometeu ele em 17 de dezembro. González substituiu a líder da oposição María Corina Machado, extremamente popular, que o regime proibiu de concorrer, mas ainda assim ela ainda reuniu milhões de eleitores antirregime.
Machado está escondida na Venezuela. Em dezembro, ela transmitiu uma série de mensagens gravadas de áudio e vídeo lembrando os venezuelanos do que eles haviam conquistado no dia da eleição. Em uma delas, Machado se dirigiu diretamente a militares e policiais, pedindo que desertassem e a apoiassem. Em 1º de janeiro, ela divulgou outra mensagem, sugerindo manifestações massivas próximo ao dia da posse. “É a tarefa mais importante de nossas vidas”, disse ela.
Tudo isso lembra 2019, quando o então presidente da Assembleia Nacional eleita, Juan Guaidó, convocou protestos em massa nas ruas. Guaidó foi reconhecido como o líder legítimo da Venezuela pelos Estados Unidos e aproximadamente outros 60 países sob o argumento de que Maduro tinha usurpado o poder. Guaidó conseguiu convencer até o governo de Donald Trump de que o Exército da Venezuela estava pronto para desertar. Uma pequena revolta ocorreu, mas somente algumas dezenas de soldados se juntaram a Guaidó realmente. O esforço fracassou.
O imperador está nu
Agora o regime de Maduro cutuca a oposição afirmando que González será apenas outro Guaidó. Isso não cola. Ao contrário de Guaidó, González pode dizer com verdade que foi eleito líder da Venezuela diretamente pelo voto popular. A eleição de julho expôs a profunda impopularidade de Maduro e a disposição de seu regime à fraude. “Eles foram desmascarados”, afirma a professora Luisa, em Caracas.
Isso não significa que a queda do regime seja iminente. O Exército ainda é o árbitro definitivo do poder na Venezuela. Não há sinais de que seus generais, que há muito lucram com o capitalismo clientelista de Maduro, pretendam abrir mão de sua lealdade. Até agora, os escalões mais baixos, que são fortemente espionados, parecem ter tido pouca oportunidade de planejar uma tomada de poder. No fim de dezembro, 162 dos 1.794 presos políticos na Venezuela eram militares, de acordo com o Foro Penal, uma organização local de defesa de direitos humanos.
Grandes protestos parecem improváveis. Horas depois de o governo anunciar sua vitória, em julho, dezenas de milhares de venezuelanos saíram às ruas para protestar. A resposta do regime foi rápida. Nos dias que se seguiram, cerca de 2 mil pessoas, incluindo mais de 100 adolescentes, foram presas. Desde então, não houve grandes manifestações públicas. Em agosto, Maduro nomeou o temido chefe do Partido Socialista no poder, Diosdado Cabello, ministro do Interior, uma medida vista como um sinal verde para mais repressão. Uma lei para punir quem expresse apoio às sanções internacionais contra o país foi aprovada em novembro, prevendo penas de até 30 anos de prisão e confisco de todas as propriedades. Postos militares de controle foram incrementados em todo o país. Todos os estrangeiros são interrogados detalhadamente nos pontos de entrada da fronteira; vários foram detidos.
Portanto é provável que Maduro tome posse novamente sem obstáculos sérios. Mas isso não acabará com seus problemas. Dez dias depois, Trump tomará posse em Washington. Suas escolhas para sua equipe de política externa apontam para uma linha-dura contra Maduro.
Leia Também:
O secretário de Estado designado, Marco Rubio, é cubano-americano e um feroz oponente das três ditaduras esquerdistas atualmente no poder na região. O futuro subsecretário de Estado, Christopher Landau, conhece bem a Venezuela — seu pai foi embaixador no país no início dos anos 80 — e critica publicamente o regime. Outro falcão, Mauricio Claver-Carone, foi designado como enviado-especial de Trump para a América Latina. Ele foi um dos arquitetos do reconhecimento de Guaidó como presidente venezuelano pelos EUA e planejou a política de “pressão máxima” sobre a Venezuela no primeiro governo de Trump; sanções abrangentes foram então impostas aos setores de petróleo e finanças do país. O governo de Joe Biden suspendeu algumas, como parte das negociações em 2023, segundo as quais o regime concordou que eleições mais justas seriam realizadas.
Alguns especulam que o instinto de Trump desta vez pode ser negociar um acordo prevendo talvez que o regime de Maduro aceite venezuelanos deportados dos EUA em troca de sanções mais brandas ao petróleo. Mas se a máxima de que “a política é pessoal” vigorar, isso parece improvável. As nomeações de Trump sugerem que seu governo já decidiu que a única solução viável para a Venezuela é com Maduro destronado. O que ainda não está claro é como Trump pretende fazer isso./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO