Como as gangues do Equador controlam rotas essenciais para o tráfico internacional de drogas


De norte a sul do país, organizações criminosas tomam controle de províncias chave para a exportação de entorpecentes

Por Jorge C. Carrasco
Atualização:

No Equador, o tráfico de drogas deixa sua marca em cada canto do país. Crianças recrutadas pelas gangues, bairros infestados por ondas de assassinatos e extorsões, atentados contra políticos e funcionários públicos — esses têm sido o resultado do caos imposto por líderes de organizações criminosas que passaram a utilizar o país sul-americano como peça fundamental de uma complexa rede internacional de comércio de estupefacientes.

Em poucos anos, o Equador passou de ser um dos países mais estáveis da América do Sul a um eixo do narcotráfico dominado por cartéis mexicanos, grupos armados da Colômbia e até narcotraficantes europeus, que utilizam o poder das gangues equatorianas nas ruas e nas prisões para acessar rotas de tráfico essenciais.

continua após a publicidade

De acordo com um relatório de 2023 do Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, a Direção Nacional de Investigação Antidrogas do país apreendeu 619 toneladas de ilícitos, dos quais 87% corresponderam ao tráfico internacional de drogas e 13% ao tráfico de consumo doméstico. Somente em 2023, foram apreendidas 189 toneladas de drogas, por um valor de aproximadamente 4.3 mil milhões de dólares.

Soldados patrulhando Durán, um subúrbio de Guayaquil, Equador, que é dominado por grupos ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

“O que estamos vivenciando neste país é consequência do fortalecimento dos grupos criminosos que foram tomando conta do Equador aos poucos, até estourar o caos”, disse em entrevista ao Estadão o coronel Carlos Blanco, ex-diretor de operações da polícia de Quito e especialista em assuntos de segurança e inteligência. “Eles fizeram com que o Equador se tornasse o galpão logístico do crime organizado”.

continua após a publicidade

De acordo com Blanco, o posicionamento geográfico do Equador, que está cercado por dois dos maiores produtores de drogas do continente — Colômbia ao norte e Peru ao sul — sempre colocou a nação na mira do tráfico internacional. Mas o desmantelamento gradual de diversas instituições do estado nos últimos governos e o aumento exponencial do cultivo da folha da coca para a produção da cocaína colombiana fizeram com que proliferasse no país a indústria do narcotráfico.

Enfraquecimento institucional e o crime

continua após a publicidade

Em 2017, o presidente esquerdista Rafael Correa havia finalizado seu mandato após dez anos no poder, com uma baixa popularidade e sob diversas acusações de corrupção que posteriormente o forçariam ao exílio. Naquele ano, seu ex-vice-presidente Lenín Moreno foi eleito presidente do país, em um processo que o afastou do correísmo, prometendo apagar a herança política do seu antecessor. Entre 2017 e 2021, seu governo fechou 24 ministérios e instituições estatais sob o pretexto de enxugar o tamanho do estado.

Soldados patrulham as ruas de Durán, Equador, uma cidade dominada por grupos locais ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023. Foto: Victor Moriyama / NYT

Carla Álvarez, professora da Escola de Segurança e Defesa do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador, acredita que, neste período, o desaparecimento de diversas instituições da estrutura estatal colocou em xeque o país, abrindo espaço para que o crime organizado tomasse conta de regiões negligenciadas pelo governo, como portos e controles de fronteira. “O estouro do caos no Equador converge em duas variáveis: o crescimento da presença de grupos criminosos e o enfraquecimento da institucionalidade”, disse ela em entrevista ao Estadão.

continua após a publicidade

Segundo a especialista, nos últimos anos o interesse no Equador como ponto de saída da droga que é enviada para Europa e EUA chamou a atenção de grupos criminosos internacionais que viram no país uma oportunidade de lucro. Durante a pandemia, a exportação destas drogas parou brevemente, e em 2021 e 2022 os cartéis passaram a vender agressivamente todo o material que havia ficado confinado, incrementando para isso seu controle sobre as rotas de tráfico equatorianas nas zonas costeiras que haviam ficado desprotegidas.

“Quando o governo de Lenín Moreno desmantelou diversas instituições, o setor de inteligência foi um dos mais afetados, e o Equador perdeu sua capacidade de prevenir ações do crime organizado”, afirmou Carla Álvarez. “Neste sentido, surgiram novas gangues no país, com estruturas diferentes às dos grandes cartéis, enquanto grupos como Los Choneros e Los Lobos ficaram fragmentados e passaram a disputar territórios. Isso gerou instabilidade no crime organizado, tornando as gangues muito mais violentas e gerando, como consequência, um estado de caos”, ponderou ela.

Soldados escoltam detentos no bloco de celas 3 da prisão militarizada Litoral, enquanto as medidas tomadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues são expostas, durante um tour de mídia em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS
continua após a publicidade

Los Choneros controlaram o tráfico de cocaína em Guayaquil, uma das principais cidades da nação, durante muitos anos. Mas com o aumento da demanda internacional por esta droga, outros grupos viram a oportunidade de se aliarem com cartéis mexicanos e narcotraficantes colombianos para tomar o controle de regiões fundamentais para as rotas de exportação e ganhar milhões de dólares com o tráfico.

Este é o caso de Los Lobos, que em 2020 entrou em guerra com Los Choneros por territórios que antes não eram disputados. À época, o assassinato de dois líderes de Los Choneros (Rasquiña, morto em dezembro de 2020, e Junior Roldán “JR”, assassinado em maio de 2023) causou uma onda de ataques violentos ao redor do país.

continua após a publicidade

No ano anterior, em aliança com os grupos Tiguerones e ChoneKillers, Los Lobos passaram a dominar o crime no Equador, tomando conta de rotas de transporte, armazenamento e tráfico de cocaína. Segundo Carla Álvarez, a força deste grupo vem do controle de territórios estratégicos que se estendem da fronteira com a Colômbia até Guayaquil.

Agentes de polícia inspecionam caixas de camarão para exportação suspeitas de conter cocaína no porto de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

Por outro lado, a Polícia Nacional acredita que os Tiguerones são os responsáveis pela maior quantidade de sequestros do país, utilizando a extorsão dos reféns como principal forma de financiamento, tanto em áreas urbanas quanto rurais.

Já os ChoneKillers, cujo líder é de origem porto-riquenho, têm um papel fundamental na logística da droga até os portos, garantindo que o carregamento de drogas associado a Los Lobos seja enviado ao destino final. Este grupo também é um dos mais instáveis e violentos. Nos últimos anos, o grupo foi responsável por diversos massacres no Equador.

Logística do narcotráfico

A logística é parte mais lucrativa do negócio do narcotráfico. Em países que fazem parte da rede de tráfico, os grupos que controlam estes negócios mudam os preços do produto em relação à dificuldade, distância e probabilidade de conseguirem sucesso na exportação do produto ilícito. No Equador, a logística portuária facilita o tráfico de drogas e eleva os lucros dos cartéis envolvidos no processo. E cartéis poderosos como o de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, além de grupos criminosos do leste da Europa, chamados pela polícia equatoriana como a máfia albanesa, expandiram seus negócios financiando as gangues locais, que segundo a polícia agora coordenam o armazenamento e transporte da droga.

Imagem divulgada pelo escritório de imprensa da presidência do Equador mostrando o presidente Daniel Noboa durante uma entrevista com a BBC em Guayaquil, Equador, em 12 de janeiro de 2024. Foto: ISAAC CASTILLO / AFP

Quando o estado equatoriano perdeu o controle sobre as prisões, as gangues tornaram estes espaços as bases de operações do narcotráfico, às quais o estado não consegue acessar. Nelas, é planejada a logística da exportação, que ocorre primeiramente, segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, através de três rotas principais da fronteira norte, cujo destino intermediário quase sempre são os portos.

A primeira é a rota de Nariño, na Colômbia, até a cidade fronteiriça de Esmeraldas — atualmente uma das regiões urbanas mais violentas do continente —, seguindo para os portos de Manabí, Guayaquil e Santa Elena, onde a droga é posteriormente introduzida em caixas de bananas, carregamentos de cacau ou até em contêineres de outros tipos de mercadorias que são enviadas para os Estados Unidos ou Europa. Nos últimos anos, a Bélgica tem sido um dos maiores receptores da cocaína que sai dos portos equatorianos.

A segunda rota é a da serra equatoriana, que se estende de norte ao sul pela cordilheira dos andes. Nesta rota, a droga que sai de Nariño ou de Putumayo, também na Colômbia, atravessa várias províncias andinas como Pichincha, e Cotopaxi, até chegar aos portos de Guayaquil ou de El Oro, onde é colocada em barcos saem pelo Oceano Pacífico.

Um tanque fica no presídio militarizado Litoral, como parte das medidas adotadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues, durante uma visita à imprensa em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

E outra rota popular seria a do Corredor Amazônico. Segundo os especialistas, a cocaína proveniente de Putumayo é enviada à província equatoriana de Sucumbío, seguindo pela rota de Napo, Puyo, Los Ríos e Guayas.

Segundo a jornalista equatoriana Gisella Rojas, que cobre assuntos de segurança para o braço digital do canal Ecuavisa, o crime organizado mantém estas rotas há anos, mas a logística mais sofisticada dos cartéis estrangeiros tem complicado o trabalho das autoridades para frear o tráfico.

“São dinâmicas complexas e especializadas, que envolvem muitas pessoas e várias províncias do país”, disse ela. “A maior parte da droga traficada no país vem da Colômbia, devido a que Nariño e Putumayo, que se encontram muito perto do Equador, são as regiões onde é produzida aproximadamente um terço da cocaína colombiana. O Equador tem um sistema de estradas muito moderno e conectado, e isso facilita o envio rápido destes produtos ilícitos para qualquer parte do país”, afirmou Gisella Rojas.

Membros da polícia e do Exército apresentam as 22 toneladas de drogas apreendidas após uma operação em Quevedo, Equador, em 22 de janeiro de 2024.  Foto: DANIEL VITE / AFP
As Forças Armadas do Equador apreendem um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS
As Forças Armadas Equatorianas apreenderam um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS

Para Daniel Pontón, professor de segurança do Instituto Nacional de Estudos Superiores do Equador, o tráfico de drogas é o catalisador da crise da violência equatoriana, que vem se aprofundando desde a segunda metade do ano anterior. De acordo com dados registrados pela Polícia Nacional, 2023 foi o ano mais violento da história do país, com uma pessoa assassinada a cada 69 minutos como resultado de ações de gangues e outras organizações criminosas. Nesse ano, houveram pelo menos 7.592 mortes violentas, elevando a taxa de homicídios do país para mais de 40 mortes por cada 100.000 habitantes — um aumento de aproximadamente 64,9% em comparação com as 4.603 mortes registradas em 2022.

