Como a Venezuela se tornou dor de cabeça para o governo Lula


Em posição delicada após reeleição contestada de Nicolás Maduro, Brasil insiste em cobrar atas e pedir por diálogo, mas chavismo não abre espaço para saída negociada

Por Jéssica Petrovna
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quinta-feira, 8, uma solução pacífica para Venezuela após a reeleição de Nicolás Maduro, denunciada pela oposição como fraude. O chavismo, no entanto, não abre espaço para uma saída negociada e resiste à pressão internacional para comprovar a sua alegada vitória.

O governo foca em cobrar as atas das urnas, que até agora não foram tornadas públicas pelo Conselho Nacional Eleitoral, instituição cooptada pelo chavismo que declarou a vitória do ditador. A resistência complica a posição de Lula, que tenta liderar o diálogo com apoio de Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, presidentes da Colômbia e do México, respectivamente. Todos são de esquerda e próximos a Nicolás Maduro.

A posição oficial do governo de pedir por transparência e esperar as instituições venezuelanas antes de reconhecer qualquer um dos resultados divide analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda que a cautela está correta e quem diga que o País deveria ser mais firme com a ditadura chavista, que não deu sinais de colaboração ou abertura.

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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em reunião com ministros.  Foto: Wilton Junior/Estadão

“A postura do Itamaraty até agora tem sido correta. Há muitos indícios de fraude, mas a postura de um País que respeita a soberania é de esperar que as provas apareçam para se posicionar”, avalia o doutor em Relações Internacionais Daniel Buarque, editor-executivo do Interesse Nacional. Ele pondera, no entanto, que o Brasil precisa impor limites.

Lula já disse que, apresentadas as atas, a oposição deve contestar os resultados na Justiça (que nunca emite opiniões contrárias ao chavismo) e que a decisão deverá ser acatada. “Essa atitude de Lula criou uma armadilha contra o próprio governo. E se as atas não forem apresentadas”, aponta o ex-embaixador Rubens Barbosa em artigo publicado no Estadão.

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“Está claro que Maduro não vai apresentar atas contra si mesmo, se incriminando ou dizendo que ele perdeu”, afirma Hussein Kalout, cientista político, professor de Relações Internacionais e ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

“Ainda que apresente essas atas, elas já perderam credibilidade. Quem garante que não serão falsificadas ou fraudadas? E quem vai auditar essas atas é o próprio governo”, continua. Ele reconhece o quão delicada é a posição brasileira neste momento, mas afirma que o País deveria ter se preparado para o cenário de convulsão social e política da Venezuela.

Desde que voltou ao Palácio do Planalto, Lula demonstrou dificuldade em criticar o seu aliado de longa data. Na mesma entrevista em que defendeu a saída pela Justiça, ele disse que não via nada “grave” ou “anormal” no processo venezuelano. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi além e reconheceu a vitória de Nicolás Maduro.

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“Existe essa proximidade histórica e ideológica”, afirma Buarque ao traçar paralelos com o caso da Nicarágua. “Lula e o PT têm dificuldade (em romper com antigas alianças). Vimos no caso do reconhecimento do partido à eleição de Nicolás Maduro que tem claros problemas. É uma visão de mundo antiga, desconectada da realidade atual.”

Essa proximidade foi vista várias vezes desde o ano passado, quando Lula voltou à presidência. O petista tentou resgatar o aliado chavista do isolamento internacional que se intensificou sobre a Venezuela depois das eleições de 2018, também contestadas. O Brasil participou das discussões dos acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura do processo este ano, mas que têm sido desrespeitados por Nicolás Maduro desde o início.

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De saída, o regime inabilitou a líder opositora María Corina Machado e impediu o registro da candidatura de Corina Yoris, opção inicial da Plataforma Unitária para substituí-la. Em resposta, os Estados Unidos reimpuseram sanções que haviam sido relaxadas e governos mais simpáticos ao chavismo, como Lula e Petro, fizeram críticas inéditas.

