Como as passagens de metrô e ônibus prometem ser o primeiro problema do governo Milei na Argentina


As políticas de subsídios a transporte, energia e gás são históricas na Argentina e custaram a popularidade de Mauricio Macri quando tentou retirá-las

Por Carolina Marins

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A aposentada Griselda Binzttel, 78, está de acordo com a política de ajustes que o novo presidente Javier Milei estava para anunciar na terça-feira, 12, mas sua preocupação é com a redução dos subsídios. O temor da aposentada, que mora perto da praça do Congresso, onde Milei tomou posse no domingo, é que com a retirada dos subsídios, a pobreza que já afeta 40% da população aumente ainda mais.

“Quem pega ônibus é pobre. Como que essas pessoas vão sobreviver?”, questiona. Ela fazia compras poucas horas antes do anúncio das medidas do ministro da Economia, Luis Caputo, e tinha enormes expectativas para ver o reflexo nos preços.

Na quarta-feira, 13, a presidência da Argentina esclareceu que as reduções começarão já a partir do primeiro dia de janeiro e vão afetar as tarifas de transporte, luz e gás, em uma medida que o governo espera economizar o equivalente 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no Orçamento. A ação, porém, é impopular. Aliado de Milei, o ex-presidente Maurício Macri tentou um corte parecido. A iniciativa frustada é até hoje apontada por analistas como um dos fatores que contribuiu para sua derrota para Alberto Fernández, em 2019.

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Mudanças

Ontem, o ministro promoveu uma desvalorização de 55% no valor do peso frente ao dólar. A moeda, que valia um pouco mais de 400 pesos no fim do governo de Alberto Fernández passou para 800 pesos. O reflexo imediato será na inflação, que já está em 160% na taxa internanual e pode passar a taxas acima de 20% ao mês, segundo projetou o próprio presidente.

Pessoas usando o metrôs em Buenos Aires nesta quarta, 13 Foto: Rodrigo Abd/AP
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A desvalorização, porém, era esperada, já que a Argentina precisa corrigir a distorção de preço entre o mercado oficial e paralelo do câmbio. O que surpreendeu foi o tamanho da desvalorização. Uma redução de subsídios também era prevista, mas com mais ansiedade, já que historicamente mexer nos benefícios é uma política altamente impopular, que pode custar apoio da base eleitoral.

Milei se ancora nesse base ao anunciar seu pacote de choque, já que foi eleito com uma diferença de 11 pontos percentuais de seu adversário, Sergio Massa. Mas o cálculo não é tão óbvio. Apoio eleitoral não se traduz automaticamente em apoio político, principalmente quando a população passa a sentir no bolso o peso de medidas impopulares.

“Tenho a impressão de que ele está jogando no limite para ver o nível de tolerância dos argentinos ao ajuste”, opina o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, eles perdem o momento e a tolerância diminui rapidamente”.

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Como funcionam

Na prática, subsídios são ajudas sociais que o governo fornece às empresas para manter um controle de preços. Em vez de transferir valores diretamente aos beneficiários, como ocorre com programas sociais como a Asignación Universal por Hijo (AUH, semelhante ao Bolsa Família brasileiro), o Estado repassa o valor às companhias de transporte, energia e gás, custeando a maior parte do consumo, enquanto a população paga um valor muito menor que o real.

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A passagem unitária de metrô em Buenos Aires, por exemplo, custa hoje 80 pesos, o equivalente a R$ 0,50 no câmbio oficial e R$ 0,40 no paralelo, o mais usado no país. Em São Paulo, a tarifa de metrô, também congelada desde a pandemia, custa R$ 4,40 - 11 vezes mais que no país vizinho.

Em um contexto em que os salários dos argentinos são consumidos pela inflação galopante, os subsídios servem como ferramenta para não comprometer ainda mais as rendas, além de promover uma distribuição mais equitativa desta renda. O custo, porém, é alto. Estima-se que os gastos com esta forma de ajuda social represente entre 2% e 3% do PIB. Por causa do subsídio, a Argentina tem um das passagens de transporte público mais baratas da América Latina.

Ônibus passam pela Avenida 9 de Julio em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP
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Segundo dados da consultoria Invecq compilados pelo site de checagem argentino Chequeado, entre 2016 e 2021 a Argentina destinou em média 3,3% do PIB para subsídios, valor só superado pelo Equador (3,9%). Abaixo ficaram Bolívia (2,6%), Chile (1,2%), Colômbia (0,4%) e Brasil (0,3%), entre outros. Em 2022 o governo de Alberto Fernández destinou 1 bilhão de dólares a programas de promoção social, o que equivale a 1,3% do PIB.

A crítica que se faz é de que, diferentemente dos auxílios sociais por demanda - como a AUH - que são destinados a quem mais necessita, os auxílio por oferta abarcam a todos. Qualquer um que obtiver um bilhete “sube” em Buenos Aires, pagará no transporte o mesmo valor que qualquer portenho seja qual for a renda. É por isso que economistas dizem que os subsídios, principalmente o da energia, são pró-rico, porque, por mais que beneficie a todos e de fato ajude aos mais pobres, quem tem maior renda sai em vantagem.

A vendedora Elvira Troncoso, 50, é uma das que votaram em Milei e tem esperança de que as coisas vão melhorar, ainda que seja em um futuro médio ou longo. Porém, admitiu preocupação com o fim dos baixos preços no transportes e nas contas. “Espero que não aumente”, admitiu rindo.

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Já a vendedora de flores Patricia Kernol, também 50, estava confusa que ainda não havia aumentado o preço do metrô. “Achei que já ia aumentar no dia seguinte da posse”, afirmou, perguntando se já havia acontecido a mudança. “Não sei como que vai ser para mim, eu moro a duas horas de distância, minha renda vem da venda das flores, mas ninguém mais compra flores”.

“O transporte na Argentina é sempre um tema muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados”, observa Fabio Rodriguez.

Passageiros saem de um trem na estação Retiro, em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Os subsídios já são uma instituição na sociedade argentina, que existe há mais de 75 anos. Mas o modelo atual surgiu em 2002, por meio da Lei de Emergência Econômica que nasceu após o fim da paridade entre o dólar e o peso, que desencadeou a intensa crise econômica e social de 2001.

Os governos peronistas, principalmente os kirchneristas, fortaleceram essas políticas. Não a toa, o pico de gastos foi em 2013, no governo de Cristina Kirchner, quando se alocou 134 bilhões de dólares, o equivalente a 4% do PIB daquela época.

Já o pico inverso, de redução desses gastos foi em 2019, durante o governo de Mauricio Macri, em que os gastos com subsídios foram reduzidos de 3,4% do PIB registrado em 2015 para 1,5% em 2019.

O histórico, porém, não é favorável a Milei. Em 2016, o governo Macri promoveu uma política que ficou conhecida como “Tarifazo”, em que se retiraram os subsídios ao transporte, promovendo um aumento de 100% no preço da passagem. Também foi retirado o benefício da água, do gás, da energia e dos hidrocarbonetos, este últimos desencadeando uma alta no preço dos combustíveis.

A medida provocou uma série de protestos, que começaram na capital Buenos Aires e logo se espalharam por toda a província, até virarem marchas nacionais. Os protestos se seguiram até 2019, quando Macri perdeu as eleições para Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Um passageiro segura um cartão do transporte público de Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Por isso, a decisão da equipe econômica do libertário foi de aplicar uma redução - e não corte - gradual (o que vai contra o discurso de posse de Milei, que falava em não haver tempo para gradualismos). A medida, porém, em conjunto com outras apresentadas por seu ministro, prometem corroer parte do seu apoio popular, tornando a sua lua de mel bastante curta.

“A sua base de apoio mais sólida, que foram aqueles 30% (das primárias e do primeiro turno) vai se manter por um pouco mais de tempo. Mas esses 25% que ele conquistou depois, muito do Juntos pela Mudança, vai começar a ir com essas medidas impopulares”, avalia o cientista político e diretor do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires, Facundo Cruz.

Já durante as eleições, o tema virou um campo de batalhas entre Milei e Massa, com o peronista utilizando a máquina estatal para “expor” aos argentinos o plano de corte de subsídios de Milei. Após o primeiro turno, quem passasse o bilhete nas catracas, veria a mensagem de que a passagem custava um determinado valor com e outro sem o subsídio.

Na mesma linha, o governo Fernández promoveu uma campanha para que os argentinos que quisessem, abrissem mão voluntariamente de seus benefícios, mas menos de mil pessoas fizeram.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A aposentada Griselda Binzttel, 78, está de acordo com a política de ajustes que o novo presidente Javier Milei estava para anunciar na terça-feira, 12, mas sua preocupação é com a redução dos subsídios. O temor da aposentada, que mora perto da praça do Congresso, onde Milei tomou posse no domingo, é que com a retirada dos subsídios, a pobreza que já afeta 40% da população aumente ainda mais.

“Quem pega ônibus é pobre. Como que essas pessoas vão sobreviver?”, questiona. Ela fazia compras poucas horas antes do anúncio das medidas do ministro da Economia, Luis Caputo, e tinha enormes expectativas para ver o reflexo nos preços.

Na quarta-feira, 13, a presidência da Argentina esclareceu que as reduções começarão já a partir do primeiro dia de janeiro e vão afetar as tarifas de transporte, luz e gás, em uma medida que o governo espera economizar o equivalente 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no Orçamento. A ação, porém, é impopular. Aliado de Milei, o ex-presidente Maurício Macri tentou um corte parecido. A iniciativa frustada é até hoje apontada por analistas como um dos fatores que contribuiu para sua derrota para Alberto Fernández, em 2019.

Mudanças

Ontem, o ministro promoveu uma desvalorização de 55% no valor do peso frente ao dólar. A moeda, que valia um pouco mais de 400 pesos no fim do governo de Alberto Fernández passou para 800 pesos. O reflexo imediato será na inflação, que já está em 160% na taxa internanual e pode passar a taxas acima de 20% ao mês, segundo projetou o próprio presidente.

Pessoas usando o metrôs em Buenos Aires nesta quarta, 13 Foto: Rodrigo Abd/AP

A desvalorização, porém, era esperada, já que a Argentina precisa corrigir a distorção de preço entre o mercado oficial e paralelo do câmbio. O que surpreendeu foi o tamanho da desvalorização. Uma redução de subsídios também era prevista, mas com mais ansiedade, já que historicamente mexer nos benefícios é uma política altamente impopular, que pode custar apoio da base eleitoral.