“Estamos vivenciando um período de muita incerteza. Lamentavelmente, a capacidade de logística do Equador continua possibilitando a geração de muito lucro para os grupos que dominam narcotráfico internacional, e enquanto continuar o fluxo de drogas, a violência generalizada não vai parar”, avaliou o especialista.

No Equador, o tráfico de drogas deixa sua marca em cada canto do país. Crianças recrutadas pelas gangues, bairros infestados por ondas de assassinatos e extorsões, atentados contra políticos e funcionários públicos — esses têm sido o resultado do caos imposto por líderes de organizações criminosas que passaram a utilizar o país sul-americano como peça fundamental de uma complexa rede internacional de comércio de estupefacientes.

Em poucos anos, o Equador passou de ser um dos países mais estáveis da América do Sul a um eixo do narcotráfico dominado por cartéis mexicanos, grupos armados da Colômbia e até narcotraficantes europeus, que utilizam o poder das gangues equatorianas nas ruas e nas prisões para acessar rotas de tráfico essenciais.

De acordo com um relatório de 2023 do Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, a Direção Nacional de Investigação Antidrogas do país apreendeu 619 toneladas de ilícitos, dos quais 87% corresponderam ao tráfico internacional de drogas e 13% ao tráfico de consumo doméstico. Somente em 2023, foram apreendidas 189 toneladas de drogas, por um valor de aproximadamente 4.3 mil milhões de dólares.

Soldados patrulhando Durán, um subúrbio de Guayaquil, Equador, que é dominado por grupos ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

“O que estamos vivenciando neste país é consequência do fortalecimento dos grupos criminosos que foram tomando conta do Equador aos poucos, até estourar o caos”, disse em entrevista ao Estadão o coronel Carlos Blanco, ex-diretor de operações da polícia de Quito e especialista em assuntos de segurança e inteligência. “Eles fizeram com que o Equador se tornasse o galpão logístico do crime organizado”.

De acordo com Blanco, o posicionamento geográfico do Equador, que está cercado por dois dos maiores produtores de drogas do continente — Colômbia ao norte e Peru ao sul — sempre colocou a nação na mira do tráfico internacional. Mas o desmantelamento gradual de diversas instituições do estado nos últimos governos e o aumento exponencial do cultivo da folha da coca para a produção da cocaína colombiana fizeram com que proliferasse no país a indústria do narcotráfico.

Enfraquecimento institucional e o crime

Em 2017, o presidente esquerdista Rafael Correa havia finalizado seu mandato após dez anos no poder, com uma baixa popularidade e sob diversas acusações de corrupção que posteriormente o forçariam ao exílio. Naquele ano, seu ex-vice-presidente Lenín Moreno foi eleito presidente do país, em um processo que o afastou do correísmo, prometendo apagar a herança política do seu antecessor. Entre 2017 e 2021, seu governo fechou 24 ministérios e instituições estatais sob o pretexto de enxugar o tamanho do estado.

Soldados patrulham as ruas de Durán, Equador, uma cidade dominada por grupos locais ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023. Foto: Victor Moriyama / NYT

Carla Álvarez, professora da Escola de Segurança e Defesa do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador, acredita que, neste período, o desaparecimento de diversas instituições da estrutura estatal colocou em xeque o país, abrindo espaço para que o crime organizado tomasse conta de regiões negligenciadas pelo governo, como portos e controles de fronteira. “O estouro do caos no Equador converge em duas variáveis: o crescimento da presença de grupos criminosos e o enfraquecimento da institucionalidade”, disse ela em entrevista ao Estadão.

Segundo a especialista, nos últimos anos o interesse no Equador como ponto de saída da droga que é enviada para Europa e EUA chamou a atenção de grupos criminosos internacionais que viram no país uma oportunidade de lucro. Durante a pandemia, a exportação destas drogas parou brevemente, e em 2021 e 2022 os cartéis passaram a vender agressivamente todo o material que havia ficado confinado, incrementando para isso seu controle sobre as rotas de tráfico equatorianas nas zonas costeiras que haviam ficado desprotegidas.

“Quando o governo de Lenín Moreno desmantelou diversas instituições, o setor de inteligência foi um dos mais afetados, e o Equador perdeu sua capacidade de prevenir ações do crime organizado”, afirmou Carla Álvarez. “Neste sentido, surgiram novas gangues no país, com estruturas diferentes às dos grandes cartéis, enquanto grupos como Los Choneros e Los Lobos ficaram fragmentados e passaram a disputar territórios. Isso gerou instabilidade no crime organizado, tornando as gangues muito mais violentas e gerando, como consequência, um estado de caos”, ponderou ela.

Soldados escoltam detentos no bloco de celas 3 da prisão militarizada Litoral, enquanto as medidas tomadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues são expostas, durante um tour de mídia em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

Los Choneros controlaram o tráfico de cocaína em Guayaquil, uma das principais cidades da nação, durante muitos anos. Mas com o aumento da demanda internacional por esta droga, outros grupos viram a oportunidade de se aliarem com cartéis mexicanos e narcotraficantes colombianos para tomar o controle de regiões fundamentais para as rotas de exportação e ganhar milhões de dólares com o tráfico.

Este é o caso de Los Lobos, que em 2020 entrou em guerra com Los Choneros por territórios que antes não eram disputados. À época, o assassinato de dois líderes de Los Choneros (Rasquiña, morto em dezembro de 2020, e Junior Roldán “JR”, assassinado em maio de 2023) causou uma onda de ataques violentos ao redor do país.