A pressão se intensificou na reta final da campanha, quando Nicolás Maduro ameaçou com “banho de sangue” e “guerra civil” em caso de derrota. Lula se disse assustado com a declaração e rebateu: “Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica e quando você perde, você vai embora”.

Sem citá-lo diretamente, Nicolás Maduro respondeu que quem tivesse se assustado deveria tomar um chá de camomila. No dia seguinte, ele disse, sem provas, que as urnas brasileiras não são auditadas. O ataque levou o Tribunal Superior Eleitoral a cancelar a missão com observadores que enviaria a Caracas.

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Ainda assim, o Planalto mandou o assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim, destacado para ser os “olhos e ouvidos” do presidente Lula. A decisão foi considerada por analistas um erro.

“O governo se colocou numa armadilha à medida que enviou um representante do alto escalão para ir à Venezuela acompanhar o processo eleitoral no intuito de verificar a lisura do processo. Essa missão, por mais que seja bem intencionada, não tem como avaliar a lisura”, afirma Hussein Kalout, destacando que a fraude vinha sendo preparada com as inabilitações e prisões de opositores.

Luiz Inácio Lula da Silva recebe Nicolás Maduro em Brasília, maio de 2023. Foto: Wilton Junior/Estadão
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Reabilitação de Nicolás Maduro

Bem antes das eleições, o presidente causou polêmica relativizar o conceito de democracia no esforço para reabilitar o chavista. “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, disse à Rádio Gaúcha ano passado. “Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala.”

Esse esforço pela “volta” de Nicolás Maduro também se viu na sua recepção com pompas em Brasília para o encontro de líderes sul-americanos. Ao seu lado, Lula culpou as sanções dos Estados Unidos pelo debacle econômico que espalhou 7,7 milhões de imigrantes venezuelanos, ecoando a versão do chavismo, e disse que a Venezuela seria vítima de uma “narrativa”.

A declaração foi rebatida pelos presidentes do Chile, Gabriel Boric (de esquerda), e do Uruguai, Luis Lacalle Pou (centro-direita). O desconforto ofuscou o encontro que terminou com a promessa genérica de integração regional, mas sem propostas concretas ou qualquer menção à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que Lula queria relançar. Mesmo diante das críticas, o presidente brasileiro insistiu na defesa do chavismo: “Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula na época.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quinta-feira, 8, uma solução pacífica para Venezuela após a reeleição de Nicolás Maduro, denunciada pela oposição como fraude. O chavismo, no entanto, não abre espaço para uma saída negociada e resiste à pressão internacional para comprovar a sua alegada vitória.

O governo foca em cobrar as atas das urnas, que até agora não foram tornadas públicas pelo Conselho Nacional Eleitoral, instituição cooptada pelo chavismo que declarou a vitória do ditador. A resistência complica a posição de Lula, que tenta liderar o diálogo com apoio de Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, presidentes da Colômbia e do México, respectivamente. Todos são de esquerda e próximos a Nicolás Maduro.

A posição oficial do governo de pedir por transparência e esperar as instituições venezuelanas antes de reconhecer qualquer um dos resultados divide analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda que a cautela está correta e quem diga que o País deveria ser mais firme com a ditadura chavista, que não deu sinais de colaboração ou abertura.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em reunião com ministros.  Foto: Wilton Junior/Estadão

“A postura do Itamaraty até agora tem sido correta. Há muitos indícios de fraude, mas a postura de um País que respeita a soberania é de esperar que as provas apareçam para se posicionar”, avalia o doutor em Relações Internacionais Daniel Buarque, editor-executivo do Interesse Nacional. Ele pondera, no entanto, que o Brasil precisa impor limites.

Lula já disse que, apresentadas as atas, a oposição deve contestar os resultados na Justiça (que nunca emite opiniões contrárias ao chavismo) e que a decisão deverá ser acatada. “Essa atitude de Lula criou uma armadilha contra o próprio governo. E se as atas não forem apresentadas”, aponta o ex-embaixador Rubens Barbosa em artigo publicado no Estadão.

