THE NEW YORK TIMES — Cingapura está repensando seu escaldante espaço urbano para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Poderá se tornar modelo?
O primeiro-ministro de Cingapura descreveu o combate às mudanças climáticas como uma situação de “vida ou morte”. Ele tem motivo para se preocupar: temperaturas e umidade sufocantes já atingiram no ano passado a cidade-Estado, que esquentou duas vezes mais do que a média global ao longo das seis décadas recentes.
Um calor desse não é apenas desconfortável. Pode causar doenças crônicas e mortes, incluindo de exaustão por calor, dano renal e até ataques cardíacos. Com a expectativa de dois terços da população global vivendo em áreas urbanas até 2050, o calor das cidades é um enorme desafio global.
A urbanização rápida fez a temperatura em Cingapura aumentar. Grande parte do problema decorre da maneira que quase todas as metrópoles globais são construídas.
Evitar as mudanças climáticas é algo que escapa ao controle de Cingapura: a cidade-Estado produz menos de 0,1% das emissões globais de carbono. Mas há uma maneira certeira de conter as temperaturas na cidade, afirmam pesquisadores: ressuscitar processos naturais que refrescavam a terra antes da urbanização.
A maioria das cidades não tem a riqueza e o sistema político centralizado de Cingapura, que lhe permitem movimentar-se rapidamente para construir novas infraestruturas. Mas ainda que algumas estratégias de Cingapura para reduzir excesso de calor sejam dispendiosas, muitas são diretas e mais baratas que preparações para, digamos, enchentes ou furacões.
Conforme as temperaturas quebraram recordes em todo o planeta neste verão (Hemisfério Norte), o plano de Cingapura para diminuir os impactos urbanos do calor extremo está ganhando urgência. Pesquisadores afirmam que plantar mais árvores é a maneira mais eficaz de reduzir a temperatura das cidades.
“Se nós quiséssemos inventar o tipo mais eficaz de tecnologia de controle climático, do zero, nós poderíamos gastar muito tempo e dinheiro fazendo isso — e criaríamos simplesmente uma árvore”, afirmou Brian Stone Jr, diretor do Laboratório de Clima Urbano do Instituto Geórgia de Tecnologia.
As ruas ao redor do Hospital Khoo Teck Puat são delineadas por árvores, e os jardins centrais do edifício é repleto de folhagem densa. Durante o dia, as árvores protegem os pedestres do sol abrasador e evita que os raios solares aqueçam as calçadas. À noite, as temperaturas ficam mais baixas, já que a calçada emana menos calor.
Para regular o estresse climático com árvores, as cidades precisarão tratá-las como infraestrutura e garantir que elas permaneçam saudáveis e eficazes, de acordo com Stone. Isso tem um custo, mas é apenas uma fração do que as cidades gastam com outras proteções ambientais.
“É um item real do orçamento, mas não desproporcional em relação ao que nós já gastamos com gestão ambiental nas cidades”, afirmou ele. “É menos de 1% do que gastamos com manutenção de galerias pluviais em Los Angeles anualmente.”
Cingapura também estimula a integração de áreas verdes aos edifícios da cidade oferecendo incentivos para a instalação de jardins em suas coberturas e fachadas verticais. A folhagem funciona como um guarda-sol natural, sombreando a estrutura e isolando o material do edifício do calor, reduzindo a necessidade de ar-condicionado.
Mais sobre mudanças climáticas
Cingapura pintou alguns telhados de edifícios com tons claros e reflexivos, que absorvem menos calor e são capazes de reduzir a temperatura ambiente em torno dos prédios em até 2ºC, sugerem estudos iniciais. Um programa similar aplicado na cidade de Nova York cobriu mais de 930 mil metros quadrados de tetos de edifícios com tintas reflexivas desde 2009, reduzindo a necessidade de ar-condicionado e a poluição térmica que o uso dos equipamentos gera.
Decisões simples em design também podem surtir grande impacto sobre a temperatura do edifício.
Edifícios do novo Jurong Lake District evitam fachadas voltadas para o sol, o que baixa as temperaturas internas. E arquitetos estão projetando prédios que favorecem ventilação cruzada, permitindo ao ar se mover de um lado a outro do edifício, soprando ar quente para fora e deixando o ar fresco entrar.
“Nós podemos ter uma grande área que não é dependente de energia gerando muito ar fresco para para torná-la confortável”, afirmou Richard Hassell, diretor e fundador da WOHA Architects, que projetou o hotel Parkroyal. “Nós podemos tornar o local confortável passivamente.”
Há limites para o que pode ser alcançado repensando a cidade um edifício de cada vez. Mesmo os prédios mais modernos podem influenciar negativamente seu entorno de maneiras imprevistas. Um novo empreendimento residencial com todos os “balangandãs” de eficiência do design moderno ainda pode fazer aumentar a temperatura da vizinhança se bloquear o fluxo dos ventos, afirmou Winston Chow, principal pesquisador do instituto Cooling Singapore. “Nós temos um novo empreendimento residencial que cancela tudo o que foi feito, então há um prejuízo líquido”, afirmou ele.