No ano anterior, em aliança com os grupos Tiguerones e ChoneKillers, Los Lobos passaram a dominar o crime no Equador, tomando conta de rotas de transporte, armazenamento e tráfico de cocaína. Segundo Carla Álvarez, a força deste grupo vem do controle de territórios estratégicos que se estendem da fronteira com a Colômbia até Guayaquil.

Agentes de polícia inspecionam caixas de camarão para exportação suspeitas de conter cocaína no porto de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

Por outro lado, a Polícia Nacional acredita que os Tiguerones são os responsáveis pela maior quantidade de sequestros do país, utilizando a extorsão dos reféns como principal forma de financiamento, tanto em áreas urbanas quanto rurais.

Já os ChoneKillers, cujo líder é de origem porto-riquenho, têm um papel fundamental na logística da droga até os portos, garantindo que o carregamento de drogas associado a Los Lobos seja enviado ao destino final. Este grupo também é um dos mais instáveis e violentos. Nos últimos anos, o grupo foi responsável por diversos massacres no Equador.

Logística do narcotráfico

A logística é parte mais lucrativa do negócio do narcotráfico. Em países que fazem parte da rede de tráfico, os grupos que controlam estes negócios mudam os preços do produto em relação à dificuldade, distância e probabilidade de conseguirem sucesso na exportação do produto ilícito. No Equador, a logística portuária facilita o tráfico de drogas e eleva os lucros dos cartéis envolvidos no processo. E cartéis poderosos como o de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, além de grupos criminosos do leste da Europa, chamados pela polícia equatoriana como a máfia albanesa, expandiram seus negócios financiando as gangues locais, que segundo a polícia agora coordenam o armazenamento e transporte da droga.

Imagem divulgada pelo escritório de imprensa da presidência do Equador mostrando o presidente Daniel Noboa durante uma entrevista com a BBC em Guayaquil, Equador, em 12 de janeiro de 2024. Foto: ISAAC CASTILLO / AFP

Quando o estado equatoriano perdeu o controle sobre as prisões, as gangues tornaram estes espaços as bases de operações do narcotráfico, às quais o estado não consegue acessar. Nelas, é planejada a logística da exportação, que ocorre primeiramente, segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, através de três rotas principais da fronteira norte, cujo destino intermediário quase sempre são os portos.

A primeira é a rota de Nariño, na Colômbia, até a cidade fronteiriça de Esmeraldas — atualmente uma das regiões urbanas mais violentas do continente —, seguindo para os portos de Manabí, Guayaquil e Santa Elena, onde a droga é posteriormente introduzida em caixas de bananas, carregamentos de cacau ou até em contêineres de outros tipos de mercadorias que são enviadas para os Estados Unidos ou Europa. Nos últimos anos, a Bélgica tem sido um dos maiores receptores da cocaína que sai dos portos equatorianos.

A segunda rota é a da serra equatoriana, que se estende de norte ao sul pela cordilheira dos andes. Nesta rota, a droga que sai de Nariño ou de Putumayo, também na Colômbia, atravessa várias províncias andinas como Pichincha, e Cotopaxi, até chegar aos portos de Guayaquil ou de El Oro, onde é colocada em barcos saem pelo Oceano Pacífico.

Um tanque fica no presídio militarizado Litoral, como parte das medidas adotadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues, durante uma visita à imprensa em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

E outra rota popular seria a do Corredor Amazônico. Segundo os especialistas, a cocaína proveniente de Putumayo é enviada à província equatoriana de Sucumbío, seguindo pela rota de Napo, Puyo, Los Ríos e Guayas.

Segundo a jornalista equatoriana Gisella Rojas, que cobre assuntos de segurança para o braço digital do canal Ecuavisa, o crime organizado mantém estas rotas há anos, mas a logística mais sofisticada dos cartéis estrangeiros tem complicado o trabalho das autoridades para frear o tráfico.

“São dinâmicas complexas e especializadas, que envolvem muitas pessoas e várias províncias do país”, disse ela. “A maior parte da droga traficada no país vem da Colômbia, devido a que Nariño e Putumayo, que se encontram muito perto do Equador, são as regiões onde é produzida aproximadamente um terço da cocaína colombiana. O Equador tem um sistema de estradas muito moderno e conectado, e isso facilita o envio rápido destes produtos ilícitos para qualquer parte do país”, afirmou Gisella Rojas.

Membros da polícia e do Exército apresentam as 22 toneladas de drogas apreendidas após uma operação em Quevedo, Equador, em 22 de janeiro de 2024.  Foto: DANIEL VITE / AFP
As Forças Armadas do Equador apreendem um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS
As Forças Armadas Equatorianas apreenderam um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS

Para Daniel Pontón, professor de segurança do Instituto Nacional de Estudos Superiores do Equador, o tráfico de drogas é o catalisador da crise da violência equatoriana, que vem se aprofundando desde a segunda metade do ano anterior. De acordo com dados registrados pela Polícia Nacional, 2023 foi o ano mais violento da história do país, com uma pessoa assassinada a cada 69 minutos como resultado de ações de gangues e outras organizações criminosas. Nesse ano, houveram pelo menos 7.592 mortes violentas, elevando a taxa de homicídios do país para mais de 40 mortes por cada 100.000 habitantes — um aumento de aproximadamente 64,9% em comparação com as 4.603 mortes registradas em 2022.

“Estamos vivenciando um período de muita incerteza. Lamentavelmente, a capacidade de logística do Equador continua possibilitando a geração de muito lucro para os grupos que dominam narcotráfico internacional, e enquanto continuar o fluxo de drogas, a violência generalizada não vai parar”, avaliou o especialista.