Milei se ancora nesse base ao anunciar seu pacote de choque, já que foi eleito com uma diferença de 11 pontos percentuais de seu adversário, Sergio Massa. Mas o cálculo não é tão óbvio. Apoio eleitoral não se traduz automaticamente em apoio político, principalmente quando a população passa a sentir no bolso o peso de medidas impopulares.

“Tenho a impressão de que ele está jogando no limite para ver o nível de tolerância dos argentinos ao ajuste”, opina o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, eles perdem o momento e a tolerância diminui rapidamente”.

Como funcionam

Na prática, subsídios são ajudas sociais que o governo fornece às empresas para manter um controle de preços. Em vez de transferir valores diretamente aos beneficiários, como ocorre com programas sociais como a Asignación Universal por Hijo (AUH, semelhante ao Bolsa Família brasileiro), o Estado repassa o valor às companhias de transporte, energia e gás, custeando a maior parte do consumo, enquanto a população paga um valor muito menor que o real.

A passagem unitária de metrô em Buenos Aires, por exemplo, custa hoje 80 pesos, o equivalente a R$ 0,50 no câmbio oficial e R$ 0,40 no paralelo, o mais usado no país. Em São Paulo, a tarifa de metrô, também congelada desde a pandemia, custa R$ 4,40 - 11 vezes mais que no país vizinho.

Em um contexto em que os salários dos argentinos são consumidos pela inflação galopante, os subsídios servem como ferramenta para não comprometer ainda mais as rendas, além de promover uma distribuição mais equitativa desta renda. O custo, porém, é alto. Estima-se que os gastos com esta forma de ajuda social represente entre 2% e 3% do PIB. Por causa do subsídio, a Argentina tem um das passagens de transporte público mais baratas da América Latina.

Ônibus passam pela Avenida 9 de Julio em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Segundo dados da consultoria Invecq compilados pelo site de checagem argentino Chequeado, entre 2016 e 2021 a Argentina destinou em média 3,3% do PIB para subsídios, valor só superado pelo Equador (3,9%). Abaixo ficaram Bolívia (2,6%), Chile (1,2%), Colômbia (0,4%) e Brasil (0,3%), entre outros. Em 2022 o governo de Alberto Fernández destinou 1 bilhão de dólares a programas de promoção social, o que equivale a 1,3% do PIB.

A crítica que se faz é de que, diferentemente dos auxílios sociais por demanda - como a AUH - que são destinados a quem mais necessita, os auxílio por oferta abarcam a todos. Qualquer um que obtiver um bilhete “sube” em Buenos Aires, pagará no transporte o mesmo valor que qualquer portenho seja qual for a renda. É por isso que economistas dizem que os subsídios, principalmente o da energia, são pró-rico, porque, por mais que beneficie a todos e de fato ajude aos mais pobres, quem tem maior renda sai em vantagem.

A vendedora Elvira Troncoso, 50, é uma das que votaram em Milei e tem esperança de que as coisas vão melhorar, ainda que seja em um futuro médio ou longo. Porém, admitiu preocupação com o fim dos baixos preços no transportes e nas contas. “Espero que não aumente”, admitiu rindo.

Já a vendedora de flores Patricia Kernol, também 50, estava confusa que ainda não havia aumentado o preço do metrô. “Achei que já ia aumentar no dia seguinte da posse”, afirmou, perguntando se já havia acontecido a mudança. “Não sei como que vai ser para mim, eu moro a duas horas de distância, minha renda vem da venda das flores, mas ninguém mais compra flores”.

“O transporte na Argentina é sempre um tema muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados”, observa Fabio Rodriguez.

Passageiros saem de um trem na estação Retiro, em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Os subsídios já são uma instituição na sociedade argentina, que existe há mais de 75 anos. Mas o modelo atual surgiu em 2002, por meio da Lei de Emergência Econômica que nasceu após o fim da paridade entre o dólar e o peso, que desencadeou a intensa crise econômica e social de 2001.

Os governos peronistas, principalmente os kirchneristas, fortaleceram essas políticas. Não a toa, o pico de gastos foi em 2013, no governo de Cristina Kirchner, quando se alocou 134 bilhões de dólares, o equivalente a 4% do PIB daquela época.

Já o pico inverso, de redução desses gastos foi em 2019, durante o governo de Mauricio Macri, em que os gastos com subsídios foram reduzidos de 3,4% do PIB registrado em 2015 para 1,5% em 2019.

O histórico, porém, não é favorável a Milei. Em 2016, o governo Macri promoveu uma política que ficou conhecida como “Tarifazo”, em que se retiraram os subsídios ao transporte, promovendo um aumento de 100% no preço da passagem. Também foi retirado o benefício da água, do gás, da energia e dos hidrocarbonetos, este últimos desencadeando uma alta no preço dos combustíveis.