Para mitigar as ilhas de calor nas cidades é vital não apenas melhorar o projeto de todos os edifícios, mas também considerar sua relação com o entorno urbano.
Uma rua de Cingapura conhecida “beco do ar-condicionado” comprova como muitas pequenas decisões mal coordenadas podem combinar-se para causar um enorme problema térmico. Centenas de aparelhos de ar-condicionado bombeiam ar quente para fora de apartamentos e escritórios na mesma rua estreita.
Dinâmicas similares ocorrem na maioria das cidades com clima quente. Os edifícios são refrescados individualmente, baixando suas temperaturas internas enquanto esquentam o ar do ambiente externo.
Phoenix, Arizona, registrou 17 dias com temperaturas acima de 46ºC em julho, o mês mais quente já registrado globalmente. Garrafas de água se deformaram, esportistas dedicados usaram lanternas de cabeça para correr às 4h e dezenas de pessoas morreram de causas relacionadas ao calor na região do Condado de Maricopa.
O desenho da cidade fez piorar ainda mais o verão brutal. Ainda que Phoenix tenha plantado algumas árvores em bairros sem sombra, em geral a cidade ainda tem poucas árvores e grandes trechos urbanos de asfalto absorvendo diretamente o calor. Mais de 1,3 milhão de moradores vivem em áreas em que a ilha de calor excede em 4 graus a temperatura do restante da cidade, de acordo com pesquisa do instituto Climate Central.
Em vez de refrescar espaços pequenos individualmente, o bairro Marina Bay, de Cingapura, que tem planejamento centralizado, refresca vários edifícios ao mesmo tempo por meio de uma tubulação de água fria muito mais eficiente do que várias unidades pequenas de ar-condicionado, reduzindo tanto o consumo de energia quanto a poluição térmica.
Outras cidades possuem sistemas similares, incluindo Paris, assim como alguns campi universitários nos Estados Unidos. Mas para funcionar eficientemente o sistema distrital de arrefecimento de ambiente com frequência requer coordenação entre vários proprietários e empreendedores imobiliários, e adaptar estruturas existentes é caro. Cingapura, que é capaz de planejar centralmente um novo empreendimento em grande escala, como Marina Bay, tem uma vantagem.
Espaços verdes grandes, como parques, são o tipo de intervenção mais amplamente prático, pois refrescam áreas além das que ocupam, afirmam pesquisadores. Medições de temperatura ambiente mostram que o Parque Bishan, em Cingapura, de 627,3 mil metros quadrados, pode ser até 2 graus mais fresco do que blocos residenciais de alta densidade no meio da cidade. “Quanto maior o espaço do parque, mais seu frescor entra nas áreas residenciais”, afirmou Chow, do Cooling Singapore.
Rede de corredores verdes
Mas até parques têm seus limites. Cingapura construiu uma solução mais sistemática, uma rede de corredores verdes que conecta bosques e permite que ar fresco flua por toda a cidade.
Corredores verdes foram bem-sucedidos em outras cidades, incluindo em Medellín, na Colômbia. A cidade plantou mais de 880 mil árvores em 30 corredores, o que, segundo registros, reduziu a temperatura média do ar em mais de 4ºC nos corredores.
“Um corredor pode ao menos gerar esse tipo de circulação de ar nas cidades. E o ar fresco pode estender-se para a área próxima, criando bolsões de alívio do calor”, afirmou a pesquisadora Tamara Iungman, do Instituto Barcelona para Saúde Global.
Plantar árvores massivamente no nível das ruas, ao longo das calçadas da cidade, é a solução mais eficaz para reduzir as temperaturas, de acordo com pesquisadores do Laboratório de Clima Urbano.
“Nós não podemos depender de uma concentração centralizada e intensa de florestas urbanas ou microflorestas para refrescar a cidade inteira. Nós realmente temos de dispersar”, afirmou Stone, do Laboratório de Clima Urbano.
Os esforços de Cingapura em reduzir as ilhas de calor urbano são capazes realmente de superar o ritmo de elevação da temperatura global? Provavelmente não, reconhecem as autoridades locais. Mas manter suas temperaturas estáveis seria uma vitória enorme.
“Eu acho que estamos tentando evitar os aumentos previstos caso não façamos nada”, afirmou a vice-diretora executiva da Autoridade Urbana de Redesenvolvimento de Cingapura, Adele Tan.
Urbanistas e formuladores de políticas reconhecem que invenções para refrescar as cidades também ajudam de outras maneiras. Corredores verdes e grandes áreas de vegetação sustentam biodiversidade, fornecem espaços de lazer para os moradores e colaboram na prevenção a enchentes.
“É uma boa surpresa estar aqui neste momento nas mudanças climáticas, percebendo que nossa intervenção número um tem todos esses outros benefícios”, afirmou Stone. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL