Como as caóticas forças pró-Brexit dividiram o Partido Conservador do Reino Unido


Especialistas atribuem a queda de Liz Truss a um efeito cascata decorrente da saída do Reino Unido da União Europeia e às amarguradas e ideologicamente opostas facções que o Brexit criou dentro de seu partido

Por Mark Landler
Atualização:

LONDRES — Quando a primeira-ministra britânica, Liz Truss, renunciou na quinta-feira, após somente 45 dias na função, ela falou quase saudosamente sobre como o colapso de seus planos econômicos significava que ela jamais atingiria seu objetivo de criar uma “economia de baixo impostos e alto crescimento que se beneficiaria das liberdades do Brexit”. Sua nostalgia em relação à saída do Reino Unido da União Europeia pode se extraviar, pelo menos tratando-se de seu Partido Conservador.

O Brexit é a falha sísmica sob a fracassada tentativa de Truss de transformar a economia britânica — que permeou também o malfadado governo da ex-primeira-ministra Theresa May e a gestão de David Cameron antes dela.

Exceto por Boris Johnson, que foi forçado a sair em razão de escândalos relacionados à sua conduta pessoal, as forças desencadeadas pelo Brexit derrubaram todos os primeiros-ministros conservadores desde 2016. E também causaram divisões no partido, criando facções amarguradas e ideologicamente opostas, que parecem mais interessadas em travar guerras uma contra a outra do que governar o país que detém a sexta maior economia do mundo.

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Apoiadores do Brexit se reúnem em volta da estátua de Winston Churchill, em Londres. Foto: Mary Turner/The New York Times - 31/01/2020

O calamitoso mandato de Truss, afirmam críticos, é o exemplo mais extremo das políticas pós-Brexit que levaram os conservadores à crise. Nesse processo, isso prejudicou a posição econômica do Reino Unido, sua credibilidade nos mercados e sua reputação junto ao público.

“Os conservadores jamais recuperarão a coerência que gera boa governança”, afirmou o professor de estudos europeus Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford. “Trata-se de um partido que se despedaça a si mesmo.”

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Para Garton Ash, o processo de desmantelamento inicia-se no referendo de 2016, convocado por Cameron, passando pelos esforços inúteis de May em constituir uma forma mais branda de Brexit, pelo “Brexit linha-dura” e intransigente de Johnson e, finalmente, culmina no experimento em economia de gotejamento de Truss, que, segundo o professor, empunhou todos os bastiões do pensamento do Brexit — da zombaria sobre opiniões dos especialistas ao desdém em relação aos vizinhos do Reino Unido e ao mercado.

“Isso levou a lógica do Brexit ao absurdo”, afirmou o professor Garton Ash, que lamenta há muito a opção britânica por deixar a UE.

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Os cortes de impostos de Truss tornaram o Reino Unido um ponto fora da curva entre os países ocidentais, mas o mesmo sectarismo que impregna o Reino Unido pós-Brexit flagela outros países europeus, da Itália à Alemanha, assim como os Estados Unidos.

Ao anunciar suas políticas de cortes de impostos para os ricos, Truss pregou um modelo particular de Brexit: um Reino Unido ágil, que cresce com rapidez e pouca regulação, que seus parceiros chamaram no passado de “Cingapura no Tâmisa”. Jamais foi testado, porém, se esse modelo econômico é viável. As políticas de Truss foram imediatamente rejeitadas pelos mercados porque foram consideradas imprudentes em um momento de inflação de dois dígitos.

Mas Truss enfrentou forças igualmente hostis em seu próprio gabinete, alimentadas pelas mesmas paixões nacionalistas que motivaram o Brexit.

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Suella Braverman, a ex-secretária de Interior que Truss demitiu na semana passada por violar ostensivamente regras de segurança, criticou Truss acusando-a de abandonar a promessa do partido de cortar os índices de imigração. A primeira-ministra também vocifera duramente contra imigrantes ilegais, mas suas políticas estavam assumindo feições mais moderadas, porque ela acredita que novos imigrantes são necessários para acelerar o crescimento britânico.

Liz Truss renuncia ao governo no Reino Unido. Foto: Alberto Pezzali/ AP - 20/10/2022

O embate entre Truss e Braverman foi parte de um confronto maior entre campos rivais dentro de seu partido: a ala favorável ao livre-mercado e libertária, representada pela primeira-ministra; e a ala linha-dura e anti-migração, representada por Braverman. Suas posições, argumenta Braverman, são cruciais para reter a lealdade dos eleitores de classe trabalhadora no norte da Inglaterra, que costumavam apoiar o Partido Trabalhista mas acabaram propelindo a vitória acachapante dos conservadores na eleição-geral de 2019.

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O Partido Conservador também possui uma facção centrista, personificada pelo chanceler do Tesouro de Truss, Jeremy Hunt, que prega Estado mínimo e políticas favoráveis às empresas, posições que precedem o Brexit. Os centristas reconquistaram alguma influência depois da rejeição do mercado a Truss, quando ela foi forçada a entregar a economia para Hunt e o Ministério do Interior a um de seus aliados, Grant Shapps.

Algumas figuras proeminentes do Partido Conservador, como Rishi Sunak, que foi chanceler do Tesouro durante a gestão de Johnson e favorito para ser o novo líder do partido, não se enquadram totalmente em um único grupo. Sunak votou a favor do Brexit, mas se opôs aos cortes de impostos de Truss alertando que a medida provocaria caos no mercado.

Querelas sobre a relação do Reino Unido com a Europa ocorrem há décadas. Cameron teve pouca opção a não ser renunciar depois de fracassar em persuadir os eleitores a rejeitar a moção para a saída da UE no referendo que convocou. May foi forçada a sair pelos parlamentares de seu partido depois de tentar firmar compromissos com a UE que, para alguns, a fizeram parecer conciliatória demais.

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Ex-premiês David Cameron e Theresa May caíram por causa de posicionamentos pró-Europa. Foto: Kirsty O'Connor via AP

Após Johnson ter de fato conduzido o Reino Unido para fora da UE, em 2020, as atuais batalhas são a respeito da maneira de forjar a sociedade pós-Brexit. Mas elas ainda revolvem em grande medida em torno de assuntos relacionados à relação com a Europa, como o fluxo de solicitantes de asilo através do Canal da Mancha ou as regras comerciais na Irlanda do Norte. Pressões dos conservadores linha-dura forçaram Johnson e Truss a endurecer sua abordagem sobre a Irlanda do Norte, por exemplo.

“As facções ficam em evidência na campanha pela liderança”, afirmou Tony Travers, professor de política da London School of Economics. “Mas agora isso ocorre em escala maior e afeta profundamente o que costumava ser uma adesão formidável do Partido Conservador ao senso-comum e ao pragmatismo.”

Isso também ajuda a explicar por que Johnson — que apenas seis semanas atrás deixou Downing Street sob uma espiral de escândalo que ocasionou um motim generalizado entre os parlamentares conservadores e a demissão coletiva de seus ministros — subitamente se tornou candidato à voltar ao cargo, dois dias antes der desistir de concorrer.

Muitos legisladores conservadores, temendo perder seus assentos na próxima eleição-geral, anseiam pela política mágica do slogan “Get Brexit Done” (fazer o Brexit de uma vez), que Johnson usou para unir partidários dos afluentes subúrbios do sudeste aos eleitores do chamado “red wall” (muro vermelho), nas Midlands e no norte.

Quando premiê, Boris Johnson explorou paixões populistas envolvendo o Brexit para reforçar popularidade.  Foto: House of Commons/PA via AP

Como primeiro-ministro, Johnson não hesitou em explorar paixões populistas. Seu governo inaugurou a prática de colocar solicitantes de asilo em voos para Ruanda, atraindo críticas de advogados e ativistas defensores de direitos humanos.

Mas Johnson também promoveu uma custosa intervenção do Estado na economia para proteger os britânicos dos efeitos da pandemia de coronavírus. E seu programa emblemático envolveu o gasto de bilhões de libras em trens de alta velocidade e outros projetos para “equiparar de nível” de cidades decadentes do norte em relação à próspera Londres.

Comparativamente, Truss falou pouco em equiparar níveis econômicos no país. Uma das primeira medidas de sua primeira escolha como secretário do Tesouro, Kwasi Kwarteng, foi acabar com um limite sobre bônus de banqueiros, uma manobra destinada a apaziguar o distrito financeiro.

O problema para qualquer novo premiê é que ele terá muito menos recursos financeiros desta vez para governar como um conservador de Estado grande. Hunt alertou que o governo terá de fazer escolhas “tristes de difíceis” a respeito de que programas cortar. A necessidade do Reino Unido reconstruir sua credibilidade estilhaçada com os investidores requererá uma rígida disciplina fiscal.

Plano econômico de Liz Truss e Kwasi Kwarteng foi início do fim do governo britânico. Foto: Oli Scarff/ AFP

Os problemas econômicos dos britânicos, afirmam analistas, não podem ser atribuídos totalmente nem principalmente ao Brexit. Ainda que a saída do Reino Unido da UE tenha pressionado o mercado de trabalho e dificultado o comércio, o crescimento do país nunca se recuperou da crise de 2008. Seus serviços públicos depauperados são legado da austeridade de Cameron e seu chanceler do Tesouro, George Osborne, que precedem o Brexit.

Ainda assim, as táticas frequentemente implacáveis da campanha “Vote Leave”, afirmam críticos, plantaram as sementes da inépcia na política econômica. Os defensores do Brexit argumentaram famosamente que o Reino Unido deveria ignorar especialistas alertando que deixar a UE cobraria um alto preço ao país. E empunharam números espúrios sobre o custo de sua permanência no bloco.

Essa filosofia de se lixar para os especialistas foi o fundamento do plano econômico de Truss. Antes de anunciar os cortes de impostos, Kwarteng se recusou a submetê-los à avaliação da agência de auditoria independente do governo — e demitiu o mais graduado servidor do ministério, Tom Scholar, expressando seu desdém pela ortodoxia econômica.