A medida provocou uma série de protestos, que começaram na capital Buenos Aires e logo se espalharam por toda a província, até virarem marchas nacionais. Os protestos se seguiram até 2019, quando Macri perdeu as eleições para Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Um passageiro segura um cartão do transporte público de Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Por isso, a decisão da equipe econômica do libertário foi de aplicar uma redução - e não corte - gradual (o que vai contra o discurso de posse de Milei, que falava em não haver tempo para gradualismos). A medida, porém, em conjunto com outras apresentadas por seu ministro, prometem corroer parte do seu apoio popular, tornando a sua lua de mel bastante curta.

“A sua base de apoio mais sólida, que foram aqueles 30% (das primárias e do primeiro turno) vai se manter por um pouco mais de tempo. Mas esses 25% que ele conquistou depois, muito do Juntos pela Mudança, vai começar a ir com essas medidas impopulares”, avalia o cientista político e diretor do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires, Facundo Cruz.

Já durante as eleições, o tema virou um campo de batalhas entre Milei e Massa, com o peronista utilizando a máquina estatal para “expor” aos argentinos o plano de corte de subsídios de Milei. Após o primeiro turno, quem passasse o bilhete nas catracas, veria a mensagem de que a passagem custava um determinado valor com e outro sem o subsídio.

Na mesma linha, o governo Fernández promoveu uma campanha para que os argentinos que quisessem, abrissem mão voluntariamente de seus benefícios, mas menos de mil pessoas fizeram.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A aposentada Griselda Binzttel, 78, está de acordo com a política de ajustes que o novo presidente Javier Milei estava para anunciar na terça-feira, 12, mas sua preocupação é com a redução dos subsídios. O temor da aposentada, que mora perto da praça do Congresso, onde Milei tomou posse no domingo, é que com a retirada dos subsídios, a pobreza que já afeta 40% da população aumente ainda mais.

“Quem pega ônibus é pobre. Como que essas pessoas vão sobreviver?”, questiona. Ela fazia compras poucas horas antes do anúncio das medidas do ministro da Economia, Luis Caputo, e tinha enormes expectativas para ver o reflexo nos preços.

Na quarta-feira, 13, a presidência da Argentina esclareceu que as reduções começarão já a partir do primeiro dia de janeiro e vão afetar as tarifas de transporte, luz e gás, em uma medida que o governo espera economizar o equivalente 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no Orçamento. A ação, porém, é impopular. Aliado de Milei, o ex-presidente Maurício Macri tentou um corte parecido. A iniciativa frustada é até hoje apontada por analistas como um dos fatores que contribuiu para sua derrota para Alberto Fernández, em 2019.

Mudanças

Ontem, o ministro promoveu uma desvalorização de 55% no valor do peso frente ao dólar. A moeda, que valia um pouco mais de 400 pesos no fim do governo de Alberto Fernández passou para 800 pesos. O reflexo imediato será na inflação, que já está em 160% na taxa internanual e pode passar a taxas acima de 20% ao mês, segundo projetou o próprio presidente.

Pessoas usando o metrôs em Buenos Aires nesta quarta, 13 Foto: Rodrigo Abd/AP

A desvalorização, porém, era esperada, já que a Argentina precisa corrigir a distorção de preço entre o mercado oficial e paralelo do câmbio. O que surpreendeu foi o tamanho da desvalorização. Uma redução de subsídios também era prevista, mas com mais ansiedade, já que historicamente mexer nos benefícios é uma política altamente impopular, que pode custar apoio da base eleitoral.

Milei se ancora nesse base ao anunciar seu pacote de choque, já que foi eleito com uma diferença de 11 pontos percentuais de seu adversário, Sergio Massa. Mas o cálculo não é tão óbvio. Apoio eleitoral não se traduz automaticamente em apoio político, principalmente quando a população passa a sentir no bolso o peso de medidas impopulares.

“Tenho a impressão de que ele está jogando no limite para ver o nível de tolerância dos argentinos ao ajuste”, opina o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, eles perdem o momento e a tolerância diminui rapidamente”.

Como funcionam

Na prática, subsídios são ajudas sociais que o governo fornece às empresas para manter um controle de preços. Em vez de transferir valores diretamente aos beneficiários, como ocorre com programas sociais como a Asignación Universal por Hijo (AUH, semelhante ao Bolsa Família brasileiro), o Estado repassa o valor às companhias de transporte, energia e gás, custeando a maior parte do consumo, enquanto a população paga um valor muito menor que o real.

A passagem unitária de metrô em Buenos Aires, por exemplo, custa hoje 80 pesos, o equivalente a R$ 0,50 no câmbio oficial e R$ 0,40 no paralelo, o mais usado no país. Em São Paulo, a tarifa de metrô, também congelada desde a pandemia, custa R$ 4,40 - 11 vezes mais que no país vizinho.

Em um contexto em que os salários dos argentinos são consumidos pela inflação galopante, os subsídios servem como ferramenta para não comprometer ainda mais as rendas, além de promover uma distribuição mais equitativa desta renda. O custo, porém, é alto. Estima-se que os gastos com esta forma de ajuda social represente entre 2% e 3% do PIB. Por causa do subsídio, a Argentina tem um das passagens de transporte público mais baratas da América Latina.

Ônibus passam pela Avenida 9 de Julio em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Segundo dados da consultoria Invecq compilados pelo site de checagem argentino Chequeado, entre 2016 e 2021 a Argentina destinou em média 3,3% do PIB para subsídios, valor só superado pelo Equador (3,9%). Abaixo ficaram Bolívia (2,6%), Chile (1,2%), Colômbia (0,4%) e Brasil (0,3%), entre outros. Em 2022 o governo de Alberto Fernández destinou 1 bilhão de dólares a programas de promoção social, o que equivale a 1,3% do PIB.

A crítica que se faz é de que, diferentemente dos auxílios sociais por demanda - como a AUH - que são destinados a quem mais necessita, os auxílio por oferta abarcam a todos. Qualquer um que obtiver um bilhete “sube” em Buenos Aires, pagará no transporte o mesmo valor que qualquer portenho seja qual for a renda. É por isso que economistas dizem que os subsídios, principalmente o da energia, são pró-rico, porque, por mais que beneficie a todos e de fato ajude aos mais pobres, quem tem maior renda sai em vantagem.

A vendedora Elvira Troncoso, 50, é uma das que votaram em Milei e tem esperança de que as coisas vão melhorar, ainda que seja em um futuro médio ou longo. Porém, admitiu preocupação com o fim dos baixos preços no transportes e nas contas. “Espero que não aumente”, admitiu rindo.

Já a vendedora de flores Patricia Kernol, também 50, estava confusa que ainda não havia aumentado o preço do metrô. “Achei que já ia aumentar no dia seguinte da posse”, afirmou, perguntando se já havia acontecido a mudança. “Não sei como que vai ser para mim, eu moro a duas horas de distância, minha renda vem da venda das flores, mas ninguém mais compra flores”.

“O transporte na Argentina é sempre um tema muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados”, observa Fabio Rodriguez.

Passageiros saem de um trem na estação Retiro, em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Os subsídios já são uma instituição na sociedade argentina, que existe há mais de 75 anos. Mas o modelo atual surgiu em 2002, por meio da Lei de Emergência Econômica que nasceu após o fim da paridade entre o dólar e o peso, que desencadeou a intensa crise econômica e social de 2001.

Os governos peronistas, principalmente os kirchneristas, fortaleceram essas políticas. Não a toa, o pico de gastos foi em 2013, no governo de Cristina Kirchner, quando se alocou 134 bilhões de dólares, o equivalente a 4% do PIB daquela época.

Já o pico inverso, de redução desses gastos foi em 2019, durante o governo de Mauricio Macri, em que os gastos com subsídios foram reduzidos de 3,4% do PIB registrado em 2015 para 1,5% em 2019.

O histórico, porém, não é favorável a Milei. Em 2016, o governo Macri promoveu uma política que ficou conhecida como “Tarifazo”, em que se retiraram os subsídios ao transporte, promovendo um aumento de 100% no preço da passagem. Também foi retirado o benefício da água, do gás, da energia e dos hidrocarbonetos, este últimos desencadeando uma alta no preço dos combustíveis.

A medida provocou uma série de protestos, que começaram na capital Buenos Aires e logo se espalharam por toda a província, até virarem marchas nacionais. Os protestos se seguiram até 2019, quando Macri perdeu as eleições para Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Um passageiro segura um cartão do transporte público de Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Por isso, a decisão da equipe econômica do libertário foi de aplicar uma redução - e não corte - gradual (o que vai contra o discurso de posse de Milei, que falava em não haver tempo para gradualismos). A medida, porém, em conjunto com outras apresentadas por seu ministro, prometem corroer parte do seu apoio popular, tornando a sua lua de mel bastante curta.

“A sua base de apoio mais sólida, que foram aqueles 30% (das primárias e do primeiro turno) vai se manter por um pouco mais de tempo. Mas esses 25% que ele conquistou depois, muito do Juntos pela Mudança, vai começar a ir com essas medidas impopulares”, avalia o cientista político e diretor do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires, Facundo Cruz.

Já durante as eleições, o tema virou um campo de batalhas entre Milei e Massa, com o peronista utilizando a máquina estatal para “expor” aos argentinos o plano de corte de subsídios de Milei. Após o primeiro turno, quem passasse o bilhete nas catracas, veria a mensagem de que a passagem custava um determinado valor com e outro sem o subsídio.

Na mesma linha, o governo Fernández promoveu uma campanha para que os argentinos que quisessem, abrissem mão voluntariamente de seus benefícios, mas menos de mil pessoas fizeram.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A aposentada Griselda Binzttel, 78, está de acordo com a política de ajustes que o novo presidente Javier Milei estava para anunciar na terça-feira, 12, mas sua preocupação é com a redução dos subsídios. O temor da aposentada, que mora perto da praça do Congresso, onde Milei tomou posse no domingo, é que com a retirada dos subsídios, a pobreza que já afeta 40% da população aumente ainda mais.

“Quem pega ônibus é pobre. Como que essas pessoas vão sobreviver?”, questiona. Ela fazia compras poucas horas antes do anúncio das medidas do ministro da Economia, Luis Caputo, e tinha enormes expectativas para ver o reflexo nos preços.

Na quarta-feira, 13, a presidência da Argentina esclareceu que as reduções começarão já a partir do primeiro dia de janeiro e vão afetar as tarifas de transporte, luz e gás, em uma medida que o governo espera economizar o equivalente 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no Orçamento. A ação, porém, é impopular. Aliado de Milei, o ex-presidente Maurício Macri tentou um corte parecido. A iniciativa frustada é até hoje apontada por analistas como um dos fatores que contribuiu para sua derrota para Alberto Fernández, em 2019.

Mudanças

Ontem, o ministro promoveu uma desvalorização de 55% no valor do peso frente ao dólar. A moeda, que valia um pouco mais de 400 pesos no fim do governo de Alberto Fernández passou para 800 pesos. O reflexo imediato será na inflação, que já está em 160% na taxa internanual e pode passar a taxas acima de 20% ao mês, segundo projetou o próprio presidente.

Pessoas usando o metrôs em Buenos Aires nesta quarta, 13 Foto: Rodrigo Abd/AP

A desvalorização, porém, era esperada, já que a Argentina precisa corrigir a distorção de preço entre o mercado oficial e paralelo do câmbio. O que surpreendeu foi o tamanho da desvalorização. Uma redução de subsídios também era prevista, mas com mais ansiedade, já que historicamente mexer nos benefícios é uma política altamente impopular, que pode custar apoio da base eleitoral.

Milei se ancora nesse base ao anunciar seu pacote de choque, já que foi eleito com uma diferença de 11 pontos percentuais de seu adversário, Sergio Massa. Mas o cálculo não é tão óbvio. Apoio eleitoral não se traduz automaticamente em apoio político, principalmente quando a população passa a sentir no bolso o peso de medidas impopulares.

“Tenho a impressão de que ele está jogando no limite para ver o nível de tolerância dos argentinos ao ajuste”, opina o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, eles perdem o momento e a tolerância diminui rapidamente”.

Como funcionam

Na prática, subsídios são ajudas sociais que o governo fornece às empresas para manter um controle de preços. Em vez de transferir valores diretamente aos beneficiários, como ocorre com programas sociais como a Asignación Universal por Hijo (AUH, semelhante ao Bolsa Família brasileiro), o Estado repassa o valor às companhias de transporte, energia e gás, custeando a maior parte do consumo, enquanto a população paga um valor muito menor que o real.

A passagem unitária de metrô em Buenos Aires, por exemplo, custa hoje 80 pesos, o equivalente a R$ 0,50 no câmbio oficial e R$ 0,40 no paralelo, o mais usado no país. Em São Paulo, a tarifa de metrô, também congelada desde a pandemia, custa R$ 4,40 - 11 vezes mais que no país vizinho.

Em um contexto em que os salários dos argentinos são consumidos pela inflação galopante, os subsídios servem como ferramenta para não comprometer ainda mais as rendas, além de promover uma distribuição mais equitativa desta renda. O custo, porém, é alto. Estima-se que os gastos com esta forma de ajuda social represente entre 2% e 3% do PIB. Por causa do subsídio, a Argentina tem um das passagens de transporte público mais baratas da América Latina.

Ônibus passam pela Avenida 9 de Julio em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Segundo dados da consultoria Invecq compilados pelo site de checagem argentino Chequeado, entre 2016 e 2021 a Argentina destinou em média 3,3% do PIB para subsídios, valor só superado pelo Equador (3,9%). Abaixo ficaram Bolívia (2,6%), Chile (1,2%), Colômbia (0,4%) e Brasil (0,3%), entre outros. Em 2022 o governo de Alberto Fernández destinou 1 bilhão de dólares a programas de promoção social, o que equivale a 1,3% do PIB.

A crítica que se faz é de que, diferentemente dos auxílios sociais por demanda - como a AUH - que são destinados a quem mais necessita, os auxílio por oferta abarcam a todos. Qualquer um que obtiver um bilhete “sube” em Buenos Aires, pagará no transporte o mesmo valor que qualquer portenho seja qual for a renda. É por isso que economistas dizem que os subsídios, principalmente o da energia, são pró-rico, porque, por mais que beneficie a todos e de fato ajude aos mais pobres, quem tem maior renda sai em vantagem.

A vendedora Elvira Troncoso, 50, é uma das que votaram em Milei e tem esperança de que as coisas vão melhorar, ainda que seja em um futuro médio ou longo. Porém, admitiu preocupação com o fim dos baixos preços no transportes e nas contas. “Espero que não aumente”, admitiu rindo.

Já a vendedora de flores Patricia Kernol, também 50, estava confusa que ainda não havia aumentado o preço do metrô. “Achei que já ia aumentar no dia seguinte da posse”, afirmou, perguntando se já havia acontecido a mudança. “Não sei como que vai ser para mim, eu moro a duas horas de distância, minha renda vem da venda das flores, mas ninguém mais compra flores”.

“O transporte na Argentina é sempre um tema muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados”, observa Fabio Rodriguez.

Passageiros saem de um trem na estação Retiro, em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Os subsídios já são uma instituição na sociedade argentina, que existe há mais de 75 anos. Mas o modelo atual surgiu em 2002, por meio da Lei de Emergência Econômica que nasceu após o fim da paridade entre o dólar e o peso, que desencadeou a intensa crise econômica e social de 2001.

Os governos peronistas, principalmente os kirchneristas, fortaleceram essas políticas. Não a toa, o pico de gastos foi em 2013, no governo de Cristina Kirchner, quando se alocou 134 bilhões de dólares, o equivalente a 4% do PIB daquela época.