No Equador, o tráfico de drogas deixa sua marca em cada canto do país. Crianças recrutadas pelas gangues, bairros infestados por ondas de assassinatos e extorsões, atentados contra políticos e funcionários públicos — esses têm sido o resultado do caos imposto por líderes de organizações criminosas que passaram a utilizar o país sul-americano como peça fundamental de uma complexa rede internacional de comércio de estupefacientes.

Em poucos anos, o Equador passou de ser um dos países mais estáveis da América do Sul a um eixo do narcotráfico dominado por cartéis mexicanos, grupos armados da Colômbia e até narcotraficantes europeus, que utilizam o poder das gangues equatorianas nas ruas e nas prisões para acessar rotas de tráfico essenciais.

De acordo com um relatório de 2023 do Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, a Direção Nacional de Investigação Antidrogas do país apreendeu 619 toneladas de ilícitos, dos quais 87% corresponderam ao tráfico internacional de drogas e 13% ao tráfico de consumo doméstico. Somente em 2023, foram apreendidas 189 toneladas de drogas, por um valor de aproximadamente 4.3 mil milhões de dólares.

Soldados patrulhando Durán, um subúrbio de Guayaquil, Equador, que é dominado por grupos ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

“O que estamos vivenciando neste país é consequência do fortalecimento dos grupos criminosos que foram tomando conta do Equador aos poucos, até estourar o caos”, disse em entrevista ao Estadão o coronel Carlos Blanco, ex-diretor de operações da polícia de Quito e especialista em assuntos de segurança e inteligência. “Eles fizeram com que o Equador se tornasse o galpão logístico do crime organizado”.

De acordo com Blanco, o posicionamento geográfico do Equador, que está cercado por dois dos maiores produtores de drogas do continente — Colômbia ao norte e Peru ao sul — sempre colocou a nação na mira do tráfico internacional. Mas o desmantelamento gradual de diversas instituições do estado nos últimos governos e o aumento exponencial do cultivo da folha da coca para a produção da cocaína colombiana fizeram com que proliferasse no país a indústria do narcotráfico.

Enfraquecimento institucional e o crime

Em 2017, o presidente esquerdista Rafael Correa havia finalizado seu mandato após dez anos no poder, com uma baixa popularidade e sob diversas acusações de corrupção que posteriormente o forçariam ao exílio. Naquele ano, seu ex-vice-presidente Lenín Moreno foi eleito presidente do país, em um processo que o afastou do correísmo, prometendo apagar a herança política do seu antecessor. Entre 2017 e 2021, seu governo fechou 24 ministérios e instituições estatais sob o pretexto de enxugar o tamanho do estado.

Soldados patrulham as ruas de Durán, Equador, uma cidade dominada por grupos locais ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023. Foto: Victor Moriyama / NYT

Carla Álvarez, professora da Escola de Segurança e Defesa do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador, acredita que, neste período, o desaparecimento de diversas instituições da estrutura estatal colocou em xeque o país, abrindo espaço para que o crime organizado tomasse conta de regiões negligenciadas pelo governo, como portos e controles de fronteira. “O estouro do caos no Equador converge em duas variáveis: o crescimento da presença de grupos criminosos e o enfraquecimento da institucionalidade”, disse ela em entrevista ao Estadão.

Segundo a especialista, nos últimos anos o interesse no Equador como ponto de saída da droga que é enviada para Europa e EUA chamou a atenção de grupos criminosos internacionais que viram no país uma oportunidade de lucro. Durante a pandemia, a exportação destas drogas parou brevemente, e em 2021 e 2022 os cartéis passaram a vender agressivamente todo o material que havia ficado confinado, incrementando para isso seu controle sobre as rotas de tráfico equatorianas nas zonas costeiras que haviam ficado desprotegidas.

“Quando o governo de Lenín Moreno desmantelou diversas instituições, o setor de inteligência foi um dos mais afetados, e o Equador perdeu sua capacidade de prevenir ações do crime organizado”, afirmou Carla Álvarez. “Neste sentido, surgiram novas gangues no país, com estruturas diferentes às dos grandes cartéis, enquanto grupos como Los Choneros e Los Lobos ficaram fragmentados e passaram a disputar territórios. Isso gerou instabilidade no crime organizado, tornando as gangues muito mais violentas e gerando, como consequência, um estado de caos”, ponderou ela.

Soldados escoltam detentos no bloco de celas 3 da prisão militarizada Litoral, enquanto as medidas tomadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues são expostas, durante um tour de mídia em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

Los Choneros controlaram o tráfico de cocaína em Guayaquil, uma das principais cidades da nação, durante muitos anos. Mas com o aumento da demanda internacional por esta droga, outros grupos viram a oportunidade de se aliarem com cartéis mexicanos e narcotraficantes colombianos para tomar o controle de regiões fundamentais para as rotas de exportação e ganhar milhões de dólares com o tráfico.

Este é o caso de Los Lobos, que em 2020 entrou em guerra com Los Choneros por territórios que antes não eram disputados. À época, o assassinato de dois líderes de Los Choneros (Rasquiña, morto em dezembro de 2020, e Junior Roldán “JR”, assassinado em maio de 2023) causou uma onda de ataques violentos ao redor do país.

No ano anterior, em aliança com os grupos Tiguerones e ChoneKillers, Los Lobos passaram a dominar o crime no Equador, tomando conta de rotas de transporte, armazenamento e tráfico de cocaína. Segundo Carla Álvarez, a força deste grupo vem do controle de territórios estratégicos que se estendem da fronteira com a Colômbia até Guayaquil.