“Está claro que Maduro não vai apresentar atas contra si mesmo, se incriminando ou dizendo que ele perdeu”, afirma Hussein Kalout, cientista político, professor de Relações Internacionais e ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

“Ainda que apresente essas atas, elas já perderam credibilidade. Quem garante que não serão falsificadas ou fraudadas? E quem vai auditar essas atas é o próprio governo”, continua. Ele reconhece o quão delicada é a posição brasileira neste momento, mas afirma que o País deveria ter se preparado para o cenário de convulsão social e política da Venezuela.

Desde que voltou ao Palácio do Planalto, Lula demonstrou dificuldade em criticar o seu aliado de longa data. Na mesma entrevista em que defendeu a saída pela Justiça, ele disse que não via nada “grave” ou “anormal” no processo venezuelano. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi além e reconheceu a vitória de Nicolás Maduro.

“Existe essa proximidade histórica e ideológica”, afirma Buarque ao traçar paralelos com o caso da Nicarágua. “Lula e o PT têm dificuldade (em romper com antigas alianças). Vimos no caso do reconhecimento do partido à eleição de Nicolás Maduro que tem claros problemas. É uma visão de mundo antiga, desconectada da realidade atual.”

Essa proximidade foi vista várias vezes desde o ano passado, quando Lula voltou à presidência. O petista tentou resgatar o aliado chavista do isolamento internacional que se intensificou sobre a Venezuela depois das eleições de 2018, também contestadas. O Brasil participou das discussões dos acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura do processo este ano, mas que têm sido desrespeitados por Nicolás Maduro desde o início.

De saída, o regime inabilitou a líder opositora María Corina Machado e impediu o registro da candidatura de Corina Yoris, opção inicial da Plataforma Unitária para substituí-la. Em resposta, os Estados Unidos reimpuseram sanções que haviam sido relaxadas e governos mais simpáticos ao chavismo, como Lula e Petro, fizeram críticas inéditas.

A pressão se intensificou na reta final da campanha, quando Nicolás Maduro ameaçou com “banho de sangue” e “guerra civil” em caso de derrota. Lula se disse assustado com a declaração e rebateu: “Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica e quando você perde, você vai embora”.

Sem citá-lo diretamente, Nicolás Maduro respondeu que quem tivesse se assustado deveria tomar um chá de camomila. No dia seguinte, ele disse, sem provas, que as urnas brasileiras não são auditadas. O ataque levou o Tribunal Superior Eleitoral a cancelar a missão com observadores que enviaria a Caracas.

Ainda assim, o Planalto mandou o assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim, destacado para ser os “olhos e ouvidos” do presidente Lula. A decisão foi considerada por analistas um erro.

“O governo se colocou numa armadilha à medida que enviou um representante do alto escalão para ir à Venezuela acompanhar o processo eleitoral no intuito de verificar a lisura do processo. Essa missão, por mais que seja bem intencionada, não tem como avaliar a lisura”, afirma Hussein Kalout, destacando que a fraude vinha sendo preparada com as inabilitações e prisões de opositores.

Luiz Inácio Lula da Silva recebe Nicolás Maduro em Brasília, maio de 2023. Foto: Wilton Junior/Estadão

Reabilitação de Nicolás Maduro

Bem antes das eleições, o presidente causou polêmica relativizar o conceito de democracia no esforço para reabilitar o chavista. “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, disse à Rádio Gaúcha ano passado. “Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala.”

Esse esforço pela “volta” de Nicolás Maduro também se viu na sua recepção com pompas em Brasília para o encontro de líderes sul-americanos. Ao seu lado, Lula culpou as sanções dos Estados Unidos pelo debacle econômico que espalhou 7,7 milhões de imigrantes venezuelanos, ecoando a versão do chavismo, e disse que a Venezuela seria vítima de uma “narrativa”.