Já o pico inverso, de redução desses gastos foi em 2019, durante o governo de Mauricio Macri, em que os gastos com subsídios foram reduzidos de 3,4% do PIB registrado em 2015 para 1,5% em 2019.

O histórico, porém, não é favorável a Milei. Em 2016, o governo Macri promoveu uma política que ficou conhecida como “Tarifazo”, em que se retiraram os subsídios ao transporte, promovendo um aumento de 100% no preço da passagem. Também foi retirado o benefício da água, do gás, da energia e dos hidrocarbonetos, este últimos desencadeando uma alta no preço dos combustíveis.

A medida provocou uma série de protestos, que começaram na capital Buenos Aires e logo se espalharam por toda a província, até virarem marchas nacionais. Os protestos se seguiram até 2019, quando Macri perdeu as eleições para Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Um passageiro segura um cartão do transporte público de Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Por isso, a decisão da equipe econômica do libertário foi de aplicar uma redução - e não corte - gradual (o que vai contra o discurso de posse de Milei, que falava em não haver tempo para gradualismos). A medida, porém, em conjunto com outras apresentadas por seu ministro, prometem corroer parte do seu apoio popular, tornando a sua lua de mel bastante curta.

“A sua base de apoio mais sólida, que foram aqueles 30% (das primárias e do primeiro turno) vai se manter por um pouco mais de tempo. Mas esses 25% que ele conquistou depois, muito do Juntos pela Mudança, vai começar a ir com essas medidas impopulares”, avalia o cientista político e diretor do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires, Facundo Cruz.

Já durante as eleições, o tema virou um campo de batalhas entre Milei e Massa, com o peronista utilizando a máquina estatal para “expor” aos argentinos o plano de corte de subsídios de Milei. Após o primeiro turno, quem passasse o bilhete nas catracas, veria a mensagem de que a passagem custava um determinado valor com e outro sem o subsídio.

Na mesma linha, o governo Fernández promoveu uma campanha para que os argentinos que quisessem, abrissem mão voluntariamente de seus benefícios, mas menos de mil pessoas fizeram.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A aposentada Griselda Binzttel, 78, está de acordo com a política de ajustes que o novo presidente Javier Milei estava para anunciar na terça-feira, 12, mas sua preocupação é com a redução dos subsídios. O temor da aposentada, que mora perto da praça do Congresso, onde Milei tomou posse no domingo, é que com a retirada dos subsídios, a pobreza que já afeta 40% da população aumente ainda mais.

“Quem pega ônibus é pobre. Como que essas pessoas vão sobreviver?”, questiona. Ela fazia compras poucas horas antes do anúncio das medidas do ministro da Economia, Luis Caputo, e tinha enormes expectativas para ver o reflexo nos preços.

Na quarta-feira, 13, a presidência da Argentina esclareceu que as reduções começarão já a partir do primeiro dia de janeiro e vão afetar as tarifas de transporte, luz e gás, em uma medida que o governo espera economizar o equivalente 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no Orçamento. A ação, porém, é impopular. Aliado de Milei, o ex-presidente Maurício Macri tentou um corte parecido. A iniciativa frustada é até hoje apontada por analistas como um dos fatores que contribuiu para sua derrota para Alberto Fernández, em 2019.

Mudanças

Ontem, o ministro promoveu uma desvalorização de 55% no valor do peso frente ao dólar. A moeda, que valia um pouco mais de 400 pesos no fim do governo de Alberto Fernández passou para 800 pesos. O reflexo imediato será na inflação, que já está em 160% na taxa internanual e pode passar a taxas acima de 20% ao mês, segundo projetou o próprio presidente.

Pessoas usando o metrôs em Buenos Aires nesta quarta, 13 Foto: Rodrigo Abd/AP

A desvalorização, porém, era esperada, já que a Argentina precisa corrigir a distorção de preço entre o mercado oficial e paralelo do câmbio. O que surpreendeu foi o tamanho da desvalorização. Uma redução de subsídios também era prevista, mas com mais ansiedade, já que historicamente mexer nos benefícios é uma política altamente impopular, que pode custar apoio da base eleitoral.

Milei se ancora nesse base ao anunciar seu pacote de choque, já que foi eleito com uma diferença de 11 pontos percentuais de seu adversário, Sergio Massa. Mas o cálculo não é tão óbvio. Apoio eleitoral não se traduz automaticamente em apoio político, principalmente quando a população passa a sentir no bolso o peso de medidas impopulares.

“Tenho a impressão de que ele está jogando no limite para ver o nível de tolerância dos argentinos ao ajuste”, opina o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, eles perdem o momento e a tolerância diminui rapidamente”.

Como funcionam

Na prática, subsídios são ajudas sociais que o governo fornece às empresas para manter um controle de preços. Em vez de transferir valores diretamente aos beneficiários, como ocorre com programas sociais como a Asignación Universal por Hijo (AUH, semelhante ao Bolsa Família brasileiro), o Estado repassa o valor às companhias de transporte, energia e gás, custeando a maior parte do consumo, enquanto a população paga um valor muito menor que o real.