Agentes de polícia inspecionam caixas de camarão para exportação suspeitas de conter cocaína no porto de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

Por outro lado, a Polícia Nacional acredita que os Tiguerones são os responsáveis pela maior quantidade de sequestros do país, utilizando a extorsão dos reféns como principal forma de financiamento, tanto em áreas urbanas quanto rurais.

Já os ChoneKillers, cujo líder é de origem porto-riquenho, têm um papel fundamental na logística da droga até os portos, garantindo que o carregamento de drogas associado a Los Lobos seja enviado ao destino final. Este grupo também é um dos mais instáveis e violentos. Nos últimos anos, o grupo foi responsável por diversos massacres no Equador.

Logística do narcotráfico

A logística é parte mais lucrativa do negócio do narcotráfico. Em países que fazem parte da rede de tráfico, os grupos que controlam estes negócios mudam os preços do produto em relação à dificuldade, distância e probabilidade de conseguirem sucesso na exportação do produto ilícito. No Equador, a logística portuária facilita o tráfico de drogas e eleva os lucros dos cartéis envolvidos no processo. E cartéis poderosos como o de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, além de grupos criminosos do leste da Europa, chamados pela polícia equatoriana como a máfia albanesa, expandiram seus negócios financiando as gangues locais, que segundo a polícia agora coordenam o armazenamento e transporte da droga.

Imagem divulgada pelo escritório de imprensa da presidência do Equador mostrando o presidente Daniel Noboa durante uma entrevista com a BBC em Guayaquil, Equador, em 12 de janeiro de 2024. Foto: ISAAC CASTILLO / AFP

Quando o estado equatoriano perdeu o controle sobre as prisões, as gangues tornaram estes espaços as bases de operações do narcotráfico, às quais o estado não consegue acessar. Nelas, é planejada a logística da exportação, que ocorre primeiramente, segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, através de três rotas principais da fronteira norte, cujo destino intermediário quase sempre são os portos.

A primeira é a rota de Nariño, na Colômbia, até a cidade fronteiriça de Esmeraldas — atualmente uma das regiões urbanas mais violentas do continente —, seguindo para os portos de Manabí, Guayaquil e Santa Elena, onde a droga é posteriormente introduzida em caixas de bananas, carregamentos de cacau ou até em contêineres de outros tipos de mercadorias que são enviadas para os Estados Unidos ou Europa. Nos últimos anos, a Bélgica tem sido um dos maiores receptores da cocaína que sai dos portos equatorianos.

A segunda rota é a da serra equatoriana, que se estende de norte ao sul pela cordilheira dos andes. Nesta rota, a droga que sai de Nariño ou de Putumayo, também na Colômbia, atravessa várias províncias andinas como Pichincha, e Cotopaxi, até chegar aos portos de Guayaquil ou de El Oro, onde é colocada em barcos saem pelo Oceano Pacífico.

Um tanque fica no presídio militarizado Litoral, como parte das medidas adotadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues, durante uma visita à imprensa em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

E outra rota popular seria a do Corredor Amazônico. Segundo os especialistas, a cocaína proveniente de Putumayo é enviada à província equatoriana de Sucumbío, seguindo pela rota de Napo, Puyo, Los Ríos e Guayas.

Segundo a jornalista equatoriana Gisella Rojas, que cobre assuntos de segurança para o braço digital do canal Ecuavisa, o crime organizado mantém estas rotas há anos, mas a logística mais sofisticada dos cartéis estrangeiros tem complicado o trabalho das autoridades para frear o tráfico.

“São dinâmicas complexas e especializadas, que envolvem muitas pessoas e várias províncias do país”, disse ela. “A maior parte da droga traficada no país vem da Colômbia, devido a que Nariño e Putumayo, que se encontram muito perto do Equador, são as regiões onde é produzida aproximadamente um terço da cocaína colombiana. O Equador tem um sistema de estradas muito moderno e conectado, e isso facilita o envio rápido destes produtos ilícitos para qualquer parte do país”, afirmou Gisella Rojas.

Membros da polícia e do Exército apresentam as 22 toneladas de drogas apreendidas após uma operação em Quevedo, Equador, em 22 de janeiro de 2024.  Foto: DANIEL VITE / AFP
As Forças Armadas do Equador apreendem um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS
As Forças Armadas Equatorianas apreenderam um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS

Para Daniel Pontón, professor de segurança do Instituto Nacional de Estudos Superiores do Equador, o tráfico de drogas é o catalisador da crise da violência equatoriana, que vem se aprofundando desde a segunda metade do ano anterior. De acordo com dados registrados pela Polícia Nacional, 2023 foi o ano mais violento da história do país, com uma pessoa assassinada a cada 69 minutos como resultado de ações de gangues e outras organizações criminosas. Nesse ano, houveram pelo menos 7.592 mortes violentas, elevando a taxa de homicídios do país para mais de 40 mortes por cada 100.000 habitantes — um aumento de aproximadamente 64,9% em comparação com as 4.603 mortes registradas em 2022.

“Estamos vivenciando um período de muita incerteza. Lamentavelmente, a capacidade de logística do Equador continua possibilitando a geração de muito lucro para os grupos que dominam narcotráfico internacional, e enquanto continuar o fluxo de drogas, a violência generalizada não vai parar”, avaliou o especialista.

No Equador, o tráfico de drogas deixa sua marca em cada canto do país. Crianças recrutadas pelas gangues, bairros infestados por ondas de assassinatos e extorsões, atentados contra políticos e funcionários públicos — esses têm sido o resultado do caos imposto por líderes de organizações criminosas que passaram a utilizar o país sul-americano como peça fundamental de uma complexa rede internacional de comércio de estupefacientes.