A declaração foi rebatida pelos presidentes do Chile, Gabriel Boric (de esquerda), e do Uruguai, Luis Lacalle Pou (centro-direita). O desconforto ofuscou o encontro que terminou com a promessa genérica de integração regional, mas sem propostas concretas ou qualquer menção à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que Lula queria relançar. Mesmo diante das críticas, o presidente brasileiro insistiu na defesa do chavismo: “Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula na época.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quinta-feira, 8, uma solução pacífica para Venezuela após a reeleição de Nicolás Maduro, denunciada pela oposição como fraude. O chavismo, no entanto, não abre espaço para uma saída negociada e resiste à pressão internacional para comprovar a sua alegada vitória.

O governo foca em cobrar as atas das urnas, que até agora não foram tornadas públicas pelo Conselho Nacional Eleitoral, instituição cooptada pelo chavismo que declarou a vitória do ditador. A resistência complica a posição de Lula, que tenta liderar o diálogo com apoio de Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, presidentes da Colômbia e do México, respectivamente. Todos são de esquerda e próximos a Nicolás Maduro.

A posição oficial do governo de pedir por transparência e esperar as instituições venezuelanas antes de reconhecer qualquer um dos resultados divide analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda que a cautela está correta e quem diga que o País deveria ser mais firme com a ditadura chavista, que não deu sinais de colaboração ou abertura.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em reunião com ministros.  Foto: Wilton Junior/Estadão

“A postura do Itamaraty até agora tem sido correta. Há muitos indícios de fraude, mas a postura de um País que respeita a soberania é de esperar que as provas apareçam para se posicionar”, avalia o doutor em Relações Internacionais Daniel Buarque, editor-executivo do Interesse Nacional. Ele pondera, no entanto, que o Brasil precisa impor limites.

Lula já disse que, apresentadas as atas, a oposição deve contestar os resultados na Justiça (que nunca emite opiniões contrárias ao chavismo) e que a decisão deverá ser acatada. “Essa atitude de Lula criou uma armadilha contra o próprio governo. E se as atas não forem apresentadas”, aponta o ex-embaixador Rubens Barbosa em artigo publicado no Estadão.

“Está claro que Maduro não vai apresentar atas contra si mesmo, se incriminando ou dizendo que ele perdeu”, afirma Hussein Kalout, cientista político, professor de Relações Internacionais e ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

“Ainda que apresente essas atas, elas já perderam credibilidade. Quem garante que não serão falsificadas ou fraudadas? E quem vai auditar essas atas é o próprio governo”, continua. Ele reconhece o quão delicada é a posição brasileira neste momento, mas afirma que o País deveria ter se preparado para o cenário de convulsão social e política da Venezuela.

Desde que voltou ao Palácio do Planalto, Lula demonstrou dificuldade em criticar o seu aliado de longa data. Na mesma entrevista em que defendeu a saída pela Justiça, ele disse que não via nada “grave” ou “anormal” no processo venezuelano. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi além e reconheceu a vitória de Nicolás Maduro.

“Existe essa proximidade histórica e ideológica”, afirma Buarque ao traçar paralelos com o caso da Nicarágua. “Lula e o PT têm dificuldade (em romper com antigas alianças). Vimos no caso do reconhecimento do partido à eleição de Nicolás Maduro que tem claros problemas. É uma visão de mundo antiga, desconectada da realidade atual.”

Essa proximidade foi vista várias vezes desde o ano passado, quando Lula voltou à presidência. O petista tentou resgatar o aliado chavista do isolamento internacional que se intensificou sobre a Venezuela depois das eleições de 2018, também contestadas. O Brasil participou das discussões dos acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura do processo este ano, mas que têm sido desrespeitados por Nicolás Maduro desde o início.

De saída, o regime inabilitou a líder opositora María Corina Machado e impediu o registro da candidatura de Corina Yoris, opção inicial da Plataforma Unitária para substituí-la. Em resposta, os Estados Unidos reimpuseram sanções que haviam sido relaxadas e governos mais simpáticos ao chavismo, como Lula e Petro, fizeram críticas inéditas.

A pressão se intensificou na reta final da campanha, quando Nicolás Maduro ameaçou com “banho de sangue” e “guerra civil” em caso de derrota. Lula se disse assustado com a declaração e rebateu: “Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica e quando você perde, você vai embora”.