“Isso não se deve tanto ao acontecimento do Brexit, nem ao referendo em si, mas à desonestidade na campanha do referendo”, afirmou Jonathan Portes, professor de economia e política pública da King’s College London. “Eles aprenderam uma lição com isso: de que desonestidade e vilipêndio de instituições é um caminho para o sucesso.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

LONDRES — Quando a primeira-ministra britânica, Liz Truss, renunciou na quinta-feira, após somente 45 dias na função, ela falou quase saudosamente sobre como o colapso de seus planos econômicos significava que ela jamais atingiria seu objetivo de criar uma “economia de baixo impostos e alto crescimento que se beneficiaria das liberdades do Brexit”. Sua nostalgia em relação à saída do Reino Unido da União Europeia pode se extraviar, pelo menos tratando-se de seu Partido Conservador.

O Brexit é a falha sísmica sob a fracassada tentativa de Truss de transformar a economia britânica — que permeou também o malfadado governo da ex-primeira-ministra Theresa May e a gestão de David Cameron antes dela.

Exceto por Boris Johnson, que foi forçado a sair em razão de escândalos relacionados à sua conduta pessoal, as forças desencadeadas pelo Brexit derrubaram todos os primeiros-ministros conservadores desde 2016. E também causaram divisões no partido, criando facções amarguradas e ideologicamente opostas, que parecem mais interessadas em travar guerras uma contra a outra do que governar o país que detém a sexta maior economia do mundo.

Apoiadores do Brexit se reúnem em volta da estátua de Winston Churchill, em Londres. Foto: Mary Turner/The New York Times - 31/01/2020

O calamitoso mandato de Truss, afirmam críticos, é o exemplo mais extremo das políticas pós-Brexit que levaram os conservadores à crise. Nesse processo, isso prejudicou a posição econômica do Reino Unido, sua credibilidade nos mercados e sua reputação junto ao público.

“Os conservadores jamais recuperarão a coerência que gera boa governança”, afirmou o professor de estudos europeus Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford. “Trata-se de um partido que se despedaça a si mesmo.”

Para Garton Ash, o processo de desmantelamento inicia-se no referendo de 2016, convocado por Cameron, passando pelos esforços inúteis de May em constituir uma forma mais branda de Brexit, pelo “Brexit linha-dura” e intransigente de Johnson e, finalmente, culmina no experimento em economia de gotejamento de Truss, que, segundo o professor, empunhou todos os bastiões do pensamento do Brexit — da zombaria sobre opiniões dos especialistas ao desdém em relação aos vizinhos do Reino Unido e ao mercado.

“Isso levou a lógica do Brexit ao absurdo”, afirmou o professor Garton Ash, que lamenta há muito a opção britânica por deixar a UE.

Os cortes de impostos de Truss tornaram o Reino Unido um ponto fora da curva entre os países ocidentais, mas o mesmo sectarismo que impregna o Reino Unido pós-Brexit flagela outros países europeus, da Itália à Alemanha, assim como os Estados Unidos.

Ao anunciar suas políticas de cortes de impostos para os ricos, Truss pregou um modelo particular de Brexit: um Reino Unido ágil, que cresce com rapidez e pouca regulação, que seus parceiros chamaram no passado de “Cingapura no Tâmisa”. Jamais foi testado, porém, se esse modelo econômico é viável. As políticas de Truss foram imediatamente rejeitadas pelos mercados porque foram consideradas imprudentes em um momento de inflação de dois dígitos.

Mas Truss enfrentou forças igualmente hostis em seu próprio gabinete, alimentadas pelas mesmas paixões nacionalistas que motivaram o Brexit.

Suella Braverman, a ex-secretária de Interior que Truss demitiu na semana passada por violar ostensivamente regras de segurança, criticou Truss acusando-a de abandonar a promessa do partido de cortar os índices de imigração. A primeira-ministra também vocifera duramente contra imigrantes ilegais, mas suas políticas estavam assumindo feições mais moderadas, porque ela acredita que novos imigrantes são necessários para acelerar o crescimento britânico.

Liz Truss renuncia ao governo no Reino Unido. Foto: Alberto Pezzali/ AP - 20/10/2022

O embate entre Truss e Braverman foi parte de um confronto maior entre campos rivais dentro de seu partido: a ala favorável ao livre-mercado e libertária, representada pela primeira-ministra; e a ala linha-dura e anti-migração, representada por Braverman. Suas posições, argumenta Braverman, são cruciais para reter a lealdade dos eleitores de classe trabalhadora no norte da Inglaterra, que costumavam apoiar o Partido Trabalhista mas acabaram propelindo a vitória acachapante dos conservadores na eleição-geral de 2019.

O Partido Conservador também possui uma facção centrista, personificada pelo chanceler do Tesouro de Truss, Jeremy Hunt, que prega Estado mínimo e políticas favoráveis às empresas, posições que precedem o Brexit. Os centristas reconquistaram alguma influência depois da rejeição do mercado a Truss, quando ela foi forçada a entregar a economia para Hunt e o Ministério do Interior a um de seus aliados, Grant Shapps.