Em poucos anos, o Equador passou de ser um dos países mais estáveis da América do Sul a um eixo do narcotráfico dominado por cartéis mexicanos, grupos armados da Colômbia e até narcotraficantes europeus, que utilizam o poder das gangues equatorianas nas ruas e nas prisões para acessar rotas de tráfico essenciais.

De acordo com um relatório de 2023 do Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, a Direção Nacional de Investigação Antidrogas do país apreendeu 619 toneladas de ilícitos, dos quais 87% corresponderam ao tráfico internacional de drogas e 13% ao tráfico de consumo doméstico. Somente em 2023, foram apreendidas 189 toneladas de drogas, por um valor de aproximadamente 4.3 mil milhões de dólares.

Soldados patrulhando Durán, um subúrbio de Guayaquil, Equador, que é dominado por grupos ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

“O que estamos vivenciando neste país é consequência do fortalecimento dos grupos criminosos que foram tomando conta do Equador aos poucos, até estourar o caos”, disse em entrevista ao Estadão o coronel Carlos Blanco, ex-diretor de operações da polícia de Quito e especialista em assuntos de segurança e inteligência. “Eles fizeram com que o Equador se tornasse o galpão logístico do crime organizado”.

De acordo com Blanco, o posicionamento geográfico do Equador, que está cercado por dois dos maiores produtores de drogas do continente — Colômbia ao norte e Peru ao sul — sempre colocou a nação na mira do tráfico internacional. Mas o desmantelamento gradual de diversas instituições do estado nos últimos governos e o aumento exponencial do cultivo da folha da coca para a produção da cocaína colombiana fizeram com que proliferasse no país a indústria do narcotráfico.

Enfraquecimento institucional e o crime

Em 2017, o presidente esquerdista Rafael Correa havia finalizado seu mandato após dez anos no poder, com uma baixa popularidade e sob diversas acusações de corrupção que posteriormente o forçariam ao exílio. Naquele ano, seu ex-vice-presidente Lenín Moreno foi eleito presidente do país, em um processo que o afastou do correísmo, prometendo apagar a herança política do seu antecessor. Entre 2017 e 2021, seu governo fechou 24 ministérios e instituições estatais sob o pretexto de enxugar o tamanho do estado.

Soldados patrulham as ruas de Durán, Equador, uma cidade dominada por grupos locais ligados ao tráfico de drogas, em 31 de maio de 2023. Foto: Victor Moriyama / NYT

Carla Álvarez, professora da Escola de Segurança e Defesa do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador, acredita que, neste período, o desaparecimento de diversas instituições da estrutura estatal colocou em xeque o país, abrindo espaço para que o crime organizado tomasse conta de regiões negligenciadas pelo governo, como portos e controles de fronteira. “O estouro do caos no Equador converge em duas variáveis: o crescimento da presença de grupos criminosos e o enfraquecimento da institucionalidade”, disse ela em entrevista ao Estadão.

Segundo a especialista, nos últimos anos o interesse no Equador como ponto de saída da droga que é enviada para Europa e EUA chamou a atenção de grupos criminosos internacionais que viram no país uma oportunidade de lucro. Durante a pandemia, a exportação destas drogas parou brevemente, e em 2021 e 2022 os cartéis passaram a vender agressivamente todo o material que havia ficado confinado, incrementando para isso seu controle sobre as rotas de tráfico equatorianas nas zonas costeiras que haviam ficado desprotegidas.

“Quando o governo de Lenín Moreno desmantelou diversas instituições, o setor de inteligência foi um dos mais afetados, e o Equador perdeu sua capacidade de prevenir ações do crime organizado”, afirmou Carla Álvarez. “Neste sentido, surgiram novas gangues no país, com estruturas diferentes às dos grandes cartéis, enquanto grupos como Los Choneros e Los Lobos ficaram fragmentados e passaram a disputar territórios. Isso gerou instabilidade no crime organizado, tornando as gangues muito mais violentas e gerando, como consequência, um estado de caos”, ponderou ela.

Soldados escoltam detentos no bloco de celas 3 da prisão militarizada Litoral, enquanto as medidas tomadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues são expostas, durante um tour de mídia em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

Los Choneros controlaram o tráfico de cocaína em Guayaquil, uma das principais cidades da nação, durante muitos anos. Mas com o aumento da demanda internacional por esta droga, outros grupos viram a oportunidade de se aliarem com cartéis mexicanos e narcotraficantes colombianos para tomar o controle de regiões fundamentais para as rotas de exportação e ganhar milhões de dólares com o tráfico.

Este é o caso de Los Lobos, que em 2020 entrou em guerra com Los Choneros por territórios que antes não eram disputados. À época, o assassinato de dois líderes de Los Choneros (Rasquiña, morto em dezembro de 2020, e Junior Roldán “JR”, assassinado em maio de 2023) causou uma onda de ataques violentos ao redor do país.

No ano anterior, em aliança com os grupos Tiguerones e ChoneKillers, Los Lobos passaram a dominar o crime no Equador, tomando conta de rotas de transporte, armazenamento e tráfico de cocaína. Segundo Carla Álvarez, a força deste grupo vem do controle de territórios estratégicos que se estendem da fronteira com a Colômbia até Guayaquil.