Sem citá-lo diretamente, Nicolás Maduro respondeu que quem tivesse se assustado deveria tomar um chá de camomila. No dia seguinte, ele disse, sem provas, que as urnas brasileiras não são auditadas. O ataque levou o Tribunal Superior Eleitoral a cancelar a missão com observadores que enviaria a Caracas.

Ainda assim, o Planalto mandou o assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim, destacado para ser os “olhos e ouvidos” do presidente Lula. A decisão foi considerada por analistas um erro.

“O governo se colocou numa armadilha à medida que enviou um representante do alto escalão para ir à Venezuela acompanhar o processo eleitoral no intuito de verificar a lisura do processo. Essa missão, por mais que seja bem intencionada, não tem como avaliar a lisura”, afirma Hussein Kalout, destacando que a fraude vinha sendo preparada com as inabilitações e prisões de opositores.

Luiz Inácio Lula da Silva recebe Nicolás Maduro em Brasília, maio de 2023. Foto: Wilton Junior/Estadão

Reabilitação de Nicolás Maduro

Bem antes das eleições, o presidente causou polêmica relativizar o conceito de democracia no esforço para reabilitar o chavista. “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, disse à Rádio Gaúcha ano passado. “Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala.”

Esse esforço pela “volta” de Nicolás Maduro também se viu na sua recepção com pompas em Brasília para o encontro de líderes sul-americanos. Ao seu lado, Lula culpou as sanções dos Estados Unidos pelo debacle econômico que espalhou 7,7 milhões de imigrantes venezuelanos, ecoando a versão do chavismo, e disse que a Venezuela seria vítima de uma “narrativa”.

A declaração foi rebatida pelos presidentes do Chile, Gabriel Boric (de esquerda), e do Uruguai, Luis Lacalle Pou (centro-direita). O desconforto ofuscou o encontro que terminou com a promessa genérica de integração regional, mas sem propostas concretas ou qualquer menção à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que Lula queria relançar. Mesmo diante das críticas, o presidente brasileiro insistiu na defesa do chavismo: “Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula na época.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quinta-feira, 8, uma solução pacífica para Venezuela após a reeleição de Nicolás Maduro, denunciada pela oposição como fraude. O chavismo, no entanto, não abre espaço para uma saída negociada e resiste à pressão internacional para comprovar a sua alegada vitória.

O governo foca em cobrar as atas das urnas, que até agora não foram tornadas públicas pelo Conselho Nacional Eleitoral, instituição cooptada pelo chavismo que declarou a vitória do ditador. A resistência complica a posição de Lula, que tenta liderar o diálogo com apoio de Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, presidentes da Colômbia e do México, respectivamente. Todos são de esquerda e próximos a Nicolás Maduro.

A posição oficial do governo de pedir por transparência e esperar as instituições venezuelanas antes de reconhecer qualquer um dos resultados divide analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda que a cautela está correta e quem diga que o País deveria ser mais firme com a ditadura chavista, que não deu sinais de colaboração ou abertura.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em reunião com ministros.  Foto: Wilton Junior/Estadão

“A postura do Itamaraty até agora tem sido correta. Há muitos indícios de fraude, mas a postura de um País que respeita a soberania é de esperar que as provas apareçam para se posicionar”, avalia o doutor em Relações Internacionais Daniel Buarque, editor-executivo do Interesse Nacional. Ele pondera, no entanto, que o Brasil precisa impor limites.

Lula já disse que, apresentadas as atas, a oposição deve contestar os resultados na Justiça (que nunca emite opiniões contrárias ao chavismo) e que a decisão deverá ser acatada. “Essa atitude de Lula criou uma armadilha contra o próprio governo. E se as atas não forem apresentadas”, aponta o ex-embaixador Rubens Barbosa em artigo publicado no Estadão.