Algumas figuras proeminentes do Partido Conservador, como Rishi Sunak, que foi chanceler do Tesouro durante a gestão de Johnson e favorito para ser o novo líder do partido, não se enquadram totalmente em um único grupo. Sunak votou a favor do Brexit, mas se opôs aos cortes de impostos de Truss alertando que a medida provocaria caos no mercado.

Querelas sobre a relação do Reino Unido com a Europa ocorrem há décadas. Cameron teve pouca opção a não ser renunciar depois de fracassar em persuadir os eleitores a rejeitar a moção para a saída da UE no referendo que convocou. May foi forçada a sair pelos parlamentares de seu partido depois de tentar firmar compromissos com a UE que, para alguns, a fizeram parecer conciliatória demais.

Ex-premiês David Cameron e Theresa May caíram por causa de posicionamentos pró-Europa. Foto: Kirsty O'Connor via AP

Após Johnson ter de fato conduzido o Reino Unido para fora da UE, em 2020, as atuais batalhas são a respeito da maneira de forjar a sociedade pós-Brexit. Mas elas ainda revolvem em grande medida em torno de assuntos relacionados à relação com a Europa, como o fluxo de solicitantes de asilo através do Canal da Mancha ou as regras comerciais na Irlanda do Norte. Pressões dos conservadores linha-dura forçaram Johnson e Truss a endurecer sua abordagem sobre a Irlanda do Norte, por exemplo.

“As facções ficam em evidência na campanha pela liderança”, afirmou Tony Travers, professor de política da London School of Economics. “Mas agora isso ocorre em escala maior e afeta profundamente o que costumava ser uma adesão formidável do Partido Conservador ao senso-comum e ao pragmatismo.”

Isso também ajuda a explicar por que Johnson — que apenas seis semanas atrás deixou Downing Street sob uma espiral de escândalo que ocasionou um motim generalizado entre os parlamentares conservadores e a demissão coletiva de seus ministros — subitamente se tornou candidato à voltar ao cargo, dois dias antes der desistir de concorrer.

Muitos legisladores conservadores, temendo perder seus assentos na próxima eleição-geral, anseiam pela política mágica do slogan “Get Brexit Done” (fazer o Brexit de uma vez), que Johnson usou para unir partidários dos afluentes subúrbios do sudeste aos eleitores do chamado “red wall” (muro vermelho), nas Midlands e no norte.

Quando premiê, Boris Johnson explorou paixões populistas envolvendo o Brexit para reforçar popularidade.  Foto: House of Commons/PA via AP

Como primeiro-ministro, Johnson não hesitou em explorar paixões populistas. Seu governo inaugurou a prática de colocar solicitantes de asilo em voos para Ruanda, atraindo críticas de advogados e ativistas defensores de direitos humanos.

Mas Johnson também promoveu uma custosa intervenção do Estado na economia para proteger os britânicos dos efeitos da pandemia de coronavírus. E seu programa emblemático envolveu o gasto de bilhões de libras em trens de alta velocidade e outros projetos para “equiparar de nível” de cidades decadentes do norte em relação à próspera Londres.

Comparativamente, Truss falou pouco em equiparar níveis econômicos no país. Uma das primeira medidas de sua primeira escolha como secretário do Tesouro, Kwasi Kwarteng, foi acabar com um limite sobre bônus de banqueiros, uma manobra destinada a apaziguar o distrito financeiro.

O problema para qualquer novo premiê é que ele terá muito menos recursos financeiros desta vez para governar como um conservador de Estado grande. Hunt alertou que o governo terá de fazer escolhas “tristes de difíceis” a respeito de que programas cortar. A necessidade do Reino Unido reconstruir sua credibilidade estilhaçada com os investidores requererá uma rígida disciplina fiscal.

Plano econômico de Liz Truss e Kwasi Kwarteng foi início do fim do governo britânico. Foto: Oli Scarff/ AFP

Os problemas econômicos dos britânicos, afirmam analistas, não podem ser atribuídos totalmente nem principalmente ao Brexit. Ainda que a saída do Reino Unido da UE tenha pressionado o mercado de trabalho e dificultado o comércio, o crescimento do país nunca se recuperou da crise de 2008. Seus serviços públicos depauperados são legado da austeridade de Cameron e seu chanceler do Tesouro, George Osborne, que precedem o Brexit.

Ainda assim, as táticas frequentemente implacáveis da campanha “Vote Leave”, afirmam críticos, plantaram as sementes da inépcia na política econômica. Os defensores do Brexit argumentaram famosamente que o Reino Unido deveria ignorar especialistas alertando que deixar a UE cobraria um alto preço ao país. E empunharam números espúrios sobre o custo de sua permanência no bloco.

Essa filosofia de se lixar para os especialistas foi o fundamento do plano econômico de Truss. Antes de anunciar os cortes de impostos, Kwarteng se recusou a submetê-los à avaliação da agência de auditoria independente do governo — e demitiu o mais graduado servidor do ministério, Tom Scholar, expressando seu desdém pela ortodoxia econômica.