A passagem unitária de metrô em Buenos Aires, por exemplo, custa hoje 80 pesos, o equivalente a R$ 0,50 no câmbio oficial e R$ 0,40 no paralelo, o mais usado no país. Em São Paulo, a tarifa de metrô, também congelada desde a pandemia, custa R$ 4,40 - 11 vezes mais que no país vizinho.

Em um contexto em que os salários dos argentinos são consumidos pela inflação galopante, os subsídios servem como ferramenta para não comprometer ainda mais as rendas, além de promover uma distribuição mais equitativa desta renda. O custo, porém, é alto. Estima-se que os gastos com esta forma de ajuda social represente entre 2% e 3% do PIB. Por causa do subsídio, a Argentina tem um das passagens de transporte público mais baratas da América Latina.

Ônibus passam pela Avenida 9 de Julio em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Segundo dados da consultoria Invecq compilados pelo site de checagem argentino Chequeado, entre 2016 e 2021 a Argentina destinou em média 3,3% do PIB para subsídios, valor só superado pelo Equador (3,9%). Abaixo ficaram Bolívia (2,6%), Chile (1,2%), Colômbia (0,4%) e Brasil (0,3%), entre outros. Em 2022 o governo de Alberto Fernández destinou 1 bilhão de dólares a programas de promoção social, o que equivale a 1,3% do PIB.

A crítica que se faz é de que, diferentemente dos auxílios sociais por demanda - como a AUH - que são destinados a quem mais necessita, os auxílio por oferta abarcam a todos. Qualquer um que obtiver um bilhete “sube” em Buenos Aires, pagará no transporte o mesmo valor que qualquer portenho seja qual for a renda. É por isso que economistas dizem que os subsídios, principalmente o da energia, são pró-rico, porque, por mais que beneficie a todos e de fato ajude aos mais pobres, quem tem maior renda sai em vantagem.

A vendedora Elvira Troncoso, 50, é uma das que votaram em Milei e tem esperança de que as coisas vão melhorar, ainda que seja em um futuro médio ou longo. Porém, admitiu preocupação com o fim dos baixos preços no transportes e nas contas. “Espero que não aumente”, admitiu rindo.

Já a vendedora de flores Patricia Kernol, também 50, estava confusa que ainda não havia aumentado o preço do metrô. “Achei que já ia aumentar no dia seguinte da posse”, afirmou, perguntando se já havia acontecido a mudança. “Não sei como que vai ser para mim, eu moro a duas horas de distância, minha renda vem da venda das flores, mas ninguém mais compra flores”.

“O transporte na Argentina é sempre um tema muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados”, observa Fabio Rodriguez.

Passageiros saem de um trem na estação Retiro, em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Os subsídios já são uma instituição na sociedade argentina, que existe há mais de 75 anos. Mas o modelo atual surgiu em 2002, por meio da Lei de Emergência Econômica que nasceu após o fim da paridade entre o dólar e o peso, que desencadeou a intensa crise econômica e social de 2001.

Os governos peronistas, principalmente os kirchneristas, fortaleceram essas políticas. Não a toa, o pico de gastos foi em 2013, no governo de Cristina Kirchner, quando se alocou 134 bilhões de dólares, o equivalente a 4% do PIB daquela época.

Já o pico inverso, de redução desses gastos foi em 2019, durante o governo de Mauricio Macri, em que os gastos com subsídios foram reduzidos de 3,4% do PIB registrado em 2015 para 1,5% em 2019.

O histórico, porém, não é favorável a Milei. Em 2016, o governo Macri promoveu uma política que ficou conhecida como “Tarifazo”, em que se retiraram os subsídios ao transporte, promovendo um aumento de 100% no preço da passagem. Também foi retirado o benefício da água, do gás, da energia e dos hidrocarbonetos, este últimos desencadeando uma alta no preço dos combustíveis.

A medida provocou uma série de protestos, que começaram na capital Buenos Aires e logo se espalharam por toda a província, até virarem marchas nacionais. Os protestos se seguiram até 2019, quando Macri perdeu as eleições para Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Um passageiro segura um cartão do transporte público de Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

Por isso, a decisão da equipe econômica do libertário foi de aplicar uma redução - e não corte - gradual (o que vai contra o discurso de posse de Milei, que falava em não haver tempo para gradualismos). A medida, porém, em conjunto com outras apresentadas por seu ministro, prometem corroer parte do seu apoio popular, tornando a sua lua de mel bastante curta.

“A sua base de apoio mais sólida, que foram aqueles 30% (das primárias e do primeiro turno) vai se manter por um pouco mais de tempo. Mas esses 25% que ele conquistou depois, muito do Juntos pela Mudança, vai começar a ir com essas medidas impopulares”, avalia o cientista político e diretor do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires, Facundo Cruz.

Já durante as eleições, o tema virou um campo de batalhas entre Milei e Massa, com o peronista utilizando a máquina estatal para “expor” aos argentinos o plano de corte de subsídios de Milei. Após o primeiro turno, quem passasse o bilhete nas catracas, veria a mensagem de que a passagem custava um determinado valor com e outro sem o subsídio.

Na mesma linha, o governo Fernández promoveu uma campanha para que os argentinos que quisessem, abrissem mão voluntariamente de seus benefícios, mas menos de mil pessoas fizeram.

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