“Está claro que Maduro não vai apresentar atas contra si mesmo, se incriminando ou dizendo que ele perdeu”, afirma Hussein Kalout, cientista político, professor de Relações Internacionais e ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

“Ainda que apresente essas atas, elas já perderam credibilidade. Quem garante que não serão falsificadas ou fraudadas? E quem vai auditar essas atas é o próprio governo”, continua. Ele reconhece o quão delicada é a posição brasileira neste momento, mas afirma que o País deveria ter se preparado para o cenário de convulsão social e política da Venezuela.

Desde que voltou ao Palácio do Planalto, Lula demonstrou dificuldade em criticar o seu aliado de longa data. Na mesma entrevista em que defendeu a saída pela Justiça, ele disse que não via nada “grave” ou “anormal” no processo venezuelano. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi além e reconheceu a vitória de Nicolás Maduro.

“Existe essa proximidade histórica e ideológica”, afirma Buarque ao traçar paralelos com o caso da Nicarágua. “Lula e o PT têm dificuldade (em romper com antigas alianças). Vimos no caso do reconhecimento do partido à eleição de Nicolás Maduro que tem claros problemas. É uma visão de mundo antiga, desconectada da realidade atual.”

Essa proximidade foi vista várias vezes desde o ano passado, quando Lula voltou à presidência. O petista tentou resgatar o aliado chavista do isolamento internacional que se intensificou sobre a Venezuela depois das eleições de 2018, também contestadas. O Brasil participou das discussões dos acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura do processo este ano, mas que têm sido desrespeitados por Nicolás Maduro desde o início.

De saída, o regime inabilitou a líder opositora María Corina Machado e impediu o registro da candidatura de Corina Yoris, opção inicial da Plataforma Unitária para substituí-la. Em resposta, os Estados Unidos reimpuseram sanções que haviam sido relaxadas e governos mais simpáticos ao chavismo, como Lula e Petro, fizeram críticas inéditas.

A pressão se intensificou na reta final da campanha, quando Nicolás Maduro ameaçou com “banho de sangue” e “guerra civil” em caso de derrota. Lula se disse assustado com a declaração e rebateu: “Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica e quando você perde, você vai embora”.

Sem citá-lo diretamente, Nicolás Maduro respondeu que quem tivesse se assustado deveria tomar um chá de camomila. No dia seguinte, ele disse, sem provas, que as urnas brasileiras não são auditadas. O ataque levou o Tribunal Superior Eleitoral a cancelar a missão com observadores que enviaria a Caracas.

Ainda assim, o Planalto mandou o assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim, destacado para ser os “olhos e ouvidos” do presidente Lula. A decisão foi considerada por analistas um erro.

“O governo se colocou numa armadilha à medida que enviou um representante do alto escalão para ir à Venezuela acompanhar o processo eleitoral no intuito de verificar a lisura do processo. Essa missão, por mais que seja bem intencionada, não tem como avaliar a lisura”, afirma Hussein Kalout, destacando que a fraude vinha sendo preparada com as inabilitações e prisões de opositores.

Luiz Inácio Lula da Silva recebe Nicolás Maduro em Brasília, maio de 2023. Foto: Wilton Junior/Estadão

Reabilitação de Nicolás Maduro

Bem antes das eleições, o presidente causou polêmica relativizar o conceito de democracia no esforço para reabilitar o chavista. “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, disse à Rádio Gaúcha ano passado. “Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala.”

Esse esforço pela “volta” de Nicolás Maduro também se viu na sua recepção com pompas em Brasília para o encontro de líderes sul-americanos. Ao seu lado, Lula culpou as sanções dos Estados Unidos pelo debacle econômico que espalhou 7,7 milhões de imigrantes venezuelanos, ecoando a versão do chavismo, e disse que a Venezuela seria vítima de uma “narrativa”.

A declaração foi rebatida pelos presidentes do Chile, Gabriel Boric (de esquerda), e do Uruguai, Luis Lacalle Pou (centro-direita). O desconforto ofuscou o encontro que terminou com a promessa genérica de integração regional, mas sem propostas concretas ou qualquer menção à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que Lula queria relançar. Mesmo diante das críticas, o presidente brasileiro insistiu na defesa do chavismo: “Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula na época.

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