Agentes de polícia inspecionam caixas de camarão para exportação suspeitas de conter cocaína no porto de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023.  Foto: Victor Moriyama / NYT

Por outro lado, a Polícia Nacional acredita que os Tiguerones são os responsáveis pela maior quantidade de sequestros do país, utilizando a extorsão dos reféns como principal forma de financiamento, tanto em áreas urbanas quanto rurais.

Já os ChoneKillers, cujo líder é de origem porto-riquenho, têm um papel fundamental na logística da droga até os portos, garantindo que o carregamento de drogas associado a Los Lobos seja enviado ao destino final. Este grupo também é um dos mais instáveis e violentos. Nos últimos anos, o grupo foi responsável por diversos massacres no Equador.

Logística do narcotráfico

A logística é parte mais lucrativa do negócio do narcotráfico. Em países que fazem parte da rede de tráfico, os grupos que controlam estes negócios mudam os preços do produto em relação à dificuldade, distância e probabilidade de conseguirem sucesso na exportação do produto ilícito. No Equador, a logística portuária facilita o tráfico de drogas e eleva os lucros dos cartéis envolvidos no processo. E cartéis poderosos como o de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, além de grupos criminosos do leste da Europa, chamados pela polícia equatoriana como a máfia albanesa, expandiram seus negócios financiando as gangues locais, que segundo a polícia agora coordenam o armazenamento e transporte da droga.

Imagem divulgada pelo escritório de imprensa da presidência do Equador mostrando o presidente Daniel Noboa durante uma entrevista com a BBC em Guayaquil, Equador, em 12 de janeiro de 2024. Foto: ISAAC CASTILLO / AFP

Quando o estado equatoriano perdeu o controle sobre as prisões, as gangues tornaram estes espaços as bases de operações do narcotráfico, às quais o estado não consegue acessar. Nelas, é planejada a logística da exportação, que ocorre primeiramente, segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, através de três rotas principais da fronteira norte, cujo destino intermediário quase sempre são os portos.

A primeira é a rota de Nariño, na Colômbia, até a cidade fronteiriça de Esmeraldas — atualmente uma das regiões urbanas mais violentas do continente —, seguindo para os portos de Manabí, Guayaquil e Santa Elena, onde a droga é posteriormente introduzida em caixas de bananas, carregamentos de cacau ou até em contêineres de outros tipos de mercadorias que são enviadas para os Estados Unidos ou Europa. Nos últimos anos, a Bélgica tem sido um dos maiores receptores da cocaína que sai dos portos equatorianos.

A segunda rota é a da serra equatoriana, que se estende de norte ao sul pela cordilheira dos andes. Nesta rota, a droga que sai de Nariño ou de Putumayo, também na Colômbia, atravessa várias províncias andinas como Pichincha, e Cotopaxi, até chegar aos portos de Guayaquil ou de El Oro, onde é colocada em barcos saem pelo Oceano Pacífico.

Um tanque fica no presídio militarizado Litoral, como parte das medidas adotadas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, para reprimir gangues, durante uma visita à imprensa em Guayaquil, Equador, em 9 de fevereiro de 2024.  Foto: Santiago Arcos / REUTERS

E outra rota popular seria a do Corredor Amazônico. Segundo os especialistas, a cocaína proveniente de Putumayo é enviada à província equatoriana de Sucumbío, seguindo pela rota de Napo, Puyo, Los Ríos e Guayas.

Segundo a jornalista equatoriana Gisella Rojas, que cobre assuntos de segurança para o braço digital do canal Ecuavisa, o crime organizado mantém estas rotas há anos, mas a logística mais sofisticada dos cartéis estrangeiros tem complicado o trabalho das autoridades para frear o tráfico.

“São dinâmicas complexas e especializadas, que envolvem muitas pessoas e várias províncias do país”, disse ela. “A maior parte da droga traficada no país vem da Colômbia, devido a que Nariño e Putumayo, que se encontram muito perto do Equador, são as regiões onde é produzida aproximadamente um terço da cocaína colombiana. O Equador tem um sistema de estradas muito moderno e conectado, e isso facilita o envio rápido destes produtos ilícitos para qualquer parte do país”, afirmou Gisella Rojas.

Membros da polícia e do Exército apresentam as 22 toneladas de drogas apreendidas após uma operação em Quevedo, Equador, em 22 de janeiro de 2024.  Foto: DANIEL VITE / AFP
As Forças Armadas do Equador apreendem um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS
As Forças Armadas Equatorianas apreenderam um semi-submersível com aproximadamente 3,2 toneladas de drogas a 32 milhas náuticas da costa de Esmeraldas, no Equador, em 20 de janeiro de 2024.  Foto: Forças Armadas do Equador via REUTERS

Para Daniel Pontón, professor de segurança do Instituto Nacional de Estudos Superiores do Equador, o tráfico de drogas é o catalisador da crise da violência equatoriana, que vem se aprofundando desde a segunda metade do ano anterior. De acordo com dados registrados pela Polícia Nacional, 2023 foi o ano mais violento da história do país, com uma pessoa assassinada a cada 69 minutos como resultado de ações de gangues e outras organizações criminosas. Nesse ano, houveram pelo menos 7.592 mortes violentas, elevando a taxa de homicídios do país para mais de 40 mortes por cada 100.000 habitantes — um aumento de aproximadamente 64,9% em comparação com as 4.603 mortes registradas em 2022.

“Estamos vivenciando um período de muita incerteza. Lamentavelmente, a capacidade de logística do Equador continua possibilitando a geração de muito lucro para os grupos que dominam narcotráfico internacional, e enquanto continuar o fluxo de drogas, a violência generalizada não vai parar”, avaliou o especialista.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.