“Isso não se deve tanto ao acontecimento do Brexit, nem ao referendo em si, mas à desonestidade na campanha do referendo”, afirmou Jonathan Portes, professor de economia e política pública da King’s College London. “Eles aprenderam uma lição com isso: de que desonestidade e vilipêndio de instituições é um caminho para o sucesso.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

LONDRES — Quando a primeira-ministra britânica, Liz Truss, renunciou na quinta-feira, após somente 45 dias na função, ela falou quase saudosamente sobre como o colapso de seus planos econômicos significava que ela jamais atingiria seu objetivo de criar uma “economia de baixo impostos e alto crescimento que se beneficiaria das liberdades do Brexit”. Sua nostalgia em relação à saída do Reino Unido da União Europeia pode se extraviar, pelo menos tratando-se de seu Partido Conservador.

O Brexit é a falha sísmica sob a fracassada tentativa de Truss de transformar a economia britânica — que permeou também o malfadado governo da ex-primeira-ministra Theresa May e a gestão de David Cameron antes dela.

Exceto por Boris Johnson, que foi forçado a sair em razão de escândalos relacionados à sua conduta pessoal, as forças desencadeadas pelo Brexit derrubaram todos os primeiros-ministros conservadores desde 2016. E também causaram divisões no partido, criando facções amarguradas e ideologicamente opostas, que parecem mais interessadas em travar guerras uma contra a outra do que governar o país que detém a sexta maior economia do mundo.

Apoiadores do Brexit se reúnem em volta da estátua de Winston Churchill, em Londres. Foto: Mary Turner/The New York Times - 31/01/2020

O calamitoso mandato de Truss, afirmam críticos, é o exemplo mais extremo das políticas pós-Brexit que levaram os conservadores à crise. Nesse processo, isso prejudicou a posição econômica do Reino Unido, sua credibilidade nos mercados e sua reputação junto ao público.

“Os conservadores jamais recuperarão a coerência que gera boa governança”, afirmou o professor de estudos europeus Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford. “Trata-se de um partido que se despedaça a si mesmo.”

Para Garton Ash, o processo de desmantelamento inicia-se no referendo de 2016, convocado por Cameron, passando pelos esforços inúteis de May em constituir uma forma mais branda de Brexit, pelo “Brexit linha-dura” e intransigente de Johnson e, finalmente, culmina no experimento em economia de gotejamento de Truss, que, segundo o professor, empunhou todos os bastiões do pensamento do Brexit — da zombaria sobre opiniões dos especialistas ao desdém em relação aos vizinhos do Reino Unido e ao mercado.

“Isso levou a lógica do Brexit ao absurdo”, afirmou o professor Garton Ash, que lamenta há muito a opção britânica por deixar a UE.

Os cortes de impostos de Truss tornaram o Reino Unido um ponto fora da curva entre os países ocidentais, mas o mesmo sectarismo que impregna o Reino Unido pós-Brexit flagela outros países europeus, da Itália à Alemanha, assim como os Estados Unidos.

Ao anunciar suas políticas de cortes de impostos para os ricos, Truss pregou um modelo particular de Brexit: um Reino Unido ágil, que cresce com rapidez e pouca regulação, que seus parceiros chamaram no passado de “Cingapura no Tâmisa”. Jamais foi testado, porém, se esse modelo econômico é viável. As políticas de Truss foram imediatamente rejeitadas pelos mercados porque foram consideradas imprudentes em um momento de inflação de dois dígitos.

Mas Truss enfrentou forças igualmente hostis em seu próprio gabinete, alimentadas pelas mesmas paixões nacionalistas que motivaram o Brexit.

Suella Braverman, a ex-secretária de Interior que Truss demitiu na semana passada por violar ostensivamente regras de segurança, criticou Truss acusando-a de abandonar a promessa do partido de cortar os índices de imigração. A primeira-ministra também vocifera duramente contra imigrantes ilegais, mas suas políticas estavam assumindo feições mais moderadas, porque ela acredita que novos imigrantes são necessários para acelerar o crescimento britânico.

Liz Truss renuncia ao governo no Reino Unido. Foto: Alberto Pezzali/ AP - 20/10/2022

O embate entre Truss e Braverman foi parte de um confronto maior entre campos rivais dentro de seu partido: a ala favorável ao livre-mercado e libertária, representada pela primeira-ministra; e a ala linha-dura e anti-migração, representada por Braverman. Suas posições, argumenta Braverman, são cruciais para reter a lealdade dos eleitores de classe trabalhadora no norte da Inglaterra, que costumavam apoiar o Partido Trabalhista mas acabaram propelindo a vitória acachapante dos conservadores na eleição-geral de 2019.

O Partido Conservador também possui uma facção centrista, personificada pelo chanceler do Tesouro de Truss, Jeremy Hunt, que prega Estado mínimo e políticas favoráveis às empresas, posições que precedem o Brexit. Os centristas reconquistaram alguma influência depois da rejeição do mercado a Truss, quando ela foi forçada a entregar a economia para Hunt e o Ministério do Interior a um de seus aliados, Grant Shapps.

Algumas figuras proeminentes do Partido Conservador, como Rishi Sunak, que foi chanceler do Tesouro durante a gestão de Johnson e favorito para ser o novo líder do partido, não se enquadram totalmente em um único grupo. Sunak votou a favor do Brexit, mas se opôs aos cortes de impostos de Truss alertando que a medida provocaria caos no mercado.

Querelas sobre a relação do Reino Unido com a Europa ocorrem há décadas. Cameron teve pouca opção a não ser renunciar depois de fracassar em persuadir os eleitores a rejeitar a moção para a saída da UE no referendo que convocou. May foi forçada a sair pelos parlamentares de seu partido depois de tentar firmar compromissos com a UE que, para alguns, a fizeram parecer conciliatória demais.

Ex-premiês David Cameron e Theresa May caíram por causa de posicionamentos pró-Europa. Foto: Kirsty O'Connor via AP

Após Johnson ter de fato conduzido o Reino Unido para fora da UE, em 2020, as atuais batalhas são a respeito da maneira de forjar a sociedade pós-Brexit. Mas elas ainda revolvem em grande medida em torno de assuntos relacionados à relação com a Europa, como o fluxo de solicitantes de asilo através do Canal da Mancha ou as regras comerciais na Irlanda do Norte. Pressões dos conservadores linha-dura forçaram Johnson e Truss a endurecer sua abordagem sobre a Irlanda do Norte, por exemplo.

“As facções ficam em evidência na campanha pela liderança”, afirmou Tony Travers, professor de política da London School of Economics. “Mas agora isso ocorre em escala maior e afeta profundamente o que costumava ser uma adesão formidável do Partido Conservador ao senso-comum e ao pragmatismo.”

Isso também ajuda a explicar por que Johnson — que apenas seis semanas atrás deixou Downing Street sob uma espiral de escândalo que ocasionou um motim generalizado entre os parlamentares conservadores e a demissão coletiva de seus ministros — subitamente se tornou candidato à voltar ao cargo, dois dias antes der desistir de concorrer.

Muitos legisladores conservadores, temendo perder seus assentos na próxima eleição-geral, anseiam pela política mágica do slogan “Get Brexit Done” (fazer o Brexit de uma vez), que Johnson usou para unir partidários dos afluentes subúrbios do sudeste aos eleitores do chamado “red wall” (muro vermelho), nas Midlands e no norte.

Quando premiê, Boris Johnson explorou paixões populistas envolvendo o Brexit para reforçar popularidade.  Foto: House of Commons/PA via AP

Como primeiro-ministro, Johnson não hesitou em explorar paixões populistas. Seu governo inaugurou a prática de colocar solicitantes de asilo em voos para Ruanda, atraindo críticas de advogados e ativistas defensores de direitos humanos.

Mas Johnson também promoveu uma custosa intervenção do Estado na economia para proteger os britânicos dos efeitos da pandemia de coronavírus. E seu programa emblemático envolveu o gasto de bilhões de libras em trens de alta velocidade e outros projetos para “equiparar de nível” de cidades decadentes do norte em relação à próspera Londres.

Comparativamente, Truss falou pouco em equiparar níveis econômicos no país. Uma das primeira medidas de sua primeira escolha como secretário do Tesouro, Kwasi Kwarteng, foi acabar com um limite sobre bônus de banqueiros, uma manobra destinada a apaziguar o distrito financeiro.

O problema para qualquer novo premiê é que ele terá muito menos recursos financeiros desta vez para governar como um conservador de Estado grande. Hunt alertou que o governo terá de fazer escolhas “tristes de difíceis” a respeito de que programas cortar. A necessidade do Reino Unido reconstruir sua credibilidade estilhaçada com os investidores requererá uma rígida disciplina fiscal.

Plano econômico de Liz Truss e Kwasi Kwarteng foi início do fim do governo britânico. Foto: Oli Scarff/ AFP

Os problemas econômicos dos britânicos, afirmam analistas, não podem ser atribuídos totalmente nem principalmente ao Brexit. Ainda que a saída do Reino Unido da UE tenha pressionado o mercado de trabalho e dificultado o comércio, o crescimento do país nunca se recuperou da crise de 2008. Seus serviços públicos depauperados são legado da austeridade de Cameron e seu chanceler do Tesouro, George Osborne, que precedem o Brexit.

Ainda assim, as táticas frequentemente implacáveis da campanha “Vote Leave”, afirmam críticos, plantaram as sementes da inépcia na política econômica. Os defensores do Brexit argumentaram famosamente que o Reino Unido deveria ignorar especialistas alertando que deixar a UE cobraria um alto preço ao país. E empunharam números espúrios sobre o custo de sua permanência no bloco.

Essa filosofia de se lixar para os especialistas foi o fundamento do plano econômico de Truss. Antes de anunciar os cortes de impostos, Kwarteng se recusou a submetê-los à avaliação da agência de auditoria independente do governo — e demitiu o mais graduado servidor do ministério, Tom Scholar, expressando seu desdém pela ortodoxia econômica.

“Isso não se deve tanto ao acontecimento do Brexit, nem ao referendo em si, mas à desonestidade na campanha do referendo”, afirmou Jonathan Portes, professor de economia e política pública da King’s College London. “Eles aprenderam uma lição com isso: de que desonestidade e vilipêndio de instituições é um caminho para o sucesso.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

LONDRES — Quando a primeira-ministra britânica, Liz Truss, renunciou na quinta-feira, após somente 45 dias na função, ela falou quase saudosamente sobre como o colapso de seus planos econômicos significava que ela jamais atingiria seu objetivo de criar uma “economia de baixo impostos e alto crescimento que se beneficiaria das liberdades do Brexit”. Sua nostalgia em relação à saída do Reino Unido da União Europeia pode se extraviar, pelo menos tratando-se de seu Partido Conservador.

O Brexit é a falha sísmica sob a fracassada tentativa de Truss de transformar a economia britânica — que permeou também o malfadado governo da ex-primeira-ministra Theresa May e a gestão de David Cameron antes dela.

Exceto por Boris Johnson, que foi forçado a sair em razão de escândalos relacionados à sua conduta pessoal, as forças desencadeadas pelo Brexit derrubaram todos os primeiros-ministros conservadores desde 2016. E também causaram divisões no partido, criando facções amarguradas e ideologicamente opostas, que parecem mais interessadas em travar guerras uma contra a outra do que governar o país que detém a sexta maior economia do mundo.

Apoiadores do Brexit se reúnem em volta da estátua de Winston Churchill, em Londres. Foto: Mary Turner/The New York Times - 31/01/2020

O calamitoso mandato de Truss, afirmam críticos, é o exemplo mais extremo das políticas pós-Brexit que levaram os conservadores à crise. Nesse processo, isso prejudicou a posição econômica do Reino Unido, sua credibilidade nos mercados e sua reputação junto ao público.

“Os conservadores jamais recuperarão a coerência que gera boa governança”, afirmou o professor de estudos europeus Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford. “Trata-se de um partido que se despedaça a si mesmo.”

Para Garton Ash, o processo de desmantelamento inicia-se no referendo de 2016, convocado por Cameron, passando pelos esforços inúteis de May em constituir uma forma mais branda de Brexit, pelo “Brexit linha-dura” e intransigente de Johnson e, finalmente, culmina no experimento em economia de gotejamento de Truss, que, segundo o professor, empunhou todos os bastiões do pensamento do Brexit — da zombaria sobre opiniões dos especialistas ao desdém em relação aos vizinhos do Reino Unido e ao mercado.

“Isso levou a lógica do Brexit ao absurdo”, afirmou o professor Garton Ash, que lamenta há muito a opção britânica por deixar a UE.

Os cortes de impostos de Truss tornaram o Reino Unido um ponto fora da curva entre os países ocidentais, mas o mesmo sectarismo que impregna o Reino Unido pós-Brexit flagela outros países europeus, da Itália à Alemanha, assim como os Estados Unidos.

Ao anunciar suas políticas de cortes de impostos para os ricos, Truss pregou um modelo particular de Brexit: um Reino Unido ágil, que cresce com rapidez e pouca regulação, que seus parceiros chamaram no passado de “Cingapura no Tâmisa”. Jamais foi testado, porém, se esse modelo econômico é viável. As políticas de Truss foram imediatamente rejeitadas pelos mercados porque foram consideradas imprudentes em um momento de inflação de dois dígitos.

Mas Truss enfrentou forças igualmente hostis em seu próprio gabinete, alimentadas pelas mesmas paixões nacionalistas que motivaram o Brexit.

Suella Braverman, a ex-secretária de Interior que Truss demitiu na semana passada por violar ostensivamente regras de segurança, criticou Truss acusando-a de abandonar a promessa do partido de cortar os índices de imigração. A primeira-ministra também vocifera duramente contra imigrantes ilegais, mas suas políticas estavam assumindo feições mais moderadas, porque ela acredita que novos imigrantes são necessários para acelerar o crescimento britânico.

Liz Truss renuncia ao governo no Reino Unido. Foto: Alberto Pezzali/ AP - 20/10/2022

O embate entre Truss e Braverman foi parte de um confronto maior entre campos rivais dentro de seu partido: a ala favorável ao livre-mercado e libertária, representada pela primeira-ministra; e a ala linha-dura e anti-migração, representada por Braverman. Suas posições, argumenta Braverman, são cruciais para reter a lealdade dos eleitores de classe trabalhadora no norte da Inglaterra, que costumavam apoiar o Partido Trabalhista mas acabaram propelindo a vitória acachapante dos conservadores na eleição-geral de 2019.

O Partido Conservador também possui uma facção centrista, personificada pelo chanceler do Tesouro de Truss, Jeremy Hunt, que prega Estado mínimo e políticas favoráveis às empresas, posições que precedem o Brexit. Os centristas reconquistaram alguma influência depois da rejeição do mercado a Truss, quando ela foi forçada a entregar a economia para Hunt e o Ministério do Interior a um de seus aliados, Grant Shapps.

Algumas figuras proeminentes do Partido Conservador, como Rishi Sunak, que foi chanceler do Tesouro durante a gestão de Johnson e favorito para ser o novo líder do partido, não se enquadram totalmente em um único grupo. Sunak votou a favor do Brexit, mas se opôs aos cortes de impostos de Truss alertando que a medida provocaria caos no mercado.

Querelas sobre a relação do Reino Unido com a Europa ocorrem há décadas. Cameron teve pouca opção a não ser renunciar depois de fracassar em persuadir os eleitores a rejeitar a moção para a saída da UE no referendo que convocou. May foi forçada a sair pelos parlamentares de seu partido depois de tentar firmar compromissos com a UE que, para alguns, a fizeram parecer conciliatória demais.

Ex-premiês David Cameron e Theresa May caíram por causa de posicionamentos pró-Europa. Foto: Kirsty O'Connor via AP

Após Johnson ter de fato conduzido o Reino Unido para fora da UE, em 2020, as atuais batalhas são a respeito da maneira de forjar a sociedade pós-Brexit. Mas elas ainda revolvem em grande medida em torno de assuntos relacionados à relação com a Europa, como o fluxo de solicitantes de asilo através do Canal da Mancha ou as regras comerciais na Irlanda do Norte. Pressões dos conservadores linha-dura forçaram Johnson e Truss a endurecer sua abordagem sobre a Irlanda do Norte, por exemplo.

“As facções ficam em evidência na campanha pela liderança”, afirmou Tony Travers, professor de política da London School of Economics. “Mas agora isso ocorre em escala maior e afeta profundamente o que costumava ser uma adesão formidável do Partido Conservador ao senso-comum e ao pragmatismo.”

Isso também ajuda a explicar por que Johnson — que apenas seis semanas atrás deixou Downing Street sob uma espiral de escândalo que ocasionou um motim generalizado entre os parlamentares conservadores e a demissão coletiva de seus ministros — subitamente se tornou candidato à voltar ao cargo, dois dias antes der desistir de concorrer.

Muitos legisladores conservadores, temendo perder seus assentos na próxima eleição-geral, anseiam pela política mágica do slogan “Get Brexit Done” (fazer o Brexit de uma vez), que Johnson usou para unir partidários dos afluentes subúrbios do sudeste aos eleitores do chamado “red wall” (muro vermelho), nas Midlands e no norte.

Quando premiê, Boris Johnson explorou paixões populistas envolvendo o Brexit para reforçar popularidade.  Foto: House of Commons/PA via AP

Como primeiro-ministro, Johnson não hesitou em explorar paixões populistas. Seu governo inaugurou a prática de colocar solicitantes de asilo em voos para Ruanda, atraindo críticas de advogados e ativistas defensores de direitos humanos.

Mas Johnson também promoveu uma custosa intervenção do Estado na economia para proteger os britânicos dos efeitos da pandemia de coronavírus. E seu programa emblemático envolveu o gasto de bilhões de libras em trens de alta velocidade e outros projetos para “equiparar de nível” de cidades decadentes do norte em relação à próspera Londres.

Comparativamente, Truss falou pouco em equiparar níveis econômicos no país. Uma das primeira medidas de sua primeira escolha como secretário do Tesouro, Kwasi Kwarteng, foi acabar com um limite sobre bônus de banqueiros, uma manobra destinada a apaziguar o distrito financeiro.

O problema para qualquer novo premiê é que ele terá muito menos recursos financeiros desta vez para governar como um conservador de Estado grande. Hunt alertou que o governo terá de fazer escolhas “tristes de difíceis” a respeito de que programas cortar. A necessidade do Reino Unido reconstruir sua credibilidade estilhaçada com os investidores requererá uma rígida disciplina fiscal.

Plano econômico de Liz Truss e Kwasi Kwarteng foi início do fim do governo britânico. Foto: Oli Scarff/ AFP

Os problemas econômicos dos britânicos, afirmam analistas, não podem ser atribuídos totalmente nem principalmente ao Brexit. Ainda que a saída do Reino Unido da UE tenha pressionado o mercado de trabalho e dificultado o comércio, o crescimento do país nunca se recuperou da crise de 2008. Seus serviços públicos depauperados são legado da austeridade de Cameron e seu chanceler do Tesouro, George Osborne, que precedem o Brexit.

Ainda assim, as táticas frequentemente implacáveis da campanha “Vote Leave”, afirmam críticos, plantaram as sementes da inépcia na política econômica. Os defensores do Brexit argumentaram famosamente que o Reino Unido deveria ignorar especialistas alertando que deixar a UE cobraria um alto preço ao país. E empunharam números espúrios sobre o custo de sua permanência no bloco.

Essa filosofia de se lixar para os especialistas foi o fundamento do plano econômico de Truss. Antes de anunciar os cortes de impostos, Kwarteng se recusou a submetê-los à avaliação da agência de auditoria independente do governo — e demitiu o mais graduado servidor do ministério, Tom Scholar, expressando seu desdém pela ortodoxia econômica.

“Isso não se deve tanto ao acontecimento do Brexit, nem ao referendo em si, mas à desonestidade na campanha do referendo”, afirmou Jonathan Portes, professor de economia e política pública da King’s College London. “Eles aprenderam uma lição com isso: de que desonestidade e vilipêndio de instituições é um caminho para o sucesso.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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